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A dissidência na Jurisdição Internacional para a formação da ratio decidendi: uma análise da legitimidade das decisões internacionais a partir do caso do Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

RACHEL CARDOSO TINOCO DE GÓES

A DISSIDÊNCIA NA JURISDIÇÃO INTERNACIONAL PARA A FORMAÇÃO DA

RATIO DECIDENDI: UMA ANÁLISE DA LEGITIMIDADE DAS DECISÕES

INTERNACIONAIS A PARTIR DO CASO DO TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA O EXTREMO ORIENTE

Orientador: Prof. Dr. Marco Bruno Miranda Clementino.

NATAL/RN 2019

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RACHEL CARDOSO TINOCO DE GÓES

A DISSIDÊNCIA NA JURISDIÇÃO INTERNACIONAL PARA A FORMAÇÃO DA

RATIO DECIDENDI: UMA ANÁLISE DA LEGITIMIDADE DAS DECISÕES

INTERNACIONAIS A PARTIR DO CASO DO TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA O EXTREMO ORIENTE

Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Marco Bruno Miranda Clementino.

NATAL/RN 2019

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas -

SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

Elaborado por Eliane Leal Duarte - CRB-15/355

CDU 341 RN/UF/Biblioteca do CCSA

1. Dissidência - Monografia. 2. Ratio decidendi - Monografia. 3. Jurisdição Internacional - Monografia. 4. Legitimidade - Monografia. 5. Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente

- Monografia. I. Clementino, Marco Bruno Miranda. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. Góes, Rachel Cardoso Tinoco de.

A Dissidência na Jurisdição Internacional para a formação da ratio decidendi: uma análise da legitimidade das decisões internacionais a partir do caso do Tribunal Militar

Internacional para o Extremo Oriente / Rachel Cardoso Tinoco de Góes. - 2019.

70f.: il.

Monografia (Graduação em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Departamento de Direito. Natal, RN, 2019.

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Dedico este trabalho a Mariana, que com sua confiança e amor me ajudou a construi-lo.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por ser minha rocha e me manter firme nas tribulações. A minha família pelo apoio incondicional, seja com o aconchego de minha mãe, Magnólia, com os conselhos do meu pai, Ricardo, com a presença de minha irmã, Mariana, com a alegria constante de Banzé, ou com o carinho e atenção de minhas avós, Graça e Magnólia, do meu avô, Silvio, e de meu tio, Paulo.

A Mariana, agradeço também pelo amor, companheirismo, confiança e liberdade, sem as quais eu certamente não seria quem sou hoje.

Aos meus amigos, que nunca deixaram que eu me afastasse nem duvidasse da minha capacidade – vocês não imaginam a importância que têm e o espaço que conquistaram em meu coração.

A Pedro, por estar comigo em momentos difíceis e por me compreender tão bem, mesmo quando eu não entendo.

Ao meu orientador, professor Marco Bruno Miranda Clementino, por ter acreditado no tema por mim escolhido, ter partilhado seus conhecimentos e ter disponibilizado tempo de sua apertada agenda para correção e discussão do trabalho, fatos imprescindíveis para seu desenvolvimento.

As professoras e professores do curso de Direito da UFRN, que me mostraram suas belezas, passo a passo, e contribuíram a que eu me desenvolvesse enquanto indivíduo.

Por fim, agradeço a todos que contribuíram de maneira direta ou indireta à conclusão deste trabalho.

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Se toda a humanidade, menos um, fosse de uma opinião e apenas uma pessoa fosse da opinião contrária, a humanidade não seria mais justificada a silenciar aquela uma pessoa do que ela, se tivesse o poder, seria justificada a silenciar a humanidade.

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RESUMO

Este trabalho visa analisar a importância da dissidência para a Jurisdição Internacional no que tange à legitimidade das decisões colegiadas. Tem como fim, também, examinar se há uma relação entre a dissidência e a formação de rationes decidendi, bem como apreciar de que modo elas devem ser extraídas e se têm relevância na cena internacional. Para tanto, estudou-se desde o histórico de aceitação da dissidência pela Corte Internacional de Justiça até seu modo de aplicação e percepções da doutrina, perquirindo se o procedimento das Cortes seria mais correto a partir da ideia do debate, corolário da democracia. Feito isso, verificou-se a concepção atual de ratio decidendi, sua aplicabilidade na Jurisdição Internacional e seu impacto na segurança e previsibilidade jurídicas. Ademais, investigou-se a existência de relação entre a dissidência e da ratio decidendi, assim como a necessidade de construção de consensos a partir de debates efetivos. Por derradeiro, realizou-se o exame do caso do Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente, a fim de ponderar se a decisão final foi ou não legítima a partir das conclusões feitas em cada um dos tópicos. Como procedimento metodológico utilizou-se o método lógico-dedutivo, com uso das técnicas de pesquisa de revisão bibliográfica – com enfoque na literatura especializada, artigos científicos, trabalhos acadêmicos, análise de Tratados Internacionais e Regulamento das Cortes –, além do estudo de caso para concluir-se pela necessidade, ou não, de um procedimento específico à dissidência, bem como de um novo método de extração da ratio decidendi, rematando-se o trabalho com a análise de legitimidade do caso citado.

Palavras-chave: Dissidência. Ratio decidendi. Jurisdição Internacional. Legitimidade.

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ABSTRACT

This work aims to analyse the importance of dissent to the International Jurisdiction with respect to the legitimacy of the collegiate decisions. It also has as its objective to examine if there is a relation between dissent and the shaping of rationes decidendi, as well as to evaluate in what way they must be extracted and if they have relevance to the international arena. For that, the work studied from the historic of acceptance of dissent by the International Court of Justice to its way of implementation e doctrine’s perceptions on the theme, asserting if Courts’ procedure would be more correct stem from the idea of the debate, corollary of democracy. After that, the current conception of ratio decidendi, its applicability on the International Jurisdiction and its impact on legal security and predictability were verified. Furthermore, the existence of a relation between dissent and ratio decidendi, as well as the need to construct consensus as of effective debates were ascertained. Lastly, the case of the International Military Tribunal for the Far East was inspected, so as to ponder whether the final decision was legitimate considering the conclusions made in each topic. The logical-deductive method was the used methodological procedure, with the research techniques of bibliographical review (with focus on specialised literature, scientific articles, academic works, analysis of International Treaties and Court Regulations), aside from case study to make conclusions on the necessity of a procedure specific to the dissent, in addition to a new method of extraction of ratio decidendi, finishing the work with the analysis of the legitimacy of the cited case.

Keywords: Dissent. Ratio decidendi. International Jurisdiction. Legitimacy.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 12 2 A DISSIDÊNCIA COMO LEGITIMADORA DE DECISÕES NA JURISDIÇÃO INTERNACIONAL ... 14

2.1 CONCEITO E HISTÓRICO DE ACEITAÇÃO DA DISSIDÊNCIA PELA

CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA ... 17 2.2 A UTILIZAÇÃO DA DISSIDÊNCIA PARA A EVOLUÇÃO DO DIREITO

INTERNACIONAL ... 20 2.3 A NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO NA CONTRAMÃO DO

REGULAMENTO DAS CORTES E O EXEMPLO POSITIVO DA CORTE

INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS ... 24 2.4 A ESSENCIALIDADE DO DEBATE POSTERIOR PARA A CONSOLIDAÇÃO DA DISSIDÊNCIA ... 28

3 A RATIO DECIDENDI COMO ELEMENTO ESSENCIAL À FORMAÇÃO DE

PRECEDENTES INTERNACIONAIS E SUA INTERAÇÃO COM A DISSIDÊNCIA . 32

3.1 CONCEITO DE RATIO DECIDENDI E NECESSIDADE DE

RESSIGNIFICAÇÃO ... 32 3.1.1 NECESSIDADE DE ANÁLISE QUANTO À SUA EXISTÊNCIA IN CASU PARA A DECISÃO O CASO DA MAIORIA QUANTITATIVA VERSUS MAIORIA QUALITATIVA ... 33

3.1.2O VOTO DE MINERVA NO ATUAL CENÁRIO ... 37 3.2 APLICAÇÃO AO DIREITO INTERNACIONAL COMO FORMA DE DAR-LHE VALIDADE E SEGURANÇA ... 39

3.2.1 A INAPLICABILIDADE DO STARE DECISIS E SEUS EFEITOS NA JURISDIÇÃO

INTERNACIONAL ... 39

3.2.2A POSSIBILIDADE DE FORMAÇÃO DA RATIO DECIDENDI A PARTIR DA DISSIDÊNCIA . 42

4 ANÁLISE DE CASO DE RELEVANTE DISSIDÊNCIA QUANTO À

LEGITIMIDADE DA SENTENÇA COLEGIADA ... 46

4.1 A DISSIDÊNCIA NO TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA O EXTREMO ORIENTE E AS QUESTÕES LEVANTADAS PELO JUIZ

RADHABINOD PAL ... 47 4.1.1 O ESTABELECIMENTO DE UM LAPSO TEMPORAL DE OCORRÊNCIA DE FATOS PARA JULGAMENTO PELO TRIBUNAL ... 50

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4.1.2 A INEXISTÊNCIA DE TRATADO DEFINIDOR DE RELAÇÃO CONTRATUAL ENTRE

VENCEDORES E VENCIDOS ... 51

4.1.3 A AUSÊNCIA DE TIPIFICAÇÃO DE CRIMES CONTRA A PAZ E GUERRAS DE

AGRESSÃO NO DIREITO INTERNACIONAL, À ÉPOCA ... 52

4.1.4 A INCOMPETÊNCIA LEGISLATIVA EX POST FACTO DOS VENCEDORES SOBRE

ATITUDES DOS VENCIDOS ... 53 4.1.5 A INEXISTÊNCIA DE TIPIFICAÇÃO DA CONSPIRAÇÃO COMO CRIME E A AUSÊNCIA DE PROVA FACTUAL DE SUA OCORRÊNCIA ... 54 4.1.6A IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO DOS RÉUS PELO EXERCÍCIO DE ATOS DE

ESTADO ... 55 4.1.7O ÍMPETO DE VINGANÇA E A NECESSIDADE DE BUSCA DE UM ANTICOLONIALISMO 57 4.2 A ILEGITIMIDADE DA SENTENÇA PELA AUSÊNCIA DE DEBATE

EFETIVO DA DISSIDÊNCIA ... 58

5 CONCLUSÃO ... 64 REFERÊNCIAS ... 67

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1 INTRODUÇÃO

A dissidência, muito presente na Jurisdição Internacional, tem papel importante nos colegiados, por permitir aos julgadores com conclusões diversas da maioria quanto aos casos concretos que expressem essa divergência fundamentadamente e de forma escrita. Nesse aspecto, não subsistem embates doutrinários de grande monta, em razão da já consolidação da essencialidade da dissidência como instrumento da expressão de pontos de vista jurídicos diversos, no seio das Cortes.

Todavia, esse expediente ainda tende a ser visto com viés tanto quanto negativo, no sentido de que inauguraria uma ruptura entre os juízes de um Tribunal e isso, à primeira vista, diminuiria a legitimidade daquela decisão com mais de uma conclusão possível.

Outrossim, não se vê, na literatura relativa à divergência jurídica, qualquer menção à ratio decidendi, denotando-se a ausência de correlação entre esses dois conceitos até o presente momento, haja vista a ótica de primazia do consenso pela qual a razão de decidir é enxergada.

Adicione-se a isso o fato de que a extração de uma ratio decidendi, nos casos concretos, tende a ser em momento secundário, analisando-se, primeiramente, se há a opção de um dispositivo por uma maioria de juízes – à qual será dado o poder de redação da sentença – para, apenas depois, perscrutar-se se essa maioria concordou também quanto à ratio. Importante é, pois, analisar qual o impacto que este critério tem no que tange à legitimidade e segurança jurídica das decisões internacionais.

Dessa feita, o objeto geral da presente pesquisa é o de examinar a legitimidade das decisões da Jurisdição Internacional – colegiada, por natureza –, no que tange à dissidência que as permeia e como ela pode servir à formação de uma ratio decidendi realmente coesa, com identidade total dos julgadores quanto à conclusão e fundamentação do caso.

Nessa senda, os objetivos específicos deste trabalho são: examinar se há relação entre a dissidência e o aumento da legitimidade das decisões colegiadas internacionais; qual seria o procedimento mais correto a fim de dar à dissidência um maior espaço para desenvolver-se; se a dissidência pode ser formadora da ratio decidendi, alterando-se o foco mais comum de análise desta por meio do consenso;

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e se há alguma maneira diferente de extrair-se a ratio decidendi de um caso a fim de que ela seja mais coesa e permita uma maior segurança jurídica.

Com intuito de cumprir os objetivos citados, o seguinte tópico analisará a dissidência, delineando seu histórico de aceitação pelas Cortes Internacionais, explicitando sua necessidade à evolução do Direito Internacional, ressaltando que aspectos devem ser seguidos – tal qual a fundamentação – e, por fim, propondo um procedimento que leve a dissidência a um ponto ótimo.

Após esse primeiro momento, examinar-se-á a ratio decidendi, explicitando se há ou não relação dela com a dissidência, perquirindo sua relação com a segurança jurídica no âmbito internacional e, por fim, investigando se a aplicação de um novo critério de sua aferição seria positivo, considerando a importância de estabilidade das decisões e de coesão entre posicionamentos dos julgadores – tanto na fundamentação quanto no dispositivo.

Por fim, um caso concreto da Jurisdição Internacional será escrutinado, qual seja, o do Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente, a partir das considerações feitas nos capítulos que lhe precedem, a fim de verificar se a sentença prolatada ao final foi ou não legítima, considerando o posicionamento da sua dissidência de maior monta, a do julgador Radhabinod Pal.

Com a finalidade de satisfazer todos os objetivos propostos, as técnicas de pesquisa empregadas foram a revisão bibliográfica, com enfoque na literatura especializada, artigos científicos, trabalhos acadêmicos, análise de Tratados Internacionais e Regulamento das Cortes, além do estudo de caso. Quanto ao procedimento metodológico, recorreu-se ao método lógico-dedutivo para análise das informações coletadas e derradeira resposta sobre a importância ou não da dissidência e do redimensionamento da ratio decidendi para legitimação das decisões internacionais.

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2 A DISSIDÊNCIA COMO LEGITIMADORA DE DECISÕES NA JURISDIÇÃO INTERNACIONAL

A importância da dissidência vem sendo discutida no ramo do Direito Internacional em razão da sua frequência nas Cortes Internacionais e do papel que detém, já que é expoente do debate, inerente à formação de decisões colegiadas.

Assim, conquanto haja fervorosa discussão no que toca aos pontos positivos e negativos de sua existência – e até mesmo quanto à necessidade de fundamentação dos votos dissidentes –, o que se verá à frente, é importante que se avalie qual a função primordial desse tipo de opinião quando tecida por um juiz internacional.

A legitimidade das decisões é ponto muito tocado pelos autores que tratam do assunto. No que tange ao Direito Penal Internacional, Hemi Mistry (2015, p. 14) afirma que esse tipo de voto tem o poder de denunciar erros no julgamento da maioria, o que, segundo ele, levaria a um aumento da legitimidade da Jurisdição Internacional. Tal conclusão é, admite, paradoxal, já que indica a existência de falhas na sistemática criminal internacional o que, à primeira vista, somente diminuiria a força de suas decisões.

Entretanto, Mistry (2015, p. 15) faz apontamento interessante na defesa da tese contrária. Isso porque, embora seja a partir e através dos votos dissidentes que se pode aferir a existência de imprecisões – sejam de caráter processual ou meritório – nos casos criminais internacionais, é justamente essa possibilidade que torna o processo legítimo.

Isso porque, como é de se notar, caso aos juízes de um colegiado internacional fosse retirada a faculdade de demonstrar erros do procedimento em específico, mesmo que individualmente, aquele caso poderia se manter com inexatidões extremamente prejudiciais aos réus, aos autores e, em última análise, ao Direito Internacional, que aplicaria uma norma in concreto de forma errônea.

Dessa forma, a existência de um instrumento que permita ao juiz expressar seu fundado descontentamento no respeitante às conclusões do restante da Corte denota o fortalecimento da Jurisdição (Penal) Internacional como um todo. Ademais, consigne-se que, embora o autor tenha o viés criminal como embasador de seu pensamento, não há que se excluir, contudo, sua aplicabilidade aos demais ramos do Direito Internacional, haja vista lhes ser empregada a mesma lógica.

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Explique-se: seja em casos de reparação civil internacional, de comércio internacional ou mesmo daqueles cobertos pelo sigilo do procedimento arbitral internacional, a possibilidade de um juiz divergir de uma maioria de forma fundamentada pode, a olhos nus, fazer parecer que a autoridade da Jurisdição Internacional foi enfraquecida. Porém, o resultado final é o seu fortalecimento, em razão da possibilidade de correção dos erros e do aprimoramento de teses mediante o debate.

É nesse sentido que se posiciona Neha Jain (2017, p. 1184), ao expressar que a existência de dissensos na sistemática internacional é concretizadora do devido processo legal. Ele seria, pois, potencializado, em face da possibilidade de maior contraposição de opiniões, antes encartada pelas partes e, agora, pelos julgadores, como uma cadeia sequenciada que terá como fim uma sentença mais fortificada argumentativamente,

Ademais, qualquer déficit inicial de legitimidade da decisão seria contraposto à abertura democrática proporcionada pelo voto dissidente, visto que ele permite o aprofundamento de contestações sociais e acadêmicas no chamado “espaço público” mediante a instauração de uma narrativa tanto política quanto histórica, característica irrefutável das democracias e seu constante papel evolutivo (JAIN, 2017, p. 1181).

Ainda sobre o ponto da legitimidade abstrata, a dissidência tem como ponto de partida a existência de pensamentos jurídicos opostos, seja parcial ou totalmente. Conseguintemente, ao se fazer presente num caso específico e proporcionar o debate entre aqueles que compõem a maioria e aquele que diverge, resta palpável a discussão jurídica que se instaura.

Por tal razão é que Boyle e Chinkin (2007, p. 302) pensam ser ela uma legitimadora das decisões, em face da instauração de uma discussão verdadeiramente jurídica, despida de vieses políticos. Isso dá aos receptores da mensagem final – a decisão que tem como anexo um ou mais votos dissidentes – a certeza de um aprofundamento maior na análise das questões subjacentes ao caso, o que não necessariamente ocorre nos quais se prolatam decisões colegiadas unânimes.

Claro que a intenção dos autores não é de afirmar a ausência de legitimidade ou de empenho dos julgadores em casos nos quais a unanimidade tenha sido notada. Entretanto, um fator positivo aportado pela dissidência em um

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colegiado seria, no mínimo, a certeza, pelo jurisdicionado, de um maior esquadrinhamento das questões controvertidas, porquanto não só as partes teriam exposto seus pontos de vista a fundo, mas também os juízes que, antes de redigirem a sentença, indicaram seus argumentos, escutaram os demais e, somente após, atingiram um mínimo consenso.

Esse condão democrático, alinhado à necessidade de pôr em prática o debate de diferentes opiniões, também é muito abordado pela literatura. Colins e Skolver (2015, p. 25), ao tratarem do dissenso in abstrato, tendem a vê-lo como ato de democracia e liberdade, destoando de outros de cunho puramente individualista, cada vez mais escassos.

Nesse sentido, dissensos políticos, científicos, culturais, artísticos ou de qualquer cunho que não somente o jurídico remontariam a uma necessidade de mudança do status quo, conjuntura muito positiva e de caráter democrático indubitável.

Em sentido mais estrito, Junod (2017, p. 33) explica que a dissidência no meio jurídico internacional traduz o papel democrático do juiz enquanto instrumento de decisão pelo povo. O julgador que prolata a sentença de si e para si seria deixado de lado não somente pelo fato de estar em uma Corte e dividir o poder decisório com outros iguais, mas também por ter a condição tomar os anseios populares de maneira mais ativa, através da dissidência.

Nessa toada, não permitir que votos dissidentes se formem é uma maneira de esconder a existência do debate, situação completamente desonesta e antidemocrática, na visão do autor (JUNOD, 2017, p. 34).

Não é possível, pois, que apenas a autoridade formal de instituições tais como as Cortes Internacionais seja considerada suficiente, explica Rafaelli (2012, p. 15). A dissidência se transforma em uma forma pela qual a razão se expressa nas decisões colegiadas internacionais, aumentando sua qualidade e satisfazendo ao ideal de democracia das sociedades hodiernas, conforme explicita a autora.

Em conferência anual na Corte de Cassação Francesa, Jean-Pierre Ancel (2005, p. 5) afirmou que a dissidência: “é a prova de que a decisão do juiz nasceu de uma confrontação de ideias, de conceitos, de raciocínios, de apreciações, de uma

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reflexão aprofundada; ela é edificada sobre algo sólido, foi construída racionalmente”1.

Nesse cenário, a divergência entre os julgadores se torna um corolário democrático, posto que reforça a existência de pontos contrapostos que necessariamente devem ser discutidos a fim de dar vazão a uma decisão legitimamente construída.

No entanto, somente essa noção não é suficiente para aferir se uma decisão internacional foi ou não legítima, como se verá nos tópicos subsequentes. Há que se perquirir a melhor maneira de materializar esse ideal de legitimação pelo debate, sob pena de perda em discursos meramente idealizados.

2.1 CONCEITO E HISTÓRICO DE ACEITAÇÃO DA DISSIDÊNCIA PELA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA

Antes de examinar a instrumentalidade da dissidência como fonte de legitimação, é importante fazer uma remissão a aspectos históricos que delineiam bem as dificuldades e intempéries que a divergência sofreu antes de ser aceita pacificamente no cenário internacionalista.

De início, importa destacar que o recorte feito quanto à Corte Internacional de Justiça se deve exclusivamente devido ao seu papel de modelo para com os demais Tribunais Internacionais, embora a discussão sobre o tema tenha se iniciado na Corte Permanente de Arbitragem e continuado, posteriormente, na antiga Corte Permanente de Justiça Internacional.

Dessa feita, toma-se a Corte Internacional de Justiça como referencial em razão de a Jurisdição Internacional como um todo se espelhar nas decisões inicialmente tomadas pelos juízes da Corte Permanente de Justiça Internacional e consagradas na atual Corte, sem grandes diferenças no tangente à sua forma de implantação – à exceção da Corte Interamericana de Direitos Humanos, como se verá no tópico 3.4.

Com tal esclarecimento em mente, cabe explicitar qual o maior dificultador da implementação dos votos dissidentes como parte do julgamento internacional

1 Fala de Jean-Pierre Ancel traduzida do francês: “[…] C’est la preuve que la décision du juge est née d’une confrontation des idées, des concepts, des raisonnements, des appréciations, d’une réflexion approfondie; elle est bâtie sur du solide, et elle a été construite rationnellement.”

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desde os primórdios de suas discussões, qual seja, a possibilidade de diminuição da autoridade do julgamento e, ulteriormente, da própria Jurisdição Internacional.

A Primeira Conferência da Paz da Haia, que ocorreu em 1899, teve em seu seio grandes disputas sobre o assunto, já que, no âmbito da Arbitragem Internacional, qualquer menção à dissidência entre os julgadores poderia ser tomada como um elemento destrutivo da decisão. É assim que Ijaz Hussain (1969, p. 15) introduz a problemática em sua tese de doutoramento, ideia que traz debates doutrinários até os dias atuais.

O enfraquecimento da autoridade das decisões mediante votos dissidentes é defendido por Minor et al. (1914, p. 326), ao aduzirem haver uma diferença de nível entre decisões unânimes e não unânimes. Apontam, outrossim, que à medida que um voto dissidente melhora no quesito qualitativo, mais a opinião colegiada será diminuída e seu valor praticamente destruído enquanto precedente.

De igual sorte, Arthur T. Vanderbilt et al. (1955, p. 568) indicam que, conquanto tenha existido grande consideração de um caso no qual ocorreu a exposição de uma ou mais opiniões dissidentes, por não terem sido elas capazes de converter o pensamento dos julgadores da maioria, o valor da decisão seria diminuído, em face da insuficiência das argumentações.

Dessa sorte, caso as opiniões de faceta diversa tivessem real necessidade e significado para o caso em apreço, ou mesmo se tivessem sido expostas de maneira mais enfática e persuasiva, viria à tona sua capacidade de converter toda a Corte ou, ao menos, a quantidade suficiente de juízes que levasse a uma maioria, situação na qual a decisão seria realmente legítima.

Nada obstante esse pano de fundo contrário à possibilidade de dissidências, a Convenção resultante da Primeira Conferência de Paz da Haia, chamada de Convenção sobre a Solução Pacífica de Disputas Internacionais (1899), trouxe menção ao dissenso como possível, como se nota em seu artigo 52, que explicita: “A sentença arbitral proferida por maioria de votos, será fundamentada, redigida por escrito e assinada por cada um dos membros do tribunal. Os membros que se acharem em minoria poderão assinar com a declaração de ‘vencidos’”.

Notável queda, todavia, que a Conferência teve como resultado, nesse quesito, apenas a introdução da possibilidade de menção ao dissenso, permitindo também, ao revés, que ela fosse eliminada por um acordo mútuo, em face da

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ausência de obrigatoriedade desta provisão (HUSSAIN, 1969, p. 14). Essa afastabilidade seria, portanto, perigosa.

Por tal razão, com a evolução do pensamento internacional sobre a matéria, o Conselho da Liga das Nações previu expressamente no artigo 56 do Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional (1920) – posteriormente alterado numericamente para o artigo 57 – que qualquer dos juízes poderia redigir uma opinião separada em caso de discordância da decisão dos demais.

Considerando, então, a nomenclatura dada pelo Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional ao instrumento utilizado pelo juiz dissidente enquanto “opinião separada”, é importante que se advirta quanto à existência de diversas formas de tratar da divergência jurisdicional, a depender do autor de referência.

Tanto é assim que Robert Kolb (2014, p. 1047) trata das opiniões separadas como gênero que contém três espécies: opiniões individuais – com mesma conclusão, mas fundamentação diversa da Corte –, opiniões dissidentes – com conclusão e fundamentação diferentes da Corte – e declarações – com explicação sucinta da concordância ou discordância com a Corte, mas sem encerramento de toda a motivação.

Simon Junod (2017, p. 18-20), de maneira semelhante, trata as opiniões separadas como gênero, sendo as opiniões dissidentes e concordantes suas espécies.

No entanto, como bem explicita Ijaz Hussain (1969, p. 8), a tendência da Corte Internacional de Justiça – e das demais, que a têm como modelo – é de separar opiniões dissidentes das opiniões separadas. Assim, dissidentes são aquelas em que o julgador não consente com a parte operativa da decisão; separadas são redigidas apenas quando o juiz discordou da fundamentação da decisão, não da conclusão.

Com base no posicionamento da Corte Internacional de Justiça referentemente à nomenclatura a ser dada à divergência, autores como Hugh Thirlway (2016, p. 143) e Benjamin Bricker (2017, p. 172) veem as opiniões dissidentes como reais expressões de divergência, por serem contrárias tanto à fundamentação quanto à conclusão do decisum. Há sentido, dessarte, no tratamento dado por Neha Jain em seu trabalho, intitulado de “O Dissenso Radical”.

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Sem mais digressões, considerando a opção majoritária da doutrina e da jurisprudência internacionais pela divisão entre opiniões separadas e dissidentes, este trabalho a adotou. Contudo, por motivos de didática, optou-se pela nomenclatura “voto dissidente” em vez de opinião, posto que o voto contém várias opiniões dos julgadores, sendo possível que algumas coincidam com as da maioria e que, portanto, não façam parte efetiva do voto divergente.

Por derradeiro, é de se notar que a partir da Convenção sobre a Solução Pacífica de Disputas Internacionais, de 1899, a dissidência foi ganhando espaço no regramento das Cortes criadas após a Corte Permanente de Arbitragem. Seguindo-se à Corte Permanente de Justiça Internacional, a Corte Internacional de Justiça previu no seu regramento a possibilidade de votos dissidentes tanto em procedimentos arbitrais quanto contenciosos, conforme indicam o artigo 10, seção 3 e o artigo 95, seção 2 das Regras da Corte (1978).

Cabe, neste momento, analisar quais as facetas da dissidência são tão importantes a ponto de torná-la legitimadora do processo judicial internacional, fortalecendo essa Jurisdição.

2.2 A UTILIZAÇÃO DA DISSIDÊNCIA PARA A EVOLUÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL

O ponto fulcral da essencialidade da dissidência como legitimadora das decisões colegiadas passa pelo que ela possibilita, isto é, a evolução do Direito Internacional. Entretanto, cabe introduzir esse seu caráter com o seguinte questionamento: poderá o julgador discordar de qualquer parte do posicionamento dos demais, ou haveria alguma limitação?

William F. Willoughby (1929, p. 218), conquanto afirme ser a divergência uma maneira ímpar de correção de erros da decisão, é defensor de certas restrições ao direito de dissentir. Isso porque, para ele, faz-se necessária “considerável importância” do conteúdo a ser exposto pelo juiz.

Nessa toada, posicionam-se Peter J. Rees QC e Patrick Rohn (2009, p. 342-343), indicando que o propósito desse tipo de voto é puramente o de demonstrar irregularidades no processo – arbitral, para sua obra, mas que se aplica aos demais por extensão – ou questões de direito relevantes, a fim de impedir um julgamento injusto.

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Com maior grau de exigência para a prolação dos votos divergentes, Jean-Pierre Ancel (2005, p. 3) explica que não só as questões tratadas devem ser sensíveis ao equilíbrio social, mas também que o anonimato é fundamental. Assim, seu posicionamento é o de que, ao permitir-se a publicação do voto seguido de quem o redigiu, a independência do julgador estaria ameaçada, sendo o anonimato a única solução para este problema.

No respeitante ao quesito de importância dos pontos discutidos no voto dissidente, a crítica a ser tecida se embasa na dúvida quanto ao critério a ser aplicado, já que não há qualquer menção na doutrina que o detalhe. Assim, embora se possa afirmar que a essencialidade de um argumento só poderá ser aferida no bojo de um caso concreto, o juiz minoritário correria o perigo de ser emudecido pela voz de uma maioria retumbante, caso esta exigência fosse aceita.

A independência do julgador que, por alguma razão, discorda de seus colegas estaria em sério risco, posto que não caberia a ele decidir o que é ou não conveniente para aquele quadro fático, mas àqueles que discordam de sua posição e, por óbvio, gostariam de evitá-la.

Relativamente ao argumento de Ancel, é importante fazer um retrospecto às causas dessa insegurança. No que concerne a independência dos julgadores, Jiří Malenovský (2010, p. 64) pondera que, considerando ser o juiz internacional indicado por seu país de origem para fazer parte de uma Corte, caso lhe seja dada a liberdade de emitir votos dissidentes, seu governo terá mais facilidade de exercer controle sobre sua atuação, se está ou não sendo positiva à sua Nação. “Medidas de retorção” seriam comuns contra o juiz, afirma o autor, caso ele emitisse votos contrários ao país ou se abstivesse de fazê-lo quando aquele pudesse ser favorecido.

Na contramão desse entendimento se posiciona Yannick Lécuyer (2004, p. 208), que aduz serem as opiniões dissidentes e separadas o indicativo de que o julgador é independente dos demais, podendo se exprimir sem qualquer reserva frente à maioria que lhe é contrária.

É por isso que Teresa Freixes (2000, p. 3) explica que não só a independência dos indivíduos da mesa julgadora da Corte será aumentada, mas também sua imparcialidade, com intensificação da transparência do julgamento, já que podem e devem indicar todos os argumentos que julgarem pertinentes ao caso in concreto.

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É neste ponto que se vê a postura menos avançada de Ancel, considerando que em qualquer procedimento jurisdicional – interno ou internacional –, exigências atinentes à restrição de direitos como o da publicidade são, no mínimo, perigosas e ferem o requisito da transparência abordado pela autora.

Dessa feita, conquanto se entenda o motivo pelo qual Jean-Pierre Ancel teria elencado o anonimato como exigência, qual seja, a preocupação com a independência do julgador, impende que se discorde desse posicionamento – que ele mesmo indica ser minoritário (ANCEL, 2005, p. 6).

Após esse apanhado, conclui-se pela impossibilidade de restrições conteudísticas dos votos dissidentes. Um recorte do que o julgador poderia ou não expressar em seu voto seria altamente prejudicial ao debate, vez que poderia subjugá-lo ainda mais à opinião da maioria e impedir que novos pontos de vista arejassem o caso.

É a partir de ideias novas, diga-se, que o entendimento das Cortes muda. Ora, se o Poder Legislativo de cada país tende a alterar legislações ultrapassadas e o Poder Judiciário a aplicar entendimentos mais condizentes com o avançar da sociedade, não há que ser diferente na criação de Tratados e, também, na aplicação de entendimentos pelos Tribunais Internacionais.

O caráter mutacional do direito é o que torna a constante adaptação da jurisprudência tão importante. É nessa perspectiva que se começa a entender a dissidência como essencial, caracterizando-se como porta de entrada de novas ideias que podem parecer erradas em certo momento, mas apenas inauguram o entendimento majoritário do futuro.

Os ensinamentos de Benjamin Cardozo (1947, p. 354) são claros, nessa ótica. Para ele, o julgador que debuta uma divergência interpretativa nada mais é que uma voz do futuro, a ser lentamente aceita e mudar toda uma cadeia de juízos e conclusões acerca de um tópico jurídico.

A perspectiva de uma mudança do case no futuro é um dos pontos que aponta o grande valor da divergência para Jacques Werner (1992, p. 27). Isso porque os argumentos trazidos pelo dissidente tanto poderão reforçar o dos demais, quando aquele não for suficiente ou carecer de justificativa, ou, numa perspectiva revolucionária, alterar todo o status quo vigente sobre determinado assunto.

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Seja qual for o resultado, a dissidência permite, para ele, uma troca democrática de ideias deveras positiva (WERNER, 1992, p. 27), garantidora de um processo mais justo e solidamente construído.

Nesse sentido, examinando uma das falas do juiz Jessup – antigo ocupante de uma das cadeiras da Corte Internacional de Justiça –, Ijaz Hussain (1969, p. 57) explica que o dissenso se trata de um apelo aos julgadores futuros, para que notem o erro no qual incorreu o Tribunal naquele momento e possam reformulá-lo apropriadamente.

Em posicionamento mais fervoroso, afirma mesmo que todo esse processo de divergir e posicionar-se diferentemente reflete um senso de justiça por parte do juiz prolator, de encontro à “tirania oficial” (HUSSAIN, 1969, p. 61) que a maioria representaria.

Não se olvide, outrossim, das palavras de Simon Junod (2017, p. 34) sobre esta problemática, ao dizer que as opiniões dissidentes: “preparariam o terreno para as evoluções a vir, facilitando, assim, as adaptações ulteriores da jurisprudência. Os autores não deixam de recordar que as opiniões separadas [dissidentes] de hoje podem ser as opiniões majoritárias de amanhã”2.

Com esse apanhado de posições, resta clara a imprescindibilidade da dissidência para a alteração de entendimentos nas Cortes. Isso porque, embora muitas vezes uma alteração de entendimentos inicie-se como uma opinião apenas, minoritária e contrária a todo um posicionamento firmado pelos demais julgadores do colegiado, há uma grande tendência de aplicabilidade futura do voto de divergência a casos similares nos quais a valoração destes argumentos seja dada diferentemente pelos novos participantes do colegiado.

É por tal motivo que não se deve permitir restrições de conteúdo dessas expressões dos julgadores. Caso elas se efetivassem, muito provavelmente não haveria espaço para que a minoria se pronunciasse a contento e inaugurasse um debate possivelmente perdedor no presente, mas com potencialidades majoritárias no futuro.

Nessa toada, considerando esse viés democrático e alinhado à constante mudança da sociedade e seus anseios que, sem dúvida, pode-se dizer ser a

2 Fala de Simon Junod em francês: “[…] prépareraient le terrain pour les évolutions à venir, facilitant ainsi les adaptations ultérieures de la jurisprudence. Les auteurs ne manquent pas de rappeler que les opinions séparées d’aujourd’hui peuvent être les opinions majoritaires de demain.”

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dissidência uma fonte legitimadora das decisões internacionais e, em grande escala, da própria Jurisdição Internacional. Vê-la como enfraquecedora de sua autoridade denota, hoje, uma preocupação descabida, já que, em verdade, ela tende a instaurar um debate muito profícuo e positivo à sociedade internacional.

2.3 A NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO NA CONTRAMÃO DO REGULAMENTO DAS CORTES E O EXEMPLO POSITIVO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

Conquanto se tenha tratado muito de como a dissidência é importante à construção de novos pensamentos através do debate, deve-se analisar de que maneira isso se efetiva, ou seja, como podem os juízes realmente pôr em prática a sua divergência e vê-la inserida numa discussão construtiva.

A primeira das formas é, por óbvio, a oral. Na construção da decisão de um caso, os julgadores debatem presencialmente, seguindo os regramentos da Corte da qual fazem parte, mas sem necessidade de tantos formalismos. Todavia, consoante explicam Peter J. Rees e Patrick Rohn (2009, p. 344), é na forma escrita que os argumentos são expostos a contento, com maior aprofundamento e com traços mais persuasivos que, dessarte, levarão à formação do debate mais acirrado e produtivo.

Por consequência, insta confirmar a existência de dois momentos básicos para a dissidência, em ordem crescente de importância: o debate oral e a fase de prolação de votos escritos, sem os quais ela não existiria in concreto.

Nesse ponto, uma outra problemática se desenrola, referente à fundamentação do voto dissidente e à dúvida quanto à sua essencialidade.

Erind Merkuri (2016, p.13), coadunado com a visão de que a atitude da minoria em dissentir se trata de um direito, não de um dever, defende a desnecessidade de apresentação das razões escritas – isto é, dos fundamentos – do voto dissidente. O autor infere, ademais, que se trata de posicionamento já tradicional no respeitante à história da dissidência, considerando-o correto.

Ao tomar como parâmetro a Corte Internacional de Justiça, Robert Kolb (2014, p. 1047) detalha que o dissidente terá a “faculdade discricionária” de redigir uma opinião separada, visto ser esse o tratamento dado pelas Regras da Corte no que tange à matéria:

Artigo 10, 3: Qualquer juiz pode, se assim desejar, anexar sua opinião individual ao parecer consultivo da Corte, quer dissinta da maioria ou não; o

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juiz que desejar registrar sua concordância ou dissidência sem declarar suas razões pode fazê-lo na forma de uma declaração.

Artigo 95, 2: Qualquer juiz pode, se assim desejar, anexar sua opinião individual à decisão, quer dissinta da maioria ou não; o juiz que desejar registrar sua concordância ou dissidência sem declarar suas razões pode fazê-lo na forma de uma declaração. O mesmo se aplica às ordens proferidas pela Corte3. (CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA, 1978) A partir dessa leitura, é necessário atentar para a importância da fundamentação de decisões proferidas por um órgão jurisdicional, a fim de se possibilitar um exame aprofundado da gravidade da questão sobre a discricionariedade do reasoning.

Sobre a fundamentação de decisões in abstrato, Gunnar Bergholtz (1989, p. 46) afirma que as razões de uma decisão são facilitadoras do seu escrutínio e crítica, seja pela mídia ou pelo público. Tanto é assim que a doutrina dos precedentes necessita da existência da fundamentação para se sustentar.

A mesma lógica é aplicável aos votos dissidentes, existindo, ainda, o viés positivo de que a fundamentação da divergência permite à parte sucumbente saber com mais segurança se deve ou não apelar, utilizando-se de argumentos que a minoria julgadora reputou indispensáveis ao caso (BERGHOLTZ, 1989, p. 46).

Às partes interessa saber quais argumentos por elas tecidos pesaram e em que medida, insiste Shabtai Rosenne (1989, p. 348). Outrossim, trata-se de uma questão de desenvolvimento do Direito Internacional de cunho mais generalista, posto ser através do sopesamento da argumentação maioria versus minoria que novos entendimentos poderão ser futuramente adotados.

Insta notar também que, ao redigir declarações de cunho mais generalista, os julgadores dissidentes só aplicam a visão da Corte de maneira diferente (ROSENNE, 1989, p. 349). Para que expressem seu descontentamento de forma efetiva, urge a prolação de um voto no mínimo separado e, no máximo, dissidente, que exigem, ambos, a fundamentação.

Ainda no que concerne à essencialidade da fundamentação, deve-se atentar ao fato de que a fundamentação da decisão que gerará a norma concreta para o

3 Artigo 10 das Regras da Corte Internacional de Justiça “3: Any judge may, if he so desires, attach his individual opinion to the advisory opinion of the Court, whether he dissents from the majority or not; a judge who wishes to record his concurrence or dissent without stating his reasons may do so in the form of a declaration.”

Artigo 95 das Regras da Corte Internacional de Justiça: “2: Any judge may, if he so desires, attach his individual opinion to the judgment, whether he dissents from the majority or not; a judge who wishes to record his concurrence or dissent without stating his reasons may do so in the form of a declaration. The same shall also apply to orders made by the Court.”

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caso e, dessarte, a ratio decidendi, conforme explica Thomas da Rosa Bustamante (2012, p. 271). A ratio, elemento essencial à formação de precedentes aplicáveis a casos futuros, não pode ser, pois, olvidada.

À vista disso – e considerando o tratamento um tanto quanto desatualizado da Corte Internacional de Justiça para com a necessidade de fundamentação do voto dissidente –, impende examinar se os demais Tribunais Internacionais possibilitam e incentivam a evolução do Direito Internacional mediante a fundamentação de votos dissidentes.

Nessa toada, cite-se que: as Regras da Corte Africana de Direitos do Homem e dos Povos (2010)4, o Protocolo da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos relativo à criação da Corte supramencionada (1998)5, o Regulamento do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (2019)6 e o Regulamento do Tribunal Internacional do Direito do Mar (1997)7 tratam, todos, da fundamentação da dissidência como discricionariedade do julgador, que poderá fazer uma mera declaração de dissenso.

4 “Regra 60 das Regras da Corte Africana de Direito do Homem e dos Povos: “Deliberations […] 5. Any Member of the Court who heard the case may deliver a separate or dissenting opinion.” Regra 73 das Regras da Corte Africana de Direito do Homem e dos Povos: “Advisory Opinions – Pursuant to article 4(2) of the Protocol, the Court’s advisory opinion shall be accompanied by reasons, and any Judge who has participated in the hearing of an advisory request shall be entitled to deliver a separate or dissenting opinion.”

5 Artigo 4 do Protocolo da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos relativo à criação da Corte Africana de Direitos do Homem e dos Povos “Advisory Opinions […] 2. The Court shall give reasons for its advisory opinions provided that every judge shall be entitled to deliver a separate or dissenting decision.

Artigo 28 Protocolo da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos relativo à criação da Corte Africana de Direitos do Homem e dos Povos: “Judgment […] 7. If the judgment of the Court does not represent, in whole or in part, the unanimous decision of the judges, any judge shall be entitled to deliver a separate or dissenting opinion.”

6 Artigo 74 do Regulamento do Tribunal Europeu de Direitos Humanos: “Contenu de l’arrêt […] 2. Tout juge qui a pris part à l’examen de l’affaire par une chambre ou par la Grande Chambre a le droit de joindre à l’arrêt soit l’exposé de son opinion séparée, concordante ou dissidente, soit une simple déclaration de dissentiment.”

Artigo 88 do Regulamento do Tribunal Europeu de Direitos Humanos: “[…] 2. Tout juge peut, s’il le désire, joindre à la décision motivée ou à l’avis consultatif de la Cour soit l’exposé de son opinion séparée, concordante ou dissidente, soit une simple déclaration de dissentiment.”

Artigo 94 do Regulamento do Tribunal Europeu de Direitos Humanos: “Procédure consécutive à l’acceptation par le collège d’une demande d’avis consultatif […] 8. Tout juge peut, s’il le désire, joindre à l’avis consultatif de la Cour soit l’exposé de son opinion séparée, concordante ou dissidente, soit une simple déclaration de dissentiment.”

7Artigo 125 do Regulamento do Tribunal Internacional do Direito do Mar: “[…] 2. Tout juge peut joindre à l’arrêt l'exposé de son opinion individuelle ou dissidente; un juge peut faire constater son accord ou son dissentiment sans en donner les motifs sous la forme d'unedéclaration. La même règle s'applique aux ordonnances.”

Artigo 135 do Regulamento do Tribunal Internacional do Direito do Mar: “3. Tout juge peut joindre à l'avis consultatif de la Chambre l'exposé de son opinion individuelle ou dissidente; un juge peut faire constater son accord ou son dissentiment sans en donner les motifs sous la forme d'une déclaration.”

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No respeitante ao Regulamento de Arbitragem da Corte Permanente de Arbitragem (2012), não há qualquer menção à fundamentação das ditas “sentenças separadas”8. Em quadro ainda pior se encontra o Regulamento do Tribunal Penal Internacional (2004), cuja ausência de alusão à dissidência é preocupante.

O contrário ocorre com a Corte Interamericana de Direitos Humanos que, em seu Regulamento (2009) determina:

Artigo 65. Conteúdo das sentenças [...]

2. Todo Juiz que houver participado no exame de um caso tem direito a acrescer à sentença seu voto concordante ou dissidente, que deverá ser

fundamentado. Esses votos deverão ser apresentados dentro do prazo

fixado pela Presidência, para que possam ser conhecidos pelos Juízes antes da notificação da sentença. Os mencionados votos só poderão referir-se à matéria tratada nas referir-sentenças.

Artigo 67. Pronunciamento e comunicação da sentença [...]

4. Os votos concordantes ou dissidentes serão assinados pelos Juízes que

os sustentem e pelo Secretário.

Artigo 75. Emissão e conteúdo dos pareceres consultivos

1. A emissão dos pareceres consultivos será regida pelo disposto no artigo 67 deste Regulamento.

[...]

3. Todo Juiz que houver participado da emissão de um parecer consultivo tem direito a acrescer-lhe seu voto concordante ou dissidente, o qual deverá

ser fundamentado. Esses votos deverão ser apresentados no prazo fixado

pela Presidência para que possam ser conhecidos pelos Juízes antes da comunicação do parecer consultivo. Para efeito de sua publicação, aplicar-se-á o disposto no artigo 32.1.a deste Regulamento.

Fica cristalino, pois, o caráter pioneiro da Corte ao tornar obrigatória a fundamentação de qualquer voto dissidente, além dos ditos “concordantes”. Frise-se, ademais, que qualquer defesa de anonimato da autoria desses pronunciamentos judiciais ímpares também cai por terra, graças à existência do artigo 67, aplicável não só a julgamentos, como também a pareceres consultivos, tal qual informa o artigo 75.

O Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos traduz, dessarte, o apelo pela transparência, democracia e justiça na Jurisdição Internacional. Esse Tribunal preza, portanto, pela legitimidade de decisões que têm em seu seio divergência de entendimentos, visto que apenas por meio da obrigatoriedade da fundamentação da dissidência que se poderá, efetivamente, evoluir o pensamento jurisprudencial dominante e, em uma face mais generalista, o Direito Internacional como um todo.

8 Artigo 34 do Regulamento de Arbitragem da Corte Permanente de Arbitragem: “1. Le tribunal arbitral peut rendre dês sentences séparées sur différentes questions à des moments différents.”

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2.4 A ESSENCIALIDADE DO DEBATE POSTERIOR PARA A CONSOLIDAÇÃO DA DISSIDÊNCIA

Até este ponto, quedou claro que a dissidência é fator de grande importância à evolução do Direito Internacional. O seu caráter democrático, ao instigar o debate e contraposição de ideais, terá como resultado uma decisão mais madura e pronta para uma mudança jurisprudencial futura, levando-a ao patamar de essencialidade.

Em consequência disso, qualquer apelo restritivo, seja à sua existência, seja à sua extensão ou fundamentação, deve ser rechaçado da prática dos tribunais. Contudo, no respeitante a esse último quesito, notável é a prática errônea das Cortes Internacionais – à exceção da Corte Interamericana de Direitos Humanos –, que não impõem a fundamentação da dissidência ou, em casos mais graves, nem a mencionam.

De toda sorte, os dois requisitos básicos à existência de uma dissidência legítima e profícua são os debates orais e, posteriormente, a redação fundamentada dos votos em meio escrito, como já se detalhou nos tópicos precedentes.

Entretanto, tendo como claro o fato de que a intenção última do julgador dissidente é a de realmente dissuadir a maioria a alterar sua prévia compreensão do caso e do resultado a ser tecido, urge a existência de um terceiro momento, de relevância eminente por se tratar de uma mescla dos dois anteriores, qual seja, o debate posterior à leitura de todos os votos.

Ora, todo este trabalho se pauta no viés democrático que funda a divergência judicial internacional. Não haveria, pois, qualquer lógica em adstringir o debate apenas à fase prévia da decisão final. Se o propósito de abrir espaço a possíveis viradas jurisprudenciais é que verdadeiramente se almeja, deve-se convencionar a insuficiência de apenas um debate oral, especialmente quando se considera a prolação de votos bem fundamentados que lhe segue.

Dessa feita, aos julgadores de um colegiado internacional deve ser dada a oportunidade de um novo debate que ponha todos os argumentos dos votos em mesa, o que permitirá aos juízes da minoria expor seu pensamento na integralidade e, outrossim, aos juízes da maioria explicar, se for o caso, por que não foram convencidos.

É nesse momento que a funcionalidade da dissidência alcançará seu ponto ápice, sem o qual toda e qualquer discussão que a aborde será insuficiente, ineficaz e improfícua.

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Resuma-se, pois, os passos exigidos à existência de uma dissidência pura e democrática: o debate prévio do caso pelos julgadores, no bojo do qual se formarão as divergências de entendimento de maneira mais primitiva e sem refinamentos; a prolação de votos fundamentados na forma escrita, nos quais a argumentação se aprofundará e lapidará; e, por derradeiro, o debate posterior, em que se decidirá o caso, seja à unanimidade, seja mediante a formação dos quadros majoritário e minoritário.

Para a concretização do terceiro momento, porém, não há que se olvidar de uma exigência básica e lógica, isto é, a necessidade de previsão, no regulamento das Cortes, da circulação dos votos previamente à redação da decisão final.

Nesse sentido, posicionam-se Peter J. Rees e Patrick Rohn (2009, p. 343-344), instando que a ausência de atendimento a esse requisito importará em uma decisão de fundamentação insatisfatória e possivelmente sem consideração de todos os argumentos.

Ainda na linha defensiva da circulação prévia dos votos, Jacques Werner (1992, p. 29) afirma que a maioria deveria ter acesso prévio ao voto dissidente, a fim de que possa responder aos argumentos nela escritos.

O grande problema dessa linha de raciocínio diz respeito ao objetivo final da circulação prévia, qual seja, a paramentação da maioria para rebater os argumentos da minoria. Na realidade, o escopo de acesso aos votos não deveria ser o de incentivar uma rixa de maioria versus minoria, levando a uma busca incessante de falhas de argumentação que derrubem um ou outro lado. O intuito real tem em seu cerne a busca de uma decisão bem fundamentada e fruto de um debate saudável e justo, com acesso de ambos os lados argumentativos a uma ampla gama de pontos de vista fáticos e jurídicos.

Por tal razão é que, apesar de concordarmos com o posicionamento de Werner sobre a necessidade de circulação prévia dos votos, o propósito apresentado pelo presente trabalho é muito mais democrático e prospectivo do que rivalístico.

Ainda quanto ao acesso anterior dos argumentos pelos juízes, Simon Junod (2017, p. 21), em visão não oposta, contudo diversa, expressa a necessidade de uma previsão legal que determine o momento em que podem ser proferidas opiniões ditas “separadas”, a fim de evitar qualquer traço negativo de surpresa aos demais membros da Corte.

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Esse enfoque é interessante por dois aspectos básicos. Primeiramente, porque condiz com o raciocínio desenrolado neste tópico referente à essencialidade de acesso, pelos julgadores, às opiniões dos demais – o que evitaria a surpresa. Por outro lado, há de se notar certo inconveniente do pensamento de Junod, vez que incita uma restrição à possibilidade de dissidência, quadro cuja possibilidade foi diversas vezes negada neste trabalho.

Repise-se que, embora o mais comum seja a contraposição de ideias logo no momento inicial de debate, com formação de dois blocos argumentativos diversos (de posições normalmente opostas), é perfeitamente possível que esta “regra” comporte exceções.

Ora, ao defender-se a existência de um debate prévio, a prolação de votos dissidentes e, ainda, um novo debate com fins de consolidação de ideias e da conclusão a ser adotada na decisão, é perfeitamente possível que, mesmo nesse último momento, um juiz antes pertencente à maioria se convença do argumento minoritário e, acrescendo seus conhecimentos individuais ainda não tratados pelos seus colegas da minoria, deseje proferir um novo voto dissidente.

É possível, ainda, que um juiz antes pertencente a qualquer dos grupos formados no primeiro debate note, no segundo, que ambas as posições são eivadas de falhas irremediáveis e, logo, precise do espaço aberto de um voto para expressar seu ponto de vista – que poderá, ao fim, convencer a todos.

São inúmeras as possibilidades que surgem ao tratar-se do debate, justamente por ser essa entidade dotada de tamanha pluralidade. A individualidade de cada um dos juízes, suas experiências fáticas e jurídicas, seus estudos pessoais e, também, colegiados aportam uma infinidade de perspectivas que são indispensáveis aos demais. A decisão colegiada é tomada de um colorido muito peculiar justamente por abarcar tantos prismas jurídicos e fáticos, dessarte.

Por todo o exposto, pode-se dizer que a perspectiva de Junod é importante ao atrelar valor ao argumento de necessidade de circulação prévia dos votos. No entanto, seu viés restritivo da liberdade do julgador em dissidir em momentos posteriores a essa leitura é perigoso e, à vista disso, deve ser afastado.

Em retrospectiva, conquanto os quatro autores citados não tenham versado sobre a necessidade de um debate posterior, vê-se que sua argumentação claramente se encaixa na linha argumentativa traçada neste trabalho, de cunho

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democrático e prospectivo. Assim, a leitura prévia de todos os votos pelos julgadores é, sim, essencial, mas não suficiente.

Ressalte-se, por oportuno, que o procedimento sugerido não necessariamente deve ser repetido nas jurisdições internas, haja vista o foco, neste trabalho, na Jurisdição Internacional. Assim, levando em conta as vicissitudes de cada ordenamento jurídico, não há que se concluir necessariamente pela aplicabilidade das fases propostas em Tribunais nacionais, devido a suas particularidades que exigiriam exame específico.

Em conclusão a este tópico, diga-se que, além das fases de debates prévios e de prolação de votos de divergência necessariamente fundamentados, estes devem ser disponibilizados a todos os julgadores para sua leitura detida e propícia à derradeira fase, qual seja, a de debates finais.

Não há, por fim, qualquer limitação à quantidade de debates e votos necessários ao caso. Embora se exija comedimento dos julgadores no que tange à repetição de argumentos, extensão de seus documentos e consciência da necessidade ou não de recurso à escrita para exposição de sua opinião – para que se evite o comprometimento do funcionamento da Corte como um todo –, exigir que o regulamento dos Tribunais contenha qualquer restrição desse gênero importará em prejuízo inestimável à legitimidade das decisões.

A liberdade da dissidência é, nessa toada, essencial e irretratável, potencializando exponencialmente a evolução do Direito Internacional.

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3 A RATIO DECIDENDI COMO ELEMENTO ESSENCIAL À FORMAÇÃO DE

PRECEDENTES INTERNACIONAIS E SUA INTERAÇÃO COM A

DISSIDÊNCIA

No tópico anterior, viu-se a importância da dissidência à evolução do Direito Internacional e como potencializar essa grande influência positiva da oposição de ideias mediante a construção de repetidos debates prévios à formação de uma decisão internacional.

Neste momento, proceder-se-á a um recorte peculiar da divergência, qual seja, o de possível formadora de uma – ou mais – rationes decidendi internacionais, devido a seu caráter instrumental e plural. Frise-se a importância desta análise em face da necessidade de previsibilidade e segurança jurídica não apenas no ordenamento jurídico interno, como também no internacional, situação que remete, por consequência, à teoria do precedente judicial.

3.1 CONCEITO DE RATIO DECIDENDI E NECESSIDADE DE RESSIGNIFICAÇÃO

Considerando, dessarte, que o tema abordado neste tópico é a ratio decidendi, impende que, de início, seja ela conceituada. Trata-se do conjunto das razões da decisão, isto é, a partir da fundamentação de uma decisão de Tribunais (colegiada, portanto), extrai-se a ratio decidendi (MARQUES, 2014, p. 56).

O produto da união dos votos – prolatados com o fim de justificar o resultado final da decisão – será, portanto, o que gerará o precedente, segundo MacCormick (2005, p. 144). Resta necessário, portanto, que se extraia a fundamentação daquela decisão para que se afira se gerará um precedente ou não.

Essa dicotomia entre decisões que geram ou não precedentes se deve à colegialidade e à possibilidade de existência de diversos fundamentos jurídicos a uma mesma conclusão de mérito. Dessarte, nem sempre é suficiente que seja fundamentação para que seja considerada uma razão de decidir.

A doutrina atual informa que, para ser possível extrair uma ratio decidendi no caso em que o julgador final é uma Corte colegiada, é necessário que a maioria dos juízes que a compõem tenha acordado quanto à fundamentação, o que é aferido de forma matemática, pela maioria simples (MONTROSE, p. 130).

Caso contrário, ver-se-á uma decisão com a autoridade que lhe é própria e que, consoante Cruz e Tucci (2004, p. 178), embora tenha convergência dos juízes

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quanto ao dispositivo – isto é, a norma concreta aplicável ao caso –, será despida do elemento prospectivo da vinculação a casos futuros, isto é, não gerará um precedente.

Dessa feita, não é incomum que se chegue a uma decisão final colegiada sem a existência de uma ratio decidendi, posto que os juízes, conquanto tenham concluído pela mesma norma aplicável ao caso, nela chegaram por caminhos – fundamentos – diferentes e não obtiveram a maioria necessária.

Há que se frisar, outrossim, que na prolação de decisões, sejam colegiadas ou autônomas, nem tudo aquilo citado como fundamentação será considerado vinculante, ou seja, nem tudo terá o status de ratio decidendi. Conforme explicita Bustamante (2012, p. 252-253), aquilo que não apresentar forte nexo de causalidade entre a decisão e o fato será chamado de obter dictum, a exemplo de observações e advertências. São discursos sem autoridade e, pois, não vinculantes, embora façam parte da decisão final (BUSTAMANTE, p. 252).

Nos subtópicos em sequência, quedará explicado como o critério adotado atualmente pode ser prejudicial à evolução do direito, bem como de que forma a dissidência importa à ratio decidendi, tão atrelada à convergência e concordância de opiniões.

3.1.1 NECESSIDADE DE ANÁLISE QUANTO À SUA EXISTÊNCIA IN CASU PARA A DECISÃO – O CASO DA MAIORIA QUANTITATIVA VERSUS MAIORIA QUALITATIVA

Conforme visto anteriormente, a questão da formação de precedentes é ligada à constatação de existência, in concreto, de uma ratio decidendi, ou seja, que uma maioria de juízes da Corte opinou pelos mesmos fundamentos jurídicos a formar a norma jurídica aplicável ao caso.

Percebe-se, nessa toada, que a doutrina opta pelo recurso ao raciocínio matemático, extremamente simples e lógico. Assim, basta ler a decisão colegiada – nos tribunais brasileiros chamada de “acórdão” – e ler os votos que a embasaram para, num processo de contagem, analisar se a maioria dos juízes optou pela mesma fundamentação.

Em caso positivo, estaria formada a ratio decidendi e aquele caso se tornaria precedente aos posteriores de mesma linha fática. A união de vários precedentes no mesmo sentido é o que se chama de jurisprudência, corolário da segurança jurídica

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no direito interno e que demanda esforço para ser derrubada no quesito teórico, no que se convencionou chamar de overruling.

Conquanto essa seja, hoje, a lógica adotada – pouquíssimo questionada, ressalte-se, mas apenas reproduzida de manual a manual de cunho processualístico –, insta que se verifique a possibilidade de ser ela, muitas vezes, falha, especialmente no que atine aos casos de instauração de dissidências, objeto do presente trabalho.

Inicie-se esta crítica nominando o raciocínio jurídico atual de contagem para aferição da existência de uma ratio decidendi como o caso da maioria quantitativa. Conseguintemente, se num Tribunal de 11 magistrados 6 concordarem com um fundamento e 5 discordarem, formou-se a ratio decidendi, apesar da existência de uma retumbante minoria.

Todavia, caso o hipotético grupo de 6 se dividisse em dois grupos de 3, cada qual com fundamentos diversos, a ratio decidendi não teria se concretizado, haja vista a existência de 3 blocos de magistrados e 3 fundamentações diferentes, não tendo nenhum dos grupos atingido a maioria simples de 6 juízes necessárias à razão de decidir vinculante.

Para o primeiro dos dois casos acima ilustrados, não se vê grande problemática na adoção da maioria quantitativa como critério, posto que não ela não impõe atribulações teóricas de maior relevância. Todavia, acabou se convencionando que esse tipo de contagem seria aplicável a todos os casos, não só àqueles que não apresentam maiores dificuldades ou debates entre juízes de um colegiado, situação complexa e prejudicial, como será explicado à frente.

Frise-se, por importante, que há situações em que a maioria quantitativa se demonstra insuficiente à solução da controvérsia – especialmente em casos de maior dificuldade e controvérsia –, motivo pelo qual sua utilização deveria ser substituída por um novo método, o da maioria qualitativa.

Esse novo critério é mais facilmente explicado no seguinte caso: num colegiado de 11 magistrados, 6 deles optam pela norma concreta a e 5 pela norma concreta b. A reação normal de quem observa a prolação dos votos é de que o acórdão será redigido pela maioria de 6, restando apenas saber se haverá ratio decidendi a partir da fundamentação utilizada.

Assim, observa-se que o grupo de 6 magistrados, no que tange à fundamentação, dividiu-se em 3 outros grupos, cada qual de 2; já o agrupamento de

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