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Por uma história da dança: reflexões sobre as práticas historiográficas para a dança, no brasil contemporâneo

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

ESCOLA DE DANÇA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DANÇA

CARMI FERREIRA DA SILVA

POR UMA HISTÓRIA DA DANÇA:

REFLEXÕES SOBRE AS PRÁTICAS HISTORIOGRÁFICAS PARA A DANÇA, NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Salvador 2012

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CARMI FERREIRA DA SILVA

POR UMA HISTÓRIA DA DANÇA:

REFLEXÕES SOBRE AS PRÁTICAS HISTORIOGRÁFICAS PARA A DANÇA, NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Dança, da Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Dança.

Orientadora: Prof.ª. Dr.ª. Fabiana Dultra Britto

Salvador 2012

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Sistema de Bibliotecas da UFBA

Silva, Carmi Ferreira da.

Por uma história da dança : reflexões sobre as práticas historiográficas para a dança, no Brasil contemporâneo / Carmi Ferreira da Silva. - 2013. 121 f.

Orientadora : Profª Drª Fabiana Dultra Britto.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Escola de Dança, Salvador, 2012.

1. Dança - História. 2. Historiografia. I. Britto, Fabiana Dultra. II. Universidade

Federal da Bahia. Escola de Dança. III. Título.

CDD - 793.319

CDU - 793(091)

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POR UMA HISTÓRIA DA DANÇA:

REFLEXÕES SOBRE AS PRÁTICAS HISTORIOGRÁFICAS PARA A DANÇA, NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Dança, da Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Dança.

Aprovada em 09 de abril de 2012.

Banca Examinadora:

Prof.ª Dr.ª Fabiana Dultra Britto – Orientadora

(PPGDANÇA/UFBA) ___________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Adriana Bittencourt Machado

(PPGDANÇA/UFBA) ___________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Regina Helena Alves da Silva

(PPGCOM/UFMG) _____________________________________________________

Salvador 2012

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A

Izabel Ferreira da Silva, minha mãe, por ser uma mulher humilde e sábia.

Makarios Maia Barbosa, por ser brilhante e companheiro.

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A Deus,

A Makarios Maia Barbosa, pela extraordinária admiração e pela considerável contribuição a esta pesquisa.

À minha família, meu porto seguro.

À professora Doutora Fabiana Dultra Britto, por sua competente, atenciosa e gentil orientação.

À Universidade Federal da Bahia – UFBA, por nela ter feito minha graduação e pós-graduação (Mestrado), com grande oportunidade de crescimento pessoal e intelectual.

Ao Programa de Pós-Graduação em Dança da UFBA, pela pelo acolhimento e pela contribuição intelectual e profissional.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, pelo apoio financeiro deste estudo.

Às professoras Doutoras Adriana Bittencourt Machado (UFBA) e Regina Helena Alves da Silva (UFMG), por sua colaboração na construção e na avaliação desta pesquisa.

Às Professoras doutoras do PPGDança, que me proporcionaram experiências únicas e de grande importância para meu aprendizado, em especial: Jussara Setenta, Lenira Rengel e Lúcia Matos.

Às companheiras e aos companheiros de Mestrado: Bárbara Conceição Santos da Silva, Beatriz Adeodato Alves de Souza, Bruna Spoladore, Carolina de Paula, Elke Siedler, Emanuella Teresa Kalil Lima, Jaqueline Reis Vasconcellos, Jonas Karlos de Souza Feitosa, Juliana Fernandez Castro, Luciane Sarmento Pugliese Borges, Marcelo Galvão Guimarães, Rita de Cássia Fabris Leone, Verusya Santos Correia, especialmente: Clarice Nunes Contreiras, Gabriel Peletti Bueno e Odailso Sinvaldo Berté.

Aos Amigos: Alexandra Dumas, Adriana Dumas, Ana Dumas, Nadir Nóbrega, Heloisa Brito, Ítalo Zazu, Pedro Santos, Rachel Neves, Raimundo Seixas, Taynã Batisttela e Will Batist, pois de alguma forma contribuíram imensamente nos percursos traçados.

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A história ainda não é tal como deveria ser. Não é razão para imputar à história tal como pode ser escrita o peso de erros que só pertencem a história mal-compreendida.

(8)

RESUMO

A História da Dança é o campo de pesquisa responsável pelo estudo das narrativas históricas e pela memória desta linguagem artística. A presente pesquisa vem propor uma reflexão sobre os aspectos da produção brasileira da historiográfica da Dança, sobretudo aquelas publicações e novos ambientes de produção e disseminação, surgidos e consolidados entre os anos de 2001 e 2011. Alguns conceitos e reflexões de historiadores ligados ao movimento francês da Nova História (Peter Burke, Carlo Ginzburg, Jacques Le Goff, Marc Bloch, entre outros) embasam e argumentam as perspectivas apontadas nesta dissertação, justificando e apontando outros olhares para a prática de pesquisa acadêmica em História da Dança. Portanto, o objetivo principal destas reflexões é levantar questionamentos e ampliar as discussões acerca dos aspectos referentes às práticas historiográficas para a Dança, desenvolvidas no Brasil, incluído sua produção bibliográfica.

Palavras-chave: Dança, História da Dança, Historiografia da Dança, Nova História, Micro-História.

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ABSTRACT

The History of the Dance is the search field responsible for the study of historical narratives and the memory of this artistic language. This study proposes a reflection on aspects of the historiography of Brazilian dance, especially those new publications and the production and dissemination environments, emerged and consolidated between 2001 and 2011. Some concepts and reflections of historians attached to the French movement of the New History (Peter Burke, Carlo Ginzburg, Jacques Le Goff, Marc Bloch, among others) base and argue the perspectives outlined in this dissertation, explaining and pointing out other looks for the practice of academic research in Dance History. Therefore, the main purpose of these reflections is to raise questions and extend the discussions of aspects relating to the historiographical practices for dance, developed in Brazil, including its production literature.

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RESUMÉ

L'histoire de la Danse est le terrain de recherche responsable de l'étude des récits historiques et de la mémoire de ce langage artistique. Cette étude propose une réflexion sur les aspects de l'historiographie de la danse brésilienne, en particulier, ceux de nouvelles publications et leur environnements de production et de diffusion, émergé et consolidé entre 2001 et 2011. Certains concepts et réflexions des historiens attachés au mouvement français de la Nouvelle Histoire (Peter Burke, Carlo Ginzburg, Jacques Le Goff, Marc Bloch, entre autres) appuient et soutiennent les perspectives présentées dans cette thèse, en expliquant et en soulignant d'autres regards pour la pratique de la recherche académique dans Histoire de la Danse. Par conséquent, le but principal de ces réflexions est de soulever des questions et d'étendre les discussions sur les aspects relatifs aux pratiques historiographiques pour la danse, développés au Brésil, y compris la production de sa littérature.

Mots-clés: Danse, Histoire de la Danse, L'historiographie de la Danse, La Nouvelle Histoire, Micro-histoire.

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INTRODUÇÃO... 11

CAP.1– REFLEXÕES SOBRE PRÁTICAS DE NARRATIVAS HISTÓRICAS PARA DANÇA... 20

1.1 – A ESCRITA DA HISTÓRIA DA DANÇA NO BRASIL... 21

1.2 – A HISTÓRIA TRADICIONAL E A NOVA HISTÓRIA... 33

1.3 – QUESTÕES SOBRE A ESCRITA HISTORIOGRÁFICA EM DANÇA... 40

1.4 – CONSTRUÇÕES DA HISTORIOGRAFIA DA DANÇA NO BRASIL... 46

CAP.2– OUTRAS ABORDAGENS HISTORIOGRÁFICAS DA DANÇA NO SÉCULO XXI... 57

2.1 – NOVOS AMBIENTES PARA UMA NOVA HISTÓRIA DA DANÇA... 64

2.2 – OUTRAS CONFIGURAÇÕES PARA A HISTÓRIA DA DANÇA... 82

CAP.3– ODESENVOLVIMENTODAESCRITADAHISTÓRIADADANÇA– CONSIDERAÇÕESNAPRIMEIRADÉCADADOMILÊNIO... 89

3.1 – NOVAS ESCRITAS E OUTROS TIPOS DE PUBLICAÇÕES PARA A HISTÓRIA DA DANÇA... 91

3.1.1 – Novos formatos de publicações e difusão de narrativas na Internet... 92

3.1.2 – O avanço das pesquisas em História da Dança nos ambientes acadêmicos... 93

3.2 – A HISTÓRIA POLÍTICA E A HISTÓRIA SOCIOCULTURAL DA DANÇA... 96

3.2.1 – Historiografia (a partir) do Problema... 97

3.2.2 – Mapeamentos/agrupamentos de dados/acervos para a História da Dança... 98

3.2.3 – Acessibilidade e qualidade da informação da História da Dança... 101

3.3 – MICRO-HISTÓRIAS DA DANÇA... 104

3.3.1 – A importância da Escrita dos Artistas... 106

CONSIDERAÇÕES FINAIS, EM PERSPECTIVA... 110

REFERÊNCIAS... .

(12)

I

I

NNTTRROODDUUÇÇÃÃOO

Esta dissertação tem o interesse de contribuir para o avanço da pesquisa na área da Dança, abordando temáticas no campo da História da Dança e seus modos de agir, que ficaram convencionados como historiografia. Neste trabalho, uma reflexão é proposta sobre as estratégias e os métodos utilizados na construção das narrativas históricas da Dança, principalmente sobre aquelas contadas em publicações e demais sistematizações, realizadas no Brasil, evidenciando seus aspectos constitutivos e abordando suas estratégias metodológicas de historiografar.

Este trabalho é o resultado de dois anos (2010/2011) de pesquisas, leituras, reflexões e discussões sobre a História da Dança, sob a orientação da Professora Doutora Fabiana Dultra Britto, em colaboração com outros professores e colegas do mestrado, desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Dança (PPGDança), da Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia – UFBA.

Caracterizado como único curso de pós-graduação em Dança em nível de mestrado, no Brasil, o PPGDança mostrou-se um ambiente de excelência e responsável pela concretização deste estudo, oferecendo uma estrutura necessária para o bom andamento e para a frutificação no seu desenvolvimento a partir da proposta inicial de estudo.

O principal objetivo deste trabalho de pós-graduação é compreender o modo como se organizam as produções das narrativas históricas da Dança no Brasil, nos últimos dez anos (2001-2011), levantando dados e propondo reflexões sobre a História Tradicional e a Nova

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História. Para isso, este estudo estabelece como ponto de partida uma análise das publicações sobre a História da Dança produzidas no Brasil, anteriormente a esse período.

A partir de estudos e pesquisas acadêmicas anteriores, pretende-se avançar nos estudos da História da Dança, trazendo novos dados, novos apontamentos e outras reflexões sobre como se encontra a produção das narrativas históricas dos últimos dez anos, em âmbito nacional. De antemão, é preciso considerar que esta pesquisa não pretende dar conta de todos os aspectos historiográficos da escrita da História da Dança. Entretanto, pretende levantar alguns questionamentos que emergiram da própria pesquisa, neste campo, e analisá-los sob a ótica de historiadores contemporâneos.

Esta pesquisa propõe um estudo interdisciplinar, utilizando teóricos e estudos das áreas da Dança e da História, com o objetivo de aproximar e relacionar aspectos presentes nas duas áreas, encontrando ambientes de interação, cujo diálogo possibilita a emergência de reflexões, principalmente entre a produção dos diversos tipos de Danças no país e a construção de sua história. Este estudo ancora-se também na área da História. Porém, ela irá se ocupar principalmente do campo da História Cultural e Social, com abordagens na dimensão dos modos e métodos de pesquisa da História Tradicional, da Nova História e da Micro-História, primordialmente em relação à produção da História da Dança e, consequentemente, da História das Artes.

Quanto à metodologia de pesquisa, levou-se em consideração, no presente trabalho, a emergência com que o objeto de estudo apontava para a necessidade de estratégias ligadas à pesquisar exploratória e à pesquisa documental. Assim, objetivou-se levantar dados sobre a escrita da História da Dança no Brasil contemporâneo, através da manipulação de acervos bibliográficos e documentais: com acesso a livros, trabalhos acadêmicos (teses, dissertações, artigos), apostilas, sites de dança na internet e da leitura de material videográfico produzido na área.

Este formato metodológico, de natureza qualitativa, tornou-se a base fundamental para a análise material dos dados coletados, possibilitando o uso de estratégias de reflexão proativa, inclusive, com a criação de alguns conceitos chave que dão conta do que haja sido encontrado na pesquisa. Tais estratégias foram relevantes ao desenvolvimento dos resultados pretendidos, forçando reflexões criteriosas, acerca da prática da historiografia da Dança na contemporaneidade brasileira.

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Espera-se que ao final destas reflexões, esta pesquisa possa contribuir para a melhor compreensão de alguns aspectos da Dança e sua história, além de ampliar os conhecimentos sobre as possibilidades metodológicas nas narrativas históricas no país. Também poderá servir de base para acrescentar dados e discussões em pesquisas e estudos posteriores.

A ausência de análises mais aprofundadas sobre as questões da escrita histórica da Dança e a falta de discussões sobre esta temática, fornecendo novos olhares para essa prática, direcionou este estudo para pesquisas nos livros, artigos e trabalhos acadêmicos, chegando a conclusão que pouco se falou sobre este assunto específico.

Diante da quase total inexistência de publicações, estudos e discussões, a respeito desta temática, a estratégia para chegar aos dados foi acessar os materiais que mais se aproximavam das questões relativas à História da Dança, ou seja, os livros. Com um acervo limitado, podiam-se encontrar livros de autores brasileiros e estrangeiros, no qual se autodenominavam e contiam informações sobre a trajetória da história da dança no mundo e, esporadicamente, da história da dança brasileira 1.

Durante a leitura de alguns destes exemplares, três aspectos passaram a se caracterizar como importantes para a compreensão da escrita da história: 1) grande parte das publicações tinha aproximadamente o mesmo conteúdo e formatação, ou seja, estavam falando das mesmas histórias de dança (nem dançarinos/coreógrafos diferentes e nem dados históricos novos/outros) e quase sempre se organizavam a partir de estilos de dança (balé clássico – dança moderna alemã – dança moderna americana); 2) além de conter quase os mesmos dados, os modos de organização das publicações sugeriam construções historiográficas muito próximas, se não idênticas, seguindo um padrão tradicional de livros de História, em que as informações são colocadas em blocos separados, dando uma ideia de distanciamento dos eventos, como se eles não tivessem nenhum tipo de relação, ou ainda o contrário, a proximidade dos eventos de um bloco de informações sugeriam uma linearidade na ocorrência dos eventos, dando uma ideia de causalidade; 3) em alguns destes exemplares, pode-se encontrar pequenos fragmentos da Dança desenvolvida no Brasil – quando presente, resumi-se a narrar trechos das companhias e artistas de balé clássico do Rio de Janeiro ou São Paulo.

1

Sobre a ausência ou descaso com a história das danças brasileiras nos livros de História da Dança publicados no Brasil, ver exemplos como : MENDES (1987) ; CAMINADA (1999) ; RENGEL E LANGENDONCK (2006).

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Estes três aspectos se constituem numa prática comum para aqueles que escreveram a História da Dança no Brasil. Apesar de narrarem algumas histórias relacionadas à trajetória de dançarinos e companhias de dança, esses livros não cumpriam o papel da narrativa história da Dança, ou seja, de narrar as trajetórias e as teias de relações que possibilitaram a existência da própria Dança.

Constatando esta deficiência, problematizou-se nesta pesquisa uma base de questionamentos, no intuito de melhor compreender a construção da História da Dança a partir da produção de suas múltiplas narrativas, considerando três aspectos relevantes: 1) reconhecimento dos vestígios históricos da produção artística em Dança, 2) a prática da pesquisa histórica para a Dança, e 3) a existência de escritas históricas sobre a Dança.

O modo de pensar e organizar as histórias das Danças no Brasil continua se caracterizando da mesma forma ao longo dos séculos XX e XXI? Algo mudou na forma de pensar a história das Danças na contemporaneidade? Existem outras maneiras de organizar essa História da Dança, que continua se desenvolvendo no tempo, em diversos espaços e com diversificadas configurações? Existe um interesse pelos aspectos históricos da Dança na contemporaneidade? Qual o interesse de um estudante/dançarino/pesquisador contemporâneo quando se propõe a ler algo sobre a trajetória da Dança?

Foram perguntas recorrentes que alimentaram este trabalho em todo o seu processo, além de impulsionarem a pesquisa a cada texto lido e a cada reflexão elaborada. No entanto, essas novas descobertas direcionaram para questões mais específicas, relacionadas com a questão dos modos de historiografia brasileira da Dança, ou seja, como os historiadores, pesquisadores, artistas e estudantes da área estavam produzindo conhecimentos e materiais sobre a(s) história(s) das Danças no Brasil.

Segundo o historiador francês Michel de Certeau (2010), a Historiografia é o estudo da escrita da história e dos seus modos de construção, neste caso, a História da Dança no Brasil. Incontestavelmente, na atualidade brasileira, até pelo volume de produção e de significação da Dança no Brasil, tornara-se indispensável uma revisão crítica da escrita desta História, sobretudo uma reflexão acerca da questão dos métodos de historiografar e dos sujeitos que produzem esta narrativa.

Tal historiografia merece ser continuamente e profundamente pensada, estudada e questionada, pois, a princípio, são estas configurações que se constituem/constituirão como

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documentos históricos, que respaldam (ou irão respaldar) os discursos, os valores de poder e os endereçamentos de outras pesquisas artísticas e/ou acadêmicas no futuro da Dança.

Então qual é a necessidade deste estudo para a área da Dança? Entende-se aqui que nos últimos dez anos, o campo de produção de documentos referentes à História da Dança é amplamente “estendido” por outros modos de apresentação, além da tradicionalmente conhecida, o livro de História da Dança. Com o avanço dos novos modos de comunicação, a informação se articula com novos espaços e ganha novos corpos, entre eles o formato digital.

Dessa forma, é necessário compreender como esses outros modos de contar a história articulam seus conhecimentos, quem são os sujeitos responsáveis por esses processos e de que forma eles se relacionam com as danças na contemporaneidade, contribuindo assim para sanar parte da escassez no estudo da historiografia da Dança.

Um estudo no campo da historiografia em Dança no Brasil detectou dois importantes trabalhos teóricos referentes à construção da História. A tese da professora doutora em semiótica/dança (PUC-SP) Fabiana Dultra Britto, orientadora desta dissertação, cujo título é Temporalidades em dança: parâmetros para uma história contemporânea 2 e cujo objetivo principal foi de refletir sobre a temporalidade na escrita da História da Dança publicada no Brasil. O segundo trabalho foi o artigo intitulado Livros de história da dança no Brasil: porque eles merecem ser lidos 3, do crítico e doutor em semiótica/dança (PUC-SP) Roberto Pereira, o qual apresenta um levantamento de livros de História da Dança publicados no país, no século XX.

Estes dois trabalhos teóricos apontam para uma análise da funcionalidade dos livros dedicados a narrar a História da Dança, evidenciando os pontos positivos e os negativos dos modos como essas publicações narram a evolução da Dança no Brasil. Estes estudos foram responsáveis, no início desta pesquisa, pelo interesse na construção de um foco de abordagem das outras diversas publicações que se apresentavam como narrativas históricas da Dança. Sobretudo, no tocante ao entendimento da necessidade de revisão dos aspectos de autoria, de configuração das publicações e do que, naqueles exemplares, havia se configurado como compreensão de História e de Dança.

2 Tese publicada em livro: BRITTO, Fabiana Dultra. Temporalidade em Dança: parâmetros para uma história

contemporânea. Belo Horizonte: FID EDITORIAL, 2008.

3 PEREIRA, Roberto. Livros de história da dança no Brasil: porque eles merecem ser lidos. In: NORA, Sigrid

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Porém, à medida que a pesquisa se desenvolveu, foram surgindo fatores que direcionaram o interesse desta dissertação para as questões da produção da História da Dança na contemporaneidade, no hoje, no agora. Apesar dos referidos trabalhos, da professora doutora Fabiana Dultra Britto (2002) e do crítico e doutor em semiótica Roberto Pereira (2007), terem sidos publicados no período de dois anos de diferença, entre um e outro, eles analisam produções bibliográficas datadas de antes do ano de 2000, não enfocando a produção referente aos anos que se seguiram.

Assim, tal característica não deixa de assinalar a existência de uma importante lacuna na abordagem da temática que, provavelmente, justifica-se pela escassez de materiais e informações acessivelmente manipuláveis, naquele período, de acordo com a delimitação do recorte desta abordagem tão específica.

Além do fator temporal, o presente processo de pesquisa busca desvendar muitos outros aspectos antes não perceptíveis, apontando a presença de proposições diferenciadas para as escritas históricas atuais. As práticas de Dança vêm acompanhando os recentes desenvolvimentos do mundo informatizado, como as novas tecnologias, as interatividades, as interdisciplinaridades, além de se relacionar com a contemporaneidade no âmbito da Arte. O fazer historiográfico na Dança também tende a acompanhar essas mudanças, reformulando e reinventando outros modos para sua escrita.

Esta dissertação objetiva mostrar que a partir do ano 2000, foram lançadas poucas publicações que se destinavam a escrever a História das Danças, enquanto nas duas décadas anteriores pode-se detectar mais de 20 livros lançados 4, apontando um possível desinteresse dos autores por este formato de escrita ou então pelo desinteresse do mercado editorial no lançamento de novos livros com esta temática.

E assim, uma questão emblemática desta pesquisa emerge: se o formato de publicação em História da Dança, no Brasil, parece se tornar cada vez mais escasso nas livrarias, bibliotecas e ambientes de pesquisa, então como os conhecimentos neste campo estão sendo formulados e acessados pelo público cada vez mais crescente de estudantes, pesquisadores e produtores da área da Dança?

4 Como constatou Pereira (2007), nas décadas de 1980 e 1990 houve um número razoável de publicações

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A problemática desta questão está no fato de uma possível “ineficiência” destas publicações como escrita da História da Dança brasileira e incoerência nos modos de produção contemporânea em historiografia. Primeiramente, pelo fato de não se encontrar histórias que tratem da evolução das danças brasileiras, diante de uma imensidão de práticas em diversas partes do país. Em seguida, da generalização, superficialidade e causalidade na construção destas narrativas, se utilizando de estruturas tradicionais para criar histórias contemporâneas, sem uma reflexão necessária. Diante disto, este tipo de material bibliográfico parece então estar circulando cada vez menos.

Se esses livros estão ficando escassos, como os estudantes e pesquisadores da área têm acesso aos diversos conhecimentos da evolução da Dança no país? Fora a produção de livros de História da Dança, que outras estratégias podem ser utilizadas para esses conhecimentos circularem nos espaços onde as Danças se (re)constroem, na teoria e na prática?

A hipótese deste trabalho se encontra exatamente na suposição da ocorrência de outros formatos de escrita historiográfica, emergidos a partir da pesquisa e da produção

contemporânea da/na Dança, substituindo, complementando, transformando e/ou

reorganizando os livros de História da Dança. Estes outros modos parecem requerer destes estudiosos novas percepções e novos olhares para a pesquisa em História.

Mesmo não assumindo um caráter historiográfico, estes outros modos de agrupar dados, eventos e trajetórias da Dança acabam sugerindo funcionalidades análogas as da narrativa histórica, quando da sua intenção de organizar conhecimento para construir uma narrativa. No entanto, é o leitor/pesquisador que terá o labor de tratar/analisar/sistematizar os dados e não um historiador/pesquisador.

É preciso acompanhar de perto o surgimento e/ou a transformação destes processos narrativos da história, tentando entendê-lo na sua proposição e articulação com a prática da dança.

Dessa forma, optou-se por delimitar a pesquisa abordando os aspectos da construção das narrativas históricas das danças no Brasil ocorridos – e detectados – entre os anos de 2001 e 2011, oferecendo a este pesquisador uma ampla possibilidade de (re)conhecimento do espaço/tempo do período estudado, principalmente pela sua inserção em pesquisas na graduação e pós–graduação, nesta área específica.

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Sendo assim, a escrita desta pesquisa se constitui basicamente em três etapas: o primeiro capítulo apresenta uma discussão teórica sobre o modo tradicional de historiografar e as reflexões contemporâneas sobre a escrita da História, apontando outras estratégias e novos pensamentos sobre a narrativa de fatos e acontecimentos históricos. Neste capítulo, os historiadores Marc Bloch, Jacques Le Goff, Peter Burke e Michel de Certeau, entre outros, dialogam para a compreensão dos aspectos das narrativas históricas e seus métodos de escrita, destacando essas práticas na Dança.

Ainda neste primeiro capítulo, propõe-se uma articulação dos estudos relacionados à pesquisa em História da Dança, a partir de dois pesquisadores que possuem estudos específicos neste campo, sendo eles Roberto Pereira e Fabiana Britto. A partir das publicações destes autores, esta dissertação pretende avançar no que se refere aos estudos das produções que se propõem tratar da História da Dança.

No segundo capítulo, propõe-se uma investigação dos modos de produzir conhecimentos de História da Dança na contemporaneidade, no Brasil, analisando e refletindo sobre estes novos/outros processos de escrita historiográfica, no período entre 2001 e 2011. Foram necessárias extensas pesquisas em sites de busca, acervos de bibliotecas, acervos virtuais, home pages, bancos de dados, pesquisas de pós-graduação, livros de História da Dança publicados no Brasil e no exterior, publicações de artigos e trabalhos acadêmicos, entre outros espaços onde os conhecimentos de História da Dança se fizeram acessíveis a este pesquisador, para se compreender as práticas atuais de abordar a História da Dança.

Muitos desses dados são utilizados nesta pesquisa como documentos que apontam para as questões das narrativas históricas (as práticas de escrita e construção da história), sem que tenham a função de serem categorizadas como tal, porém apontam indícios imprescindíveis para compreender como as histórias das Danças estão sendo organizadas e idealizadas no desenvolvimento de sua prática artística/histórica.

O terceiro capítulo é uma discussão reflexiva dos resultados construídos no segundo capítulo e que busca contribuir com a elaboração de uma outra perspectiva de compreensão da tradição historiográfica da Dança no Brasil, exatamente a partir da análise da produção desta escrita da Dança no período de 2001 a 2011.

Nesta etapa do trabalho, objetivou-se apontar algumas estruturas narrativas já existentes na área da Dança que se aproximam dos conceitos dos novos modos de produzir a

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escrita da história da Dança na contemporaneidade, evidenciando e situando sua contribuição e relevância para a o campo da História da Dança.

Ao final, apresenta-se como resultado em processo desta pesquisa, à guisa de Conclusão, uma síntese do trabalho desenvolvido na abordagem bibliográfica e na reflexão daí proveniente, apontando possibilidades de continuidade desta pesquisa, seguido das Referências (de discussão e de fontes de pesquisa) 5.

5

A normatização deste trabalho acadêmico seguiu a padronização estilística e metodológica do Manual de

Estilo Acadêmico: Monografias, Dissertações e Teses, de autoria das professoras Nídia Maria Lienert Lubisco,

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C

C

AAPPÍÍTTUULLOO

1

1

REFLEXÕES SOBRE PRÁTICAS DE NARRATIVAS HISTÓRICAS PARA DANÇA

A história tem seu importante papel na manutenção da memória e no desenvolvimento das sociedades humanas. É a partir do que se já tem como conhecimento e de fatos ocorridos que novos conhecimentos vão sendo produzidos, evoluindo continuamente. Essas estratégias de permanência e circulação de informação permitiram que muitas ideias e conhecimentos pudessem ser disseminados pelo mundo afora, possibilitando sua interação com vários ambientes de uma localidade, assim como atingindo certos espaços mais globais.

A prática de narrar a história daquilo que é passado acompanha o desenvolvimento das técnicas de registro, as grafias. A cada época o homem re(elabora) novas formas de comunicação, sendo a escrita uma das maneiras consolidadas de impressão das narrativas históricas.

A historiografia se preocupa com os modos e as técnicas utilizadas pelos historiadores para a pesquisa e para a escrita das narrativas históricas. Esses modos e essas técnicas estão associados à maneira como cada historiador compreende a História e, algumas vezes, elas podem trazer problemas de incompletude ou distorção entre o fato histórico e a narrativa desse fato. Além disso, algumas práticas evidenciam os esquecimentos históricos, os distanciamentos de eventos, os isolamentos dos fatos, práticas históricas essas bem visíveis na escrita da História da Dança, no Brasil.

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1.1 – A ESCRITA DA HISTÓRIA DA DANÇA NO BRASIL

No Brasil, a história das práticas de Danças parece ter ficado no esquecimento histórico. Grande parte da história dos eventos de Dança ainda precisa ser escrita. Não que eles precisem ser narrados para receber seu devido reconhecimento como Arte, ou ainda, do reconhecimento de sua existência, mas que possam ser inseridos na memória da Dança brasileira, e/ou mundial, para que os pesquisadores da área ou um interessado por esta expressão artística possam compreender um pouco mais sobre as diversas trajetórias as quais a Dança pôde caminhar no país.

Mas o porquê desse abismo historiográfico na área? Será que é pela ausência de manifestações relevantes neste tempo/espaço? Será pela falta de especialistas que possam escrever estas histórias? Será pela falta de interesse neste tipo de objeto e de escrita? Ou será pela impossibilidade de encontrar vestígios deste passado (não) tão remoto? E os livros de História da Dança que vêm sendo lançados no país, desde a segunda metade do século XX? Como eles abordam estas trajetórias nacionais? É exatamente em cima destas questões da produção das escritas da história das Danças que esta pesquisa propõe algumas reflexões, as quais provavelmente possam clarear algumas destes problemas históricos.

Considerando as principais correntes teóricas da historiografia (Burke, Le Goff, Barros, Bloch, Certeau etc.), compreende-se que quando se fala em História, comumente, acata-se este fenômeno de registro e difusão como a narração dos acontecimentos relevantes de determinados eventos, coisas e/ou pessoas. Assim, a História do Brasil, a História do telefone ou a História de Pina Bausch são narrativas que vão contar a trajetória destes ícones, reconstruindo-os, no presente, a partir dos eventos do seu passado, narrando suas modificações através do tempo. Geralmente, estas histórias são relatadas em livros, tornando-as acessíveis ao mundo fortemente inclinado pela habilidade da escrita e da leitura.

Antes da história escrita, o homem se utilizava da oralidade para comunicar, preservar e divulgar seus conhecimentos, fazendo com que eles pudessem ser disseminados aos demais do seu convívio social e dando aos eventos e manifestações uma certa durabilidade histórica. Ainda antes da oralidade, essa mesma espécie humana organizava gestos e ações que permitiam a comunicação e, muitas vezes, a replicação das informações construídas no seu intelecto ou vivenciadas pelo indivíduo. (BURKE, 1992).

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Dessa forma, o homem sempre esteve interessado em comunicar suas experiências e sistematizá-las em uma grafia para compartilhar ao outro, elaborando as suas e outras histórias.

E foi exatamente na escrita que a história encontrou seu modo mais eficiente. Escrever uma história significa organizar vários aspectos e acontecimentos que giram em torno de um evento ou pessoa, concatenando e tecendo relações para gerar a sua trajetória. Escrever uma história parte da necessidade de comunicar, mas também da vontade desse conhecimento permanecer vivo ao longo do tempo, possibilitando sua interação com os eventos futuros.

A escrita da Dança no Brasil parece ter ficado no esquecimento histórico. Pouco de sua trajetória foi escrita, principalmente devido ao desinteresse dos poderes públicos em relação à memória e dos pesquisadores em relação à pesquisa nesta área. A História da Dança brasileira parece estar escrita no seu próprio “recurso” de expressividade, o corpo brasileiro. Talvez através destes corpos dançantes as histórias das danças desenvolvidas neste imenso país possam ser (re)construídas.

Antes da década de 1980, o que se encontrava de consistente da escrita histórica da Dança (mundial) no Brasil era produzida em terras estrangeiras, ou por estrangeiros, exatamente como a inserção das práticas da dança clássica francesa e russa, em um país ainda dando seus primeiros passos. Os primeiros escritos chegados aqui são livros estrangeiros, assim como algumas traduções 6. (PEREIRA, 2007).

No Brasil, os livros de Dança geralmente atuam/atuaram como aporte teórico que direciona/direcionam a compreensão da sua história e suas possibilidades de produção e formatos estéticos, embora seu número de publicações tenha sido muito pouco, durante o século XX, quando comparados às outras áreas das Artes. Depois da grande influência dos balés importados da Europa, e logo depois da dança moderna americana, os artistas da Dança tiveram o importante objetivo de consolidar estas práticas no país, construindo um ambiente

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Livros como História da Dança e do Ballet (1962 – Adolfo Salazar – Portugal) ou traduções como a auto-biografia Minha Vida (1956 – Isadora Duncan), a auto-biografia de Nijinsky (1940 – Romola Nijinsky), ou o livro

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para sua inserção, implementação e consolidação, cujas Danças sociais 7 eram pouco valorizadas como expressões artísticas legítimas.

Diante da falta de produções literárias, muitos estudiosos rotulavam os artistas e pesquisadores da Dança pela sua falta de intelectualismo. Isso, devido tanto a hiper utilização do corpo, pela própria natureza da Dança, quanto pela inexistência dos aportes teóricos da área, criando assim um estereótipo dos dançarinos e alimentando uma ideia de dualismo entre mente e corpo, teoria e prática. Diante desse fato, jornalistas e outros profissionais de outras áreas acabaram ocupando os espaços de elaboração das teorias e narrativas da Dança.

A História da Dança que se passava a conhecer no Brasil era baseada nas tradicionais Histórias das Danças construídas pelos europeus e norte-americanos, importando grande parte de sua bibliografia desses lugares. Sendo assim, a História da Dança que começou a ser construída no país foi um reflexo das narrativas históricas dessas importações, deixando as histórias nacionais quase sempre no esquecimento histórico.

Na prática da escrita da História da Dança brasileira, as raras exceções são alguns livros que trazem descrições das danças populares e do folclore das diversas regiões do país. Durante esta pesquisa, foram encontradas algumas obras importantes pela abordagem de seus conhecimentos locais e pelos aspectos históricos da Dança. Em 1959, um ano após sua morte, o musicólogo e folclorista paulista Mário de Andrade teve publicado seu livro Danças Dramáticas do Brasil, pela Editora Martins. Resultado de uma viagem pelo Norte e Nordeste do Brasil, o autor estava interessado no folclore dessas regiões, encontrando e conceituando algumas danças folclóricas, além de reconstituir sua a origem e apontar suas particularidades.

Em 1954, com o lançamento do livro Dicionário do Folclore Brasileiro, do historiador e folclorista potiguar Luís da Câmara Cascudo, tornaram-se evidentes muitas das definições de danças culturais, que ainda operam no Brasil. Este folclorista foi muito importante para a construção de uma ideia de dança brasileira, pois foi responsável por dá

corpus a uma ideia de dança genuinamente nacional, principalmente as danças culturais do

nordeste.

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Neste trabalho, a expressão « Danças Sociais » são tratadas como aquelas danças praticadas com intenção de sociabilidade, por qualquer indivíduo e sem um treino específico, diferenciando-se das « Danças Artísticas », que são aquelas praticadas por profissionais, com treino específico e com motivação e propósito de investigação de linguagem artística. Essa expressão distancia-se aqui da noção de « raízes » ou de « pureza », importante e relevante para outros trabalhos e autores.

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Em 1973, Maria Amália Corrêa Giffoni, professora e folclorista, também lançou o livro Danças Folclóricas Brasileiras, apresentando um panorama cultural do Brasil através da música e da dança em manifestações folclóricas. Esta publicação teve o objetivo de divulgar o Folclore nacional, destacando sua importância e suas construções coreográficas e apresentando noções das danças e suas partituras musicais.

Estas três publicações se configuram como os primeiros escritos sobre as danças sociais encontradas no país, mesmo nenhum desses pesquisadores sendo do campo da Dança. Esse fato aponta para a inexistência de escritores ou historiadores específicos desta área, nesse período. Entre as décadas de 1950 e 1970, apenas a Universidade Federal da Bahia possuía o curso de nível superior em Dança. Entretanto, o interesse na prática artística parece ter desviado os olhares da prática historiográfica dos que estavam estudando Dança, naquele momento. Ao que parece, o fato de não existir um hábito de escrita por parte dos artistas da dança e a prática excessiva em festivais e grupos artísticos, contribuíram para essa lacuna de escritos sobre a dança na história.

Segundo os depoimentos das dançarinas Lia Lobatto e Lúcia Mascarenhas (2002), entre outros depoimentos de artistas desse período, na Bahia, pode-se visualizar a importância que, naquele momento, se dava as práticas artísticas de dança. Os artistas da Dança estavam imersos nas pesquisas artísticas, produções coreográficas, participação em eventos, cursos, aulas, ou seja, numa intensa prática corporal, principalmente aquelas danças ligadas a modernidade e as danças culturais.

Livros como estes estão fortemente inclinados para uma pesquisa de danças puramente brasileiras. A busca das raízes brasileiras nas manifestações artísticas, principalmente depois da noção de nacionalismo defendida na Semana de Arte Moderna de 1922 8, cujo objetivo foi evidenciar o que era produzido por brasileiros e sobre os brasileiros, levou estes pesquisadores a focar seus estudos nas danças populares, direcionando seus olhares para as tradições de determinadas culturas (regionais), principalmente aquelas ligadas ao Folclore.

Outra publicação que apresenta um panorama das Danças folclóricas no território nacional, de uma forma não-linear, é o livro Dança, Brasil!: festas e danças populares, do

8 Movimento artístico modernista nacional ocorrido em fevereiro de 1922, no Teatro municipal de São Paulo, em

que se defendia uma Arte genuinamente nacional. Seuus principais representantes são Oswald de Andrade, Víctor Brecheret, Plínio Salgado, Anita Malfatti, Menotti Del Pichia, Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet, Heitor Villa-Lobos, Tarsila do Amaral, Di CavalcantiMário e o prórpio Mário de Andrade.

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bailarino, coreógrafo e professor de danças folclóricas Gustavo Côrtes. Publicado em 2000, o autor aborda as festas e as tradições populares de cada região e de cada estado do país, analisando algumas danças populares e tradicionais. Esta publicação apresenta como as danças populares surgiram e em que contexto foi possível sua ocorrência, sem uma temporalidade definida por datas, “sem estabelecer limites entre presente e passado”, mas na relação com o espaço/tempo que favoreceu seu surgimento e proporcionou sua permanência, através das relações, de suas transformações e de seu caráter dinâmico. (CÔRTES, 2000).

Outros livros como História da Dança de Luis Ellmerich, A dança e seus construtores de Antonio José Faro, A dança teatral no Brasil de Eduardo Sucena, ou ainda Dança no Brasil de Ida Vicenza, buscam relatar aspectos do desenvolvimento da Dança no Brasil, cada um deles trazendo um modo de diferente de organizar as narrativas. Eduardo Sucena, por exemplo, apresenta uma narrativa a partir das apresentações de companhias e nomes célebres da Dança Mundial, os quais estiveram no Brasil, e ainda a trajetória daqueles que iniciaram as suas práticas, neste país, desde o início do século XIX.

O próprio Sucena (1989, p. 21) assume que seu trabalho não objetiva pretensões literárias, mas sim “um relato do desenvolvimento da dança teatral em nossa terra, de valor documental para bailarinos e estudiosos do assunto”, lamentando “não apresentar uma narrativa mais precisa e coesa, um mais nítido encadeamento dos fatos.” Apesar de ter tido uma extensa, minuciosa e cansativa pesquisa (quatro anos) em arquivos e documentos, reunindo em ordem cronológica acontecimentos e personagens e dando uma sequência a este recuo histórico, ele ainda afirma que “as informações são imprecisas e sem continuidade, o registro sobre pessoas e acontecimentos artísticos carece de mais meticuloso arquivamento.” (SUCENA, 1989, p. 21).

A década de 1950 realmente se apresenta como o início das publicações de livros de História da Dança, no Brasil. João Henrique Chaves Lopes lançou O livro do ballet: um guia dos principais bailados dos séculos XIX e XX (1953), que consiste numa tradução do livro

The complete book of ballet (1937), cujo autor é Cyril Beaumont, caracterizando assim o que

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O site 9 organizado pela dançarina Lucia Villar, direcionado às bibliografias de Dança, aponta também a existência de três publicações, neste período: uma tradução do livro Ballet in

America, de George Amberg, feita por Sheila Ivert em 1953, cujo título foi Ballet: o

aparecimento duma arte americana; uma tradução do livro Dancing star: the story of Anna

Pavlova, de Gladys Malvern, feita por Isaac Paschoal em 1944, cujo título foi Ana Pavlova:

a estrela dansarina; e ainda, uma tradução do livro Nijinsky, de Romola Nijinsky, feita por Gastão Cruls, em 1948, com mesmo título.

A publicação e circulação destas obras apontam o início do interesse pela leitura de livros de Dança. A visibilidade cada vez maior dessa arte, em solo nacional, cria a necessidade/curiosidade de mais informações a seu respeito, iniciando também a prática de importação de histórias de danças de outros países, ao mesmo tempo em que estimula a pesquisa e produção bibliográfica nacional sobre a Dança.

Até o final do século XX, alguns livros sobre História da Dança foram publicados no Brasil, destacando-se pela circulação e pelo acesso: História da Dança: Evolução Cultural (1999), da bailarina Eliana Caminada; História da Dança (1989), de Maribel Portinari; Pequena História da Dança (1986), de Antonio José Faro; A Dança (1985), de Miriam Garcia Mendes; Dançar a vida (1973), de Roger Garaudy (Tradução: Antonio Guimarães Filho e Glória Mariani - 1980); História da dança no Ocidente (1978), de Paul Bourcier (Tradução: Marina Appenzeller - 1987); História da Dança (1964) de Luis Ellmerich; e A Dança Teatral no Brasil (1988) de Eduardo Sucena. Como se pode observar, grande parte destas publicações se concentram na década de 80, tendo ainda algumas publicações na década de 1990.

No período de 2001 a 2011, apenas um livro destinado a contar a História da Dança foi encontrado, durante esta pesquisa. Trata-se do livro Pequena viagem pelo mundo da Dança, publicado em 2006, pelas escritoras Lenira Rengel e Rosana Van Langendonck, pela Editora Moderna. Essas duas pesquisadoras e atuantes na área da Dança organizam uma compilação de assuntos históricos de dança e os dividem em dez capítulos, sendo o último uma seleção de bibliografia e no penúltimo, intitulado “Despedida”, as autoras sugerem uma gama de ações que contribuirão para uma maior compreensão desta Arte, incluindo ver DVDs e ir à espetáculos de Dança.

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O curto e didático livro se propõe a contar, em 80 páginas, o complexo e abrangente mundo da Dança, esclarecendo inicialmente que se trata da Dança Cênica e que outros tipos existem, porém ficarão de fora dessa pequena viagem. Aqui o roteiro histórico é similar aos outros livros que se propõem a narrar a História: danças antigas (Capítulo 1), balés (Capítulos 2, 3 e 4), danças modernas (Capítulo 5 e 6). O Capítulo 7 se dedica a falar da “metamorfose” da dança moderna para a pós-moderna, apontando novas proposições em dança. E, finalmente, um último capítulo destinado ao “Brasil cênico”.

Começamos com o homem das cavernas dançando em volta do fogo e passamos depois por muitas danças antigas do Egito, da Grécia e da Índia. A viagem continua com nossa visita às danças presentes em grandes castelos medievais até chegarmos, gradualmente, às danças que fizeram parte do nosso tempo atual. [...] Bem, muita história vai ficar de fora porque nossa viagem é curta e precisamos fazer escolhas, do mesmo jeito que definimos os trajetos e os lugares que vamos percorrer em nosso passeio nas férias. Vamos lá! (RENGEL; LANGENDONCK, 2006, p. 3-4).

Aparentemente dedicado ao público infanto-juvenil, tanto pelo pequeno volume, quanto pela fonte aumentada das letras, e ainda pela grande quantidade de fotos, ilustrações e desenhos, a obra propõe uma pequena viagem pela história, sendo conduzida por um caminho determinado pelas autoras desde a apresentação do livro.

Essa publicação inegavelmente tem um papel importante para a integração do público infantil-juvenil com a história e as práticas da dança. No entanto, também carrega uma estrutura impregnada de separações, limites e agrupamentos, advinda de uma prática historiográfica que estabelece mais vácuos históricos do que possibilita uma real interação do leitor com o complexo e diversificado modo de produzir Dança e História, na contemporaneidade.

É o modo tradicional de contar a história que está sendo questionado e não a competência e boa intenção das autoras no campo de estudo da Dança. Talvez, essa prática continue em algumas publicações pelo simples motivo de não se estar atento para a construção de uma história mais próxima da realidade que se vive. Para o historiador francês Marc Bolch (2001) “O historiador raramente define. [...] Ele estende, restringe, deforma despoticamente as significações, sem advertir o leitor, sem nem sempre ele próprio se dar conta.” (BOLCH, 2001, p. 146).

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A História, como foi tradicionalmente construída, defende uma ideia de imparcialidade do historiador e generalização dos fatos, como se o evento, que merecesse ser registrado e eternizado, estivesse hermeticamente fechado em si mesmo, considerando apenas os seus elementos mais visíveis e mais “importantes”. Este tipo de pensamentos é responsável pelas grandes exclusões históricas e pelo modo superficial que as narrativas propõem, mostrando apenas o que é mais importante para ser relatado. Apesar da superficialidade de suas escritas, a Historia Tradicional foi – e ainda é – muito utilizada nas práticas historiográficas. (BURKE, 1992).

As narrativas históricas da Dança ficaram então condicionadas nesse formato de pensamento tradicional. Três aspectos são fundamentais para compreender a estrutura destas escritas narrativas e são justamente elas que irão tornar a prática da historiografia da Dança tão problemática, a ponto de muitas vezes deformar o evento ou as trajetórias de indivíduos e da própria Dança. São eles: a compartimentalização da história por datas, eventos e/ou nomes considerados importantes; a história dos vitoriosos/talentosos, daqueles que ganharam os louros da Arte de Dançar com virtuosismo e perfeição, pondo “os outros artistas” no esquecimento histórico; e, talvez a mais problemática, a reprodução de padrões de escrita sem uma devida reflexão por parte dos escritores.

A prática historiográfica desenvolvida por pessoas sem conhecimento apropriado, ou seja, sem um domínio mínimo de ferramentas necessárias para a execução da pesquisa histórica, reproduzindo fórmulas anteriores e pensamentos anteriores, parece ser o problema mais crucial da escrita da História da Dança no Brasil.

Sem desmerecer as publicações e sua importância diante da inexistência de material bibliográfico, a grande maioria dos autores destes livros não tem formação em História e, às vezes, nem em Dança, sendo condicionados a reproduzir padrões pré-existentes. Algumas vezes, não são somente os padrões estéticos que são reproduzidos. São igualmente os textos, a diagramação, os conteúdos, as imagens, as referências, entre outros aspectos do manuseio dos dados e métodos.

Na ausência de condições e ferramentas mínimas para a construção coerente e significante de uma pesquisa historiográfica, resta assumir a tendência vigente, o formato mais óbvio e tranquilo, pelo simples fato de ter sido repetidamente feito. Segundo Bloch,

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É bom, a meu ver, é indispensável que o historiador possua ao menos um verniz de todas as principais técnicas de seu ofício. Mesmo apenas a fim de saber avaliar, previamente, a força da ferramenta e as dificuldades de seu manejo. [...] No entanto, por maior que seja a variedade de conhecimentos que se queira proporcionar aos pesquisadores mais bem armados, eles encontrarão sempre, e geralmente muito rápido, seus limites. (BLOCH, 2001, p. 81).

A insistência em reproduzir os mesmos padrões de escrita fez com que a História da Dança se tornasse repetitiva (de certa forma obsoleta, por não acrescentar novas/outras trajetória/histórias) e descarta o que há de mais interessante na prática da escrita destas histórias, que são as evoluções das práticas de Dança. Isto se configura como mais um indício do problema da falta de escrita sobre as Danças desenvolvidas no Brasil, durante toda a sua ocorrência e desenvolvimento. O “modelo padrão” pode ter excluído muito do que foi produzido de Dança, cujo principal motivo parece ter sido a inexperiência de seus escritores.

Tanto nas publicações de Ellmerich (1964), Faro (1986), Caminada (1999), Rengel e Langendonck (2006), entre outras, pode-se observar a prática narrativa seguindo uma abordagem dos mesmos eventos históricos, acrescendo um ou outro dado. Primeiro as danças primitivas, depois o balé clássico, depois a dança moderna e, em alguns, poucas páginas sobre a narrativa da dança brasileira ou de eventos e dançarinos no Brasil.

Outro grande problema da História tradicional é a prática excludente que a escrita assume. Não se pode colocar todos os fatos e pontos de vista numa única escrita. São muitas e diferentes as perspectivas de análise de um mesmo evento, ou das diversas relações existentes no fato histórico, apontando para muitas leituras.

Porém, assumir um único ponto de vista como uma verdade histórica inquestionável pode torná-la insuficiente e incoerente. Um ponto de vista pode explicar a ocorrência do fato. Vários pontos de vista podem enriquecer, aprofundar e elucidar questões outras que não foram sequer levadas em consideração.

O esquecimento histórico de eventos, expressões e pessoas relevantes para as trajetórias das danças desenvolvidas no país reforça ainda mais a ausência das Danças brasileiras nas grandes publicações de História da Dança.

Vale salientar novamente que a maioria destes livros não contempla o desenvolvimento desta expressão artística praticada nacionalmente, quando o faz, é em curtas

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páginas, comprimindo ao máximo e, muitas vezes, transformando seu relato em um simples apêndice da História ou em listas de nomes e atuações.

Essa prática é muito comum na História Tradicional escrita mundialmente. A ideia é que através dos grandes feitos, dos grandes heróis, as narrativas fossem construídas, com o objetivo de engrandecer e evidenciar seus bravos atos, sua superioridade. Porém, na Dança, cada experiência, cada descoberta, cada sistematização, cada evento, parece mais organizar uma rede de possibilidades do que se produz como expressão do corpo do que a necessidade de eleger ícones genuinamente representantes de uma grande revolução do movimento dançado.

O historiador francês Jacques Le Goff, adepto das novas perspectivas da Historiografia, aponta que “[...] já não se pode pensar numa história puramente narrativa. Parece-me que, mesmo como dado sociológico, o que o culto das ciências históricas pede já não me parece que sejam lições mas explicações.” (LE GOFF, 1986, p. 90).

Este historiador compartilha das novas concepções e ideias sobre a História, abordadas na Escola dos Annales (Paris/França). Este grupo de historiadores, encabeçado pelos franceses Lucien Febvre e Marc Bloch, os quais não compartilhavam com a ideia de uma história exclusivamente política, propuseram uma nova maneira de pensar história, ampliando suas possibilidades de pensamento e seus modos de pesquisa historiográfica.

Estes teóricos tiveram importância fundamental na evolução da historiografia, pois suas práticas passaram a influenciar e modificar o modo de pensar e construir as narrativas históricas em todo mundo.

O problema desse esquecimento não se encontra na própria História. Esta prática está ligada ao modo como cada historiador assume ao pensar a sua escrita, muitas vezes optando por mostrar aquilo que lhe convém, aquilo que é amplamente mais reconhecido, ou ainda o que mais será consumido pelo leitor, tornando-se completamente descompromissado com a coerência da escrita com a História.

Com relação à fragmentação da História em partes, pode-se assumir o fato da necessidade de dividir para melhor compreender os momentos/eventos, uma metodologia de construção de um bloco de narrativas que se correlacionam. Porém, na escrita da História da Dança brasileira, alguns aspectos podem ser bastante problemáticos. O primeiro é a

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inexistência da sua própria história. Nessa divisão em partes, o Brasil não esteve em nenhuma delas, no máximo no seu “apêndice”.

O livro História da Dança – Evolução Cultural, da bailarina Eliana Caminada, publicado em 1999, é um dos grandes exemplos desta exclusão, visto que este ainda apresenta um pouco sobre a dança no país, enquanto outros não relatam nada. Apesar de possuir 40 capítulos em 486 páginas, a publicação traz apenas dois capítulos referentes à dança no Brasil: o capítulo 35, em que ela relata a trajetória do balé no Brasil, tomando como fio condutor a história do Corpo de Baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, seus bailarinos e mestres; e o capítulo 37, em que Caminada escreve um brevíssimo (três páginas) capítulo sobre as danças brasileiras, citando festas tradicionais e danças folclóricas.

A segunda é o distanciamento entre um bloco e outro. Nessa separação, a escrita torna-se problemática por não ligar coerentemente as partes, deixando abismos na compreensão das relações daquele evento na história.

Outro aspecto problemático é quando a escrita direciona o leitor para a compreensão de que aquele evento está tão fechado no seu próprio acontecimento, como se nada mais no mundo ocorresse, naquele momento. Como se tudo convergisse para aquele evento, sem que ele pudesse se relacionar com outras coisas.

Ao mesmo tempo em que não há uma ligação coerente entres as partes, a organização sequencial dos blocos nos livros de Histórias da Dança sugere, ao decorrer de suas leituras, uma evolução de um estilo de dança para o outro, como se uma dança originasse o aparecimento de outros tipos de danças, e assim continuamente. Quando, na verdade, as danças surgem não somente das experiências anteriores, mas também da busca por outras/novas experiências artísticas, sem que as danças anteriores deixem de existir.

Exemplo da incoerência temporal e sistemática desse modo de organizar a história é simplesmente pensar as práticas de Dança desenvolvidas por Rudolf Laban (Alemanha), Isadora Duncan (EUA) e Vaslav Nijisnky (Rússia). Artistas em universos diferentes, com práticas diferentes, mas pensando organizações em Dança num mesmo período.

A evolução de suas práticas não dependeu necessariamente da influência de outras práticas, mas da necessidade destes artistas de reorganizarem um pensamento em dança de sua época, segundo sua compreensão. O balé de Nijinsky não evoluiu para a dança moderna de Isadora, embora esta mantenha uma relação de repúdio com o balé clássico. O balé

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continuou existindo, assim como a dança moderna de Isadora e de Laban passaram a existir em trajetos diferentes.

Sendo assim, o que mais contribui para os aspectos de evolução da Dança, no mundo, não são os eventos fechados em si mesmo, mas as evoluções e as (co)relações que essas proposições proporcionam na trajetória do seu fazer artístico.

No mais, ninguém é apenas técnica de Martha Graham, ou dança sagrada, ou forró, ou butô, ou dança contemporânea. O homem dançante se constitui nas diversas formas de pensar e movimentar-se. Isso sim é inerente ao ser humano, promovendo possibilidades infinitas de organização num mesmo corpo/espaço/tempo.

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1.2 – A HISTÓRIA TRADICIONAL E A NOVA HISTÓRIA

Na atualidade da historiografia, o historiador Peter Burke 10 traz um apontamento sobre os “novos historiadores” 11, os quais já não consideravam a História como sendo essencialmente uma narrativa linear dos acontecimentos que mereceram, por algum motivo, destaque no panorama de sua época e lugar, ideias essas que ainda sustentam alguns historiadores tradicionais. Neste sentido, esses novos historiadores estão preocupados não somente com os fatos em si, e sim com as características, particularidades e influências destes eventos em seu âmbito cultural, social e político (BURKE, 1992).

Os historiadores franceses da Escola dos Annales foram chamados de “novos historiadores” devido ao fato de que apontavam para novas perspectivas de compreensão e pesquisa em história e historiografia, diferentes daquelas então hegemônicas no campo da História. Suas ideias faziam críticas aos historiadores cujo trabalho baseava-se no modo tradicional de conceber e configurar a História, a partir de narrativas e documentos produzidos pela classe dominante.

Neste momento de modificações, o campo da Dança se depara com novos espaços, novas proposições, novas políticas, novas inserções e diferentes identidades, gerando novas preocupações e novos questionamentos. Se a Dança vem se reorganizando cada vez mais a partir da interação com os aspectos social, econômico, político e cultural do mundo, sejam eles locais ou globais, então, faz-se necessário que os modos de pensar e escrever a sua história também sejam analisados e repensados.

É de extrema importância neste estudo compreender como os historiadores contemporâneos estão modificando as práticas e os paradigmas da pesquisa histórica,

10

Peter Burke é professor aposentado de História da Cultura da Universidade de Cambridge – Inglaterra. Ele faz parte de um grupo de pesquisadores que busca reflexões sobre a prática dos historiadores na contemporaneidade.

11 Esta expressão é utilizada nesta pesquisa para se referir aos historiadores franceses do início do século XX, não podendo ser aqui compreendida como um grupo de historiadores com pesquisas recentes em história, embora as contribuições e as perspectivas dos “novos historiadores” exerçam muitas influências no modo de conceber a História na contemporaneidade.

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principalmente porque grande parte do que foi produzido em História da Dança segue um padrão de pesquisa superficial e excludente.

Na organização do livro Escrita da História: novas perspectivas, Burke (1992) disserta sobre as mudanças dos paradigmas entre a História Tradicional (embasada nas idéias do historiador alemão Leopolde Von Ranke) e a Nova História (articulada pelos historiadores franceses da Escola dos Annales), apontando características e mudanças nos seu modo de construir a narrativa histórica. Ainda segundo este pensador da história (1992), o contraste entre essas duas formas de compreender a historiografia pode ser resumido em seis pontos.

A Escola dos Annales foi um movimento historiográfico de novos historiadores, encabeçados pelos franceses Lucien Febvre e Marc Bloch, propondo ir além da visão positivista dos historiadores tradicionais (histoire événementielle), cujo pensamento estava limitado a descrever as coisas “tais como aconteceram”, ficando na passividade da análise, sem uma profundidade ou crítica.

Na apresentação da edição brasileira do livro de Marc Bloch, Lilia Moritz Schwarcz aponta que a Escola dos Annales propunha um combate a uma história narrativa e dos acontecimentos, e exaltava uma “historiografia do problema”, assim como a “importância de uma produção voltada para todas as atividades humanas e não só à dimensão política e, por fim, a necessária colaboração interdisciplinar.” (SCHWARCZ apud BLOCH, 2001, p. 10).

Estas reflexões sobre novos olhares e novos modos de fazer pesquisa em História são importantes para os pesquisadores da Dança, principalmente para aqueles que estão recém começando seus estudos, visto que o número de estudiosos tem aumentado gradativamente (devido a novos espaços e novas práticas de pesquisa em dança), assim como a inserção destes profissionais em vários ambientes. Re(conhecer) que existem outros modos de pensar as narrativas históricas para a Dança transformará não somente seu modo de vê a evolução dessa linguagem, mas também interferirá nos modos de historiografá-la.

Segundo os historiadores da Escola dos Annales, a historiografia também necessitou buscar em outras ciências os conceitos que ajudariam o historiador na ampliação de sua visão, de suas ferramentas de pesquisa e de seus conceitos de História. (BURKE, 1991). Se na prática artística a interação entre várias linguagens e várias disciplinas enriquece

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potencialmente os trabalhos, então por que o pesquisador de dança desconsidera esta prática durante seus estudos teóricos?

O primeiro ponto que Peter Burke aponta é que o interesse da História Tradicional está baseado exclusivamente nos aspectos políticos, essencialmente ligados ao Estado, excluindo outros tipos de visão e concentrando-se apenas nesta vertente. Já a Nova História passa a se interessar pelos diversos aspectos sociais, culturais e religiosos dos eventos históricos, tentando agrupar várias outras manifestações das sociedades humanas, inclusive a Arte, dando a História uma análise menos limitada e mais globalizada e possibilitando a construção de outros tipos de histórias (como a história da morte, da infância, ou da loucura).

No segundo ponto, os historiadores tradicionais 12 consideram a História como uma prática essencialmente narrativa dos acontecimentos, excluindo dessa escrita qualquer análise mais aprofundada sobre os eventos, enquanto os novos historiadores se preocupam principalmente na análise das estruturas que compõem o fato histórico, aprofundando e ampliando os conhecimentos sobre determinado acontecimento.

Aspecto bastante comum nas grandes narrativas históricas, a narrativa tradicional dos acontecimentos é proposta a partir dos grandes feitos dos grandes homens, ou seja, a história contada é sempre daquele ícone importante – politicamente, economicamente, socialmente, culturalmente – colocando a voz do outro no esquecimento histórico. O terceiro ponto está no novo modo de perceber a história, aqueles que estiveram por traz na cortina, enquanto o ícone de prestígio se apresentava, começam a ter lugar ativo na narrativa dos fatos, sendo tão importantes quanto aqueles postos no altar pela História Tradicional. A História passa então a ser contada de baixo para cima, revelando aspectos antes desconsiderados.

Este modo tradicional de conceber a História influenciou de forma acentuada a escrita da História da Dança no Brasil, assim como em muitas partes do mundo. Dessa forma, estas narrativas foram construídas em cima dos grandes ícones da Dança (bailarinos, coreógrafos, mestres, companhias), daqueles que por algum motivo se destacaram/foram destacados mais que os outros, utilizando um modo tradicional de conceber a história. O fato destes escritores não serem historiadores, pode ter ocasionado um distanciamento destas novas perspectivas, ou

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