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Uma questão de TOC. Por Anderson Fernandes de Oliveira

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Academic year: 2021

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Uma questão de TOC

Presenteia clientes e profissionais com manual sobre uma das doenças

psiquiátricas mais populares na sociedade, mas que ainda é tratada como tabu.

Aristides V. Cordioli Por Anderson Fernandes de Oliveira

O transtorno obsessivo- compulsivo (TOC) é uma doença muito comum que acomete cerca de 2% das pessoas ao longo da vida. Dentre as doenças psiquiátricas, é considerada uma das mais graves e incapacitantes. Os portadores deste transtorno estão permanentemente ansiosos com a possibilidade de que algo de terrível possa acontecer, como contrair uma doença, incendiar a casa ou cometer falhas, eventos pelos quais se sentem responsáveis. Essas preocupações e medos os obrigam a fazer rituais como lavar as mãos, tomar banho ou lavar as roupas excessivamente, fazer verificações de forma repetida, acreditando que, com tais atos, podem impedir que os desastres ocorram". Desta forma Aristides V. Cordioli inicia a segunda versão do seu livro Vencendo o Transtorno Obsessivo- Compulsivo - manual de terapia cognitivo comportamental para pacientes e terapeutas (Editora Artmed).

Cordioli é graduado em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre em Medicina Psiquiátrica pela mesma universidade e também doutor em Ciências Médicas Psiquiátrica pela instituição gaúcha. Como médico, é especializado em Psiquiatria, com ênfase nas áreas sobre transtornos de ansiedade, especialmente transtorno obsessivo-compulsivo, psicoterapias em geral, terapia cognitivo-comportamental, terapia em grupo e psicofármacos. Sobre os diferenciais da segunda edição, Cordioli aponta para a ampliação de praticamente todos os capítulos, mas, o que ele ressalta, é na praticidade que o leitor ganhou com a nova estruturação do livro. Agora existe uma sequência de capítulos que abordam o tratamento de

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grupos específicos, deixando a leitura mais focada, diferentemente da primeira edição, que os dividia em seções.

Nesta entrevista exclusiva para a revista Psique Ciência & Vida, o psiquiatra explica o que são obses- sões e compulsões e, principalmente, quando elas se tornam transtornos. Ele fala sobre a polêmica da cirurgia de estimulação cerebral profunda e os tipos de tratamentos possíveis no Brasil para as pessoas com TOC.

Dentre as doenças psiquiátricas, o transtorno obsessivo-compulsivo (toc) é considerado uma das mais graves e incapacitantes

Psique - Qual a diferença entre com- pulsão e obsessão?

Cordioli - Obsessões são pensamentos, impulsos, ideias, imagens, palavras que invadem involuntariamente a mente da pessoa. São sempre repetitivas e normalmente acompanhadas de medo, aflição, ansiedade e até de pensamentos negativos ou catastróficos. Esses pensamentos invasivos fazem que a pessoa adote alguma medida para reduzir o perigo imaginário, o desconforto. A obses- são pode desencadear a compulsão. Compulsões são atos repetitivos que a pessoa realiza com a finalidade de reduzir o risco associado a esses pensamentos invasivos. Resumidamente, obsessões são pensamentos, impulsos, ideias invasivas, involuntárias, e compulsões são atos, ações, que podem ser repetitivos.

Psique - O TOC se caracteriza quando a pessoa não tem o controle sobre essas compulsões? Cordioli - Ele é caracterizado quando tanto obsessões quanto compulsões são muito intensas,

interferem no dia a dia, compro- metem o relacionamento com os outros, o desempenho no trabalho, pois a pessoa que tem TOC precisa repetir várias vezes o mesmo ato, o que a faz perder muito tempo. Nesses casos, as obsessões e as compulsões são consideradas um transtorno. Diferentemente de um ato comum ou dúvidas que fazem alguém tomar uma atitude de, por exemplo, checar se a porta foi trancada ou não, não é necessaria- mente um transtorno. Só passa a ser quando interfere em sua vida, ou quando é acompanhado de muito sofrimento. Existe um critério. A Associação Americana de Psiquiatria estabelece o seguinte: quando a pessoa ocupa mais de uma hora do dia com seus pensamentos com- pulsivos ou realizando rituais, é considerado transtorno.

Psique - Então é a partir do tempo de repetição que a pessoa pode ser diagnosticada com transtorno?

Cordioli - Não só com o tempo, mas com o grau do sofrimento. É uma questão subjetiva: saber até quando isto está interferindo de maneira prejudicial. Tem de causar interferência e sofrimento e ocupar arbitrariamente, como fora estipu- lado, pelo menos uma hora do dia. Psique - Você pode salientar quais são as diferenças entre TOC com tiques e a Síndrome de Tourette?

Cordioli - No TOC, as compulsões em geral são precedidas de um pensamento invasivo, acompanhado de medo, aflição, desconforto, o que leva a pessoa a realizar um ato compulsivo. Por exemplo, um indivíduo toca em alguma coisa que imaginava estar infectado e, em função dessa imaginação, conclui que pode contrair uma doença .Por causa disso, ele lava exageradamente as mãos. Então essa lavação das mãos é a compulsão. É um ato voluntário, na verdade a pessoa lava a mão, mas poderia também não lavar. Porém, se não o faz fica muito aflita. Então isso é tipicamente do TOC.

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Já o tique, em geral são atos involuntários, mais simples, como, por exemplo, piscar os olhos, movimentálos de um lado ao outro, sacudir os ombros. São movimentos involuntários e mesmo que a pessoa queira, ela não consegue interromper. Ela interrompe por um minuto ou dois, mas volta a fazer. E em geral o indivíduo com tiques tem uma lesão neural, ou seja, essas repetições causam um problema em uma determinada área do cérebro. Portanto, classificamos como uma doença neurológica.

E a doença de Tourette é caracterizada por múltiplos tiques, sendo que pelo menos um deles necessariamente é um tique vocal, desta forma, o sujeito emite um grunhido, um som, repete um ruído vocal. Como um pigarro ou uma tosse. Em semelhança, tanto nos TOCs quanto nos tiques, há os movimentos repetitivos,só que no TOC é um ato voluntário.

Quando a pessoa ocupa mais de uma hora do dia com seus pensamentos compulsivos ou realizando rituais, isso é considerado transtorno

Na dúvida sobre se fechei ou não a porta posso verificar ou não. Mas se não for, ficarei nervoso, aflito, angustiado. Já com o tique não há essa opção. Se pisco os olhos, tento me conter por alguns minutos, mas logo em seguida estou piscando descontroladamente de novo. Há alguns rituais que lembram os tiques, como por exemplo, de pessoas que têm que dar uma batidinha ou raspar as paredes, mexem no queixo quando estão lendo, mordem os lábios ao dirigir, entre outros, mas esses atos não são considerados tiques. Há também algumas compulsões que não são precedidas por pensamentos catastróficos e lembram alguns tiques, por isso acreditamos que existam coisas em comum entre tiques e TOCs. Por exemplo, em clientes que têm TOCs, é muito comum ter familiares que

também apresentam o transtorno.

Psique - Então você sugere que seja uma doença hereditária?

Cordioli - Existe sim de alguma forma certa herança, e no TOC isto está bem claro. O que se sugere é que a mesma área do cérebro esteja relacionada com os danos tanto no TOC quanto nos tiques. É uma região localizada na profundidade do cérebro chamada de gânglios da base, ou núcleos da base.

Psique - Alguns medicamentos para as pessoas com TOC são realmente indicados?

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Cordioli - Para o TOC temos dois tratamentos bem-estabelecidos. De um lado são os medicamentos, que antigamente eram usados apenas para depressão e hoje, com os avanços nas pesquisas, descobriu-se que também têm efeito antiobsessivo. São medicamentos que têm um tipo de ação: eles aumentam no cérebro os níveis de serotonina, em razão de eles bloquearem a chamada "recaptação" da serotonina para dentro das células. Vou explicar o processo da serotonina no cérebro: entre uma célula nervosa e outra, a serotonina é capturada por elas, desaparecendo e mantendo um fluxo contínuo. E esses remédios impedem o processo natural de captura, por isso elas aumentam os níveis de espaço entre um pensamento e outro. Portanto, alguns medicamentos são inibidores da captação de serotonina no campo cerebral e reduzem os sintomas do TOC.

Psique - A serotonina, então, é fundamental para o pensamento obsessivo?

Cordioli - Acredita-se que ela tenha um papel bastante importante. Mas isso ainda não foi comprovado. O fato é que os níveis de serotonina no cérebro reduzem os sintomas dos transtornos. Outro tratamento que também é efetivo, talvez mais que os remédios, é a chamada Terapia Cognitivo Comportamental, que faz que o cliente, à princípio, entenda seus limites e a forma "errada" de aprender a lidar com os seus medos, sua ansiedade e o desencadeamento de atos compulsivos. A Terapia Comportamental tem como objetivo corrigir essa aprendizagem errada, de fazê-lo entender como se expõe às coisas que precisa evitar, para assim ajudá- lo a controlar os rituais repetitivos em que é tentado a fazer. No início desta Terapia Comportamental, o cliente sente um aumento da ação, da necessidade, mas depois, gradualmente, se normaliza. Então, pode haver a eliminação completa dos sintomas.

Psique - O tempo de Terapia varia?

Cordioli - Felizmente é uma terapia que funciona de forma rápida. Normalmente são de 12 a 15 sessões. Recentemente acrescentou-se ao processo a chamada Terapia Cognitiva, que consiste em corrigir certas crenças que o cliente tem e que são prejudiciais a ele. Por exemplo: alguns indivíduos com a patologia imaginam que sentar-se na rua e encostar com a roupa no sofá da sala levaria doenças para dentro de casa; ou que certas posições evitam que coisas negativas aconteçam ou ainda que possam provocar coisas negativas no futuro. Outros fantasiam que ao entrar em uma funerária, alguém da família possa morrer; há relatos ainda de quem pensa que deixar o chinelo desalinhado do lado da cama pode causar uma desgraça.

Psique - E a terapia pode ser realizada em grupo ou é individual?

Cordioli - A terapia começou sendo individual, mas de uns anos para cá, aplicou-se também em grupo e o resultado teve um índice favorável de cerca de 60%. Diversos lugares do Brasil como o Hospital das Clínicas de Porto Alegre, o Hospital das Clínicas de São Paulo, a Universidade Federal do Rio de Janeiro, a Universidade Federal do Recife realizam a Terapia Cognitivo Comportamental em grupo, pois avaliam ser vantajoso poder tratar oito clientes em vez de apenas dois.

Psique - Com isso o resultado se torna mais rápido?

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Cordioli - Eu não diria que é mais rápido, mas o custo é bem menor. Pelo mesmo tempo, em vez de tratar dois clientes, são tratados oito. E é muito divertido, porque eles se ajudam, fazem que percam a vergonha, trocam experiências, se apoiam. Enfim, é uma boa experiência nesse sentido. Acho que temos de publicar esse trabalho para o exterior, outros países estão copiando, e é, de fato, uma contribuição brasileira para o tratamento do TOC.

Psique - Depois de tratados, os sintomas podem voltar?

Cordioli - Sim. Aqueles clientes que durante o tratamento conseguem eliminar por completo todos os sintomas, dificilmente recaem, porém, os que apresentam melhora, mas que não eliminam por completo o transtorno, possuem grande chance de recair. Por isso, recomendo sempre que continue o tratamento pelo menos com visitas esporádicas, e se tiver alguma recaída que voltem imediatamente, porque aí, em geral, retoma o controle mais rápido.

Psique - Existe uma cirurgia chamada "estimulação cerebral profunda", conhecida também como "marca-passo cerebral". É um método indicado?

Cordioli - É um procedimento experimental ainda, não está bem concreto. Em casos mais graves de TOCs os cientistas estão experimentando este método, que funciona na depressão, mas ainda não tem comprovação de êxito no tratamento de TOC. Portanto, por enquanto não está em condição de ser recomendado. O que se tem feito na área cirúrgica é a neurocirurgia, que já está bem-estabelecida e que é realizada há algum tempo. O procedimento consiste em flexionar certas estruturas do cérebro em clientes que apresentam TOC grave e que não responderam a medicamentos e à terapia. Em São Paulo, no Hospital das Clínicas, essa cirurgia é realizada agora com um método mais moderno: são os raios gama sem a necessidade de incisão na cabeça. O feixe de luz queima os pontinhos precisos no cérebro. Psique - Então a cirurgia desvalida o tratamento?

Cordioli - Não, de forma alguma. Essa cirurgia é, em geral, para os pacientes refratários, ou seja, que não melhoravam com nada, nem com os medicamentos, nem com a terapia, os dois tratamentos clássicos do TOC. Depois da cirurgia, eles passam a responder a esses métodos. Daí a necessidade de continuar os tratamentos. A neurocirurgia não cura o TOC.

Psique - No Brasil, existe uma estatística que aponta quantas pessoas têm o TOC?

Cordioli - Calcula-se que em torno de 2,5% da população, ou seja, cerca de uma em cada 40 pessoas são portadoras do TOC. É uma doença que geralmente começa na infância, mas pode também ter início na adolescência. Dez por cento dos clientes ficam gravemente incapacitados pela doença. Ela tende a ser crônica para o resto da vida

Acredita-se que a serotonina tem um papel bastante importante para o pensamento obsessivo. Mas isso ainda não foi comprovado

Psique - A busca pelo tratamento é frequente ou é tabu?

Cordioli - É mais tabu, porque a maior parte das pessoas não se dá conta que tem essas chamadas manias, como por exemplo, ter mania de limpeza, de verificar as portas e janelas, de arrumar incessantemente o quadro na parede. São certas ações absurdas que fazem a mente da pessoa produzir o comportamento repetitivo, compulsivo. O grave é que acabam envolvendo toda a família. A maioria não sabe que isso é uma doença. Há várias personalidades públicas, como Roberto Carlos, alguns atores e atrizes, jogadores de futebol que assumiram ser portadoras de TOC e isso acabou popularizando um pouco o assunto e

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fazendo que a mídia abordasse a doença. Mas a informação ainda é ineficiente para a maior parte da população.

Psique - Existe algum movimento de conscientização por parte das instituições responsáveis, por exemplo, de algum conselho?

- Das instituições eu não sei, acho que o grande trabalho é feito todo pela própria imprensa, pela televisão. Recordo-me que a rede Globo fez uma matéria sobre TOC. Uma série de revistas, entre elas Veja,

Isto É e Men's Health publicaram matérias sobre o assunto. Há muito mais divulgação na mídia hoje, a imprensa leiga está fazendo este trabalho, apensar de ainda um pouco tímido, muito elogiado.

Psique - Seu livro está na segunda edição. Você pode nos falar rapidamente sobre as diferenças entre a primeira e a segunda edição?

Cordioli - O conteúdo aumentou bastante, mas esta não é a mudança principal. O grande diferencial é que eram 16 seções, que na prática não funcionavam muito bem. Agora mudei, separado-as por tipo de sintoma. O cliente pode ser, por exemplo, um lavador de mãos, pode ser cheio de pensamentos horríveis, pode ser um colecionista, nessa divisão o livro aborda cada um desses tipos de TOCs. Acredito ter sido uma modificação importante, além de estar mais completo. No final de cada capítulo, há um resumo do que foi aprendido e um caderno de exercícios.

Outros países estão criando esse trabalho, e é, de fato, uma contribuição brasileira para o tratamento do toc Psique - Você pode falar um pouco mais sobre o caderno de exercícios?

Cordioli - O caderno de exercícios, na Terapia Cognitivo Comportamental, é na verdade uma terapia feita pelo próprio cliente. O terapeuta é uma espécie de treinador que passa uma lista de exercícios para o cliente fazer. O exercício começa muitas vezes com o cliente identificando quais são as suas obsessões e compulsões e qual a gravidade, no sentido de encontrar uma boa maneira para enfrentá-las. No sentido de ajudar na elaboração desses exercícios, o livro traz um questionário, escalas para

preencher, espaço para o cliente organizar os exercícios que tem de fazer naquela semana. Para cada seção há exercícios disponíveis e espaços adequados.

Psique - O livro seria um facilitador no trabalho do terapeuta?

Cordioli - É um material profissional que pode ser um recurso importante para o terapeuta. Há também uma questão relevante chamada de Psicoeducação, ou seja, para o cliente se informar, saber tudo sobre o TOC, ele precisa conhecer a doença e saber o que ele faz que mantêm a doença naquele quadro. A partir destes passos, ele encontra informação sobre o TOC e pode até identificar suas dificuldades em controlar o transtorno. É um livro prático com exercícios de exposição, prevenção de respostas da terapia, exercícios de correção de crenças, de questionário. Acredito ser um apoio importante para a terapia.

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