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Novas tecnologias e formação humana : de uma sociedade unidimensional a experiências em redes escolares

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Academic year: 2021

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - MESTRADO

NOVAS TECNOLOGIAS E FORMAÇÃO HUMANA: DE UMA SOCIEDADE UNIDIMENSIONAL A EXPERIÊNCIAS EM REDES ESCOLARES

Vitória – ES 2014

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REJANE GANDINE FIALHO

NOVAS TECNOLOGIAS E FORMAÇÃO HUMANA: DE UMA SOCIEDADE UNIDIMENSIONAL A EXPERIÊNCIAS EM REDES ESCOLARES

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientador: Professor Doutor Hiran Pinel

Vitória – ES 2014

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REJANE GANDINE FIALHO

NOVAS TECNOLOGIAS E FORMAÇÃO HUMANA: DE UMA SOCIEDADE UNIDIMENSIONAL A EXPERIÊNCIAS EM REDES ESCOLARES

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação.

Defesa em 22 de setembro de 2014.

COMISSÃO EXAMINADORA:

______________________________ Profº. Drº. Hiran Pinel

Universidade Federal do Espírito Santo Presidente / Orientador

_______________________________ Profª. Drª. Janete Magalhães Carvalho Universidade Federal do Espírito Santo Membro

_______________________________ Profº. Drº. Carlos Eduardo Ferraço Universidade Federal do Espírito Santo Membro

_______________________________ Profº. Drº. César Pereira Cola

Universidade Federal do Espírito Santo Membro

_______________________________ Profº. Drº. João Barreto

Universidade Federal de Juiz de Fora / MG Membro Externo

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No descomeço era o verbo. Só depois é que veio o delírio do verbo. O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos. A criança não sabe que o verbo escutar não funciona para cor, mas para som. Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira. E pois. Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer nascimentos — O verbo tem que pegar delírio.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO

1.1 Apresentando a pesquisa ... 01 1.2 Um olhar sobre a forma... 05

2. REVISÃO DE LITERATURA OU AINDA MAIS ALGUNS OLHARES PARA A TECNOLOGIA ... 11

3. HERBERT MARCUSE E O HOMEM UNIDIMENSIONAL... 36

4. FORMAÇÃO HUMANA E TECNOLOGIAS: UM SER-NO-MUNDO MEDIADO PELA RELAÇÃO COM O OUTRO ... 44

5. UM HOMEM UNIDIMENSIONAL QUE SE AFETA: PELO MAR, PELO PEIXE, PELAS ONDAS, PELAS CALMARIAS, PELAS ÁGUAS E ALGAS... PELAS REDES ... 48

6. CONCLUINDO COM UM OUTRO OLHAR PARA AFORISMOS EM MINIMA

MORALIA... 55

7. REFERÊNCIAS

8. ANEXOS

8.1 - Anexo 1 – Entrevista com professores por meio digital... 61 8.2 - Anexo 2 - Gráficos ... 62

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INTRODUÇÃO

1.1 – Apresentando a pesquisa

A relação do homem com as tecnologias1 tem permitido o desenvolvimento de diferentes linguagens que acabaram por alterar as formas de interagir com a informação pelos sujeitos da contemporaneidade, bem como tem também modificado a forma de interação entre os homens. Analisando as transformações no processo de formação humana, esta pesquisa teve como objetivo investigar possíveis tecituras nos processos que têm as redes sociais como mediadoras e suas relações com a formação do que há de humano nesses modos de comunicação caracterizados pela imediaticidade em suas marcas de espaçostempos diversos. Nosso olhar se fez a partir das relações de aforismos expostos em Minima Moralia apresentados por Adorno (1951), do Homem Unidimensional de Marcuse (1969) e dos espaçostempos e temporalidades que se fazem presentes no cotidiano de professoresleitoresnavegadoresalunos, conforme percebido na análise dos dados.

Para abordagem em relação aos processos de formação humana optamos pela sensibilização de cunho existencialista2, não tomando valores a priori, mas vendo o homem por meio de uma subjetividade que se faz na interação com a percepção do outro e de si mesmo, conforme nos explica Sartre em “O Existencialismo é um Humanismo” (1970) e tão bem nos coloca o confronto a partir das novas tecnologias. Sob esse aspecto, envolvendo-se existencialmente com o fenômeno, optamos por uma atitude fenomenológica que toma como indissociáveis os movimentos de objetividade e de subjetividade, trazendo a vivência com o texto de Minima Moralia como potencializador de um movimento que pretende romper com o determinismo, questionando, por um lado, Adorno e sua proposta de um método linear e, por outro lado, buscando compreender o que é ser um homem unidimensional, bem como dialogar sobre quais sentidos são produzidos nesse escapar proporcionado pelas tecnologias.

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Para realização deste estudo integramos os conceitos de tecnologia apresentados por Albert Borgmann em “Technology as a cultural force” (2006) e Herbert Marcuse em “A ideologia da sociedade industrial” (1982), ficando assim estabelecido para este estudo tecnologia como sendo atividade que forma ou modifica a cultura, envolvendo conhecimento técnico e científico, além das ferramentas, processos e materiais criados e/ou utilizados a partir de tal conhecimento. Quando tratamos neste trabalho de novas tecnologias nos referimos a usos de redes sociais, especialmente Facebook.

2 Para Sartre, em “O existencialismo é humanista” (1970), o existencialismo é concebido como uma doutrina que

torna a vida humana possível e que, por outro lado, declara que toda verdade e toda ação implicam um meio e uma subjetividade humana. Assim, faz-se relevante essa abordagem em nosso trabalho uma vez que a investigação aponta para essa subjetividade a partir das interações proporcionadas por meio das novas tecnologias.

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Sobre essa relação entre subjetividade e objetividade, Paulo Freire (2003) explica que não há objetividade sem subjetividade, admitindo uma relação dialética entre elas e denominando de objetivismo a negação da subjetividade no processo de análise da realidade ou na ação transformadora sobre essa realidade. Já a negação da objetividade no processo de análise da realidade ou na ação executada pelo homem, o autor conceitua como subjetivismo. Assim, conclui que o subjetivismo nega a própria ação ao negar a realidade objetiva e segue afirmando que admitir o subjetivismo é admitir a existência dos homens sem o mundo, sendo também verdadeira a recíproca de que admitir o objetivismo significa considerar possível a existência do mundo sem os homens: “O homem é um ser no mundo e com o mundo (...) um não existe sem o outro”. É nesta relação que o avanço das tecnologias vem se posicionar e instigar a escola no que diz respeito à relação com o que temos de humano a ser ponderado nesta interação que tem no mundo a tecnologia e no homem a liberdade possibilitada também por esse aparato tecnológico.

Desde a década de 1970 os escritos de Marcuse apontavam que a tecnologia implica um processo social que marca uma lógica da dominação. A partir dessa visão nos perguntamos como tem se redesenhado essa dominação (e tantos outros processos que se fazem naturais) nas sociedades tão fortemente marcadas pela tecnologia. Para trilharmos esse caminho faremos uma revisão das características que compõem a sociedade unidimensional proposta por Marcuse confrontando-as com a sociedade atual, marcando as proposições para a formação humana, bem como as formas de ruptura e controle que hoje ressignificam os conceitos de interação, currículo e aprendizagem. A escolha por esta pesquisa reflete uma inquietude que se mantém de forma cada vez mais acelerada, mas que já enxerga nas proposições de rede uma alternativa para a escola relacionar-se com esse homem (i)mediatizado pela comunicação.

Theodor Adorno, em Minima Moralia, afirma que a perda da subjetividade3 pelo indivíduo se dá segundo as exigências tecnológicas do processo de produção, afetando suas necessidades mais naturais; desejos afetos e pensamentos, interferindo na forma como ele vê e interpreta o mundo. De acordo com o autor, as relações humanas sofreram alterações e forçosamente tiveram que se adequar a novos conceitos de valores. Escolhemos alguns desses aforismos apresentados na referida obra para dialogar neste estudo a fim de que pudéssemos experimentar essa “vida imediata” a que nos convida Adorno logo na dedicatória do livro. Nesta perspectiva,

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Adorno e Horkheimer consideram em Dialética do Esclarecimento (1982) a subjetividade a partir da relação entre mito e racionalidade, que envolve a vinculação entre saber, dominação, poder, hierarquia, exclusão, indivíduo e coletividade.

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o questionário apresentado aos professores trata de questões abordadas por Adorno em Minima Moralia o que nos leva a tomar também este instrumento de pesquisa como uma forma rica e potente de diálogo com o pensamento dos professores, passando o acesso ao conhecimento de um movimento físico ao tátil.

Escolhidos alguns aforismos, passamos ao diálogo com os professores por meio de um questionário disponibilizado em meio digital abarcando questões sobre os valores ali colocados, bem como sobre as relações e atravessamentos com a sala de aula.

Com o decorrer das modificações nas tecnologias, cada nova geração de meios de comunicação trouxe consigo sua carga de utopias de criação de espaços públicos e de novas formas de administrar uma série de saberes que encontram-se tanto dentro quanto fora da escola, de interação participativa entre os cidadãos, de valores para a formação humana, de constituição das experiências e de suas relações sociais. Assim, torna-se imprescindível pensar a aceleração do tempo em diálogo com a possibilidade de superposição de temporalidades uma vez que as novas tecnologias proporcionam uma intersecção de espaços sociais no qual coexistem diversas formas de abordagens rumo à aprendizagem – nosso foco nesse estudo.

Conforme nos indica Hugo Assmann (1998), “a espécie humana alcançou hoje uma fase evolutiva inédita na qual os aspectos cognitivo e relacional da convivialidade humana se metamorfoseiam com rapidez nunca antes experimentada. Isso se deve em parte à função mediadora, quase onipresente, dessas novas tecnologias. Junto às oportunidades enormes de incremento da sociabilidade humana, surgem também novos riscos de discriminação e desumanização”. Nosso trabalho apresenta-se, então, como uma inquietação na busca por possibilidades de humanidade dessa desumanização preconizada por Assmann e vivenciada no fazer do espaço esolar. A escola, como rico espaço de interculturalidade crítica e criativa – conforme afirma Regina Leite Garcia (2006), tem interagido com as exigências de um espaço social que reduz/distorce o conceito de comunicação ao mesmo tempo em que proporciona a subversão desse conceito contribuindo para que a comunidade escolar reaproprie-se de sua própria alienação sem, contudo, que isso necessariamente represente um avanço rumo à autonomia proposta na comunicação dialógica de Paulo Freire (1977).

Uma análise da situação conjuntural dos meios de comunicação mais presentes no cotidiano ilustra os desafios que situam o papel dos meios de comunicação em uma sociedade de

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saberes compartilhados: um tempo que se esgota e refaz concomitantemente, imagens que se metamorfoseiam incessantemente, empoderamento de “anônimos”, fluidez das relações. O desenvolvimento das cadeias mundiais de informação contínua revelam a capacidade de adaptação dos meios tradicionais às novas tecnologias e sua persistência como veículos de produção de consensos sociais e políticos em massa marcando, mais uma vez, a necessidade de uma ressignificação da sociedade a partir da retomada de valores para a formação humana, bem como de busca por formas diversas de burlar a estrutura organizada como se agíssemos ainda amarrados, longe dos big bangs diários que marcam a aprendizagem tanto na sala de aula como fora desse espaço físico.

O estudo dessa relação propõe um desafio aparentemente paradoxal. Se, por um lado, os meios de comunicação vivem um processo de concentração da propriedade, por outro lado, a internet e o suporte digital em geral individualizam e democratizam o acesso à comunicação e à interação, permitindo o desenvolvimento de novos meios alternativos ou cooperativos que, ao mesmo tempo, afetam os meios de comunicação tradicionais e a sociedade como um todo em seu modo de conceber conceitos e valores. A partir do conceito de ideografia dinâmica, de Pierre Levy, podemos questionar: como é aprender hoje?

A relação entre as novas tecnologias e a formação humana há que considerar o contexto no qual se envolvem os participantes da sociedade da informação e os desafios propostos pelos avanços tecnológicos passando por autores que investigaram este processo desde suas primeiras manifestações, conforme nos diz Benveniste (1989) e Jakobson (1970) que inseriram as coordenadas espaço-temporais nos estudos de linguagem e propuseram a quebra da homogeneidade interna do sistema linguístico. Quebrar essa homogeneidade representa assumir possibilidades indescritíveis nas formas de comunicação e ainda nos coloca frente a frente com possibilidades fora do percurso traçado pelo projeto de uma comunicação em vias limitadas, com todo o seu ir e vir determinado ora pelo tempo, ora pelo espaço - e ainda pela imagem que se tem do interlocutor nas diversas experiências de comunicação. As tecnologias vieram para nos dizer que há outros espaços, em tempos diversos, em situações de comunicação diferenciadas e que, ainda assim, concorrem para a potencialização do ensinaraprenderensinar.

A pós-modernidade rompe com o sonho da universalidade trazido pela ciência moderna no qual toda a humanidade poderá participar do intercâmbio de ideias. Temos sido assolados por uma tensão que, como afirma Roger Chartier (2009), atravessa o mundo contemporâneo,

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dilacerado entre a afirmação das particularidades e o desejo do universal. Deste ponto constitui-se a importância desconstitui-se trabalho que pode apreconstitui-sentar mais um caminho possível para a escola a partir da compreensão dessas atuais formas de comunicar-se.

1.2 – Um olhar sobre a forma

Nosso objeto de estudo exigiu uma abordagem integrada para trabalhar as possibilidades de relacionar novas tecnologias aos processos de formação humana a partir de um olhar atravessado pelas novas tecnologias e mediado por redes de aprendizagens. A partir das reflexões dos autores indicados para a pesquisa bibliográfica, compusemos um grupo de métodos e procedimentos que vão nos ajudar a investigar sobre esse locus de comunicação redesenhado a partir desse homemprofessor. Essa relação em rede, costurada também pela existência de temposespaços diversos rumo à “cotidianidade” da educação é o objeto primeiro de nossa pesquisa que teve como problema a ser investigado a seguinte questão: Como as novas tecnologias têm participado nos processos de ramificação de redes de aprendizagem a partir de novos espaços de comunicação que constituem diversas possibilidades de saberes diversos mediados por valores e experiências?

A especificidade desta pesquisa reside em discutir a relevância da formação humana a partir do que nos trazem as tecnologias e, para tanto, foram definidos objetivos que visam compreender como aforismos apresentados por Adorno em Minima Moralia e as caracterizações do Homem Unidimensional de Marcuse podem integrar nosso entendimento sobre as possibilidades de ensinaraprender uma vez que as tecnologias possibilitaram alterações na forma de interação/mediação/relação social que acabaram por nos colocar em frente a questões que ressaltam ora a primazia da essência, ora da existência, ora de nenhuma delas ou das duas ao mesmo tempo.

Ao observar processos de interação do homem com a tecnologia a pergunta sobre como tem se dado a formação humana a partir dessas diferentes interações trouxe mais do que uma inquietação. Era hora de repensar também o papel e a responsabilidade da sociedade como um todo e da escola e/ou da educação em particular nessa forma de constituição do que nos caracteriza como humanos. A relevância da pesquisa está na apresentação de reflexões acerca da importância de manutenção do potencial humano nas ações de linguagens propostas a partir das tecnologias, ressignificando assim os lugares possíveis para apreender a vida que pulsa quando somos afetados por uma tecnologia que tanto pode contribuir para florescer o que há de

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humanidade em nós quanto pode nos levar a encontros com um outro eu bem distante das potencialidades humanas.

Para esclarecer acerca das concepções metodológicas deste trabalho trazemos o conceito de pesquisa apresentado por Thiollent (2009) que colabora conosco no sentido de nos posicionar frente às possibilidades e limitações de um estudo que se propõe dialético e ao mesmo tempo bibliográfico: “Pesquisa é, pois, um fenômeno de busca de conhecimento constituído de aproximações sucessivas e nunca esgotado; ou seja, não é uma situação definitiva diante da qual já não haveria mais o que descobrir”. Assim, trata-se de um estudo de natureza predominantemente qualitativa com foco na pesquisa bibliográfica, conforme Marconi (2001): “A pesquisa bibliográfica ou de fontes secundárias tem como finalidade colocar o pesquisador em contato direto com o que foi escrito sobre determinado assunto, permitindo ao cientista o reforço paralelo na análise de suas pesquisas ou manipulação de suas informações”.

Os resultados obtidos por meio da pesquisa bibliográfica vão auxiliar no desenvolvimento de todas as demais fases e instâncias da investigação que ora empreendemos uma vez que estão sendo pesquisados livros, artigos de periódicos, trabalhos apresentados em eventos, teses e dissertações, sítios na internet e blogs, entre outros materiais, a partir de uma estratégia de busca para cada fonte selecionada.

O estudo bibliográfico centrou-se nas contribuições teóricas dos autores que realizaram trabalhos sobre Novas Tecnologias e Formação Humana. Conforme Marconi (2001), “trata-se, portanto, de um estudo para conhecer as contribuições científicas sobre o tema, tendo como objetivo recolher, selecionar, analisar e interpretar as contribuições teóricas existentes sobre o fenômeno pesquisado”.

A opção pela pesquisa qualitativa se dá a partir da análise de um estudo exploratório sobre o tema que nos levou a considerar essa natureza mais adequada tanto ao objeto quanto aos objetivos desse trabalho. Conforme Thiollent (2009), “a pesquisa qualitativa considera que há uma relação dinâmica, particular, contextual e temporal entre o investigador e o objeto de estudo. Por isso, carece de uma interpretação dos fenômenos à luz do contexto, do tempo dos fatos’. Essa interpretação se faz pertinente ao trabalho de investigação que ora empreendemos uma vez que nossa proposta é conhecer esses temposespaços que constituem as possibilidades de processos de formação humana a partir da relação com as novas tecnologias. “Esse tipo de

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pesquisa se fundamenta na discussão da ligação e correlação de dados interpessoais, na coparticipação das situações dos informantes, analisados a partir da significação que estes dão aos seus atos. (...) Na pesquisa qualitativa, o pesquisador participa, compreende e interpreta” (Thiollent, 2009).

Quanto aos procedimentos para que possamos atingir os objetivos propostos nesta pesquisa, desenvolvemos questões por meio de questionários que foram respondidos por 48 (quarenta e oito) professores das redes pública e privada do estado do Espírito Santo por meio digital. Apresenta-se como um instrumento pertinente a este tipo de pesquisa uma vez que as questões terão como base alguns aforismos propostos por Theodor Adorno que trazem à tona uma possibilidade de olhar as trajetórias enredadas nas quais cotidianamente nos apresentamos. O questionário constitui-se nesta pesquisa como proposta de investigação dos significados que os entrevistados atribuem ao ambiente que os cerca e tentativa de capturar a perspectiva dos diversos outros. Tem como base para as questões alguns aforismos4 apresentados por Theodor Adorno em Minima Moralia (1951), que foram escolhidos a partir de suas relações com o tema da pesquisa:

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De acordo com Maria da Natividade Pires, em http://br.answers.yahoo.com/question/index, a palavra aforismo aparece, na maioria dos dicionários, com o sentido de sentença concisa que geralmente encerra um preceito moral, ou seja, com uma definição semelhante à de provérbio, dito, ditado, máxima, sentença, apotegma, sendo as fronteiras entre estes termos pouco definidas. Surge como ponto de contato entre o filosófico e o literário. Deve ser analisado segundo o conteúdo semântico e os padrões estruturais. É um estilo de discurso ligado à percepção do mundo e que pode contribuir para a expressividade da mensagem. A análise linguística dos aforismos pode revelar certas estratégias lexicais, sintáticas e semânticas. Assim, para além do conteúdo, deve-se ter em conta a forma de expressão, normalmente curta e concisa. Tem habitualmente sentido figurado e grande expressividade estilística. A sua função pragmática é fundamental. A forma lacônica, de expressão curta, e a natureza de máximo apuramento dos aforismos propicia uma grande condensação de potencialidades significativas, apresentando assim um código de prescrições sociais para a interpretação da realidade. O recurso frequente a palavras polissêmicas, a sinônimos, antônimos, a perguntas retóricas, torna-o um instrumento clássico do poder do discurso. Pode aparecer como afirmação política, filosófica, moral, apresentando um ideal de sabedoria. Pode também ter o significado de um princípio científico comprovado pela experiência. Hipócrates (séc.V a.C.), por exemplo, é autor da obra Aforismos, que reúne 400 máximas de medicina. É um dos modos de expressão frequentes em filosofia. Segundo alguns autores, o aforismo filosófico tem uma pretensão de verdade, enquanto o aforismo puramente literário tem uma potência de expressão inesgotável. É nas literaturas orientais que se encontram os mais antigos documentos de índole aforística. Encontram-se nos escritos de várias civilizações, sendo uma forma de expressão internacional e atemporal, o que não impede que possam ter marcas das ideologias dominantes em cada época. Cerca de 2000 anos a. C. aparecem máximas, sentenças hindus. Na China há também larga documentação aforística. São fórmulas que pertencem à literatura sacra e o seu caráter esotérico continuará no budismo. Vários autores reuniram aforismos ou compuseram livros de caráter aforístico também na Europa. A Enciclopédia Luso Brasileira de Cultura dá exemplos como João de Meditauro (séc. XI), La Rochefoucauld (Maximes, 1664), Pascal (Pensées, 1670), Schlegel, Novalis, Nietzsche, Chesterton, Ebner-Eschenbach, entre outros. Como forma literária independente e culta o aforismo caracteriza o classicismo. A relação entre a confissão e os enunciados sentenciosos é conservada, sobretudo, nos diários, nas memórias (como por exemplo em Kafka ou Camus).

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Sobre a dialética do tato – página 30: “O humano consistia, para ele, numa autolimitação que, conjurando-a, convertia em coisa sua o inevitável curso da história – a inumanidade do progresso, a atrofia do sujeito. (...) Aspirava à conciliação, em si impossível, entre a pretensão não ratificada da convenção e a pretensão rebelde do indivíduo”.

Não se permitem trocas – página 37: Os homens estão a esquecer o presentear. A vulneração do princípio de troca tem algo de contra-senso e de incredibilidade; aqui e além até as crianças olham com desconfiança aquele que dá algo como se o presente fosse um truque para lhes vender escovas ou sabão. (...) no seu funcionamento organizado já não há lugar para a emoção humana (...)”.

Deitar fora a criança com a água – página 39: “ (...) a cultura cria a ficção de uma sociedade humanamente digna que não existe; que oculta as condições materiais sobre as quais se erige todo o humano”

Tough baby – página 41 – “(...) O ideal das relações humanas reside, para ele, no clube, nos lugares onde o respeito se funda numa atenta desatenção”.

Nada de pensar neles – página 43 – “O que não está coisificado, o que não se deixa numerar nem medir, não conta. E como se não fosse suficiente, a própria coisificação estende-se ao seu oposto, a vida que não pode atualizar de forma imediata; o que sempre pervive como ideia ou como recordação. (...) e nem o próprio passado está já seguro diante do presente que, ao recordá-lo, o vota mais uma vez ao esquecimento”.

Hans-Guck-in-die-Luft (João-olha-para-o-ar => expressão coloquial para indicar uma pessoa muito distraída, uma “cabeça de ar e vento”) – página 53 – “Entre o conhecimento e o poder existe não só a relação de servilismo, mas também de verdade. Muitos conhecimentos, embora formalmente verdadeiros, são nulos fora de toda a proporção com a repartição de poderes. (...) O problema, quase insolúvel, consiste aqui em não deixar imbecilizar nem pelo poder dos outros nem pela impotência própria”.

Falar sempre, pensar nunca – página 62 – “Desde que, com a ajuda do cinema, das soap operas e do horney, a psicologia profunda penetra nos últimos rincões, a cultura organizada corta aos homens o acesso à derradeira possibilidade da experiência de si mesmo. O esclarecimento já pronto transforma não só a reflexão espontânea, mas o discernimento analítico, cuja força é igual à energia e ao sofrimento com que eles se obtêm, em produtos de

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massas, e os dolorosos segredos da história individual, que o método ortodoxo se inclina já a reduzir a fórmulas, em vulgares convenções. (...) Os conflitos perdem assim o seu espaço ameaçador. São aceites; não sanados, mas encaixados somente na superfície da vida normalizada como seu ingrediente inevitável”.

Dentro e fora – página 65 – “Apesar de tudo, a visão do longínquo, o ódio à banalidade, a busca do intocado, do ainda não apreendido, pelo esquema conceitual universal, constituem a última oportunidade para o pensamento”.

Palhaço Augusto – página 138 – “ O seu temperamento marcadamente impulsivo, as suas faiscantes ocorrências, a sua “originalidade”, embora consista apenas numa especial fealdade, e até a sua algaraviada utilizam o humano como um traje de palhaço. Por estarem sujeitos ao mercanismo universal da concorrência não poderem moldar-se e ajustar-se ao mercado, exceto graças ao seu rígido ser-outro, agarram-se com paixão ao privilégio do seu Si mesmo e excedem-se de tal modo que aniquilam de todo o que são”.

Vândalos – página 141 – “O que desde o aparecimento das grandes cidades se observou como pressa, nervosismo e instabilidade, estende-se agora de um modo epidêmico, como outrora a peste ou a cólera. Emergem também forças, com que os apressados viajantes do século XIX nem sequer podiam sonhar. Todos devem ter sempre algo que fazer. O tempo livre há que aproveitá-lo. (...) É algo detestável, mas até certo ponto racional, o ganho de prestígio de quem se pode apresentar como homem tão importante que lhe é forçoso estar em toda a parte”.

A caracterização do trabalho contou com métodos de análises das pesquisas bibliográficas, visando à realização de um estudo interpretativo e analítico. Além da pesquisa bibliográfica, do questionário e da observação assistemática, como instrumentos foram intervenções em redes sociais com possibilidades de registros impressos apresentados entre os anexos que compõem este trabalho. Aforismos apresentados por Adorno em Minima Moralia e questões acerca da unidimensionalidade do homem expressada por Marcuse formam a base do questionário levado aos professores.

Os dados foram coletados por meio do sítio https://docs.google.com/forms/d/1mEL-2KVHKV9GoG4ksU9w1rsbKzaj9dqV1uZEiXT5KSQ/edit que disponibiliza ferramenta de entrevista on line e possibilidade de construção de gráficos para análise de dados.

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A revisão de bibliografia foi realizada desde o início do processo de orientação – ainda quando a proposta de trabalho versava sobre estudos em torno da Teoria Crítica. Assim, o material encontrado entre os anos de 2001 e 2011 no Grupo de Trabalho 16 (Educação e Comunicação) da ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, bem como o que fora apreendido de outros materiais, encontra-se registrado na Revisão de Literatura. Antes de ser transformada em texto, a pesquisa foi organizada por meio de um quadro que indica título, autores, palavras-chave, indicador, resumo e referências bibliográficas. Tal como nos explica Thiollent (2009), “a revisão de literatura são leituras iniciais que visam arregimentar informações, entender mais detalhadamente o assunto, para auxiliar na proposição da pesquisa, definição de problemas e objetivos”. A partir desse ponto do trabalho passamos a desenvolver nossa Revisão de Literatura com o objetivo de levantar abordagens, visões, aplicações, atualizações, reescrituras e ressignificações acerca do tema sobre o qual nos debruçamos fato que nos possibilitou encontros com autores e pensamentos bastante diversos.

A estruturação descritiva do trabalho propõe a elaboração de algumas abordagens: constituição do Homem Unidimensional a partir de Herbert Marcuse e do processo de subjetividade fragmentado em aforismos que compõem a Minima Moralia de Theodor Adorno, espaçostempos da aprendizagem a partir dos estudos de Regina Leite Garcia e comentários interpretativos e analíticos sobre a pesquisa realizada com os professores a partir dos pressupostos teóricos anteriormente trabalhados. Em diálogos de escritaleitura desse trabalho temos, então, o intertexto do agir comunicativo e da interação dialógica freireana destacando-se na relevância do enfoque dialógico a partir das novas tecnologias.

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2. REVISÃO DE LITERATURA OU AINDA MAIS ALGUNS OLHARES PARA A TECNOLOGIA

A revisão de literatura buscou junto à página da ANPED – GTs 16 (Educação e Comunicação) e 24 (Educação e Arte) alguns interlocutores para o nosso trabalho que tiveram seus trabalhos publicados entre 2001 e 2011. São dez anos de pesquisa que nos apontam caminhos e já nos levam a perceber quão estava pertinente o problema levantado para pesquisa. Em algumas leituras foi possível conhecer um pouco mais sobre o caminho percorrido, sobretudo em relação à imediaticidade e à aceleração do tempo. Faz-se importante ressaltar que em nenhum dos trabalhos foi utilizado o autor Herbert Marcuse como referência bibliográfica. Nas poucas abordagens advindas da teoria Crítica o referencial foi Adorno ou Marx.

Muitos estudos apresentados, apesar de tratarem de temas correlatos, não foram apreendidos para o trabalho em função de trazerem já em sua essência uma abordagem bastante diversa de nossa proposta, como é o caso de alguns trabalhos que propõem “desenvolver o olhar crítico e ensinar a aprender a ver”. Para longe da perspectiva unilateral que propõem, optamos por não retomá-los em função de o que podemos chamar de diferenciação na essência. Talvez essa mesma diferenciação já pudesse nos render um capítulo, mas por ora o tempo nos impede de debruçar sobre mais essa questão.

Grande parte dos trabalhos apresentados tomam as tecnologias – e, sobretudo, a internet como algo além, fora do ser professor. Considerei importante marcar aqui também esses trabalhos porque indicam mesmo uma forma de pensar a educação a partir de parâmetros bastante diversos, com diálogos estabelecidos a partir de autores que não tomam o conhecimento como possibilidade de entrelaçamento contínuo. Mesmo não sendo o mesmo caminho por mim escolhido, julgo importante manter aqui esses posicionamentos – se não por uma lealdade acadêmica, pelo menos por garantir a legitimidade de diferenças no pensar tão defendida por mim no meu sersendogentepesquisador.

Em 2001, uma Sessão Especial trouxe o trabalho da professora Nilda Alves intitulado “Romper o cristal e envolvermo-nos nos acontecimentos que se dão”: os contatos cotidianos com a tecnologia”. O relato, apesar de não disponibilizar as referências bibliográficas diretamente, faz uma conversa com Marcuse quando este nos chama a atenção para as possibilidades de relaçãodiferenciação (somente para retomar um conceito de modificação do

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mundo pelas palavras proposto também pela professora Nilda Alves um pouco mais tarde) entre técnica e tecnologia:

“Com essas observações, vamos podendo compreender que a tecnologia não só é mediação com o mundo e com os outros, mas funciona para nós como possibilidade de entendimento dele, através de crenças/valores interiorizados no contato com ela e que nos levam a determinadas ações com elas e por elas. Por esta posição, podemos entender esta relação íntima e formadora de nós mesmos que temos com a tecnologia, perguntando com Gras e Poirot-Delpech se não é justamente o papel das ciências humanas e da filosofia (como também das ciências exatas com o seu mais recente desenvolvimento) o de combater estas visões [de escravidão do homem pela tecnologia ou de um futuro radioso graças a tecnologia] e de possibilitar ver, por trás da tela, não a organização racional dos micro-processadores e o destino inelutável de uma sociedade programada, mas sim um mundo cheio, ainda, de possibilidades e de mistérios, a descobrir ou a enterrar, para nossa felicidade ou infelicidade (p. 10)”.

Nesse mesmo sentido, a autora retoma: “Nessas teorias para além de se insistir em que os objetos técnicos possuem marcas culturais e sociais, se considera, também, a técnica em seu conjunto como um sistema de significações e interpretações no qual os sujeitos, além de usarem a técnica, vão com elas tecendo redes comuns de significados, deixando suas marcas nas trajetórias feitas nesses contatos, ao mesmo tempo em que são marcados pelos usos sociais concretos que fazem e vêm fazer”.

Sobre o tempo (outra categoria por nós abordada neste estudo em suas possibilidades de relação com a formação do homem), Nilda Alves nos ensina:

“O autor nos lembra, no entanto, que sendo social, o tempo se passa em relações intersubjetivas, o que significa que é necessário considerar a dimensão subjetiva do tempo. Ou seja, é preciso perceber que o ‘tempo métrico’ e o ‘tempo da significação’ se interpenetram mutuamente e que só podem ser considerados desta maneira. É assim que enfrentaremos/ estamos enfrentando, por exemplo, as questões que nos são postas pelas novas tecnologias utilizadas para transmitir informações e para a comunicação a longa distância, como é o caso da “descoberta” da simultaneidade, já que o tempo universal se impõe cada vez mais, acelerado pela ligação em redes dos diversos objetos técnicos, permitindo reforçar a confusão entre distâncias espaciais e temporais” (p.51).

Ao contrário do que muitos pensam, creem e indicam, como nota a autora, esta integração da comunicação não anula em nada as proximidades locais. A ideia da predominância de um

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espaço homogêneo atravessado exclusivamente por fluxos ‘desenraizados de espaço’ revela mais os sonhos dos experts da informação que a realidade social (p.56), pois a mesma sociedade que criou essa ideia criou, também, a individualização pelo tempo, diz a autora. Nesse sentido, entendendo a técnica da informação como sendo uma técnica de conservação, de estocagem e de memorização, mostra que, com a ideia de tempo imediato, trabalha-se com a descontextualização: “Ao trabalhar contra a identidade temporal e contra a irreversibilidade do tempo, as técnicas trabalham contra a tirania do único e na direção da conservação e repetição possível daquilo que foi acumulado. Tudo isso, aumenta as condições de produção em uma situação predomínio da reprodução, abrindo novos horizontes de percepção e de interpretação graças à multiplicidade de perspectivas e de variedade dos pontos de vista (p.64). No presente, no entanto, continua, já se procura, para além da rapidez, a disponibilidade e a flexibilidade, o que leva à desigualdade crescente, mas, permite, por outro lado, a diferenciação crescente.

Araci Hack Catapan (UFSC), em seu trabalho “O ciberespaço e o novo saber: o retorno a si como inteiramente outro”, defende a necessidade de construção de uma analogia entre ciberespaço e espaço pedagógico: “Trata-se de construir, então, uma analogia entre ciberespaço e espaço pedagógico. O ciberespaço é indeterminado e instantâneo, congrega diferentes momentos do saber, de conhecimentos, de experiências históricas da espécie. Explora todas as formas de linguagem, oral, escrita, som, imagem, cores, plasticidade. A comunicação digitalizada é fluida, é volátil, não tem tempo nem espaço limitado, não tem locus, não só desterritorializa o saber como legitima saberes e valores inimagináveis”.

Sobre “O Mal-Estar na Civilização: a influência da tecnologia e o papel da educação”, Márcia Magalhães Gomes (UCP) afirma saber ser imprescindível a utilização das novas tecnologias na escola, pois, através destas ferramentas, diz a autora, o acesso ao conhecimento será ofertado a todas as crianças que nela estiverem inseridas, uma vez que sua forma de pensamento, em nossos dias, está sendo estruturada a partir dos diferentes meios de comunicação. Buscando referencial em Adorno (Mínima Moralia), Bauman (O Mal-estar da Pós-modernidade) e Freud ( O Mal-estar na Civilização), a autora toma para o trabalho um conceito de tecnologia como algo de que se faz uso, que está extrínseco ao processo, embora seja de fundamental importância: “A postura de Freud, ao designar o homem como “um deus de prótese” em “O mal-estar na civilização”, nos parece em parte adequada, na medida em que, com todo o avanço da tecnologia, o homem da atualidade convive com artefatos que há algum tempo só eram imaginados em termos de ficção científica”.

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Quase na mesma perspectiva de abordagem da tecnologia, segue o trabalho apresentado por Simone Souza Monteiro, Eliane Portes Vargas e Marly Cruz (FIOCRUZ) intitulado ‘Educação, comunicação e tecnologia educacional: aproximações com o campo da saúde”. Retomando afirmações da professora Vera Candau (1980), por exemplo, assinalam a existência de várias possibilidades de conceituação de tecnologia educacional que operam diferenças nas maneiras de se refletir sobre as relações entre educação/mudança social e tecnologia/mudança social. “Assim, Candau propõe reunir os conceitos de tecnologia educacional em três eixos. O primeiro focaliza os vários meios de auxílio ao ensino, tendendo a se preocupar mais com os efeitos dos equipamentos e das técnicas, do que com as diferenças individuais ou a seleção de conteúdo instrucional. Nesta visão, a tecnologia educacional está voltada prioritariamente para os aspectos da eficiência interna, quais sejam: a melhoria do processo, a transmissão do conteúdo educativo e a técnica. Sua contribuição é poder ampliar um determinado tipo de educação, tornando-a acessível ao maior número de pessoas”.

O segundo eixo centra-se no processo, o que parece ser o conceito mais difundido. Nesta direção a tecnologia educacional é vista como uma forma sistemática de planejar, implementar e avaliar o processo total de aprendizagem, sendo priorizado o problema da efetividade deste processo e a utilização da abordagem sistêmica. Já o terceiro eixo está inserido na linha de uma estratégia de inovação, não somente numa perspectiva de eficiência interna do sistema, mas também de eficácia social da tecnologia educacional, considerando sua relevância social na mudança da sociedade. Vale salientar que a ênfase dos três eixos - qual seja no meio, na efetividade e na mudança social, respectivamente - encontram paralelos com as orientações presentes no campo da comunicação, citadas acima.

Em “Educação com o corpo tecnologizado”, Vicente Eudes Veras da Silva (UNESA) afirma que o acelerado desenvolvimento de tecnologias (televisão, computador, telemática) acabam atingindo dimensões do viver e da existência, trazendo importantes mudanças que alteram, inevitavelmente, o próprio estar do homem no mundo. Segundo o autor, conforme Lévy (1998), esse novo contexto atinge não apenas os setores ligados diretamente às formas de comunicação, mas a todos os aspectos do viver humano, pois, "os avanços da biologia e da medicina nos incitam a uma reinvenção de nossa relação com o corpo, com a reprodução, com a doença e com a morte”.

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Solange Jobim e Souza e Nilton Gamba Júnior escreveram “Novos suportes, antigos temores: Tecnologia e confronto de gerações nas práticas de leitura e escrita”, apresentando a partir de Martín-Barbero (2000) como se constitui o que eles chamam de ruptura entre gerações na temporalidade: “Nos chamou a atenção para a necessidade de enfrentarmos nossos medos em relação às mudanças, reconhecendo neste desafio as possibilidades que se abrem para novos diálogos entre gerações e povos para alcançarmos uma compreensão histórica e cultural da nossa inserção como sujeitos sociais no contexto da revolução eletrônica. Devemos aprender com os jovens a forma de dar os primeiros passos. Porém, para proceder assim, devemos relocalizar o futuro”.

Os autores seguem afirmando que aprenderam com Bakhtin que a magnitude cultural de uma época, a riqueza de suas criações, não cabem nos limites da visão que lhe é contemporânea, mas exigem o confronto transtemporal que é revelador da época e de suas grandezas. Este autor afirma que “não existe nada morto de forma absoluta: cada sentido terá sua festa de ressurreição. Problema da grande temporalidade” (p. 352). Contam-nos ainda que encontraram um diálogo muito próximo entre as palavras de Pasolini e Mead sobre os acontecimentos do cotidiano entre as gerações, e a abordagem teórica de Bakhtin, que nos oferece conceitos para uma análise do acontecimento cotidiano como uma experiência de linguagem e de criação cultural que atravessa gerações. É com esta perspectiva de análise que enfrentam o desafio, qual seja: a capacidade de desenvolver parâmetros críticos para lidar com a novidade, ao mesmo tempo em que alimentam um verdadeiro despojamento dos preconceitos e dos entraves que nos impedem de apreendê-la de fato.

Sobre “Mídias e os processos comunicacionais na formação docente na escola”, Tania Maria Esperon Porto retoma um paradigma emergente comunicacional que tem como objetivo educar o ser integralmente, assim: “Educar o ser integral (corpo, mente, sentimentos, espírito) é a meta, buscando as relações entre o pessoal e o grupal, o sensorial e o racional, o abstrato e o concreto. O conhecimento amplia-se pelas relações que procedem "das diferenciações e pelo alastramento das raízes em busca de novas e mais variadas interfaces" (Santos, 1999, p. 48).

A autora afirma trazer para reflexão uma teoria em construção, que trabalha com movimentos, aprendizagens, desafios e dificuldades presentes no dia-a-dia dos sujeitos escolares. “As mídias em si só não são propiciadoras de mudanças. Dependem dos contextos, das pessoas, dos tempos e relações que propiciam. As pessoas, em interação com as mídias, tornam-se

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mediadoras destas, assim como as mídias tornam-se mediadoras entre as pessoas. Embora diferentes, professores, alunos e mídias complementam-se na função pedagógica comunicacional, cada um com suas especificidades. Assim como as mídias, os sujeitos escolares são possuidores de culturas e saberes específicos. Os limites (entre mídias tecnológicas e humanas) alteram-se e misturam-se oportunizando relações criativas e, muitas vezes, inesperadas”. Essa interação e abertura para a possibilidade de entrelaçar contextos chamou minha atenção no trabalho que seguiu por alguns aprofundamentos próprios da teoria crítica, sem que tivessem a dialética como método.

Ao contrário do homem da era de Guttemberg, treinado para a racionalização e a distância afetiva, o homem da civilização audiovisual eletrônica conecta intimamente a sensação à compreensão, a coloração imaginária ao conceito. “Sem afetividade não há aprendizagem, sem afetividade não há audiovisual. Esta nova linguagem que interconecta e aproxima os indivíduos treina múltiplas atitudes perceptivas e solicita constantemente a imaginação, investindo na afetividade e solidariedade como papel de mediação primordial no mundo e com o mundo. São as racionalidades entrelaçadas com as emoções, segundo conceitos de Freire (op. cit.) e Maturana (1998)”.

Proporcionando subsídios para a reflexão crítica da produção da cultura e seu correlato subjetivo, a experiência formativa, na chamada sociedade do espetáculo, o professor Antônio Álvaro Soares Zuin (UFSCar), escreve “A cultura e a experiência formativa na sociedade do espetáculo”. Neste artigo, avalia a sociedade atual, cuja velocidade de difusão e consumo dos produtos culturais atinge níveis dificilmente imaginados até bem pouco tempo atrás e afirma que ainda se faz presente uma ilusória esperança: a desagradável sensação de que somos objetos e não sujeitos de nossas ações seria compensada pelo cálculo racional da economia de mercado. Tal racionalidade apresentaria as diretrizes necessárias para a “reparação” da sensação de desconforto diante dos choques aos quais os consumidores estão submetidos nas mais variadas relações e situações cotidianas. Para o autor, é notório que as relações afetivas atuais, de forma geral, acirram os apontamentos de Benjamin (p.118) sobre a poesia de Baudelaire: “A uma passante”, na qual se destaca o olhar embasbacado do herói que, impotente, apenas observa a musa se perder no meio da multidão. Se o choque do herói do poema representara a “perplexidade sexual que pode acometer um solitário” ao invés da “beatitude daquele que é invadido por Eros, em todos os recônditos do seu ser”, fato este que já prenunciava a mercantilização da afetividade, atualmente cada vez mais as pessoas se habituam

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a deslocar a libido para as representações das coisas, num contexto social em que a fetichização da técnica enaltece a reprodução da dessensibilização que passa a ser considerada como algo que denota mérito e firmeza de caráter.

Por que trazer esse estudo para dialogar conosco nesta pesquisa? Embora não tenhamos a pretensão de enveredar pelos caminhos de cultura e emancipação, temos observado que a lógica do consumo muito tem pautado as experiências com as novas tecnologias. Assim, posicionar nosso pensamento enquanto possibilidade de busca pela emancipação é realmente fundamental. Fez-se a nós muito interessante resgatar neste momento o passante e a multidão de Baudelaire, que se fazem passantes, multidões e eternos provisórios em nossas interrogações de pesquisa.

Dialogando com Certeau e com Boaventura, Valter Filé (UERJ) escreve “Para pensarmos a comunicação”, que tem como objetivo buscar para reflexão sobre a comunicação estar deslocada da referência única das tecnologias hegemônicas as relações sociais mais próximas e cotidianas e seus usos tradicionais para um lugar onde possamos dialogar. Assim, o autor opta por tomar como conceito de comunicação “uma tal rede de gestos de conversação comportando suas condições de satisfação, constitui não um instrumento de comunicação, mas a verdadeira trama sobre a qual se desenha nossa identidade”.

Esta maneira de entender a comunicação, diz o autor, possibilita pensarmos não só no sentido das mensagens e a negociação desta com quem o produziu, mas em dar conta também dos sentidos dos processos e das práticas que vão ser importantes para nosso trânsito no mundo. Ou seja, quando falamos em comunicação, por exemplo, na escola, não estamos apenas falando de como professores e alunos chegam a um acordo sobre uma determinada mensagem, mas sim como são tecidos os processos de interlocução, como são negociadas tais práticas e como explicitamos as relações de poder e exercitamos o partilhamento da autoridade.

Em outro estudo, Valter Filé propõe-se a manter a multidimensionalidade do assunto, tentando assumir sua complexidade, que no dizer de Morin (1998), “complexus é o que está junto; é o tecido formado por diferentes fios que se transformam numa só coisa. Isto é, tudo isso se entrecruza, tudo se entrelaça para formar a unidade do complexus; porém a unidade do complexus não destrói a variedade e a diversidade das complexidades que o teceram (p.188)”. Diz o autor: “A “unidade do complexus” mais visível, a dos “usos” – vai ser alavancada a partir da comunicação. Assim, respeitando as diversas dificuldades, limitações, desordem e

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complicações, inerentes do complexus, vou arriscar-me numa aventura de “mapear” meu envolvimento com a comunicação e como fui tecendo e destecendo meus conhecimentos acerca de suas questões, para mim, urgentes que se efetivam no encontro (e também desencontro) das pessoas e a negociação de sentido para as coisas do mundo”.

Dialogando com Marshall McLuhan por meio de diversas produções, Josenei Martins (UNIDAVI) e Lucídio Bianchetti (UFSC) constroem o trabalho “A educação como atividade comunicacional: interatividade e interdisciplinaridade” e retomam uma importante discussão acerca do acesso a essas tecnologias. É importante ressaltar que no ano da produção desse artigo (2001) ainda não vivíamos no Brasil o processo de imediaticidade que hoje tomam conta das relações a partir das novas tecnologias e tornam o acesso mais facilitado. Ainda assim, os autores afirmam que ao mesmo tempo em que as transformações que caracterizam a chamada Terceira Revolução Industrial impõem a colaboração entre os campos de conhecimento, os meios técnicos disponíveis tornam essa colaboração cada vez mais possível. Isso, no entanto, por si só não garante o acesso equânime de todos a todas as informações disponíveis e conhecimentos produzidos, bem como das condições para produzi-los, como se pode depreender de diversos estudos apresentados pela CEPAL (2000). Pensar de outra maneira seria, de um lado, sucumbir ao determinismo tecnológico, atribuindo à tecnologia um caráter de variável independente, e de outro, imaginar que o querer, que o voluntarismo, é a chave para passar de uma situação à outra.

Neste contexto, propõem uma releitura e resgate de alguns conceitos e postulados básicos do pensamento de um dos pioneiros nos estudos sobre a influência dos meios de comunicação na reestruturação da sociedade, particularmente no que se refere à forma de organização e funcionamento das instituições educativas e assim, estabelecem um diálogo com as proposições do pensador canadense Herbert Marshall McLuhan. Embora suas formulações teóricas possam vir revestidas de um certo entusiasmo que o leva a ser caracterizado como determinista tecnológico, a compreensão de que a educação se configura numa atividade eminentemente comunicacional e a percepção de que a interação constitui-se num processo básico para a construção de projetos interdisciplinares são proposições de extrema relevância no entendimento daquilo que pretendem discutir.

Para contribuir conosco no fio tecido com o objetivo de resgatar a importância de discutirmos em nosso trabalho a linguagem, encontramos durante o processo de revisão de literatura o

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trabalho de Rita Marisa Ribes Pereira (UERJ e PUC-Rio), Raquel Gonçalves Salgado (UFMT e PUC-Rio) e Solange Jobim e Souza (PUC-Rio e UERJ) intitulado “Pesquisando infância e televisão: algumas considerações teórico-metodológicas”. As autoras trazem em Bakhtin uma proposta de abordagem para a linguagem que neste momento nos parece bastante entrelaçada com a pesquisa que realizamos: “Para em Bakhtin, é na linguagem, como mediação das relações sociais, que a consciência se constitui. É na comunicação humana que os indivíduos representam a si próprios e o mundo, assim como significam suas ações e a realidade. Cada enunciado se une a outros enunciados, compondo a cadeia da comunicação verbal, na qual o início e o fim do diálogo não se encontram definitivamente demarcados. O autor insiste na impossibilidade de um falante ser o primeiro ente a romper o silêncio do mundo. Não há, segundo ele, o “Adão bíblico”, aquele que desvirgina o mundo com a enunciação da primeira palavra. Todos os enunciados são respostas a outros que já foram ditos e que serão ditos. Sua própria compreensão exige uma resposta, ou melhor, uma atitude responsiva ativa, que faz do interlocutor também um locutor. Neste sentido, as fronteiras entre os enunciados se definem por essa alternância dos falantes, que, mesmo na posição de ouvintes, participam ativamente da construção dos enunciados, uma vez que o locutor não se expressa em um mundo mudo, mas para alguém que tem sempre o direito de réplica, que se constitui na resposta presumida por parte do locutor e afeta o seu enunciado”.

O dialogismo é, portanto, princípio constitutivo da linguagem para Bakhtin (2010). Não se reduz à comunicação interpessoal, entre locutores e ouvintes, mas pressupõe também relações com enunciados anteriores, ditos por outros em outras épocas, em outras gerações e contextos, e com o próprio sistema da língua já existente. Essa afirmação também nos possibilita buscar a dialogicidade nos processos de comunicação a partir das novas tecnologias, passando pela possível interação e pelas diversas situações de comunicação que acabamos por tomar como categorias (provisórias, é verdade) neste estudo.

Os estudos de Edméa Oliveira dos Santos (UFBA) e de Alexandra Lilavati Pereira (PUC/SP) sistematizados em “A construção de ambientes virtuais de aprendizagem: por autorias plurais e gratuitas no ciberespaço” contribuem conosco em abordagens acerca da diferenciação entre comunicação e informação com vistas à ressignificação: “As tecnologias digitais de comunicação e informação estão possibilitando muitas mudanças. As redes não só de máquinas e de informação, mas principalmente de pessoas e de comunidades estão permitindo configurar novos espaços de interação e de aprendizagem. Qualquer usuário de qualquer ponto pode não

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só trocar informações, mas reconstruir significados, rearticular ideias tanto individualmente quanto coletivamente; e, assim, partilhar novos sentidos com todos os usuários da rede. Não há mais emissores e receptores como dois grupos distintos com mensagens estáticas, e sim, um grande grupo emissor-receptor que pode constantemente reconstruir conhecimentos. A despeito do espaço e do tempo, pessoas podem colaborar, reforçar laços de afinidade e se constituírem como comunidades.

A tradicional concepção de sala de aula, com alunos-expectadores enfileirados diante de um professor-especialista detentor da informação, deve ser modificada tanto nos ambientes presenciais, semi-presenciais ou não presenciais. Combater o instrucionismo, a reprodução de conhecimentos e fragmentação do saber é o grande desafio que se coloca para esses pesquisadores.

“Os novos paradigmas epistemológicos apontam para a criação de espaços que privilegiem a co-construção do conhecimento, o alcance da consciência ético-crítica decorrente da dialogicidade, interatividade, intersubjetividade. Isto significa uma nova concepção de ambiente de aprendizagem ⎯ comunidade de aprendizagem que se constituam como ambientes virtuais de aprendizagem”, afirmam.

Sobre mediação, nos ajudou a iluminar o caminho as ideias de Sandra de Fátima Pereira Tosta Maria Ângela Mattos, em “Educação e processos de comunicação”, quando afirmam que os campos da educação e comunicação representam um novo espaço teórico capaz de fundamentar práticas de formação de sujeitos conscientes e efetivos cidadãos. “Já é consensual que a constituição desse campo é uma tarefa complexa, pois exige o reconhecimento dos meios de comunicação como um outro lugar do saber, que condiciona e influencia, juntamente com a escola e outras agências de socialização, o processo de formação dos cidadãos. A interface ente essas duas instâncias leva a uma metassignificação que ressemantiza os sentidos e exige, cada vez mais, o desenvolvimento da capacidade dos sujeitos e, em particular, dos educadores, educandos e profissionais da comunicação, de pensar criticamente a realidade, de conseguir selecionar, distinguir e inter-relacionar informações e conhecimentos fornecidos pela escola e pelos meios. A complexidade da interface entre os campos educação e comunicação obriga-nos a reinventar conceitos, formular novas categorias de análise, bem como incorporar outras problemáticas para a compreensão dos processos de aprendizado na contemporaneidade”.

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Questões como circulação de formas simbólicas, recepção e mediação, criticidade, informação, conhecimento e ressignificação da escola e do professor, entre muitos outras, devem ser incluídas nas pautas de discussão dos educadores e comunicadores, dizem os autores. O desafio, hoje, é a compreensão de um mundo cujo perfil se define cada vez mais pela mídia, que seleciona o que devemos conhecer e discutir no nosso cotidiano. Mais que isso, os meios de comunicação informam e conformam o ponto de vista a partir do qual vamos interpretar esses assuntos. Isso ocorre porque os meios se configuram, também, como “educadores”, dividindo essas funções com agências socializadoras tradicionais como a família e a escola.

Nesta perspectiva, afirmam que a realidade social é construída pela mídia a partir da seleção e angulação dos acontecimentos, obedecendo a diferentes tipos de interesse. A escola, de forma similar, também recorta a realidade e promove representações discursivas meticulosamente construídas para que sirvam de orientação aos educandos na compreensão e interação no mundo social. A lógica desses processos requer o entendimento de que a questão do conhecimento e da comunicação é mais da ordem da mediação e menos do uso de meios ou de técnicas. Desse modo, a proposta do estudo é fazer uma leitura atenta sobre os processos socioculturais, educativos e comunicacionais no sentido de entender essas lógicas presentes em nosso cotidiano, que permeiam e interferem nas nossas representações e em nossas decisões.

Em “As tecnologias de informação e comunicação como fator de inclusão social de crianças em

situação de risco”, Nilza Godoy Gomes (UFSC/CED/LANTEC) e Maria Luiza Belloni (UFSC/CED/LANTEC) apresentam matéria da revista Época de 3/11/2003 que traz reportagem

de capa sobre a nova geração de crianças da classe média brasileira e suas relações com as novas mídias, as denominadas tecnologias de informação e comunicação, cuja estrela da hora é, sem dúvida, a rede mundial de computadores, a internet. Impressa sobre a foto de um garoto de 10/11 anos, vestido como um personagem do filme Matrix (roupa preta e óculos idem), surfando triunfante (winner!) sobre um “mouse”, nas ondas de um mar de informações, a manchete anuncia cenários otimistas e enfatiza o aspecto mais legítimo, a cognição: Inteligência turbinada. As chamadas para a reportagem indicam as principais consequências do uso intensivo das máquinas “de pensar e de comunicar” pelas novas gerações: as crianças aprendem mais rápido, mas são mais dispersas; são informadas e amadurecidas, porém vaidosas e preguiçosas; os pais não conseguem controlar a compulsão consumista dos filhos.

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A reportagem aprofunda estes temas revelando dados inquietadores embora não surpreendentes: as crianças preocupam-se com problemas até pouco tempo considerados exclusivos dos adultos (segurança, poluição, governo), muito especialmente com sua própria aparência (44% “estão de olho nas gordurinhas extras!”), o que evidentemente se traduz em consumo desenfreado de cosméticos, roupas e acessórios de marcas e alimentos com baixas calorias. Estas preocupações são maiores entre meninas, mas atingem também os meninos. Vaidosos e consumistas, nossos baixinhos classe média recebem mesadas que gastam como querem e, além disto, influenciam as compras da família, cuja permissividade está gerando uma verdadeira revolução de costumes. Sobre a inteligência turbinada anunciada na capa, porém, a reportagem não aprofunda, fazendo apenas menção a estudos norte-americanos que comparam medidas de inteligência (testes de QI) entre diferentes gerações e mencionam diversos estímulos das TIC relacionados aos dois hemisférios do cérebro humano.

“Et pour cause, o assunto é demasiado complexo para ser assim tratado. Para nós educadores e pesquisadores da infância, o dado mais interessante desta pesquisa encomendada pela Cartoon Network diz respeito à intensidade crescente do uso destas TIC, especialmente a rede telemática Internet: em 2000, 214 mil crianças brasileiras acessaram a Internet e em 2002, este número mais que dobrou, chegando a 488 mil. Estes dados correspondem às médias internacionais, dos países europeus, por exemplo (Bevort et Bréda, 2001), e os encontramos também em nossa pesquisa com crianças de Florianópolis (em algumas escolas a percentagem de crianças que têm acesso telemático em casa é maior que 90%). Este crescente acesso à rede coloca muitas questões para pais, educadores, psicólogos e outros especialistas em crianças e jovens”, afirmam.

Para as autoras, uma das questões mais importantes diz respeito às desigualdades sociais gerando desigualdades de acesso com consequências no desenvolvimento cognitivo e sócio-afetivo destes jovens, muitas vezes “praticamente insuperáveis”. No entanto, afirmam, algumas pesquisas têm revelado que, mesmo entre as crianças e jovens mais desfavorecidos, este acesso tem crescido muito significativamente. Dois desafios se colocam de saída: quais são de fato estes novos modos de aprender (autodidaxia, colaboração) e como a escola e seus professores, formados para um didatismo transmissor de conhecimentos pontuais, vão lidar com isto?

Sobre “Linguagens, tecnologias e racionalidades utilizadas na escola: interfaces possíveis...”, Maria Helena Silveira Bonilla (FACED/UFBA) apresenta interessante estudo no qual afirma

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por meio de pesquisa documental que as principais linguagens utilizadas na escola são a oralidade e a escrita. “As tecnologias da informação e comunicação – TIC – já se fazem presentes há alguns anos, mas seu uso ainda é restrito. Para os professores, utilizar diferentes linguagens e tecnologias, na escola, está associado a ter e assistir os denominados programas “educativos”, como fontes de informação, quando se enquadram nos conteúdos curriculares, sendo o jornal, o documentário e as homepages os mais utilizados. Discussões a respeito de outros tipos de programas são bastante superficiais, quando acontecem. Quase não acontece uma leitura crítica dos mídia, de seus conteúdos, que permita a alunos e professores perceberem que o que ali aparece não significa a verdade absoluta. Os professores percebem que a linguagem audiovisual atrai os alunos, mas procuram enquadrá-la na lógica da linguagem escrita, própria do modelo escolar instituído. Normalmente é distribuído um roteiro aos alunos para ser respondido durante a exibição do filme, do documentário ou da exploração da homepage, de modo a não se dispersarem e conseguirem realizar o relatório que será solicitado a seguir. O roteiro normalmente não dá oportunidade para que os alunos levantem hipóteses, façam conjecturas, troquem percepções, não dá margem para que questionem o que veem. A oralidade é a linguagem mais adequada a essa dinâmica, mas quase nunca há tempo para discutir, trocar ideias, estabelecer relações. Sempre que se abre espaço para que os alunos coloquem seus pensamentos, suas impressões, é dado muito pouco tempo para que isso aconteça. Acaba sempre sendo uma atividade rápida, que empobrece o trabalho. Por isso, o que prevalece é a prática de observar e registrar o observado, ficando prejudicada a comparação, o estabelecimento de relações, a atribuição de sentido, a compreensão, o que é possibilitado pelo interfaceamento de linguagens, tecnologias e racionalidades”.

Embora os estudos apresentados por Adriano Rodrigues Ruiz (Unoeste) em “Internet e autonomia: um estudo exploratório” não contemplem especificamente o tema de nossa pesquisa, consideramos importante registrá-lo uma vez que o viés da categoria autonomia é de fundamental importância para nos ajudar a compreender o processo de formação humana. A partir de Paulo Freire, Adriano Ruiz questiona a revolução tecnológica propiciada pela informática que, segundo o autor, cria a sensação de que nos encontramos diante de um momento bom para mudanças: “Pois, sabemos que conhecimentos e vínculos são construções pessoais que ocorrem no interior, e sob a influência, de uma cultura e da oferta de condições técnicas. E, também, que somos sensíveis às mudanças tecnológicas e que elas penetram fundo em nossa existência, inclusive em regiões para as quais não foram chamadas. O computador revolucionou o mundo da informação e abriu novos canais para a comunicação entre as

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pessoas, fornecendo matéria prima para o conhecimento e para novas possibilidades de vínculos interpessoais. Sua presença, para Seymour Papert, significa o fortalecimento de muitas culturas de aprendizagem e para que se cultive o respeito aos diferentes modos de ser de cada aprendiz”.

No contexto da pesquisa surgem perguntas como: que culturas de aprendizagem estão ganhando vida em ambientes que dispõem de recursos computacionais? A autonomia está sendo exercitada nesses ambientes? A partir dessas interrogações, o autor levanta hipóteses acerca do convívio de uma cultura bem estabelecida, com padrões definidos – a escolar –, e as aberturas da Internet para um mundo sem fronteiras, com múltiplos códigos e ilimitadas possibilidades. Os interlocutores foram os profissionais responsáveis por laboratórios de informática de instituições de ensino superior a quem foram feitos dois questionamentos: Há necessidade de algum controle sobre as “viagens” que os alunos fazem na Internet? Por que é necessário o controle? No contato com essa pesquisa surgiu um novo nó em minha rede que, por pura falta de tempo, optei por deixar em outro entrelaçar: autonomia/vigilância/humano. Voltaremos ao linear para tentar escapar do possível?

Karla Saraiva (UNISINOS) aborda, a partir de conceitos de Pierre Levy, novas formas de comunicação entrelaçadas com as mudanças de percepção de espaço e tempo, contribuindo na produção de subjetividades e identidades. O trabalho intitulado “Linguagens internáuticas e viagens ciberespaciais” investiga como a linguagem está sendo transformada em processos que criam espaços discursivos com características muito particulares e originais. A autora focaliza atenção buscando entender alguns deslocamentos que a comunicação síncrona via web tem produzido no uso da linguagem e faz uma breve discussão de caminhos possíveis da escola se relacionar com esses fenômenos.

A formação de professores não caracteriza nosso objetivo primeiro neste trabalho de pesquisa, mas algumas afirmações de Raquel Goulart Barreto (UERJ), Elizabeth Menezes Teixeira Leher (UFRJ), Glaucia Campos Guimarães (UERJ) e Ligia Karam Corrêa de Magalhães (UERJ) em “As tecnologias no contexto da formação de professores” apontam para questões entrelaçadas com a pesquisa que realizamos porque tomam o professor em relação bastante imbricada com as tecnologias. Um ser que já não o é sem ela (a tecnologia). Percebi isso no trabalho, embora para as autoras as características definidoras sejam outras. “A primeira delas diz respeito ao seu pressuposto: parte da focalização das tecnologias na formação de professores como lugar

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