• Nenhum resultado encontrado

Análise do discurso das Fake News no caso Marielle Franco

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Análise do discurso das Fake News no caso Marielle Franco"

Copied!
52
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARCELLA BORBA DA SILVA

ANÁLISE DO DISCURSO DAS FAKE NEWS NO CASO MARIELLE FRANCO

Palhoça 2018

(2)

MARCELLA BORBA DA SILVA

ANÁLISE DO DISCURSO DAS FAKE NEWS NO CASO MARIELLE FRANCO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Jornalismo da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Jornalismo.

Orientadora: Profa. Dra. Solange Maria Leda Gallo

Palhoça 2018

(3)

3

MARCELLA BORBA DA SILVA

ANÁLISE DO DISCURSO DAS FAKE NEWS NO CASO MARIELLE FRANCO

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de bacharel em Jornalismo e aprovado em sua forma final pelo Curso de Jornalismo da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Palhoça, 10 de dezembro de 2018.

______________________________________________________ Professora Dra. e orientadora Solange Maria Leda Gallo

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Professora Dra. Giovanna Gertrudes Benedetto Flores

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Professora Dra. Juliana da Silveira

(4)

4

Dedico este trabalho à minha avó Déspina e ao meu avô Jair, que infelizmente não estão mais presentes fisicamente, mas que levo em meu coração e que servem de inspiração por tudo que fizeram pelos meus pais e por mim.

(5)

5

AGRADECIMENTOS

Quero primeiramente agradecer a Deus por me permitir realizar o sonho de ser jornalista, me dar força quando acreditei que não tinha mais e por me mostrar que tudo é possível quando você acredita e corre atrás. Agradecer também a todas as dificuldades que passei até aqui, pois elas me fizeram ser quem sou hoje e que tornaram minhas vitórias muito mais almejadas e saborosas.

Agradecer à minha mãe Gabriela, por sempre sonhar acordada junto comigo, por me ajudar no que foi preciso e por nunca deixar faltar o que para mim é essencial, o amor. Ao meu pai Marcelo, que nunca mediu esforços para me ver feliz e que sempre acreditou no meu potencial. À minha irmã Flávia, por me fazer rir todos os dias, ser parceira em tudo que eu resolvo fazer e por me inspirar a ser uma pessoa melhor. Ao meu irmão Bernardo, que por mais novo que seja, já me ensinou muito sobre a vida e sobre o amor incondicional.

Agradeço à minha avó Henriqueta, por sempre olhar o lado bom da vida. À minha madrinha Andréa e o meu padrinho Hugo, por gostarem e acreditarem em mim e me incentivarem a sempre querer crescer. Ao meu primo Hiago, que sempre se fez presente mesmo ausente e ao meu primo Yuri, que sempre foi superprotetor, mas que nunca deixou de dar uma palavra amiga. À minha prima e melhor amiga Isadora, por ser sempre corajosa e me mostrar que viver requer coragem, e à minha prima Júlia, por sempre me ouvir e me fazer rir.

Ao meu namorado André, por estar presente desde o primeiro dia da minha graduação e por me ajudar em tudo que precisei. Às minhas melhores amigas Agatha Luzzoli, Amanda Oliveira, Ana Carolina Meyer, Cassiana Demeneck, Dariana Nesello, Gabriela Itaya, Gabriella Rossini, Letícia Bahr, Julia Zaguini, Nicole Buss e Rafaela Mattar, por sempre me darem apoio, amor e carinho que preciso. Aos meus melhores amigos Alexandre Faoro (in memoriam) e Lucas Martins, que tornaram inesquecíveis os momentos de alegria.

Às minhas melhores amigas e futuras colegas de profissão, Isabela Caringi, Maria Eduarda Amaral e Fernanda Amaral, por viverem o mesmo sonho do jornalismo comigo. Sem a amizade de todos vocês, meus amigos, esta conquista não teria tanta graça. A amizade é o que faz a vida mais feliz. Obrigada por tanto.

À minha orientadora Solange, pelos ensinamentos dados durante nossos encontros e por me inspirar tanto a seguir na vida acadêmica. À Debbie Noble, por me

(6)

6

ajudar na conclusão deste trabalho trazendo seu olhar crítico. A todos os professores que tive, por me mostrarem que a educação é o caminho para melhorar a vida das pessoas. E agradecer a todos que conheci e tudo que aprendi nessa caminhada dentro da universidade.

(7)

7

“É necessário fazer outras perguntas, ir atrás das indagações que produzem o novo saber, observar com outros olhares através da história pessoal e coletiva, evitando a empáfia daqueles e daquelas que supõem já estar de posse do conhecimento e da certeza.”

(Mário Sérgio Cortella)

(8)

8

RESUMO

O presente trabalho monográfico de conclusão de curso de Jornalismo propõe-se a analisar a cobertura midiática feita após a morte da vereadora carioca Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes. Foram produzidas fake news sobre Marielle nas redes socais e replicadas pela grande mídia como verdades, sem muita resistência. Objetiva-se analisar discursivamente as práticas discursivas e jornalísticas, partindo do referencial teórico-metodológico da Análise do Discurso. Como corpus, foram selecionados textos em que já existiam pré-construídos e mémorias discursivas, que trabalham dando o efeito de sentido desejado pelos veículos em questão. Ainda, buscou-se avaliar como essa situação desencadeia o cenário que vivemos hoje, e a partir dele foi possível discutir sobre pós-verdade e fake News: ambos temas atuais e presentes diariamente na vida das pessoas, seja nas redes sociais ou nos grandes veículos de comunicação. Essa questão nos faz refletir e repensar sobre o que é verdade e/ou mentira no jornalismo. O resultado obtido com essa monografia indica que neste caso há deslocamento das noções de verdadeiro e falso, que as fake news são uma questão política e que a ideologia dominante presente nas produções jornalísticas da grande mídia colaboram para as práticas racistas e elitistas.

Palavras-chave: Análise do Discurso; fake news; Marielle Franco; discurso

(9)

9

ABSTRACT

The present monographic work of course completion is a media review carried out after the death of Marielle Franco teacher and her driver Anderson Gomes. False news about Marielle was produced on social networks and replicated by the mainstream media as truths without much resistance. It aims to study discursively as discursive and journalistic practices, starting from the theoretical-methodological reference of Discourse Analysis. As a corpus, texts that already existed and the discursive memories were found, which give the effect of meaning to the vehicles in question. Still, it was sought as an experiment unleashes the scenario that we live today, and from a possible inquiry about post-truth and false news: current themes and reports in people's lives, whether in social networks or in large communication vehicles. This question makes us reflect and rethink about what is true and false. The result was with the monograph indicating that there is a displacement of the notions of true and false, which as false news, are a political issue and a critical ideology present in journalistic productions of the mass media collaborate for racist and elitist practices.

Keywords: Speech analysis; fake news; Marielle Franco; journalistic discourse;

(10)

10

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Imagem do site Marielle Franco. ... 32

Figura 2 - Imagem do comentário da desembargadora Marilia Castro Neves ... 35

Figura 3 - Imagem da matéria da Folha de São Paulo ... 37

Figura 4 – Imagem 2 da matéria da Folha de São Paulo ... 38

Figura 5 - Imagem da matéria da Revista Veja ... 39

(11)

11

SUMÁRIO

1 INTRODUÇAO ... 12

2. O JORNALISMO NA ERA DA PÓS-VERDADE E FAKE NEWS ... 16

2.1 A CRISE DO JORNALISMO ... 16

2.2 PÓS-VERDADE E AUTOVERDADE ... 18

2.3 FAKE NEWS ... 21

3 OS PRINCÍPIOS DA ANÁLISE DO DISCURSO ... 24

4 ANÁLISE DO CASO MARIELLE FRANCO ... 32

4.1 ANÁLISE DO SITE FEITO SOBRE MARIELLE APÓS SUA MORTE ... 32

4.2 ANÁLISE DO COMENTÁRIO DA DESEMBARGADORA ... 34

4.3 ANÁLISE DA MATÉRIA DA FOLHA DE SÃO PAULO ... 37

4.4 ANÁLISE DA MATÉRIA DA REVISTA VEJA ... 39

4.5 CONCLUSÃO DA ANÁLISE ... 41

4 CONCLUSÃO ... 43

(12)

12

1 INTRODUÇAO

Temas como o jornalismo em crise ou fake news estão em ascensão tanto no campo acadêmico, quanto social. Essas discussões são de extrema importância para o jornalista na hora de exercer sua profissão. Atualmente, o produto jornalístico está muito alinhado ao comercial, o que traz à tona a história da imprensa. “A vertiginosa expansão dos jornais no século XIX permitiu a criação de novos empregos neles [...] e ganhou um novo objetivo – fornecer informação e não propaganda.” (TRAQUINA, 2005, p.34). Ressalta-se que “propaganda” nesse caso tinha relação com a propaganda política e a disputa dos partidos que se fazia por meio da imprensa. Nesse sentido os jornais eram um meio de exercer a democracia, ou seja, a luta pelos sentidos (república, monarquia, liberalismo, etc).

A expansão do jornalismo começou no século XIX juntamente com a expansão da imprensa, mas conquistou maior espaço no século XX a partir do surgimento de novos meios de comunicação social, como o rádio e a televisão (TRAQUINA, 2005). O desenvolvimento da imprensa está relacionado com a industrialização da sociedade e com o desenvolvimento de uma nova forma de financiamento, a publicidade (TRAQUINA, 2005, p.36).

A expansão da imprensa também foi impulsionada pela liberdade, por meio da conquista de direitos fundamentais e da democracia como nova forma de governo. Os jornais passaram a ser reconhecidos como um meio de denunciar as mazelas e injustiças sociais. Desse modo, o jornalismo passou a figurar como um aliado da democracia e a ser considerado como o Quarto Poder (SODRÉ, 1999).

O jornalismo atual enfrenta uma nova grande crise, que no início aparentemente se deu pela questão do fim da obrigatoriedade legal da formação específica em cursos superiores de jornalismo para o exercício da profissão, exigência que, durante os últimos trinta anos, mobilizou fortemente a comunidade profissional de jornalistas, organizações jornalísticas e outros agentes sociais no país (SILVA, 2011). O jornalismo vive em um estado chamado de “desinformação geral”, que é relacionado à alteração dos hábitos da população em relação à disseminação da informação, notadamente diferente, na era digital. O fato das pessoas terem acesso a todo momento a qualquer tipo de informação, faz com que a população, cada vez mais, se desabitue do consumo tradicional de notícias produzidas pelas agências. O

(13)

13

discurso jornalístico acaba por não estar em nenhum lugar, pelo fato dele querer estar em todos.

O cuidado com a veracidade é uma questão crucial para que uma notícia seja veiculada. Mas o que é verdadeiro? Zarzalejos (2017) disserta que a “pós-verdade” não é sinônimo de mentira. Ela descreve uma situação na qual, durante a criação e formação da opinião pública, os fatos objetivos acabam tendo menos influência do que os apelos às emoções e as crenças pessoais”. Esse argumento, segundo Zarzalejos (2017), consiste na banalização da verdade e da objetividade dos dados e no discurso do espetáculo. “O jornalismo tem sido adaptado ao espetáculo e através dessa seleção de conteúdo, a mídia tem o poder de construção da realidade, criando pessoas incapazes de contestar, garantindo assim sua ‘verdade absoluta’” (BAYER, 2013).

A ideia de espetáculo sublinhada por Guy Debord (1997), diz que o espetáculo está onde o capitalismo está presente. O espetáculo é tudo aquilo que atrai, que chama atenção de algo que não é comum nos dias do cotidiano da sociedade. O conceito de Wilson Gomes (1996) sobre o jornalismo espetáculo é, na sua opinião, a prática do jornalismo que utiliza elementos do ato teatralizado. Na prática isso acontece em diversas áreas, mas principalmente de forma perigosa no campo da publicidade. Aqui, ainda, outra questão se coloca: o que é a objetividade?

Diante da realidade apresentada, objetiva-se com este trabalho discutir e analisar a noção de verdade, que está diretamente relacionada à ética e moral jornalística. Assim como discutir e analisar as fake news no caso Marielle Franco. Utilizaremos o referencial teórico-metodológico da Análise do Discurso para questionar as posições e historicidades que o discurso jornalístico traz.

Inicialmente será apresentado o cenário atual do jornalismo e seus desdobramentos, no levantamento teórico sobre a pós-verdade e as fake news, que afetam e prejudicam a democracia política e os profissionais do jornalismo, uma vez que se toma como fato, aquilo que não é legítimo e não tem credibilidade.

Em seguida, analisaremos o corpus da análise, a partir das matérias selecionadas da Folha de São Paulo, Veja, CNJ e O Globo. Além dos comentários feitos no Facebook.

A temática das fake news ganha destaque na mídia desde que a luta pela sobrevivência na era da informação existe, e ela acontece, de forma consciente, quando uma fonte é escolhida para direcionar a reportagem. Desse jeito o jornalista

(14)

14

consegue produzir uma matéria direcionando o efeito de sentido desejado para o público em questão. Recuero (2009) cita que qualquer indivíduo pode ser uma potencial fonte para o jornalismo, cabendo ao profissional estabelecer critérios que avaliem a credibilidade das fontes. Segundo Pires (2017) “esse termo diz respeito a sites e blogs que publicam intencionalmente notícias falsas, imprecisas ou simplesmente manipuladas, com a intenção de ajudar ou combater algum alvo, normalmente político”.

Os veículos acabam replicando notícias que já circularam em outros sites, apenas mudam a chamada para alterar o sentido e chamar atenção do público. Muitas vezes com um teor sensacionalista. Silva (2001, p. 23) disserta que “na era da informação, a maioria da população brasileira continua desinformada e manipulada”. Isso acontece muito nas redes sociais, onde o botão ‘compartilhar’ ou ‘retweet’ é a porta para que as fake news ganhem força na internet e se disseminem como um fato. Esse tipo de notícia é publicado durante tensões políticas e compartilhado por milhares de pessoas, transformando-se em senso comum (PIRES, 2017).

Barnhurst (2014) afirma no artigo “The Problem of Realist Events in American Journalism” sobre o problema atual do jornalismo nos Estados Unidos, onde palavras como ‘verdade’ e ‘fatos’ funcionam como espécie de “elevador”, podendo ser substituídas uma pela outra. “A tradição filosófica mais densa dirá que a verdade pode ser inesgotável, inalcançável em sua plenitude, mas existe; e que, se a objetividade total certamente não é possível, há técnicas que permitem [...] minimizar graus aceitáveis de subjetivismo” (GRUPO GLOBO, 2011).

Segundo Mota (2008, p. 335), em sociedades complexas como o Brasil, uma discussão equilibrada e pluralista dos problemas sociais só pode ser feita com a participação direta dos meios de comunicação. Isso faz com que a relevância do tema seja alta para a sociedade, já que somente os meios de comunicação têm a capacidade de atingir grande parte da população.

Consequentemente, é necessário abordar a realidade atual sobre as notícias se tornarem legitimas nas redes. Este fato pode estar relacionado à questão da fonte, até porque o jornalismo se justifica pelas suas fontes, quando questionado. No momento em que o jornalista diz ter uma fonte verídica, por mais que não se diga quem é a fonte, e qual credibilidade ela tem, o fato de tê-la sempre foi importante e necessário. Esse método é utilizado para justificar as verdades relativas e fazer com que as notícias tenham o efeito de verdade absoluta e sejam isentas de parcialidade.

(15)

15

O trabalho seguirá essa linha de discussão e análise para compreender questões como a veracidade no jornalismo, desta maneira abordando dentro deste tópico a ética e moral jornalística; mostrar a tendência de fact-checking como curadoria para superar a crise do jornalismo e questionar a presença das fake news na internet. Os textos, selecionados da cobertura midiática realizada após a morte da vereadora carioca, serão analisados e baseados na teoria da AD, para mostrar que existem sentidos anteriores – pré-construídos.

(16)

16

2. O JORNALISMO NA ERA DA PÓS-VERDADE E FAKE NEWS

2.1 A CRISE DO JORNALISMO

O monopólio da informação, embora ainda esteja nas mãos das grandes mídias, começa a apresentar novos caminhos. Hoje, com as redes sociais e a internet, os novos fatos e notícias chegam muito rápido e dão voz a quem antes não tinha espaço. (ASCOM, 2013). Portanto, não há mais a necessidade de esperar um jornal informar sobre algum fato ou acontecimento, basta acessar a internet. E além do mais, hoje qualquer pessoa pode gerar conteúdo e acabar sendo a pauta dos veículos de comunicação.

“A mudança no jornalismo está intimamente ligada à expansão do webjornalismo, pois a evolução dos meios de comunicação social está relacionada ao desenvolvimento de novas tecnologias, devido ao maior poder de alcance e distribuição que tais meios proporcionam” (AGUIAR; COUTO, 2017). Em meio a este cenário, as fake news causam grande repercussão. Em outros tempos, elas talvez fossem chamadas de rumores ou sátiras. Mas o que elas causam é um forte impacto, principalmente pela numerosa divulgação e por encontrar audiências que aceitam sem contestar (QUIRÓS, 2017).

“A força do rumor ou mentira está na credibilidade daqueles que as propagam” (QUIRÓS, 2017). As mídias tradicionais acabam por legitimar o discurso feito por pessoas que não tem poder ou conhecimento para confirmar tais teorias ou suposições. Mas mesmo assim, por essas pessoas terem cargos profissionais considerados importantes para a sociedade, elas acabam legitimando sem procurar outras fontes, que confirmem aquele discurso.

Alsina (2009, p. 72) explica que, “a mídia localiza, qualifica e classifica os acontecimentos de acordo com o mapa da realidade social. Essas qualificações são avaliativas e normativas. Ou seja, elas determinam quais as realidades que são aceitáveis e quais não são”. Por mídia, entendemos uma noção abrangente, que serve como dispositivo de interação entre várias pessoas e regiões diferentes, que acaba por ter um espaço pelo o qual se interage e é também um sujeito, que produz um discurso próprio em um lugar poderoso de fala com a ajuda da internet (FRANÇA, 2012). Diante desse conceito, é possível compreender com a colocação de Alsina

(17)

17

(2009), que é a mídia pauta como destaque o que considera importante ser noticiado, e o que ela enxerga não ter motivo para ser divulgado, ela não divulga.

Com a facilidade para acessar a mídia, instala-se outra realidade, que é a da velocidade e o alcance público da contestação a uma notícia inverídica ou precária, que antes, “o protesto limitava-se a telefonemas para a redação ou a cartas que a seção do leitor publicaria (ou não) no dia seguinte” (MORETZOHN, 2007, p. 262).

Hoje, os jornais e sites de notícia ainda disputam o privilégio de produzir um furo de reportagem, por mais difícil que isso seja e, justamente, essa urgência faz com que as matérias sejam publicadas antes mesmo da checagem de sua veracidade.

O fato é que a produção e reprodução de notícias mudou com a internet. Segundo Kran (2013), “a crise pode ser vista de diferentes formas, dependendo de quem faz a análise. Nas grandes redes, pode-se dizer que existe crise. Nos últimos meses, dois grandes jornais norte-americanos foram vendidos.” A crise pode ser entendida a partir deste trecho:

Existe uma crise dentro do impresso, mas se você perguntar aos grupos que trabalham com mídias alternativas, não existe uma crise, existe uma reformulação na forma de produzir e distribuir esse conteúdo que antes do advento da internet estava nas mãos de poucos. No que diz respeito à capacidade de distribuição de conteúdos, a mídia ainda está nas mãos de poucos. A rede Globo detém 45% da audiência, mas, em contrapartida, fatura 70% do bolo publicitário. A crise pode ser vista de várias formas e é nesse ambiente que estamos verificando a revolução (KRAN, 2013).

Ao buscar na rede alguma informação sobre algo que você quer saber, não significa que o que você encontrou é legítimo. Notícias falsas são publicadas diariamente na internet. Isso acontece em decorrência das páginas na web possuírem conteúdo não checado por fontes confiáveis, tornando o argumento tendencioso ou até mesmo mentiroso. Como o usuário não se informa somente através de materiais jornalísticos conceituados, ele acaba por consumir “toda e qualquer informação que tiver contato, segundo suas estratégias particulares de interação na rede (PRIMO, 2011, p. 141). E isso acarreta na produção e circulação das fake news, e na crise em que o jornalismo se encontra. Spenthof (2013) disserta sobre a atual situação da prática jornalística:

Há uma crise de modelo de negócios da mídia, um modelo baseado na concentração de poucos veículos, quase um monopólio de distribuição de informação de grande alcance. De fato, nesse aspecto, a internet criou um novo cenário, concorrencial, inclusive, para os veículos de comunicação. Por outro lado, agora mesmo, o Washington Post foi vendido para o magnata da Amazon que, em uma carta ao público e aos jornalistas mantidos na empresa,

(18)

18

disse que o lugar do jornalismo na sociedade está mantido e precisa ser reforçado. Eu não concordo com algumas análises de que o jornalismo acabou. Houve uma mudança de plataforma de distribuição e veiculação e, com isso, rearranjos na forma de produção da notícia e informação. Mas a informação como coisa pública, que é fruto da modernidade, baseada nos direitos humanos fundamentais, entre eles, o de receber informações de qualidade e de credibilidade sobre a coisa pública, não acabou (SPENTHOF, 2013).

Como refletido por Spenthof (2013), embora a veiculação de notícias tenha se reconfigurado, isso não significa que não será mais produzida informação de qualidade. Até porque o cidadão não vira jornalista, assim como não vira médico, engenheiro ou eletricista. “Existe nas sociedades contemporâneas uma divisão do trabalho com várias atividades que precisam ser desempenhadas por profissionais que adquiriram habilidades para exercer a profissão” (BRAGA, 2013). A profissão de jornalista é questionada inclusive por quem a pratica, pelo fato de todos serem capazes de comunicarem. Por isso, parece simples produzir informação.

Mas precisamos diferenciar o que é informação jornalística. Informação, todos produzimos. Um professor de biologia produz muito mais informação sobre biologia do que um jornalista. Mas o jornalista é o profissional que pode trabalhar as informações que são produzidas por outros profissionais e fazer isso chegar de forma bastante compreensível para o público em geral. Quando falamos de informação jornalística, estamos falando de uma informação específica que pressupõe uma mediação com as produções de fontes de informação e um burilamento dessa informação com base nas técnicas e princípios jornalísticos que estão por trás da produção da informação. E é muito estranho que surjam debates sobre o fim do jornalismo. Para a Fenaj e para a Federação Internacional dos Jornalistas, o jornalismo se reafirma como necessidade nessa profusão imensa de informação que, muitas vezes, mais confunde do que esclarece (BRAGA, 2013).

Essa reflexão feita por Braga (2013) sobre o jornalismo e a atividade profissional do jornalista é muito atual, porque hoje, com a facilidade em se comunicar com as pessoas através da internet, o cidadão comum considera que tem propriedade para produzir informação sobre qualquer assunto, seja ele qual for. Segundo o autor, mesmo que não seja obrigatória a graduação para atuar como jornalista, somente na universidade é que o profissional vai encontrar o campo de conhecimento técnico, teórico e ético, que não se encontra no mercado de trabalho. Ao contrário, no mercado encontramos interesses que muitas vezes se contrapõem à ética jornalística.

2.2 PÓS-VERDADE E AUTOVERDADE

O conceito de pós-verdade (“post-truth”) foi escolhido pelo Dicionário Oxford como a palavra do ano de 2016. Definição essa, que consiste em descrever o

(19)

19

momento que vivemos hoje como “circunstância em que os fatos objetivos são menos influentes na opinião pública que as emoções e as crenças pessoais” (GOOCH, 2017).

Segundo Llorente (2017), estamos vivendo “a conjuntura da pós-verdade, na qual o objetivo e o racional perdem peso diante do emocional ou da vontade de sustentar crenças, apesar dos fatos demonstrarem o contrário. “A pós-verdade não é um fenômeno novo. Ao contrário. O que hoje chamamos de pós-verdade, em outras décadas chamávamos de propaganda. A criação de realidades alternativas sob os comandos do controle dos meios de comunicação” (MEDRÁN, 2017). No jornalismo, a pós-verdade:

[...] pode ser tratada como uma operação para desacreditar a imprensa, evitando que evidências sejam expostas. Mesmo que busque sempre informar de variadas formas, nem sempre o jornalismo foi a mais pura verdade. Deveria ser acrescido à definição de jornalismo o fato de ser uma atividade praticada por seres humanos suscetíveis a diferentes interpretações da realidade. Muitas vezes, a pós-verdade é artifício para acobertar uma verdade inconveniente, como tirar a credibilidade do jornalismo (PALMA, 2017).

“Os discursos sobre ‘pós-verdade’ e ‘fake news’ fazem trabalhar os sentidos de verdade e mentira, real e ficção, atual e virtual” (ADORNO, SILVEIRA, 2017). Por isso que hoje os valores do que é verídico ou não já não dependem mais de quem fala e sim de quem quer acreditar em quê. Isso transforma a história dos veículos de comunicação, pois a credibilidade do jornalismo não depende mais de uma notícia ser produzida a partir de fontes confiáveis, ou não.

A pós-verdade pode se relacionar com a religião, que também é uma forma de poder e que não tem nenhuma ligação com a realidade, mas que também produz uma espécie de jornalismo próprio:

O funcionamento da ideologia religiosa transforma a força em direito e a obediência em dever. [...] vamos caracterizar o discurso religioso com aquele em que fala a voz de Deus: a voz do padre – ou do pregador, ou em geral, de qualquer representante seu – é a voz de Deus (ORLANDI, 1996. p. 241).

Através da ideologia religiosa as pessoas passam a acreditar no que não veem e juram que aquilo existe, portanto, a religião também é um exemplo de pós verdade. Segundo Vogt (2017), pós-verdade é:

[...] mais um conceito-coringa, próprio da contemporaneidade, como pós-modernidade, e outros pós que virão. Diz tudo e diz nada, porque é feito da confusão entre o que se transforma, por conhecer, e a transformação do conhecimento na banalidade de receitas de autoajuda epistemológica. Mas é, ele próprio, derivado, entre outras coisas, da mudança de paradigma

(20)

20

científico que se deu ao longo do século XX, com ênfase na substituição de um modelo ontológico de verdade por um modelo probabilístico (VOGT, 2017).

Como exemplo do que está acontecendo nesse momento de pós-verdade, o website Meio&Mensagem publicou no final de 2016, a pesquisa Consumo de Notícias do Brasileiro, realizada pela agência Advice Comunicação Corporativa em parceria com a BonusQuest. Nela, participaram mais de mil brasileiros. Dos 78% dos brasileiros que afirmaram se informar pela rede social, 42% já compartilharam notícias falsas. Apenas 39% costumam checar as informações, e de cada 10 pessoas, 6 se informam principalmente pelo Facebook. Esse último dado nos permite observar que as pessoas procuram por informações verídicas e legítimas num lugar sem credibilidade, que é o caso das redes sociais. Genesini (2018) comenta, sobre o Facebook:

Tomemos o Facebook como exemplo. A plataforma é o caso mais crítico de disseminação de fake news. Mais do que Google ou Twitter. Foi lá que os russos pintaram e bordaram com as notícias pagas e grátis. Mark Zuckerberg já reconheceu que tem um problema para resolver e tomou para si a missão. Em um post na própria rede, no final de 2017, disse que sua prioridade para 2018 é consertar o Facebook. Admitiu que a plataforma “fez demasiados erros em impedir o uso inadequado de suas ferramentas” (GENESINI, 2018).

“A construção da credibilidade é um processo custoso e frágil. Cada pedra exige tempo e esforço para ser colocada na pirâmide da reputação; quando se retiram algumas, porém, a construção inteira pode cair em poucos instantes (GALLO, 2017, p. 83). A mídia tradicional vive esse problema atualmente com as fake news, tanto é que está sendo muito utilizado o fact-checking (checagem de fatos), que serve para confrontar às histórias com os dados, pesquisas e registros.

Nesse momento de pós-verdade, surge outra questão que contribui para esse contexto, que é o que podemos chamar de “autoverdade”. “Algo que pode ser entendido como a valorização de uma verdade pessoal e autoproclamada, uma verdade do indivíduo, uma verdade determinada pelo ‘dizer tudo’ da internet” (BRUM, 2018).

O valor dessa verdade não está na sua ligação com os fatos. Nem seu apagamento está na produção de mentiras ou notícias falsas (“fake news”). Essa é uma relação que já não opera no mundo da autoverdade. O valor da autoverdade está em outro lugar e obedece a uma lógica distinta. O valor não está na verdade em si, como não estaria na mentira em si. Não está no que é dito. Ou está muito menos no que é dito. Assim, a questão da autoverdade também não está na substituição de verdades ancoradas nos fatos por mentiras produzidas para falsificar a realidade. No fenômeno da pós-verdade,

(21)

21

as mentiras que falsificam a realidade passam elas mesmas a produzir realidades, como a eleição de Donald Trump ou a aprovação do Brexit. A autoverdade se articula com esse fenômeno, mas segue uma outra lógica (BRUM, 2018).

As definições de pós-verdade e autoverdade podem ser relacionadas no mesmo contexto, sendo uma vinculada à ação da outra. A primeira consiste em que acreditar e ter fé de que algo é verdade, é mais importante do que isso realmente ser um fato. Enquanto a segunda (autoverdade) define-se por afirmações sem valor argumentativo, mas que são absorvidas pelo espectador como verdades, por serem veiculadas na esfera íntima, que foi o caso dos discursos políticos das campanhas presidenciais de Donald Trump e Jair Bolsonaro. Ambos se elegeram mesmo com o índice de rejeição altíssimo nas pesquisas de intenção de voto. Além disso, os dois “apelam ao eleitorado que se sente frustrado com o sistema político anual ou que sente seus valores morais estão esquecidos. Eles usam essa raiva de forma semelhante” (FLECK, 2018).

2.3 FAKE NEWS

O termo fake news ganhou força em 2016, quando durante a corrida presidencial dos Estados Unidos acontecia. Os eleitores de Trump compartilhavam notícias falsas sobre a candidata da oposição, Hillary Clinton. E dessa forma foi se instaurando nos Estados Unidos a chamada Teoria Hipodérmica ou da Bala Mágica, que é focada na propaganda. A partir da frase ‘uma mentira dita mil vezes torna-se verdade’ dita por Joseph Goebbels, é que podemos compreender o que são as fake news. Elas são o resultado da era da pós-verdade.

A prática do compartilhamento de notícias falsas só é possível, quando o jornalista publica uma notícia sem conferir a fonte ou a publica de maneira tendenciosa. A ética, que designa regras e valores que dão forma à territorialização do ser humano (SODRÉ, 1995), nesse caso, é suprimida. Nonato e Jesus (2013) dissertam sobre à ética no jornalismo:

As condutas éticas por vezes são pouco notadas no cotidiano, sendo mais visíveis e mais explícitas as posturas antiéticas, decorrentes de atitudes que vão contra os princípios orientadores e os valores fundamentais. O aluno que “copia” um texto e o utiliza como sendo seu, o político que compra votos, o policial que aceita propina, o médico que prolonga o tratamento do seu paciente visando o lucro, ou o jornalista que “inventa” fontes para concluir sua matéria – são apenas alguns exemplos de atitudes ou posturas antiéticas

(22)

22

inadmissíveis, no entanto são tão corriqueiros que, infelizmente, chegam a ser aceitas e toleradas por muitos (NONATO; JESUS, 2013).

“Isso traz à tona a importância de uma posição ética do jornalista, que tem a formação necessária para o combate a notícias falsas, pois envolve apuração dos fatos, a checagem de informações e as entrevistas com diversas partes envolvidas numa situação (pluralidade de fontes)” (POLITIZE, 2017).

Os limites cotidianos, no jornalismo, vivem a tensão entre a possibilidade de realização da ética e as dificuldade teórico-operacionais para execução dos princípios, o que equivale dizer que o movimento moral é sempre presente. Mas é nesse momento que a abstração e a generalização precisam de uma ponte com as situações e circunstâncias concretas do trabalho específico do jornalista, que enfrenta dilemas, dúvidas e precisa escolher o caminho mais correto à luz da dimensão pública de sua atividade” (KARAM, 2014, p.52).

No Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, consta o seguinte artigo sobre o dever do jornalista na hora de produzir e compartilhar uma notícia:

Art. 2 Como o acesso à informação de relevante interesse público é um direito fundamental, os jornalistas não podem admitir que ele seja impedido por nenhum tipo de interesse, razão por que:

I – a divulgação da informação precisa e correta é dever dos meios de comunicação e deve ser cumprida independentemente de sua natureza jurídica – se pública, estatal ou privada – e da linha política de seus proprietários e/ou diretores.

Portanto, é intrínseco que o trabalho de apuração tenha que ser bem feito e não pode ser descartada a checagem de fontes. “Quanto à liberdade de expressão, esta se vê limitada por aquelas restrições necessárias, em uma sociedade democrática, de proteger a reputação ou os direitos de outras pessoas” (PINA, 2017).

Atualmente o jornalismo está em crise e passa por uma reformulação, que acaba por atingir também a ética jornalística. “Antes, era perceptivo que havia uma ética específica para o jornalismo, já que a profissão estava bem delimitada e seus contornos se davam inclusive por um conjunto de valores éticos (CHRISTOFOLETTI, 2014). Dito isso, é como se o que é feito hoje não tivesse credibilidade.

O leitor/espectador quando lê algo que concorda, ele acaba por acreditar naquilo, mesmo que não seja uma notícia legítima. Moreira (2018) ensina que “a legalidade está relacionada à forma, enquanto a legitimidade está relacionada ao conteúdo da norma”. Com isso, conclui-se que:

[...] é preciso verificar a legitimidade do direito, em vez olhar apenas para sua legalidade. Assim, encontra-se plenamente aplicável a máxima “nem tudo

(23)

23

que é ilegal, é ilegítimo. A ruptura com o legalismo e com a legitimação leva à afirmação de uma nova legitimidade, como parâmetro de aplicação do direito, a legitimidade conforme os interesses e necessidades das classes populares (MOREIRA, 2008).

Segundo o autor, por mais que essas as palavras “ilegal e ilegítimo” sejam parecidas, elas tem significados diferentes. A palavra ilegal remete a algo que não está previsto em lei, e ilegítimo, significa que não origina-se da vontade popular, não se baseando no direito, razão e justiça. Portanto, elas não são sinônimas.

Essa questão faz trabalhar os sentidos quando pensamos que a crise jornalística hoje é de legitimidade, logo existe a necessidade de afirmar o conjunto de propriedades que tornam o jornalismo reconhecido.

“Nesse sentido, é possível dizer que é a prática de compartilhar notícias falsas e não a produção de notícias falsas que está em foco quando à discussão da pós-verdade se relaciona à questão das fake news” (ADORNO, SILVEIRA, 2017).

“O início da Era da Pós-Verdade seria, então, fake news: o problema, para desespero dos populistas e dos marqueteiros, [...] que a única forma de se comunicar com o público é por meio de apelos à emoção, à vaidade e ao preconceito” (ORSI, 2018). Em razão do ambiente da internet estar saturado de informações à qualquer momento e à qualquer hora, as pessoas acabam ficando perdidas e nem sabem mais discernir o que é certo ou errado, verdadeiro ou falso, quando leem ou assistem algo na mídia (impressa ou digital). Isso faz com que a sociedade repense o que considera verdade e mentira.

Dentro do que foi supramencionado, analisaremos discursivamente as fake news geradas sobre Marielle Franco, como e de que forma elas foram noticiadas nas redes e nas grandes mídias. O mais importante a ser analisado e refletido aqui é como as pessoas reagem e lidam com as fake news.

(24)

24

3 OS PRINCÍPIOS DA ANÁLISE DO DISCURSO

A teoria do discurso que norteará o trabalho aqui proposto é a Análise do Discurso de linha francesa, com o olhar de Michel Pêcheux, que se baseia por:

[...] um quadro teórico que alie o linguístico ao sócio-histórico, na AD, dois conceitos tornam-se nucleares: o de ideologia e o de discurso. As duas grandes vertentes que vão influenciar a corrente francesa de AD são, do lado da ideologia, os conceitos de Althusser e, do lado do discurso, as ideias de Foucault. E sob a influência dos trabalhos desses dois teóricos que Pêcheux, um dos estudiosos mais profícuos da AD, elabora os seus conceitos. De Althusser, a influência mais direta se faz a partir de seu trabalho sobre os aparelhos ideológicos de Estado na conceituação do termo "formação ideológica". E será da Arqueologia do saber que Pêcheux extrairá a expressão "formação discursiva", da qual a AD se apropriara, submetendo-a a um trabalho especifico. (BASTOS, 2004, p. 18)

Mariani inicia a tese “O comunismo imaginário” falando sobre o lugar da análise do discurso (de agora em diante AD). A escola francesa da AD, teoria crítica da linguagem, se situa no entremeio das ciências sociais humanas e está sempre investigando os fundamentos. A AD se propõe a discutir e a definir a linguagem, tendo como objetivo principal a compreensão dos modos de definição histórica nos processos de produção de sentidos na perspectiva de uma semântica de cunho materialista.

Eni Orlandi (1990), precursora da análise do discurso no Brasil, diz que ninguém está isento de interpretação. Por outro lado, a autora diferencia a análise de conteúdo da análise de discurso, mostrando que a linguagem não é transparente. Por isso a AD se propõe a analisar a relação língua-ideologia e a forma de se produzir sentidos e sujeitos. O que materializa a ideologia é o discurso e o que materializa o discurso é a língua, assim compreende-se a relação entre língua-discurso-ideologia.

Os estudos discursivos mostram que a forma e o conteúdo não se separam, além da procura pela compreensão da língua, não só como estrutura, mas também como acontecimento. A Análise de Discurso relaciona língua e discurso como segue: “nem o discurso é visto como uma liberdade em ato, totalmente sem condicionantes linguísticos ou determinações históricas, nem a língua como totalmente fechada em si mesma, sem falhas ou equívocos”.

O fundador da AD, Michel Pêcheux, propôs articular 3 regiões do saber: o materialismo histórico (enquanto teoria das formações sociais e suas transformações); a linguística (enquanto teoria dos processos não subjetivos da enunciação) e a teoria

(25)

25

do discurso (como teoria da determinação histórica dos processos semânticos). As 3 regiões são atravessadas e articuladas por uma teoria da subjetividade de natureza psicanalítica. Para o autor não existe discurso sem sujeito e não existe sujeito sem ideologia, uma vez que o indivíduo é interpelado (ALTHUSSER, 1996) sujeito nas práticas discursivas, sendo dessa forma que a língua faz sentido.

A AD provoca uma reterritorialização de conceitos ligados às teorias da linguagem e da ideologia. O pressuposto teórico central da AD encontra-se nas definições de discurso “efeito de sentido (e não transmissão de informação) entre interlocutores” e de discurso “o processo social cuja especificidade reside no tipo de materialidade de sua base, a saber, a materialidade linguística”. Quando falamos em discurso, estamos nos reportando a um dos aspectos materiais da ideologia, ou seja, no discurso se dá o encontro entre língua e ideologia (MARIANI, 1996, p.23). Acerca da ideologia, Pêcheux disserta que:

É a ideologia que fornece as evidências pelas quais ‘todo mundo sabe’ o que é um soldado, um operário, um patrão, uma fábrica, uma greve, etc., evidências que fazem com que uma palavra ou enunciado ‘queiram dizer o que realmente dizem’ e que mascaram, assim, sob a ‘transparência da linguagem’, aquilo que chamaremos o caráter material do sentido das palavras e dos enunciados (PECHEUX, 1988, p.160).

A ideologia se define pelo mecanismo imaginário onde é colocado o sujeito, conforme as condições de produção que ele possui. Os mecanismos de resistência, ruptura (revolta) e transformação (revolução) são igualmente constitutivos no segmento ideológico:

O lapso e o ato falho (falhas do ritual, bloqueio da ordem ideológica) bem que poderiam ter alguma coisa de muito preciso a ver com esse ponto sempre-já ai, essa origem não detectável da resistência e da revolta: formas de aparição fugidias de alguma coisa ‘de uma outra ordem’, vitorias ínfimas que, no tempo de um relâmpago, colocam em xeque a ideologia dominante tirando partido de seu desequilíbrio (PECHEUX, 1988, p.301).

A resistência na AD é a possibilidade de se dizer outras palavras no lugar de outras já esperadas para um discurso, e dessa maneira, deslocar os sentidos esperados, ressignificar interpretações existentes, ou até mesmo não dizendo nada. As condições de produção dos sentidos estão vinculadas tanto às possibilidades enunciativas dos períodos históricos – reguladores da relação de um sentido com sentidos anteriores, com os sentidos não ditos e com um ‘futuro’ dos sentidos – quanto aquilo, que falha, e desloca os sentidos (MARIANI, 1996, p.28). O

(26)

26

que está em jogo na discursividade é a posição-sujeito. Eni Orlandi pega a ideia de Michel Foucault quando diz “não é uma forma de subjetividade, mas um ‘lugar’ que ocupa para ser sujeito do que diz”. É essa posição que se encontra todo indivíduo para ser sujeito do discurso.

As formações discursivas (de agora em diante FD) dissimulam como transparentes os sentidos produzidos historicamente em seu interior. Todo sentido nasce de outro e aponta para alguma direção: os sentidos migram entre as regiões constitutivas das FDs. Uma FD deve ser classificada como “uma unidade dividida, uma heterogeneidade com relação a si mesma” (COURTINE, 1982, p.245).

A AD analisa espaços organizados em um dizer já-dito, com sentidos já legitimados antes em algum lugar, com a possibilidade de que no mesmo dizer pode-se abrir a ruptura para outros pode-sentidos. Muitas vezes os pode-sentidos ‘esquecidos’ funcionam como resíduos dentro do próprio sentido hegemônico. No processo desencadeado pela memória, existe o retorno de tempos em tempos, e de um lugar para outro. Uma vez mobilizada, a memória produz um deslocamento porque desenvolve a aptidão de estar sempre no lugar do outro, conforme Certeau (1999).

A “memória histórica”, pode estar na base de gestos que excluem tudo que possa escapar ao exercício do poder e de forma que preserve a nostalgia de um passado ‘bom e verdadeiro’. Entrelaçado a isso, encontra-se o que deve cair no esquecimento, o retorno do sentido silenciado ou a invasão de um novo sentido, que pode representar uma ameaça à condição atual (MARIANI, 1996, p.36). No jogo das forças sociais, não deixar um sentido ser esquecido é uma forma de eternizá-lo enquanto memória oficial (MARIANI, 1996, p.37).

O trabalho da memória produz certa previsibilidade, dando a ilusão de que nada muda, porém, não se lê o mesmo texto sempre com a mesma interpretação. Portanto, isso acaba ocasionando novos significados que podem incluir o que havia sido ignorado antes, ou seja, o que estava condenado ao esquecimento.

Mariani (1996, p.40) disserta sobre o ponto de vista discursivo:

Em outras palavras, não basta apontar o sentido hegemônico, é necessário, do ponto de vista discursivo, considerar a relação de forças que permitiu sua hegemonia; filiar este sentido a outros com os quais ele pode ser relacionado; compreender como ele se tornou ‘objeto’ para o pensamento; mapear os gestos de resistência, sinalizando os resíduos existentes; e por fim, compreender como e porque aquele sentido ‘colou’ e os demais não, isto é, que condições foram necessárias para ele fazer sentido na história daquela formação ou grupo social.

(27)

27

É na análise da produção e repetição de efeitos de sentidos, caracterizados por certos processos discursivos, que pode-se constituir o cenário da regularidade discursiva. Para fazer sentido é necessária a ocorrência anterior de outros sentidos já fixados na memória discursiva, e que possam ser elementos para o acontecimento presente (MARIANI, 1996, p.42). Dessa forma Nora (1990), indica que é possível encontrar “lugares de memória” em termos discursivos e fazer a delimitação relativa de um “domínio de formulações origem” (COURTINE, 1981).

No discurso jornalístico, nas páginas do jornal, se constrói uma ordem social desambiguizada, que coloca em relação e em circulação dizeres autorizados e dizeres anônimos, dando a ilusão de consensos ou dissensos polarizados (MARIANI 1996, p.44). A noção de interdiscurso estabelece a textualização da memória num conjunto de vestígios discursivos, que são resultantes dos deslocamentos e antagonismos, alianças entre formações discursivas, e que caracterizam-se pelo sentido das sequências que se repetem, assim como os sentidos silenciados (MARIANI 1996, p.44).

Para a Análise do Discurso, teoria (da linguagem, do sujeito, da produção de sentidos, dos processos sócio-históricos) e análise (dos monumentos textuais, engendrados na história que produz um imaginário de sujeito e de língua) são inseparáveis, não há um modelo metodológico que dê conta de qualquer discurso. Trata-se muito mais de um modo de reflexão sobre a linguagem, do que um modelo a ser aplicado. Na AD as discussões sobre sentido, sujeito, formação discursiva, interdiscurso e intradiscurso, dentre tantos outros conceitos, já remetem ao pesquisador uma leitura-interpretativa do seu arquivo (MARIANI, 1996, p.59)

Um caso exemplar, analisado por Orlandi (1990), diz respeito às eleições em uma universidade. Um dos grupos envolvidos no movimento produziu uma grande faixa preta com a seguinte mensagem: “vote sem medo!”, seguida de uma frase dizendo que os votos não seriam divulgados. A partir desse enunciado, inicialmente a análise que pode ser feita é da cor preta, que remete ao fascismo, conservadorismo e posições de “direita”. Seguindo a análise, vem as palavras “sem medo”, que sugere uma ameaça aos eleitores por escolher um candidato específico, deixando de ter neutralidade e mobilizando os sentidos do medo. Esses sentidos têm relação com a censura ao voto, própria da época da ditadura militar. Portanto, falar em medo, mesmo sendo para negar, atualiza esse sentido presente na memória discursiva. Outras noções importantes para essa análise são as de memória discursiva e condição de

(28)

28

produção, que são tratadas na relação com o interdiscurso. “Todos esses sentidos já ditos para alguém, em algum lugar, em outros momentos, mesmo muito distantes, têm um efeito sobre o que aquela faixa diz.” (ORLANDI, 1996, p.31). Assim, a autora relaciona memória e esquecimento, já que quando as pessoas nascem os discursos já estão em desenvolvimento. “Vote sem medo” silencia o “vote com coragem”, que produziria sentidos em outra direção, assim como mobilizaria outra memória discursiva e resultaria em outro posicionamento de sujeito, etc. No dizer e não dizer se desenvolve todo um espaço de interpretação onde o sujeito se move.

Então é possível concluir que os discursos não vêm das pessoas, e sim de um processo sócio-histórico que permite que sujeitos e sentidos se produzam, sem que os sujeitos tenham consciência desse processo. Na ideologia não existe o desaparecimento de sentidos, mas sim o apagamento do processo de sua constituição.

Orlandi (1996) salienta que toda análise de discurso constrói seu dispositivo de análise e retoma a construção do dispositivo teórico de interpretação: “O que se espera do dispositivo do analista é que ele lhe permita trabalhar não numa posição neutra, mas que seja relativizada em face da interpretação: é preciso que o dispositivo atravesse o efeito de transparência da linguagem, da literalidade do sentido e da onipotência do sujeito” (ORLANDI, 1996, p.61).

Em relação à delimitação do corpus, esta não segue padrões empíricos (positivistas), mas sim, teóricos. Constituir o corpus é “construir montagens discursivas que obedeçam a critérios, que decorram de princípios teóricos da análise de discurso, face aos objetivos da análise e que permitam chegar à sua compreensão” (ORLANDI, 1990, p. 63). Os objetivos da análise são os objetivos discursivos, que devem orientar a constituição do corpus e, principalmente, o recorte dele.

Não se nega a atuação da mídia e imprensa em decisões políticas. Anteriormente, a imprensa se posicionava como um veículo neutro e imparcial, mas hoje já é nítido que ela assume um lado interpretativo, em que o jornal toma uma direção política mais direta (MARIANI, 1996, p.62). A produção de sentidos para os fatos começa no próprio jornalista, que também é um sujeito histórico e está inserido em uma formação discursiva. Após ele escrever a notícia tendo como base suas impressões e questões ideológicas, o leitor vai interpretar seguindo a FD na qual se inscreve o jornalista, em relação à FD na qual ele próprio se inscreve, resultando em

(29)

29

um discurso completamente diferente do que se ele lesse a notícia em outro jornal, por exemplo.

Mariani (1996) disserta que:

No funcionamento jornalístico descrito, fica apagado para o sujeito-leitor o processo de construção da notícia. A produção de sentidos, que se processa a partir de um trabalho no plano da língua, seja no plano das operações sintáticas descritas, seja pelo conjunto da memória mobilizada lexicalmente, não é perceptível para o sujeito envolvimento historicamente. Assim, essa prática discursiva impõe a imagem de uma “leitura literal”, realizada com sentidos transparentes capazes de captar os fatos em sua ‘essência’. Oblitera-se, portanto, que o que está em jogo é uma inevitável “leitura-interpretativa” (p.72).

“O discurso jornalístico nada mais é do que a busca de uma verdade absoluta, com uma expressão legítima, onde a narrativa é formada pela veracidade. A veracidade ou verdade aparece como uma relação de o que é dito e o que é realidade” (MARQUES, 2008).

Mariani (1996) disserta sobre a imprensa:

“Se, antes, a imprensa só posicionava-se como um veículo neutro e imparcial, hoje, ainda que timidamente, ela assume seu lado interpretativo, e o fato de que cada jornal acaba tomando uma direção política prioritária -' Sem dúvida, está cada vez mais em evidência esse aspecto do entrelaçamento entre os eventos políticos e a notícia: a imprensa tanto pode lançar direções de sentidos a partir do relato de determinado fato como pode perceber tendências de opinião ainda tênues e dar-lhes visibilidade, tornando-as eventos-noticias”. (p.62)

Como bem observado por Mariani (1996), a imprensa atualmente assume uma posição de interpretação dentro do discurso das notícias publicadas a todo instante. Portanto, se no início do século XX, a neutralidade do discurso jornalístico era uma forma de escapar da censura, podemos observar que na atualidade a censura não é um fator determinante na produção das notícias (FLORES, 2016).

Ensina Flores (2016) sobre o efeito de neutralidade:

O efeito de neutralidade no discurso jornalístico está relacionado com a política do silêncio, isto é, o silencio constitutivo, que segundo Orlandi (2002; p.75) “se define pelo fato de que ao dizer algo apagamos necessariamente outros sentidos possíveis, mas indesejáveis, em uma situação discursiva dada. (...) a política do silêncio produz um recorte entre o que se diz e o que não se diz”.

Ou seja, segundo a autora, o silêncio constitutivo apaga as condições de produção do funcionamento do discurso jornalístico, produzindo deste modo o efeito de neutralidade da imprensa (FLORES, 2016). Pensando no efeito de neutralidade do

(30)

30

discurso jornalístico, vimos que existe a produção de informação e não de notícia, dessa forma criando uma atmosfera de democracia da informação, mesmo que isso não seja o que acontece de fato.

Dito de outro modo, ao produzir o recorte entre o dizer e o não dizer, o discurso jornalístico apaga, silencia a historicidade e o pré-construído do acontecimento, produzindo sentidos somente no/para o acontecimento presente, como se não houvesse memória dos fatos ocorridos e é justamente aí que a grande mídia produz o efeito de neutralidade (FLORES, NECKEL, 2017).

Como exemplo do que foi dito por Flores e Neckel (2017), podemos citar o corpo da matéria da revista impressa da Veja, sobre a morte de Marielle. O título da revista do dia 21 de março foi: A quem interessava matar esta mulher? A execução da vereadora Marielle Franco com quatro tiros na cabeça levanta a suspeita de crime encomendado e leva Temer a falar em “atentado à democracia”. Segue trecho da reportagem:

Como no Brasil politicamente polarizado tudo é visto pela lente da deformação ideológica, já apareceram críticas à enorme repercussão do crime, creditando-a ao perfil de Marielle: mulher, negra, lésbica, esquerdista. Nada mais equivocado. Seu assassinato é um símbolo dramático porque se trata de uma execução contra uma voz pública, que detinha um mandato popular. Sua morte traz à memória a carnificina de uma Medellín dos anos 90 em que o crime chegava perigosamente perto de controlar o Estado, ameaçar autoridades e abalar as instituições da Colômbia. Fosse a vítima um homem, branco, heterossexual e direitista, a gravidade não seria um milímetro menor. Por tudo isso, o presidente Temer tocou no ponto nevrálgico: é um atentado à democracia. (VEJA, 2018, p. 48-49)

Ao ler a matéria com o contexto completo, nem percebemos a imposição política no texto. Porém, a maneira com que é colocado este trecho, é possível perceber que o jornalista não está sendo imparcial, ao falar as palavras “esquerdista”, “homem, branco, heterossexual e direitista”. A questão não é que o jornalista não possa falar a partir das suas percepções, mas é que no decorrer do texto é criado um clima de luto e justiça, que se contradiz com essas formulações.

Os sentidos trabalham em contradição, e Lagazzi (2011) disserta sobre a questão:

Temos materialidades que se relacionam pela contradição, cada uma fazendo trabalhar a incompletude na outra. Ou seja, a imbricação material se dá pela incompletude constitutiva da linguagem, em suas diferentes formas materiais, em composição contraditória. Uma materialidade remete a outra, movimento no qual a não-saturação e o

(31)

31

desajuste constitutivo do encontro de especificidades materiais distintas permite o jogo da interpretação (LAGAZZI, 2011).

Conforme a autora, a contradição é constitutiva das formas materiais. Assim, podemos ter discursos em contradição, como podemos ter, também, materialidades significantes em contradição. Por exemplo, no jornalismo podemos ter uma foto que mostra uma realidade que está em contradição com a escrita da matéria, ou um discurso de mercado em contradição com um discurso jurídico, e assim por diante. A contradição das formas materiais está na base da complexidade do jornalismo que as fake news tentam silenciar, criando um mundo consensual, de acordo com certos interesses políticos.

(32)

32

4 ANÁLISE DO CASO MARIELLE FRANCO

O corpus desta análise é composto com textos produzidos por jornalistas e usuários de redes sociais, que propagaram fake news após a morte da vereadora Marielle Franco e que tornaram-se notícias. O caso envolveu o assassinato da vereadora e seu motorista, Anderson Pedro Gomes, que foram mortos a tiros enquanto voltavam para casa após o evento "Jovens Negras Movendo as Estruturas", na Lapa - Rio de Janeiro. A assessora dela também estava no carro, mas não sofreu graves ferimentos.

O recorte que será feito nas análises têm por objetivo compreender o funcionamento de cada posição-sujeito e sua condição de produção, assim como mostrar os pré-construídos nos dois discursos distintos: o jornalístico e o linguístico.

4.1 ANÁLISE DO SITE FEITO SOBRE MARIELLE APÓS SUA MORTE

O texto que será analisado a seguir foi formulado após a morte de Marielle. Trata-se de um trecho do site feito sobre ela, na seção “Quem é Marielle”. A página foi criada pelo partido da vereadora, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), e a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, na qual ela trabalhava.

Figura 1 - Imagem do site Marielle Franco.

Fonte: https://www.mariellefranco.com.br/quem-e-marielle-franco-vereadora

Este texto traz algumas características relacionadas à vereadora. A maneira com que as palavras (mulher, negra, cria da favela da Maré) aparecem na frase apontam para uma contradição existente na sociedade em que vivemos. Contradição esta que é originada pelos sentidos relativos à escravidão, como o preconceito racial e os lugares que o negro já ocupa ou ocupou no passado. Portanto, como pode uma mulher negra, pobre e cria da favela ter feito faculdade e mestrado? Esse enunciado presente neste site sugere outros enunciados, que lhe dão sentido. Os outros enunciados funcionam aqui como pré-construídos.

(33)

33

Segundo o estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Marielle destaca-se do senso comum e entra para os 10,4% de mulheres negras que se formam no Brasil no ensino superior com idade entre 25 e 44 anos (CARTA CAPITAL, 2018). Diante destes dados fica evidente que a mulher negra com ensino superior no Brasil é a minoria. E essa realidade é resultado da escravidão dos negros, que perdurou oficialmente no Brasil até a Lei Áurea entrar em vigor no ano de 1888.

Pêcheux ensina acerca de formação discursiva (de agora em diante FD):

Chamaremos, então, formação discursiva aquilo que, numa formação ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado da luta de classes, determina o que pode ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc) (PÊCHEUX, 1988, p.160).

Portanto, na FD apresentada sobre a escravidão, inscrevem-se até hoje, sujeitos que se identificam com tais saberes. Neste caso não se trata de trabalhar a historicidade que é refletida no texto, mas a historicidade do texto, ou seja, compreender como o texto produz sentidos como discurso (ORLANDI, 1995). E ao se repetir, a história se materializa pela memória e é representada pela paráfrase, que é quando são produzidas diferentes formulações do mesmo dizer sedimentado. Por isso que um dizer próprio do período da escravatura ainda hoje pode ter lugar. Pela análise da historicidade do texto, isto é, do seu modo de produzir sentidos, podemos falar que um texto pode ser [...] atravessado por várias formações discursivas (ORLANDI, 1995).

Em outra perspectiva, a historicidade é a história do sujeito e do sentido (ORLANDI, 1995). E é dessa forma que funciona a ideologia na AD, ela acaba por se tornar material nos dizeres possíveis em determinada FD. A ideologia é a condição para a constituição do sujeito e dos sentidos (ORLANDI, 1999), sendo ela tanto o caminho que leva o sujeito a significar o que foi dito quanto o apagamento desse caminho. Porém, isso não é evidente. Somente quando o analista percorre o caminho do dizer pela historicidade, é que ele chega ao gesto de interpretação produzido pela ideologia.

Por essa razão é possível entender que, a sociedade brasileira ainda traz no seu cotidiano vestígios de preconceito racial e de gênero, onde sujeitos negros não podem/devem ocupar um lugar que anteriormente era pertencente somente aos homens brancos. A ideia da mulher como ser inferior e incapaz de ser protagonista

(34)

34

social e da história é também transportada através dos séculos. A posição de sexo mais fraco não é incomum mesmo nos dias atuais (COUTINHO, 2010).

Essa questão é refletida na definição de poder por Dreyfus e Rabinow (2010):

O termo "poder" designa relações entre "parceiros" (entendendo-se por isto não um sistema de jogo, mas apenas - e permanecendo, por enquanto, na maior generalidade - um conjunto de ações que se induzem e se respondem umas às outras). É necessário distinguir também as relações de poder das relações de comunicação que transmitem uma informação através de uma língua, de um sistema de signos ou de qualquer outro meio simbólico. Sem dúvida, comunicar é sempre uma certa forma de agir sobre o outro ou os outros. Porém, a produção e a circulação de elementos significantes podem perfeitamente ter por objetivo ou por conseqüências efeitos de poder, que não são simplesmente um aspecto destas. Passando ou não por sistemas de comunicação, as relações de poder têm sua especificidade... "Relações de poder"; "relações de comunicação", "capacidades objetivas" não devem, então, ser confundidas. [...] Trata-se de três tipos de relação que, de fato, estão sempre imbricados uns nos outros, apoiando-se reciprocamente e servindo-se mutuamente de instrumento. [...] O funcionamento das relações de poder, evidentemente, dão uma exclusividade do uso da violência mais do que da aquisição dos consentimentos; nenhum exercício de poder pode, sem dúvida, dispensar um ou outro e freqüentemente os dois ao mesmo tempo. [...] A relação de poder e a insubmissão da liberdade não podem, então, ser separadas. O problema central do poder não é o da "servidão voluntária" (como poderíamos desejar ser escravos"): no centro da relação de poder. "provocando-a" incessantemente, encontra-se a recalcitrância do querer e a intransigência da liberdade. Mais do que um "antagonismo" essencial, seria melhor falar de um "agonismo" - de uma relação que é, ao mesmo tempo, de incitação recíproca e de luta; trata-se, portanto, menos de uma oposição de termos que se bloqueiam mutuamente do que de uma provocação permanente. (DREYFUS; RABINOW, 2010)

Assim, Marielle é alvo de dois preconceitos, um por ser negra, outro por ser mulher. Pinto (2007) disserta sobre a trajetória das mulheres negras, na qual Marielle se encaixa:

O destaque dado para as trajetórias de mulheres negras deve-se ao meu entendimento de que essas mulheres precisam sair da invisibilidade a que estão submetidas na sociedade. Sua participação na sociedade brasileira foi historicamente atrelada à imagem das criadas, das mães-pretas, ou das práticas sexuais “livres” e “desonrosas”. Quando há uma alusão a estas mulheres nos estudos e pesquisas sobre gênero ou mesmo sobre relações raciais, elas aparecem como participantes das profissões de baixa remuneração e pouca valorização social como é o caso do emprego doméstico (PINTO, 2007, p.12).

(35)

35

No texto abaixo pode ser analisada a fala da desembargadora Marília Castro Neves, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, acerca da morte de Marielle Franco:

Figura 2 - Imagem do comentário da desembargadora Marilia Castro Neves Fonte:

https://oglobo.globo.com/rio/desembargadora-acusa-marielle-franco-de-engajamento-com-bandidos-22500122

Este comentário foi feito pela desembargadora, no Facebook. O trecho em que ela diz “Até nós sabemos disso” demonstra que existe um distanciamento da favela por parte do sujeito que discursa sobre Marielle. O "até" inclui um nós considerado bem mais distante da favela do que da Marielle, que por esse motivo teria obrigatoriedade de saber sobre os métodos de cobrança de dívidas, por parte dos traficantes. O argumento é construído pela própria desembargadora, sem qualquer evidência da participação de Marielle.

Trata-se de projeções imaginárias do sujeito (desembargadora), que precisa estabilizar os sentidos que estão em contradição, silenciando o contrário, que poderia ser “não sabemos disso” ou “Marielle não sabe disso”.

Essa ideologia que interpela esse sujeito (desembargadora) produz evidências, do que é certo e o que é errado dentro dessa FD. O enunciado, para Pêcheux, incorpora-se nas condições de produção determinadas pelas FDs em um certo momento histórico. Isso explica o gesto de interpretação do sujeito (desembargadora) diante do caso Marielle. Esse sujeito se inscreve numa FD na qual o negro e a mulher devem conhecer o seu lugar, sempre subordinado. Portanto, apaga a possibilidade de um sujeito como Marielle ser mestre e não conhecer o método de cobrança de dívida de um traficante.

Quando Orlandi (2009) fala de formação discursiva, ela considera essa noção básica e polêmica para a Análise de Discurso, porque é como compreende-se o processo da produção de sentidos e também a relação com a ideologia. A FD

Referências

Documentos relacionados

Sendo assim, o presente estudo visa quantificar a atividade das proteases alcalinas totais do trato digestório do neon gobi Elacatinus figaro em diferentes idades e dietas que compõem

Para Terra (op.cit.), esta pode ser definida como a tecnologia de gestão que objetiva sistematizar o tratamento das informações e conhecimentos estratégicos de

a ruptura do padrão fordista gerou outro modo de trabalho e de vida pautado na flexibilização e na precarização do trabalho, como existências do processo de

It was also found that special education teacher of child with ADHD perceive the child ’s dependence as decreas- ing signi ficantly with increasing the educational level (r = 0.708,

•   O  material  a  seguir  consiste  de  adaptações  e  extensões  dos  originais  gentilmente  cedidos  pelo 

Data allowed to retrieve information on humor definition; its applicability as a nursing intervention; humor as a tool to improve nurse-patient communication and relationship;

The challenges of aging societies and the need to create strong and effective bonds of solidarity between generations lead us to develop an intergenerational

Nos hotéis eles têm preferência absoluta, os táxis que melhor funcionam são exclusivos, as lojas nos hotéis e os respectivos supermercados só rece­ bem dólares e,