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“RAÇA” E O PROJETO POLÍTICO DE NAÇÃO DO INTEGRALISMO

Jaqueline Tondato Sentinelo Mestranda - Universidade Estadual de Maringá – UEM Orientador: Prof. Dr. João Fábio Bertonha

A Ação Integralista Brasileira – AIB1 – que foi fundada por Plínio Salgado em 1932, e apresentava características semelhantes às dos fascismos europeus2 – tinha como um dos principais objetivos transformar a sociedade brasileira em uma “Sociedade Integral”, a partir de mudanças nas suas estruturas: econômica, política, e cultural. Um importante aspecto se faz presente nesse projeto de consolidação de uma Nação Integral: a questão racial. Dessa forma, verificar como esta está presente nesse “projeto” torna-se essencial.

Nesse sentido, o objetivo do presente trabalho não é demonstrar ou caracterizar o conceito de “raça” para a AIB, mas sim destacar a importância da questão racial – ou racismo – para o projeto político de nação proposto pela AIB; o que afirma a relevância desse assunto para se entender a ideologia integralista.

Recentemente (especialmente a partir da década de 1990), a historiografia sobre o Integralismo passou a abordar novos problemas e apresentar novas abordagens relacionadas à ideologia e prática política da AIB: a prática política do movimento em âmbito regional, a memória dos militantes, a participação das mulheres, a relação entre eugenia e integralismo, o racismo integralista, e o neo-integralismo, entre outros, têm despertado cada vez mais interesse nos historiadores, e resultado em um crescente número de pesquisas e publicações sobre o tema. 3

As novas abordagens revelam um “novo momento” da historiografia4 sobre o assunto, o que pressupõe a necessidade de analisar e/ou rever determinados aspectos desse movimento para compreendê-lo melhor, entre esses: o racismo5.

O racismo integralista geralmente é abordado a partir do anti-semitismo, marcante essencialmente no discurso de um dos seus principais ideólogos: Gustavo Barroso. Porém, este não é o único aspecto importante para os integralistas: o antigermanismo e a participação de “minorias” como negros nas fileiras da AIB vem recebendo destaque, atestando a relevância de estudos a partir dessas perspectivas.

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Tentaremos, então, estabelecer um diálogo entre o racismo integralista e o projeto político de nação desse movimento, a partir da historiografia sobre o tema.

De acordo com Levine, “o programa da AIB pedia uma revisão completa da administração política brasileira, com maior ênfase no nacionalismo cultural e econômico”. Para se consolidar a “Nação Brasileira Integral” seria preciso modificar a estrutura econômica do país, com a nacionalização dos bancos, das minas, da energia hidrelétrica e do petróleo; além de consolidar o controle das redes de transportes e comunicações pelo Estado. Seriam necessárias ainda outras modificações: “revisão de todos os contratos assinados com estrangeiros; a renegociação da dívida externa; a reforma do serviço diplomático; uma legislação mais rigorosa para a imigração [...]”. (LEVINE, 1980: 130). Assim, os problemas econômicos e estruturais brasileiros para a AIB estariam relacionados à falta de projetos econômicos nacionalistas por parte do governo.

O nacionalismo integralista não estava restrito à questão econômica, como podemos verificar em Hélgio Trindade, para quem o caráter nacionalista do Integralismo pode ser observado no Manifesto de 1932 (documento que marca o início da Ação Integralista Brasileira) a partir de três aspectos: econômico, anti-semita, e cultural, sendo que este é predominante diante dos outros e o principal responsável pelo projeto de formação de uma Nação indivisível (Integral). Segundo o autor, essa característica da ideologia integralista está presente nos discursos de Plínio Salgado desde suas primeiras ações políticas, assim como já se apresentava nas suas manifestações artísticas, enquanto era membro do movimento modernista na década de 1920. Dessa forma, quando Salgado fundou, em fevereiro de 1932, a Sociedade de Estudos Políticos (SEP), organização precursora do Integralismo, a valorização da nação (ou nacionalismo) já era característica da sua ideologia política, e se desdobraria na ideologia da Ação Integralista Brasileira, a qual deveria “Despertar a Nação” para a valorização e conservação dos aspectos genuinamente brasileiros: que são a raça e a tradição histórico-cultural nacional:

A idéia-força principal da ideologia que se impõe pela leitura do Manifesto é, sem dúvida o nacionalismo, cujo conteúdo é mais cultural do que econômico. [...] Seria interessante comparar o nacionalismo definido por Salgado no Manifesto, como a “profunda consciência das nossas necessidades, do caráter, das tendências, das aspirações da Pátria e do valor da raça”. (TRINDADE, 1979: 211).

[Plínio Salgado tem o objetivo de] afirmar o valor do Brasil e unir todos os brasileiros num só espírito para construir uma nação una, indivisível, forte, poderosa, rica e feliz [...] se propõe a criar uma cultura, uma civilização, um modo de vida genuinamente brasileiro. (Ibid.: 209-210).

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Para formar essa Nação indivisível, Plínio Salgado apresentou a “idéia da formação de uma nova raça sobre uma base étnica comum”.

De acordo com Trindade, Salgado defendia que:

essa unidade racial (...) tenha origem no elemento tupi (...). Todas as raças estrangeiras que para aqui vierem terão no tupi uma espécie de denominador comum... [...] Tudo indica (...) que uma multiplicidade de fatores e ocorrências converge na formação una da nacionalidade brasileira e que justamente os traços étnicos diferenciais, assim como as modalidades climáticas variáveis, antes de constituírem um empecilho, determinam uma possibilidade maior para que se plasme no Brasil um tipo humano futuro, que será, incontestavelmente, dos mais superiores e inteligentes. Despertemos no coração dos brasileiros a consciência desse grande destino. (Ibid.: 46-47).

Nessa mesma perspectiva, Natália Cruz destaca que para os integralistas a Nação deveria ser racial e etnicamente homogênea. Considerando a realidade multiracial da sociedade brasileira, esta homogeneização se daria através da miscigenação da população. Para a autora, há uma pretensa autenticidade neste projeto integralista de nação, devido à defesa de que essa “mistura de raças” estava ligada às tradições históricas, culturais e religiosas presentes na sociedade brasileira desde o processo histórico da colonização. Assim, seria preciso nacionalizar os estrangeiros (para se criar a Nação genuinamente brasileira), contrariando a manutenção das identidades das diversas raças e/ou culturas existentes no Brasil, o que, de acordo com esta autora, caracteriza o Integralismo como intolerante. (Ibid.: 96).

Para Cruz, essa miscigenação se daria com o predomínio da raça e cultura brancas sobre as demais, criando, assim, uma nova raça e sociedade brasileira, o que:

revela-se nos discursos contrários à manutenção das identidades culturais de comunidades de imigrantes [...] na defesa da nacionalização desses grupos; no ideal do amálgama racial, ou seja, da miscigenação com conotações racistas, já que tem o firme propósito de branquear a população brasileira e formar uma raça única: a raça branca. (Ibid.: 96).

As “raças” que compunham a sociedade brasileira, seriam, então, valorizadas de acordo com os interesses da Nação. No discurso integralista: o índio era um elemento genuinamente brasileiro, e propício à miscigenação, devido às suas características de cordialidade (“alma cordial”) e benevolência. A valorização dos negros se dava no mesmo sentido. Já o branco (especialmente na figura do colonizador português) era exaltado como o elemento aglutinador das diversidades existentes na sociedade brasileira, e seria o responsável pela criação da nacionalidade brasileira. (Ibid.: 89).

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Para manter a unidade da nação, deveria entrar em cena o Estado Integral que seria, então, o mediador da estruturação dessa Pátria, a qual se constituiria como uma sociedade sem conflitos, proporcionada pela colaboração entre as classes e pela representação corporativa dos grupos profissionais que a compõe: “O controle da máquina estatal possibilitaria ao integralismo construir a nação idealizada, sendo um dos passos principais a homogeneização racial e cultural da população brasileira levada a cabo pelo Estado”. (Ibid.: 95).

De acordo com Natália Cruz, o racismo integralista estaria marcado por uma especificidade pois apresentaria aspectos modernos e tradicionais: “O integralismo pertencia à modernidade, pois possuía um elemento norteador de todo o seu discurso racista: a idéia de planejamento social como forma de construção da nação” (Ibid.: 98); “o aspecto tradicional é representado pela cultura dos valores religiosos – o cristianismo” (Ibid.: 99). A partir do aspecto “modernizador” do racismo integralista, podemos perceber semelhanças entre esse e o racismo presente na elite intelectual brasileira no período de existência da Ação Integralista Brasileira, fortemente influenciado pelas idéias européias.

No contexto de consolidação do Estado-Nação brasileiro (século XIX), que começou a se formar com a Independência política do Brasil em relação a Portugal, a elite intelectual brasileira passou a se preocupar com o que seria essa “nacionalidade”. Assim, principalmente entre finais do século XIX e início do século XX essa “elite preocupada” desenvolveu a teoria do branqueamento como necessária à formação da nação brasileira, sob a influência de idéias racistas européias, que surgiram na Europa no século XIX, no contexto de colonização da Ásia e da África e ganharam força no final deste, cujo objetivo era justificar a desigualdade social e negar a igualdade entre os homens, baseado na cientificidade.

De acordo com Cruz, a questão racial no Brasil entre o final do século XIX e início do XX esteve entre dois grupos: o primeiro via o Brasil como um país condenado (devido a miscigenação), claramente influenciado pela concepção darwinista ou determinista social; e o segundo defendia uma miscigenação orientada como única saída para o desenvolvimento do país, com base no evolucionismo social. (Ibid.: 79).

Este último grupo pode ser entendido como o mais influente nas teorias racistas brasileiras e como o que “criou” a teoria do branqueamento, segundo a qual a sociedade brasileira deveria promover a mistura das diversas raças existentes no seu território para que a raça branca, sendo superior às demais, se sobrepusesse até que conseguisse se tornar inteiramente predominante, proporcionando, assim, a formação de uma nação civilizada e “evoluída”.

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Cruz destaca que a teoria do branqueamento era compartilhada pelas principais instituições representativas da elite intelectual brasileira desde as últimas décadas do século XIX, como as faculdades de direito, e os Institutos Históricos e Geográficos (IHGs), importantes meios de informação no contexto de formação da identidade nacional, e, inclusive, pelo movimento integralista.

Segundo a autora:

Os IHGs foram instrumentos da elite branca do país para a construção de uma história brasileira, mas generalizando histórias de certos grupos regionais influentes. O tema racial auxiliou na elaboraração de uma história branca e européia para o Brasil [...] justificava-se o predomínio branco e a hierarquia social [...] branqueamento [como] a salvaguarda de um futuro promissor para o país. (CRUZ, 2004: 65).

As faculdades de Direito defendiam ainda o higienismo para possibilitar a evolução da sociedade brasileira em meio à degeneração racial. De acordo com essa concepção, o problema nacional seria resultado não só da formação étnica e racial da sociedade brasileira, mas também da falta de uma “ação higiênica e educativa, visando o aperfeiçoamento do homem [...] a educação é a lei que modifica a raça, que faz recuar a tradição” (Ibid.: 69).

Cruz destaca que apesar do discurso desse movimento também apresentar a idéia de supremacia da cultura e raça branca sobre as demais, e, conseqüentemente, o papel essencial dessa raça para a formação de uma nação homogênea: “[no projeto político-ideológico integralista] encontra-se uma clara proposta de supremacia da raça e cultura branca que, através do caldeamento étnico e racial, tende a ‘eliminar’ as demais raças” (Ibid.: 93); havia uma diferença entre o racismo integralista e os “demais racismos brasileiros”: a maneira com que o discurso dos ideólogos da Ação Integralista Brasileira construía esse racismo. (Ibid.: 80). Para essa autora, o discurso integralista de unidade e indivisibilidade social, pautado na idéia do espiritualismo cristão (comunhão e solidariedade cristã) escondia a “intolerância para com os grupos que queriam manter a sua cultura e identidade próprias” na sociedade brasileira:

O Integralismo retirou a discussão sobre a questão racial do campo das ciências e da razão, e a transportou para o campo da moral e dos valores, dando-lhe um aspecto humanista. Essa operação ideológica possibilitou ao movimento combinar a defesa de princípios racistas e excludentes com a negação do racismo enquanto parte integrante de seu ideário. (CRUZ, 2004: 81).

É nessa perspectiva da “inversão de discurso” que Cruz caracteriza o racismo integralista. Um dos aspectos do racismo integralista destacado pela autora (e comumente

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abordado na historiografia sobre o tema) é o anti-semitismo. Para ela, o discurso integralista de “não assimilação” dos judeus é o ponto de partida de seu racismo contra esta etnia: não é o integralismo que rejeita o judaísmo, mas sim este, por seu caráter racista, que não quer ser assimilado na cultura brasileira. Assim, de acordo com a autora, o judaísmo seria um empecilho para a formação da “Nação Integral”. (CRUZ, 2004: 186). Para sua discussão, Cruz se baseia no discurso de Gustavo Barroso e destaca alguns integralistas que compartilhavam de sua visão anti-semita: Monteiro de Mello, Oswaldo Gouvêa, Arnor Butler Maciel, Arce Tenório D’Albuquerque, entre outros, enfatizando que para fundamentar seu discurso, os integralistas anti-semitas se baseavam especialmente na teoria da conspiração judaica, caracterizada pelo messianismo, na busca pela terra prometida. (CRUZ, 2004: 196).

Entretanto, é importante destacar que o anti-semitismo integralista radical está presente basicamente no discurso de Gustavo Barroso. Outros importantes ideólogos e líderes integralistas, como Salgado e Reale, preocupavam-se em afirmar o movimento como não racista. Assim, as lideranças do movimento integralista davam ênfase diferenciada às questões ligadas ao judaísmo.

De acordo com Levine:

[O integralismo] Refletia o nazismo, sobretudo na sua vigorosa campanha anti-semita, de que se encarregava principalmente Gustavo Barroso, diretor da milícia integralista e principal intelectual do movimento. Plínio fazia praça do seu bom relacionamento com judeus (individualmente), como o industrial Horácio Lafer [...] (LEVINE, 1980: 132). [Gustavo Barroso] com um anti-semitismo exagerado e um vigor excepcional constituía uma espécie de exceção entre os chefes do integralismo. Mas sua notoriedade e estatura intelectual davam-lhe no movimento uma influência possivelmente inferior apenas à do próprio Plínio. (Ibid.: 137-8).

Para Cruz as diferenças nos discursos sobre semitas entre os líderes integralistas podem ser entendidas a partir de “duas questões primordiais: o problema da não assimilação dos judeus à cultura nacional [...] e a teoria da conspiração mundial judaica. Uns enfatizavam mais a primeira questão e outros a segunda”. (CRUZ, 2004: 151). A autora destaca que a preocupação em negar o radicalismo de Barroso se faz presente especialmente porque o Integralismo precisa afirmar seu caráter cristão e humanista, que pressupõe o respeito e o amor ao próximo. Assim, os valores como tolerância e amor ao próximo, presentes no humanismo-cristão integralista, são os meios de legitimar o racismo presente no integralismo, considerando a pretensão desse movimento de construir uma sociedade homogênea através do caldeamento da população, com o predomínio da raça branca. Dessa maneira, a realidade

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multiracial e miscigenada da sociedade brasileira seria o impedimento real a um “discurso racista nos moldes tradicionais”. (Ibid.: 97).

Também podemos entender essas diferenças nos discursos dos ideólogos integralistas simplesmente como uma rejeição ao radicalismo de Barroso por parte de outros líderes do movimento. (TRINDADE, 1979: 242). Isto sugere que não podemos considerar o judeu como o principal inimigo do Integralismo, assim como o era para o nazismo. O que também nos remete a idéia de que é “complicado” caracterizar o Integralismo como movimento que apresenta o racismo como princípio fundamental.

De acordo com Trindade, o anti-semitismo integralista presente no discurso de Gustavo Barroso tinha caráter essencialmente político, pois serviria basicamente para legitimar a consolidação do Estado Integral, com todo o poder concentrado na figura do Chefe Nacional, proposto na ideologia integralista. Assim, este “Estado” deveria ter força suficiente para conseguir acabar com os elementos contrários à formação da unidade nacional, entre esses: os judeus. Segundo o autor, o anti-semitismo se justificaria porque o discurso integralista destacava que “só um poder forte pode libertar o Brasil das forças [ocultas da maçonaria, imprensa e política manipuladas, econômicas e financeiras internacionais e externas] dominadas pelos judeus”. (Ibid.: 244). É importante ressaltar ainda que, de acordo com Trindade, o anti-semitismo adquiriu importância no discurso integralista, pois houve uma relativa “aceitação [do anti-semitismo] entre os militantes de base”. (Ibid.: 242).

O antigermanismo integralista também é caracterizado por Cruz, e está relacionado ao projeto de “Nação Integral”. A autora sugere que o germanismo, e/ou o pan-germanismo – doutrina que, sinteticamente, consiste na tentativa de manter a identidade cultural germânica fora das fronteiras alemãs (a última caracteriza-se também por defender a manutenção da raça alemã-ariana, estando, assim, mais ligada ao nazismo) – é o ponto de conflito entre as doutrinas integralista e nazista (CRUZ, 2004: 122-123).

Nesse sentido, podemos considerar que o antigermanismo integralista é mais cultural do que racial, pois o projeto de nação da Ação Integralista Brasileira não permitiria a manutenção de tradições culturais (língua, religião, costumes, etc.) diferentes da brasileira que se pretendia formar. Assim, o que teria feito com que germanistas se tornassem “alvos” do integralismo foi o fato destes defenderem sua cultura, o que ameaçava o projeto de unidade cultural nacional: incompatível com a diversidade cultural. Por outro lado, os alemães e teuto-brasileiros, por se constituírem de “homens brancos”, estariam aptos para contribuir com o caldeamento da população brasileira, ajudando-a no seu “branqueamento”. Assim, o

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antigermanismo integralista, de acordo com Cruz, se assemelha ao “novo racismo” proposto por Becker:

dá ênfase ao sentimento de incompatibilidade entre grupos distintos, sendo que o eixo central que norteia esta incompatibilidade seria a diversidade cultural. [...] Não que [os integralistas] considerassem os alemães uma raça ‘inferior’, mas a persistência em preservarem suas especificidades culturais entravam em conflito com a cultura nacional. O integralismo considerava que os teuto-brasileiros, por serem cidadãos brasileiros, deveriam se assimilar culturalmente, não aceitando a idéia da convivência com culturas distintas que ameaçassem o projeto de padronização racial e cultural do povo brasileiro. (CRUZ, 2004: 147).

No mesmo sentido, Hilton afirma que:

O nacionalismo dos integralistas chocava-se frontalmente com os interesses culturais alemães no Brasil, pois, em seu desejo de forjar uma nação unida, os camisas-verdes insistiam na assimilação de todas as ‘colônias estrangeiras’. (HILTON, 1993: 34).

É interessante ressaltar que houve a participação de imigrantes na Ação Integralista Brasileira: alemães e italianos, especialmente do sul do Brasil (onde há concentração de núcleos desses imigrantes), se filiaram ao Integralismo de maneira marcante; isto nos permite questionar sobre a existência de um racismo extremo na ideologia integralista. A explicação mais plausível sobre a grande aceitação do Integralismo por esses imigrantes é a aproximação entre os ideais da AIB com os do fascismo italiano e do nazismo, admirados por muitos deles.

Sobre a participação desses imigrantes na AIB, Levine apresenta os seguintes dados:

Patronímicos estrangeiros dominavam o integralismo nesses dois estados [Paraná e Santa Catarina]: de 22 chefes integralistas, 8 eram claramente de ascendência italiana (por exemplo: Pelligrini, Margiotti); 13 de ascendência alemã (por exemplo: Stein, Malburg, Gruenwalt); e apenas 9 tinham sobrenomes conhecidamente portugueses [...] pelo menos quatro jornais integralistas eram publicados no Paraná e em Santa Catarina; desses, o Blumenau Zeitung aparecia em alemão. (LEVINE, 1980: 144).

Mais um assunto merece destaque neste trabalho, pois nos chama a atenção para a necessidade de análise que o racismo integralista pressupõe: houve participação de negros na Ação Integralista Brasileira. Este fato, para um movimento político com características racistas é, no mínimo, instigante.

Kossling, em seu artigo intitulado: Os afro-descendentes na Ação Integralista Brasileira publicado na Revista Histórica, em 2004, verificou não somente a filiação de negros ao movimento, como também a preocupação deste para arregimentar adeptos entre aquela raça, especialmente no ano de 1937 (contexto que precede as eleições presidenciais

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que deveria ocorrer em 1938). A autora destacou algumas semelhanças entre a ideologia da Ação Integralista Brasileira e da Frente Negra Brasileira, que é considerado o maior movimento de massa da população afro-descendente no período em questão.

Fato relevante na tentativa de explicar a participação de negros num movimento político que apresenta, de alguma forma, caráter racista é a aproximação entre o projeto político-ideológico desse movimento político (Integralismo) e a principal organização política-social do movimento negro do período: a Frente Negra Brasileira. As principais semelhanças seriam, então, já demonstradas pela proximidade entre os seus lemas: “Deus, Pátria e Família” do Integralismo; e “Deus, Pátria, Raça e Família” da Frente Negra Brasileira. Esses dois movimentos políticos compartilhariam ainda de um nacionalismo caracterizado pela idéia de unidade nacional, e da formação de uma raça brasileira; do anticomunismo; e do objetivo de se fazer uma revolução moral para “reorganizar” a sociedade brasileira.

Para arregimentar membros negros ao Integralismo, este teria utilizado o discurso da “integração” das raças, em conjunto com o “mito da democracia racial”, considerando o negro como um dos elementos primordiais da sociedade brasileira, por ser uma das três raças que a constituem. Assim, a raça negra contribuiria para a consolidação da futura unidade nacional.

Sobre a participação de negros no Integralismo é importante mencionar ainda que, apesar de serem poucos os negros que ocuparam cargos importantes na liderança e/ou participaram nas decisões da Ação Integralista Brasileira, esta participação não foi completamente rejeitada, como poderíamos supor acontecer em uma organização política que tivesse como princípio a intolerância e o racismo. Um dado interessante sobre essa participação no Integralismo é que, de acordo com Levine:

A AIB orgulhava-se de contar em seu grêmio o mulato João Cândido, atormentado herói da revolta naval de 1910. Mas o marinheiro João Cândido, homem pouco articulado, não quis ter papel ativo. Mais tarde admitiria que o integralismo o enganara e que só entrara para o movimento por deferência a amigos. (LEVINE, 1980: 140).

A partir do trabalho exposto, pudemos observar que a questão racial estava presente no projeto de nação da AIB: a consolidação de uma “raça genuinamente brasileira” fazia parte do projeto de nação da Ação Integralista Brasileira. Verificamos também que houve a participação de minorias, tanto estrangeiros, como negros nessa importante organização política, e que a participação desses últimos foi até mesmo “valorizada” em determinado período (é claro que temos em mente a importância do contexto para tais fatos). Portanto,

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definir a “raça genuinamente brasileira” proposta por Plínio Salgado, bem como o racismo presente na ideologia integralista não é um trabalho simples, e talvez distante de se concretizar. Longe de caracterizar esses termos, o presente trabalho propõe uma reflexão sobre a importância de se estudar melhor mais um aspecto presente na ideologia integralista: o racismo em relação ao negro, o que pode contribuir para a compreensão de como esse elemento esteve presente na doutrina integralista, ajudando, também na caracterização da ideologia da AIB.

NOTAS:

1

A Ação Integralista Brasileira é considerada o maior movimento político de massas existente no Brasil na década de 1930. Era organizada hierarquicamente com uma direção central, e núcleos regionais, secretarias, e milícia; sua ideologia apresentava as seguintes características: nacionalismo, antiliberalismo, antidemocratismo, anticomunismo, antisocialismo, presença de um chefe nacional, espiritualismo.

Sobre o surgimento e as ações da Ação Integralista Brasileiro como organização política ver: Bertonha, 2000. E Trindade, 1979.

2

Sobre a natureza fascista do Integralismo conferir o trabalho de Trindade, ibidem.

Francisco Carlos Teixeira da Silva também contribui para essa caracterização, pois a partir de sua definição de elementos básicos que constituem movimentos fascistas: autoritarismo, nacionalismo, antiliberalismo, antidemocracia, antisocialismo, é possível entender a AIB como pertencente a esse campo. No seu trabalho, Silva destaca a necessidade de se considerar as peculiaridades e especificidades nos diversos países onde se consolidou movimentos políticos fascistas. (Silva, 2000)

3

Dois trabalhos recentes podem exemplificar as novas preocupaçãoes dos pesquisadores e as novas abordagens sobre o Integralismo: os Estudos do Integralismo no Brasil, organizado por Giselda B. Silva e publicado pela editora da UFRPE em 2007; e o publicado pelo arquivo público de Rio Claro em 2004: Integralismo: novos

estudos e reinterpretações 4

Vale ressaltar que os primeiros estudos acadêmicos sobre a Ação Integralista Brasileira se deram a partir da década de 1970, no contexto em que se enfatizava a necessidade de estudar os movimentos e pensamentos políticos autoritários, sobretudo os da década de 1930. A preocupação dos pesquisadores (cientistas sociais, cientistas políticos, e mais tarde, historiadores) era definir a natureza ideológica do Integralismo, e principalmente sua relação com os fascismos europeus.

5

Para efeito de esclarecimento: consideraremos “racismo”, tanto relacionado à intolerância racial, quanto à intolerância cultural-étnica, conforme verificaremos ao longo do trabalho.

Destacamos a utilização dos termos: “raça”, ligado às características morfológicas/biológicas e psicológicas dos seres humanos; e “etnia”, ligado a consciência de pertença a um grupo ou comunidade com características próprias. As tentativas de conceituação e diferenciação dos termos raça e etnia vem desde o final do século XIX, quando surgiram as primeiras idéias racistas, e são discutidas no meio acadêmico, especialmente no campo das ciências sociais, até os dias de hoje (CRUZ, 2004: 18-23).

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Referências bibliográficas:

BERTONHA, João Fábio. Fascismo, Nazismo, Integralismo. São Paulo: Ática, 2000.

CRUZ, Natália dos Reis. O Integralismo e a Questão Racial. A Intolerância como Princípio. 2004. 281 f. Tese (Doutorado), Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2004.

KOSSLING, Karin Sant'Anna. Os Afro Descendentes na Ação Integralista Brasileira. Revista Histórica, São Paulo, n. 14. p. 19-24, 2004.

HILTON, Stanley. Ação Integralista Brasileira: o Fascismo no Brasil, 1932-1938. In: ________. O Brasil e a Crise Internacional, 1930-1945, 23-57. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.

LEVINE, Robert. O Regime de Vargas: Os anos críticos, 1934-1938. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

TRINDADE, Hélgio. Integralismo - O Fascismo Brasileiro Na Década De 30. São Paulo: Difel, 1979.

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