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TC-FilosofiaMatemáticadeSandersPierce

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Academic year: 2021

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(1)8º ENCONTRO INTERNACIONAL SOBRE PRAGMATISMO. Centro de Estudos do Pragmatismo – Programa de Estudos Pós Graduados em Filosofia –- Departamento de Filosofia. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo TRADUÇÃO DE COMUNICAÇÃO. Individualidade Matemática em Charles Sanders Peirce Susanna Marietti University of Milan-Italy [Tradução do inglês para o português de Luís Louceiro]. Resumo: A matemática é considerada por Peirce como uma ciência informativa, realmente capaz de expandir nosso conhecimento. Isto significa que a matemática não está limitada a uma análise conceitual, mas, ao invés, possui um objeto real de investigação. A essência do conceito de matemática de Peirce é que o raciocínio matemático não é desenvolvido apenas através de conceitos gerais, lidando com elementos inevitáveis da individualidade. A conclusão de uma inferência dedutiva pode conter alguma informação que não esteja presente no nível de suas premissas, exigindo um trabalho concreto a ser efetuado pelo matemático para que possa vir à luz. Peirce descreve tal trabalho como observação e experimentação sobre diagramas individuais. A idéia de um elemento individual em matemática já está presente em Kant (podemos rastreá-lo até Aristóteles), mas a localização diferente que Peirce encontra para ele testemunha uma diferença profunda entre suas concepções, uma diferença que tem suas fundações nas diferentes análises categoriais de Kant e Peirce. Na abordagem semiótica que Peirce faz da matemática, eu acho que devemos nos deslocar do plano do objeto denotado para aquele do signo em si. Isto vale tanto para a geometria quanto para as inferências algébricas, que, sob este ponto de vista, podem ser assimiladas por Peirce. Assim, nos dois casos, o elemento individual da matemática tem que ser encontrado dentro do próprio diagrama, sem recorrer ao objeto denotado. O diagrama é sempre um token, mas isto não é capaz de explicar sua individualidade essencial, pelo que me proponho investigar a justaposição indexical entre suas partes.. No manuscrito 16 Peirce declara: Assim como as ciências positivas estão fundadas sobre a consistência da ação da Natureza, assim a matemática está fundada sobre a consistência da ação da Razão. A ação da Natureza é um espanto para nós; mas a da Razão não o é geralmente […] Tudo o que exigimos das ciências é que elas mostrem que a natureza é razoável. Mais do que isso nós geralmente não vemos. Nós parecemos compreender a Razão. Nós nos lisonjeamos por capturarmos seu noumenon. Mas ela é, de fato, tão oculta quanto a Natureza. É apenas porque seus efeitos são-nos, em sua maior parte, familiares, desde a infância, que eles não nos são surpreendentes. Pois quando damos de cara com alguma propriedade de números que é nova para nós, embora ela possa ter vindo do nada senão. INDIVIDUALIDADE MATEMÁTICA EM CHARLES SANDERS PEIRCE – Suzana Marietti - University of Milan-Italy. 1.

(2) 8º ENCONTRO INTERNACIONAL SOBRE PRAGMATISMO. Centro de Estudos do Pragmatismo – Programa de Estudos Pós Graduados em Filosofia –- Departamento de Filosofia. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo TRADUÇÃO DE COMUNICAÇÃO. da Razão, nós nos surpreendemos enormemente e começamos a falar do Mistério dos Números, como se fora de algo que fosse desejável ser explorado ou que fosse incompreensível. O que aqui exigimos é um modo de evolução da ação da Razão.. A matemática, então, diz-nos Peirce, pode ser surpreendente. Pode estar prenhe de verdadeiras descobertas que realmente podem expandir nosso conhecimento, mostrando-nos, como é dito aqui, o modo de evolução da ação da razão. Ao passar das premissas para a conclusão de uma inferência dedutiva – ou seja, matemática – todo um conjunto de novas informações pode ser acrescentado à inicial, de tal modo que podemos nos surpreender quanto ao que estamos descobrindo. E essa surpresa não se refere a um ponto de vista psicológico, mas a um objetivo. A nova informação que podemos alcançar na conclusão da inferência dedutiva não está de modo algum presente no nível das premissas. Para que possa vir a existir, uma atividade concreta realizada pelo matemático é exigida, uma atividade que Peirce descreve como de experimentação sobre diagramas, manipulação e observação daquele tipo de signos que são utilizados em matemática. Antes de realizar tal atividade, a nova informação não existe de modo algum. Pois bem, o que significa que a matemática é capaz de providenciar nova informação e conhecimento real? O que esta afirmação implica? Implica que a matemática tem um objeto real de investigação a partir do qual ela realiza novas descobertas. Ou seja, a matemática não está limitada a uma análise conceitual, mas, ao invés, vai além das fronteiras de uma compreensão única e dirigese a um objeto que resiste ao matemático, um objeto que, para utilizar a terminologia de Peirce, possui um elemento de Segundidade. A matemática não trabalha sobre conceitos e definições gerais, mas, ao invés, sobre objetos singulares. Enquanto os filósofos, diz Peirce, utilizam um tipo de “demonstração que utiliza apenas conceitos gerais e não conclui nada senão o que seria um item de uma definição, se todos os termos fossem, em si, distintamente definidos”, na matemática “não vai valer refugiar-se em termos gerais. É necessário estabelecer ou imaginar algum esquema definitivo ou individual ou um diagrama – em geometria, uma figura composta de linhas com letras acopladas; em álgebra um conjunto de letras das quais algumas são repetidas” (CP 4.233). Na concepção matemática de Peirce, o matemático trabalha sobre diagramas individuais concretos – desenhados sobre papel ou apenas imaginados – que podem ser manipulados e observados. Eles não são entidades conceituais, mas, ao invés, dividem um elemento material a par. INDIVIDUALIDADE MATEMÁTICA EM CHARLES SANDERS PEIRCE – Suzana Marietti - University of Milan-Italy. 2.

(3) 8º ENCONTRO INTERNACIONAL SOBRE PRAGMATISMO. Centro de Estudos do Pragmatismo – Programa de Estudos Pós Graduados em Filosofia –- Departamento de Filosofia. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo TRADUÇÃO DE COMUNICAÇÃO. com um elemento formal. Uma prova geométrica não é realizada sobre a definição ou a forma geral do triângulo, mas, ao invés, sobre um único triângulo desenhado na lousa, uma composição – usando uma terminologia que não é de Peirce – matéria e forma. Que tipo de matéria estamos resgatando? Aquele tipo a que Aristóteles se refere como material inteligível (ver Metafísica Z, 10, 1036a 1-13). Na Metafísica de Aristóteles, como se sabe, a material tem um papel individualizador ao passo que a forma constitui o elemento conceitual e geral da realidade. Dois objetos dividindo a mesma forma podem ser distinguidos um do outro apenas pela circunstância de que tal forma refere-se a duas porções diferentes da matéria. Nós podemos ter conhecimento racional dos elementos formais da realidade, mas não dos materiais. A matéria pode ser entendida intuitivamente ou, para usar as palavras de Aristóteles, ela requer um ato noético para ser capturada. Aristóteles afirma que não há definição de entidades individuais. Tais entidades, contendo um elemento material, podem ser conhecidas exclusivamente através da intuição ou percepção para que elas estejam verdadeiramente presentes para nós. Pois bem, nos objetos matemáticos, não é a matéria empírica mas a inteligível que realiza o mesmo papel que a outra. Uma prova geométrica é conduzida sobre um triângulo individual contendo um elemento material e exigindo – igualmente no conceito de Peirce – estar verdadeiramente presente à nossa intuição. Esta noção de intuição lembra, claro, a noção kantiana. Na exposição metafísica do espaço, Kant mostra que o espaço não pode ser um conceito, provando que é uma intuição a priori pura. Um dos argumentos trazidos por Kant para dar suporte à sua afirmação é que o espaço é único. Quando falamos de muitos espaços, Kant diz, nós estamos na verdade falando de partes de um espaço único (ver Crítica da Razão Pura, B 53 4-20). Intuições são sempre entidades singulares. Pois bem, o conhecimento matemático é fundado, de acordo com Kant, sobre a construção de conceitos (ver Crítica da Razão Pura, B 469 9-11). Construir um conceito significa exibir, a priori, a intuição correspondente. É impossível, diz ele, deduzir uma proposição matemática de conceitos gerais apenas. Para provar, por exemplo, que em qualquer triângulo a soma de qualquer dos dois lados excede o terceiro lado, é necessário exibir a intuição de um único triângulo – ao desenhá-lo, na verdade – junto com as intuições de todas as linhas adicionais que são necessárias para a demonstração. É apenas a natureza intuitiva das representações utilizadas na matemática que torna esta ciência realmente informativa. Esta é a descoberta fundamental de Kant: julgamentos matemáticos são sintéticos porque não estão fundados na compreensão única. Cada síntese se. INDIVIDUALIDADE MATEMÁTICA EM CHARLES SANDERS PEIRCE – Suzana Marietti - University of Milan-Italy. 3.

(4) 8º ENCONTRO INTERNACIONAL SOBRE PRAGMATISMO. Centro de Estudos do Pragmatismo – Programa de Estudos Pós Graduados em Filosofia –- Departamento de Filosofia. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo TRADUÇÃO DE COMUNICAÇÃO. articula sobre um elemento intuitivo não-conceitual. No conhecimento empírico este papel é realizado pela intuição empírica, ao passo que na matemática ele é realizado pelas intuições a priori puras do espaço e do tempo. De acordo com Kant, julgamentos matemáticos são sintéticos porque sintetizam uma multiplicidade espaço-temporal que é inteiramente heterogênea ao conhecimento. Ao contrário da lógica formal, que é analítica, a matemática é sintética, uma vez que ela lida com o conteúdo espaço-temporal. É, portanto, neste nível ontológico que a distinção é feita. Uma inferência lógica só pode esclarecer o que já está presente em suas premissas, ao passo que uma inferência matemática, que se refere às intuições do espaço e tempo, pode operar uma síntese e adicionar um novo conhecimento ao inicial. Se nos voltarmos agora para Peirce, poderemos descobrir uma distinção análoga entre as inferências dedutivas que realmente expandem nosso conhecimento e as inferências dedutivas que não são tão poderosas. Tal distinção, entretanto, tem em Peirce uma distinção, uma base completamente diferente. Para resumir poderíamos dizer que a distinção de Peirce não está enraizada na ontologia, como estava em Kant, mas sim na metodologia. A questão relevante não está em Peirce de ter ou não ter um conteúdo espaço-temporal, mas, ao invés, de usar ou não usar um certo tipo de raciocínio que Peirce chama de raciocínio teoremático e que ele opõe ao raciocínio corolário, que é o tipo de pensamento matemático menos informativo (os termos são escolhidos por Peirce com referência aos teoremas e corolários da geometria euclidiana). Os dois tipos de raciocínio, de acordo com Peirce, requerem um elemento espaço-temporal, portanto, não pode ser a base da distinção. O elemento espaço-temporal que encontramos em Peirce, entretanto, não tem nada a ver com a multiplicidade kantiana. Espaço e tempo são empregados, na reconstrução de Peirce, pela representação diagramática das inferências matemáticas. A essência da descrição de Peirce do raciocínio matemático é que, para poder realizar um inferência dedutiva, é necessário, antes de tudo, representar, em um diagrama, um sistema de relações expressas pelas premissas; em segundo lugar, às vezes, depois de trabalhar sobre o diagrama e modificá-lo, as novas relações que emergem no diagrama e que constituem a conclusão da inferência, devem ser observadas. A tarefa do diagrama é tornar tal observação possível. O diagrama deve possuir um elemento material, intuitivo, que deve representar as relações entre os objetos à mão através de relações perceptuais, observáveis – isto é, espaço-temporais – entre seus elementos. Tanto o raciocínio teoremático quanto o corolário exigem esse caráter perceptual. A diferença entre os dois. INDIVIDUALIDADE MATEMÁTICA EM CHARLES SANDERS PEIRCE – Suzana Marietti - University of Milan-Italy. 4.

(5) 8º ENCONTRO INTERNACIONAL SOBRE PRAGMATISMO. Centro de Estudos do Pragmatismo – Programa de Estudos Pós Graduados em Filosofia –- Departamento de Filosofia. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo TRADUÇÃO DE COMUNICAÇÃO. tipos está no fato de que, ao passo que no raciocínio corolário o diagrama permanece nãomodificado, no raciocínio teoremático ele deve passar por experimentações e ser modificado para fazer as novas relações emergir (os melhores exemplos de provas teoremáticas são aquelas provas geométricas nas quais as assim chamadas construções auxiliares são exigidas). Assim, a distinção entre, digamos, proposições analíticas e sintéticas a priori é determinada, por Peirce, no nível metodológico, ao passo que o conteúdo (nível ontológico) não é relevantemente diferente nos dois casos. Se tanto Peirce quanto Kant concordam em reconhecer um elemento intuitivo, material, nas inferências matemáticas, a localização diferente que eles encontram para ela testemunha uma diferença profunda em suas abordagens. É, de fato, a análise categorial dos dois pensadores que é responsável por suas abordagens diferentes em relação à matemática. A análise categorial de Peirce, que é a verdadeira essência de sua semiótica, começa de um estudo profundo da Crítica da Razão Pura de Kant, mas ela parte rapidamente do transcendentalismo kantiano. A investigação de Peirce não é uma crítica, uma busca a priori pelas condições da possibilidade de nossa experiência, mas é, ao invés, um conhecimento positivo a posteriori, uma observação a partir de uma experiência já formada à qual ele dá o nome de Faneroscopia. O faneron é definido por Peirce como «o todo coletivo de tudo que poderia estar presente para a mente de qualquer modo ou em qualquer sentido» (NEM IV, p. 320). Uma vez que o que pode estar presente para a mente possui sempre a natureza de um signo, Faneroscopia volta-se para a semiótica. Esta é uma distinção fundamental entre Peirce e Kant. O método observacional a posteriori da Faneroscopia tem implicações importantes. Uma vez que as categorias devem ser faneroscopicamente observadas, todas elas – e não apenas a terceira, isto é, a mediação, o símbolo, a generalidade – já devem pertencer a uma interpretação de signo. É uma tal circunstância que permite a Peirce livrar-se da coisa-em-si kantiana – como o que fez surgir a multiplicidade empírica, que era completamente estranha à síntese do conhecimento e exigia uma faculdade especial per se – que ele afirma ser metafisicamente dogmática. Peirce tenciona evitar cada elemento dogmático não detectável através da inspeção direta do faneron. Assim, a distinção kantiana entre duas faculdades diferentes – sensibilidade e compreensão – fracassa. A multiplicidade kantiana é, agora, traduzida em termos faneroscópicos, a categoria da Primeiridade, como Peirce mesmo diz (ver CP 1.302). Em um diagrama matemático, a categoria da Primeiridade consiste em um mero estabelecimento das relações entre as partes. Tal estabelecimento já está expresso em termos semióticos porque as. INDIVIDUALIDADE MATEMÁTICA EM CHARLES SANDERS PEIRCE – Suzana Marietti - University of Milan-Italy. 5.

(6) 8º ENCONTRO INTERNACIONAL SOBRE PRAGMATISMO. Centro de Estudos do Pragmatismo – Programa de Estudos Pós Graduados em Filosofia –- Departamento de Filosofia. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo TRADUÇÃO DE COMUNICAÇÃO. relações estão encarnadas em um token material diagramático, que pode ser interpretado simbolicamente de acordo com sua estrutura formal. O diagrama é, em si mesmo, já particular e universal. Nós encontramos nele a mera talidade da Primeiridade, ou seja, a simples apresentação de elementos concretos em relação mútua e a mediação geral da Terceiridade, quer seja, a possibilidade de interpretá-lo como se referindo a uma forma geral de relação. Na terminologia kantiana, como Peirce mesmo nota (ver NEM IV, p. 318), o diagrama é um esquema. O esquema é, de certo modo, o único elemento da análise transcendental de Kant que sobreviveu no sistema peirceano. Seu papel, entretanto, é completamente diferente. Agora ele não constitui, como era o caso em Kant, uma mediação entre duas faculdades diferentes e suas contribuições heterogêneas para o conhecimento, mas, ao invés, é o ponto de partida da investigação faneroscópica. Não há nada antes dele. O diagrama-esquema é, então, ao mesmo tempo, individual e geral. Nele encontramos a possibilidade tanto, por um lado, de experimentar e observar, graças a seu caráter individual, quanto, por outro lado, de chegar a conclusões gerais, graças às interpretações gerais que o esquema permite. A explicação dos procedimentos matemáticos de Peirce desenvolve-se no nível do diagrama-esquema, sem exigir nada mais. A matemática é, para Peirce, uma atividade totalmente semiótica. Como vimos acima, Peirce explica a informatividade da matemática em um nível metodológico, sem apelar para o conteúdo dos signos utilizados. Eu acho que esta sugestão deve ser levada adiante. Para compreender a concepção do raciocínio matemático de Peirce, creio que devemos, definitivamente, mudar do plano do objeto denotado – que, em Peirce, é nada mais do que um limite ao qual a interpretação do signo tende – para o plano do signo em si. É apenas neste nível que as inferências dedutivas são realizadas. Pois bem, é em relação a este plano de fundo, uma vez que para Peirce a individualidade é a verdadeira essência da atividade matemática, que é necessário compreender a que tipo de individualidade Peirce se refere. Se, como proponho, o objeto denotado deve ser posto de lado, não é de objetos individuais que Peirce está pensando quando ele faz afirmações como a seguinte, que foi retirada de seu ensaio de 1870, Description of a notation for the logic of relatives (CP 3.92):. INDIVIDUALIDADE MATEMÁTICA EM CHARLES SANDERS PEIRCE – Suzana Marietti - University of Milan-Italy. 6.

(7) 8º ENCONTRO INTERNACIONAL SOBRE PRAGMATISMO. Centro de Estudos do Pragmatismo – Programa de Estudos Pós Graduados em Filosofia –- Departamento de Filosofia. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo TRADUÇÃO DE COMUNICAÇÃO. A demonstração do tipo matemático é fundada em suposições de casos particulares. O geômetra desenha uma figura; o algebrista toma uma letra para significar uma única quantidade preenchendo as condições exigidas.. Peirce não é sempre claro quanto a este ponto. Aqui, por exemplo, ele parece assimilar demonstrações geométricas e algébricas ao tipo de individualidade à qual elas recorrem, trazendo à baila os objetos numéricos denotados pelas letras da álgebra. Mas, insisto, se olharmos para o objeto denotado, não podemos justificar a descrição da atividade matemática de Peirce. Se olharmos o objeto denotado, a assimilação das demonstrações geométricas e algébricas é simplesmente incorreta. Quando, em álgebra, introduzimos individuais, denominando-os a, b ou c, nós estamos apenas dizendo que estas letras podem ser usadas como variáveis. Elas representam quantidades únicas mas indeterminadas. Mas, quando indivíduos são introduzidos em uma prova geométrica, a situação é completamente diferente. Um individual é, aqui, um objeto único, determinado: um único segmento de um comprimento definido, um único círculo de raio definido e assim sucessivamente. Na geometria, o espaço é representado através do espaço e, a única maneira de representar um segmento ou um círculo através do espaço é ao traçar um único segmento ou um círculo único que, necessariamente, terá um comprimento definido e um raio definido. Assim, quanto ao objeto denotado, a individualidade é muito diferente na geometria e na álgebra. Portanto, que tipo de individualidade Peirce tem em mente quando ele assimila as duas, alegando que qualquer inferência dedutiva, seja ela qual for, envolve uma entidade individual que introduz um elemento material, intuitivo, na matemática e assegura a possibilidade de descobertas surpreendentes? Embora Peirce às vezes vacile neste ponto, eu acredito que a individualidade matemática deve ser encontrada dentro do próprio signo. O diagrama contém um elemento individual sobre o qual a inferência dedutiva é realizada. Entretanto, devemos evitar qualquer tipo de confusão aqui. O diagrama, Peirce repete isto o tempo todo, é um token, um objeto único empregado como um signo. Mas isto não explica sua singularidade. Cada signo, seja ele qual for, uma vez desenhado ou mencionado, no afã de ser entendido por nós, é, necessariamente, um token. Se escrevermos a palavra homem, esta palavra escrita no papel torna-se um token. A questão é que o diagrama matemático é essencialmente um token, e não poderia ser diferente. Qual é sua singularidade?. INDIVIDUALIDADE MATEMÁTICA EM CHARLES SANDERS PEIRCE – Suzana Marietti - University of Milan-Italy. 7.

(8) 8º ENCONTRO INTERNACIONAL SOBRE PRAGMATISMO. Centro de Estudos do Pragmatismo – Programa de Estudos Pós Graduados em Filosofia –- Departamento de Filosofia. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo TRADUÇÃO DE COMUNICAÇÃO. Em seu ensaio de 1885, On the algebra of logic: a contribution to the philosophy of notation, Peirce classifica a justaposição das letras algébricas à direita e à esquerda do símbolo operacional como um índice e insere-a em uma lista dos tipos de signos utilizados pela álgebra da lógica. Tal justaposição é um índice porque é o próprio elemento da Segundidade dentro do diagrama algébrico, o elemento da existência: é a justaposição concreta das letras materiais envolvidas na fórmula. A totalidade de tais justaposições constitui um ícone da situação relacional no estado de coisas representadas. Deste ponto de vista, a individualidade do diagrama matemático é muito diferente da individualidade da palavra homem quando considerada como um token. Da última observação, de fato, nada pode ser retirado, ao passo que «uma enorme propriedade diferenciadora de um ícone é que, pela sua observação direta, mais verdades concernentes ao seu objeto podem ser descobertas do que aquelas que são suficientes para determinar sua construção» (CP 2.279). Uma expressão algébrica não é, diz Peirce algumas linhas antes, um signo composto convencional. Não é algo que podemos considerar como um todo, como fazemos com a palavra homem. Pelo contrário, devemos entrar nela e, ao experimentar as justaposições entre suas partes, descobrir novas verdades, que não estavam presentes nas premissas da inferência. Esta é a singularidade do signo matemático: a iconicidade de toda a formula é baseada em alguns elementos materiais da Segundidade que subsistem dentro da própria fórmula. A fórmula algébrica é essencialmente um token porque é necessário que nós, concretamente, trabalhemos em cima das justaposições entre as letras. Isto vale tanto para a geometria como para a álgebra. É deste ponto de vista que a geometria e a álgebra podem ser assimiladas. Poderia parecer, à primeira vista, que demonstrações geométricas se desenvolvem em cima de objetos individuais. O Teorema de Pitágoras é provado ao se trabalhar em cima de um certo tipo de triângulo, composto, por sua vez, por catetos e ângulos definidos. Mas, se olharmos melhor, nós veremos que os três catetos e os dois ângulos que não são o certo são, realmente, funcionalmente tratados como variáveis. Suas singularidades jamais são mencionadas dentro da prova. A situação é análoga àquela da álgebra. Somos forçados, é verdade, a desenhar um único triângulo definido, mas o que realmente interessa à demonstração não é a individualidade do objeto, mas apenas a individualidade do signo. Além disso, o que diz respeito à demonstração não é a individualidade do diagrama considerado como um todo, mas, isto sim, a. INDIVIDUALIDADE MATEMÁTICA EM CHARLES SANDERS PEIRCE – Suzana Marietti - University of Milan-Italy. 8.

(9) 8º ENCONTRO INTERNACIONAL SOBRE PRAGMATISMO. Centro de Estudos do Pragmatismo – Programa de Estudos Pós Graduados em Filosofia –- Departamento de Filosofia. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo TRADUÇÃO DE COMUNICAÇÃO. individualidade das singulares justaposições entre suas partes, justaposições que têm uma natureza indexical e que, todas juntas, formam o signo icônico. A verdadeira diferença entre a álgebra e a geometria é que, na última, o signo operacional entre as partes justapostas do diagrama não é necessário. As relações entre os elementos geométricos não exigem ser simbolicamente expressas. Tais relações são imediatamente mostradas por relações espaciais correspondentes no diagrama. De fato, esta é uma diferença profunda que será digna de maior atenção, mas que não é possível considerar aqui.. INDIVIDUALIDADE MATEMÁTICA EM CHARLES SANDERS PEIRCE – Suzana Marietti - University of Milan-Italy. 9.

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