Relato - Do Fordismo/Keynesiano ao Toyotismo/Neoliberal
Segundo diferentes autores, como ANTUNES (1999), HARVEY (2001), GOUNET (1999), KURZ (1996) entre outros, vivemos, atualmente, o chamado desemprego estrutural. Isso significa que as razões da onda recessiva no trabalho não são apenas resultado de problemas econômicos localizados internamente nos países, nem o desemprego é culpa do indivíduo, como atribui um certo discurso dominante, estigmatizando-o de “incompetente”, “fracassado” ou “desqualificado”. Esse fato gera, no desempregado, forte conseqüência de baixa auto-estima e apatia, devido à ideologia dominante de naturalização de problemas que não são naturais, mas produzidos histórica e socialmente. Portanto, as razões do atual desemprego são estruturais e foram historicamente produzidas pela crise do modelo
Fordista de produção na década de 70 e a gradativa implementação do
modelo Toyotista nas décadas posteriores, como desenvolveremos mais detalhadamente a seguir.
As origens históricas do desemprego e da exclusão social mundial estão: a) na mudança das estruturas de produção Fordista para a
Toyotista, automatizada via Revolução micro-eletrônica, e b) no
acelerado processo de internacionalização do capital financeiro a partir de fins da década de 70. Vejamos, então, como se deu esse processo.
Segundo os autores mencionados, o modelo de produção Fordista foi iniciado nas primeiras fábricas automotivas da Ford, nos EUA, na década de 20, expandindo-se pelo mundo, nas décadas seguintes, até os anos 70. Esse modelo apresentou as seguintes características:
• produção em série e em massa, assentada em grandes estoques e voltada para o consumo em larga escala;
• implementação da linha de montagem caracterizada pelo uso da esteira rolante - como forma de acelerar o processo de produção - do trabalho mecânico, repetitivo, rígido e mão-de-obra numerosa;
• clara separação entre o trabalho manual e o intelectual (criação, projetos), instituição de novas técnicas de gestão e, principalmente, rígido controle produtivo, de forma vertical e hierarquizada, propostas pelo engenheiro norte-americano Taylor, conhecidas, com o tempo, como Taylorismo;
• forte intervenção do Estado, enquanto regulador, entre as relações de Capital e Trabalho, como forma de evitar grandes crises econômicas do Capitalismo, como a de 1929. Essa política econômica era embasada na teoria do economista inglês John Maynard Keynes, contrário ao Estado Liberal e favorável a um Estado forte e regulador, intitulada de keynesianismo;
• estabelecimento do Estado do Bem-Estar Social ou Welfare State, nos moldes keynesianos, nos países norte-americanos e europeus mais industrializados, principalmente após o fim da Guerra em 1945. Assim, buscava-se atender à crescente demanda social nos serviços públicos de saúde, educação, moradia, transportes e nos setores estratégicos como energia e comunicações. Na América Latina, os Estados populista-trabalhistas de Vargas/JK e Perón foram um prenúncio de implementação do Welfare State, mas contidos pelos golpes militares em marcha. Por isso, a década de 50, no Brasil, ficou conhecida como “Anos Dourados”: de grande desenvolvimento industrial e crescimento econômico, gerador de empregos e sustentado por um Estado forte e estratégico. Esse intervencionismo estatal ou
Keynesianismo levou ao estabelecimento do Estado do Bem-Estar
Social (Welfare State) nos EUA e países europeus mais industrializados.
Entretanto, esse modelo produtivo, econômico e político -
Fordista/Taylorista e Keynesiano - não conseguiu, na década de 70,
conter mais uma crise capitalista mundial, crise proveniente do aumento vertiginoso nos preços do petróleo, somada ao acirramento da própria contradição do Capitalismo, segundo a análise marxista: a produção torna-se cada vez mais socializada, enquanto a apropriação da riqueza torna-se mais privada. Essa crise iniciou-se nos EUA, como centro da economia capitalista industrial e financeira, e se difundiu mundialmente nas décadas de 80 e 90. Com o aumento dos custos de produção e a retração dos mercados, a voracidade do capital buscou reduzir seus custos por meio do uso de mão-de-obra mais barata e sindicalmente menos organizada, bem como matérias-primas mais acessíveis, encontradas à disposição no Terceiro Mundo.
• Paralelamente, o grande capital financeiro norte-americano e europeu ampliava seu processo de internacionalização, como forma de manter seus lucros, apesar da crise do modelo Fordista/Keynesiano vigente. Esse processo levou o capital a se multiplicar investindo nele mesmo: com dinheiro comprando dinheiro e se multiplicando por meio das ações nas bolsas de valores mundiais. A financeirização econômica tornou-se mais lucrativa do que investir capital no setor produtivo industrial e agrícola. Em outras palavras, uma atividade econômica
meramente especulativa, resultante do setor produtivo, passou a viver sem ele, a se auto-reproduzir por meio de grandes investimentos externos, financiando países inteiros, instalando um verdadeiro capitalismo-cassino global (KURZ, 1996), onde mega-investimentos entram e saem dos países do Terceiro Mundo, quebrando-os ou tornando-os reféns via endividamento externo.
• Para agravar a situação, a Revolução Tecnológica da micro-eletrônica, a partir da década de 80, incentivada pelo capital como forma de reduzir os custos e aumentar a produtividade e os lucros numa época de retração, encontrou, na automação industrial, sua grande saída. O saber-fazer dos trabalhadores passou a ser incorporado pelas máquinas, e o indivíduo passou a não ser mais necessário em grande volume e, pouco a pouco, dispensável. Dessa maneira, chegamos à fase que muitos autores chamam de Sociedade Pós-industrial, na qual o emprego não é encontrado mais em grande quantidade no setor fabril, mas no setor de serviços, no comércio em geral.
• O grande capital precisava de liberdade completa para sua circulação transnacional e, nesse sentido, o Welfare State intervencionista não atendia mais aos seus interesses, agora em fuga para outros mercados mais lucrativos, o que levou ao início de uma profunda crise fiscal no Estado do Bem-Estar Social. Nesse sentido, a ideologia e a teoria defendidas pós-década de 70 foram um retorno ao Liberalismo dos anos 20, reformulado a partir da experiência negativa da crise mundial dos anos 30. Essa teoria econômica, com base em pensadores como Hayek e Friedmam, propunha um Estado Mínimo em função dos interesses do Capital, retirando-o das funções sociais, por meio das privatizações de empresas estatais. Essa experiência foi iniciada no Chile, com o governo ditatorial de Pinochet, na Inglaterra com Thatcher, nos EUA com Reagan, assim como no Brasil a partir do governo Collor e Fernando Henrique Cardoso, ficando conhecida como Neoliberalismo, trazendo uma ideologia pós-moderna.
O panorama que acabamos de traçar mostrou outro modelo produtivo e político em nível mundial, a saber: o modelo Toyotista e Neoliberal. O modelo Toyotista se deve ao pioneirismo da indústria automotiva japonesa em buscar sair da retratação econômica mundial a partir da década de 80, modificando completamente o modelo produtivo Fordista, já em crise. Esse modelo expandiu-se mundialmente, pois objetivava, em linhas gerais: superar o Fordismo/Taylorista em fase de retração econômica, por meio de profundas mudanças na produção e nas relações de trabalho, tendo como meta principal reduzir os custos, aumentar a produtividade e, principalmente, garantir a lucratividade do capital, o que causou graves problemas ambientais devido ao uso econômico desmedido dos recursos naturais esgotáveis. Além das
características econômicas, financeiras e políticas, do modelo Toyotista citadas acima, apresentamos mais algumas do ponto de vista da produção e suas relações de trabalho, que agravam o atual quadro do desemprego estrutural e a exclusão social em nível mundial (adaptado de Carta Capital e CARMO,1998):
• produção em pequenos lotes, com estoques mínimos, voltada a determinados nichos de mercado, principalmente àqueles com maior poder aquisitivo;
• eliminação da divisão entre o trabalho mental e manual, pois o trabalhador precisa ficar atento a todo o processo, controlando e corrigindo, no ato, os eventuais problemas apresentados pela automação produtiva;
• fim do trabalho especializado numa só função pois, devido à instabilidade econômica constante, o trabalhador precisa aprender a se adaptar, a todo momento, a outras funções, ou seja, ser multifuncional, polivalente, "empregável" e flexível como a produção exige;
• desregulamentação da legislação trabalhista e combate à organização sindical independente, que precariza o trabalho por meio de subcontratações e da terceirização de serviços;
• horizontalização da gestão organizacional por intermédio de células de produção e grupos de trabalho co-responsáveis, inserindo a ideologia da Qualidade Total, 5 S, entre outras, como forma de controlar e explorar não só a força de trabalho, mas as capacidades cognitivas (o saber) e a subjetividade do trabalhador. Dominar não só seu corpo, mas sua mente: "Vestir a camisa da empresa" e "incorporar o trabalho como uma família", eis a regra.
Assim, podemos perceber algumas das razões do grande desemprego estrutural e do crescimento da exclusão social e precarização do trabalho atualmente, presente tanto nos países ricos, quanto nos pobres. Em suma, as profundas mudanças estruturais no Capitalismo, ao longo do século XX, e seu "instinto" de sobrevivência, levaram à crise do modelo Fordista/Keynesiano e à implementação do modelo Toyotista/Neoliberal, que procura crescer e se reproduzir por meio da automação e financeirização descontrolada, expansionista, agressiva, antidemocrática e, principalmente, individualista e desumana. Modelo propositadamente orientado pelos organismos internacionais como a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e o grupo dos sete países mais ricos do mundo, o G7.
Apesar de tudo, o modelo vigente vem sendo enfrentado mundial e localmente pelos Movimentos anti-globalização, os Fóruns Sociais Mundiais, os Movimentos de luta pela terra e ambientalistas, e pelo crescimento político-eleitoral da esquerda e centro esquerda na América Latina, assim como pelos movimentos, revoltas e rebeliões dos excluídos que explodem de diferentes formas, por todos os lugares do planeta.
Referências bibliográficas
ANTUNES, R.. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo Editorial. 4. ed. 1999.
CARMO, P. S. do. O trabalho na economia global. São Paulo: Moderna, 1998.
CHOSSUDOVSKY, M.. A Globalização da pobreza - Impactos das Reformas do FMI e do Banco Mundial. São Paulo: Moderna, 1999.
GOUNET, T. Fordismo e toyotismo na civilização do automóvel. São Paulo: Boitempo, 1999.
HARVEY, D.. Condição pós-moderna. 10ª ed. São Paulo: Loyola, 2001. KURZ, R. Os últimos combates. Rio de Janeiro: Vozes, 1996.