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própria comunidade científica, o contato foi considerado apenas como fator secundário. Quando nos voltamos para a realidade dos estudos lingüísticos

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Academic year: 2021

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Línguas em contato pressupõem indiscutivelmente pessoas em contato. Nesta perspectiva, ao considerarmos que as necessidades do homem desde o início da história da humanidade levaram os indivíduos a deslocarem-se continuamente durante séculos de uma local para outro, de uma cidade para outra, de um continente para outro, podemos pressupor na mesma medida, que tão antigo quanto o contato entre os povos é o contato entre as línguas.

Das guerras helênicas, passando pelas grandes navegações até os nossos dias, do advento da escrita até a era da navegação em rede, o contato entre povos distintos, com línguas distintas só se intensificou, tornando inquestionável que sempre, em algum momento, as diversas línguas do mundo estiveram uma ou outra em contato através de seus falantes. Caso contrário como poderíamos hoje utilizar tão “fugazmente” palavras oriundas de línguas árabes, do grego, de línguas indígenas, se não tivesse havido em algum momento, de alguma forma, um contato destas línguas entre si ao longo da história do homem ?

As línguas raramente se mantêm isoladas no espaço. Toda comunidade, cedo ou tarde acaba por estabelecer vínculos mais ou menos estreitos com outros grupos, sofrendo assim, algum tipo de influência dos povos que lhe estão próximos. Ora, essa influência é válida também para a questão cultural e lingüística.

As fronteiras políticas e as fronteiras lingüísticas por outro lado, nem sempre são coincidentes com as delimitações estabelecidas tanto pelo traçado geográfico quanto pelo mosaico das línguas e ocorre que entre a delimitação espacial e o corredor interlingüístico existe sempre um certo número de línguas que, comumente concorrem entre si, mesclam-se, fazem empréstimo, e transformam-se.

Daí serem as regiões de fronteira comumente os locais onde se observa com maior freqüência os fenômenos resultantes do contato lingüístico.

Muito embora hoje seja amplamente reconhecido que o contato lingüístico exerce papel importante nas mudanças que se processam nos indivíduos, nas línguas e nas sociedades, nos mais diversos níveis, durante muito tempo dentro da

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própria comunidade científica, o contato foi considerado apenas como fator secundário.

Quando nos voltamos para a realidade dos estudos lingüísticos no país, podemos perceber que muito pouco foi estudado sobre os efeitos do contato no português, sobretudo quando se trata das áreas de fronteira. O mito de que falamos uma única língua, que perdurou durante muito tempo no imaginário brasileiro e ainda perdura para muitos, mostra, através da política de monolingüismo implementada no país e do pouco conhecimento que se tem das mais de 180 línguas aqui registradas, um longo processo de abandono e de ignorância, por um lado das diversas línguas faladas pelas minorias indígenas e de migrantes e por outro das realidades e dos resultados advindos do contato da língua portuguesa seja com as línguas autóctones (aquelas dos povos indígenas), alóctones (de grupos migrantes), ou com as línguas de fronteira.

A cidade de Oiapoque tem como referencial histórico e geográfico o fato de ter sido considerada até pouquíssimo tempo como “o ponto extremo do Brasil ao norte” e a expressão nacionalmente conhecida “do Oiapoque ao Chuí” só reforça essa imagem, porém em termos lingüísticos poucos foram aqueles que despertaram para o que isso poderia significar. Longe de ser só um elemento do mapa, Oiapoque divide um espaço fronteiriço que coloca em contato diário dois povos, duas culturas, duas nações. Retomando as palavras de Couto (2000), quando indivíduos estão co-presentes em um mesmo espaço, sentem necessidade

de interagir entre si. A interação mais comum entre indivíduos humanos é a

lingüística. Se não houver uma língua comum para instrumentalizá-la, forja-se uma. É o que ocorre na formação das modalidades lingüísticas resultantes do contato.

Como se configura o quadro sociolingüístico e que tipo de fenômenos lingüísticos teriam se originado na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa, uma vez que nenhuma das comunidades, quando ali se organizaram os primeiros

povoados há mais de 200 anos, falava a língua da outra, tampouco possuíam - e

isso se prolongou ainda por bastante tempo - alguma ação político-educativa que propiciasse o aprendizado das mesmas? Este foi o meu primeiro questionamento em face da realidade daquela fronteira, mais precisamente da região de Oiapoque e Saint Georges.

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Múltiplas são as nossas fronteiras e dadas as dimensões de nosso país, bem como a configuração histórica de colonização dos países circunvizinhos, elas, em geral se limitam com países de língua espanhola. Como exemplo disso temos as fronteiras com o Uruguai, Paraguai, Argentina, Bolívia, Peru, Venezuela, cujas exceções são a fronteira com o Suriname, a Guiana e a Guiana Francesa .

O Brasil partilha 600 quilômetros de fronteira com a única região

oficialmente francófona da América do Sulque é a Guiana francesa. Os habitantes

daquela região, até muito recentemente não possuíam nenhuma instituição de ensino que propiciasse o aprendizado, seja do francês no Oiapoque, seja do português em Saint Georges, muito embora aquela seja uma região que conviva com diversos povos falantes destas línguas já há bastante tempo.

Ainda que seja esta uma situação caracterizadamente peculiar, uma vez

que em sua grande maioria o país é considerado monolíngüe, essa zona de

fronteira nunca teve consideradas as suas particularidades lingüístico-geográficas e a exemplo de todo o país teve que se submeter aos mesmos parâmetros de planificação lingüístico-educativa que homogeneízam e tomam como iguais todas as regiões, ignorando suas especificidades. Não admira dentro desta perspectiva, que a primeira língua estrangeira ensinada nas escolas da rede pública amapaense até 1998, com raras exceções, tenha sido o inglês, embora os dados da pesquisa indiquem que o francês e o crioulo de base francesa sejam as línguas de maior representação lingüística, depois da língua portuguesa, na região da fronteira.

1.1

Delimitação do tema

A pesquisa se insere dentro da perspectiva da sociolingüística que considera a língua a partir de seu contexto social. O foco central é o contato

lingüístico entre comunidades de línguas maternas diferentes na fronteira

franco-brasileira.

O estudo segue duas vertentes. A primeira é direcionada para o estabelecimento de um quadro macro sociolingüístico da fronteira, procurando dar respostas a questões como: que línguas estão efetivamente em contato na fronteira? qual o status de cada uma delas no território vizinho ? em que domínios

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lingüísticos essas línguas têm sido utilizadas na fronteira franco-brasileira? A

segunda vertente procura dar resposta a questões relacionadas às políticas

lingüísticas adotadas nos dois territórios com vistas à proposição de uma política lingüística diferenciada para a região fronteiriça.

1.2.

Justificativa da pesquisa:

O presente estudo se justifica com base em alguns dados da pesquisa lingüística no país e na realidade específica da região estudada, a saber:

À exceção das recentes pesquisas realizadas sobre o fronteiriço, língua franca utilizada na fronteira do Brasil com o Paraguai, resultado do contato lingüístico do português com o castelhano naquela região e do contato na tríplice fronteira (Brasil, Argentina e Paraguai) pouco se tem produzido a respeito do contato lingüístico nas áreas de fronteira do país.

Por outro lado, a fronteira Oiapoque /Saint Georges é a única que registra o contato do português brasileiro com a língua francesa e / ou com um crioulo de base francesa, o que por si só já justificaria um estudo desta realidade específica. Vale ressaltar que alguns estudos têm sido realizados a propósito das línguas indígenas da região, uma vez que ali habitam diversos grupos que ainda mantêm suas línguas de origem. Porém, nenhum estudo deu conta, até então, do contato lingüístico que ocorre entre os grupos mais representativos em termos numéricos, ou seja, entre brasileiros índios e não índios, falantes do português e do patuá, língua que se configura como uma variante do crioulo de base francesa, e franco-guianenses, indígenas ou não, falantes do crioulo, do patuá e do francês.

Pesquisas recentes apontam que entre os índios, o patuá, falado pela maioria das tribos, é usado como língua franca entre elas, porém no contexto não indígena esse fato não parece condizer com a realidade, na medida em que esta não é língua de uso corrente entre os não índios em nenhum dos lados da fronteira, papel que é efetivamente ocupado pelo português e pelo francês. Apesar disso até o início dos anos 90, nem o português em Saint Georges, nem o francês em Oiapoque eram ensinados nas escolas como línguas estrangeiras.

O estudo desta realidade pode propiciar não somente um maior

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conhecimento da situação sociolingüística instaurada naquelas comunidades em função do contato português / francês ou crioulo, mas também abrir caminho para o estabelecimento de uma política lingüística diferenciada para aquela região, onde ainda hoje o inglês é a segunda língua ensinada nas escolas públicas em detrimento das necessidades prementes da população local do estudo do francês e do português.

1.3

Objetivos da pesquisa

Temos por objetivo no desenvolvimento deste trabalho:

1 Configurar um quadro da situação sociolingüística da fronteira Oiapoque/ Saint Georges.

2 Identificar as línguas de / em contato interlingüístico na Fronteira e o status de cada uma delas na realidade fronteiriça: português e francês, português e crioulo, crioulo e francês ou português e patuá.

3 Averiguar em quais domínios de uso esse contato se efetiva na realidade diária dos falantes.

4 Propor ações efetivas de política lingüística para as realidades fronteiriças.

1.4

Organização do trabalho.

Visando alcançar aos objetivos propostos organizamos o trabalho da seguinte maneira. No segundo capítulo apresentamos uma revisão da literatura a

respeito do contato, expondosuas origens, causas e conseqüênciastanto do ponto

de vista das línguas em contato, abordando os fenômenos dele resultantes, quanto do ponto de vista da comunidade e do indivíduo relacionando as condições de

formação e manutenção do falante bilíngüe e ainda sob a perspectiva da

sociedade, relacionando as possíveis ações de política lingüística destinadas às

áreas multilíngües.

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No capítulo terceiro tecemos considerações a respeito do contato lingüístico nas áreas fronteiriças, delimitando a correlação de fronteiras políticas e fronteiras lingüísticas bem como apresentamos um breve resumo do estudo do contato nestas regiões no Brasil.

O quarto capítulo apresenta a descrição da metodologia de pesquisa adotada para este trabalho e os procedimentos de coleta e análise de dados partindo de uma visão macro sociolingüística que considera não apenas os dados sincronicamente coletados e observados, mas também a perspectiva histórica da dinâmica do contato na região.

O quinto capítulo apresenta os resultados da análise dos dados traçando um perfil sociolingüístico da fronteira franco-brasileira.

Por último, nas considerações finais, nos posicionamos, com base na análise dos dados, com relação às questões propostas para este trabalho, a fim de chamar a atenção para a necessidade de uma planificação lingüística diferenciada para as áreas de fronteira no Brasil, bem como contribuir para a composição de um panorama multidimensional do contato lingüístico na fronteira brasileira com a Guiana Francesa que sirva de base para futuras pesquisas e para novas propostas de ensino de línguas na região.

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