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Um estudo comparativo de alguns dos determinantes da pobreza rural e da inclusão/exclusão de famílias pobres no Plano Brasil Sem Miséria 1

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Academic year: 2021

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Um estudo comparativo de alguns dos determinantes da pobreza

rural e da inclusão/exclusão de famílias pobres no Plano Brasil

Sem Miséria

1

Marilene Alves de Souza Mestranda do Programa de Pós Graduação em

Desenvolvimento Social Universidade Estadual de Montes Claros

-UNIMONTES /MG /Brasil. leninha@caa.org.br; lenacaa@gmail.com

Luciene Rodrigues Doutora em História Econômica pela USP Professora do Depto. de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social - UNIMONTES luciene.rodrigues@pq.cnpq.br

Resumo: O presente estudo aborda uma das faces da problemática das desigualdades sociais, a pobreza, o modo como o Estado trata a questão, os critérios de seleção das famílias beneficiárias do apoio estatal por meio de um estudo comparativo entre um grupo de famílias potenciais beneficiárias, com renda que as situam, em termos monetários, em condição de extrema pobreza. Dado o fato de que no Brasil rural muitas famílias encontram-se em condições materiais desvantajosas, que justificam apoio para sair da situação em que se encontram, porque algumas famílias conseguem acessos e apoios estatais e outras não? Que fatores explicariam a inclusão/exclusão dessas famílias como beneficiárias das políticas de combate à pobreza rural? As famílias beneficiadas são, efetivamente, as com maiores necessidades? Em que medida a existência de capital social, participação social e política, nível educacional, acesso a terra e mercados explicam a inclusão/exclusão dos programas públicos? A pesquisa empírica foi feita no território da Cidadania Serra Geral, no município de Porteirinha-MG. Este estudo pretende ser um ponto de partida das reflexões acerca dos critérios de seleção e de inclusão de algumas famílias neste plano. O referencial teórico está relacionado aos conceitos de desigualdades sociais, pobreza, políticas públicas, intervenção social, agricultura familiar e à questão da comparação. O estudo busca comparar as condições socioeconômicas de um grupo de famílias selecionadas para o Plano com outro grupo de famílias pobres, potenciais beneficiárias, porém não incluídas no Programa de Combate à Extrema Pobreza. A partir de um conceito multidimensional da pobreza, a comparação dos dois grupos foi feita considerando variáveis relacionadas com aspectos materiais e com aspectos simbólicos. Os resultados mostraram que as condições socioprodutivas e econômicas das famílias incluídas no Plano Brasil Sem Miséria são relativamente piores em comparação às famílias pobres não incluídas, no território analisado. O estudo chama atenção de que uma ação efetiva de combate à pobreza e promoção do desenvolvimento rural precisaria incluir todas as famílias e não apenas uma pequena parcela situada no extremo da franja.

1 Artigo para apresentação no Congresso de Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de Montes Claros

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Abstract:

This study discusses one of the faces of the problem of social inequality, poverty, the way the state deals with the question, the criteria for selection of families benefiting from state support by means of a comparative study between a group of potential beneficiaries of families with income that are located in monetary terms, in extreme poverty. Given the fact that many families in rural Brazil are disadvantageous in material conditions that justify support out of the situation in which they are, because some families can access and public support and not others? What factors explain the inclusion / exclusion of these families as beneficiaries of policies to combat rural poverty? The beneficiary families are, effectively, with the greatest needs? To what extent the existence of social capital, social and political participation, educational attainment, access to land and markets explain the inclusion / exclusion of public programs? Empirical research was conducted within the Serra Geral Citizenship in the city of Portsmouth-MG. This study is intended as a starting point for reflections on the selection criteria and inclusion of some families in this plan. The theoretical concepts are related to social inequality, poverty, public policies, social intervention, family farming and the question of comparison. The study seeks to compare the socioeconomic conditions of a group of families selected for the Plan with another group of poor families, potential beneficiaries, but not included in the Program to Combat Extreme Poverty. From a multidimensional concept of poverty, the comparison of two groups was performed considering variables related to material aspects and symbolic aspects. The results showed that the social sectors and economic conditions of families included in the Brazil Without Poverty Plan are relatively worse compared to poor families not included in the territory considered. The study calls attention they effective action to combat poverty and promote rural development need to include all families and not just a small portion located in the extreme fringe.

Key Words: Social inequality, poverty, public policy, agriculture and social intervention.

I – Introdução:

O problema da pobreza e das desigualdades sociais em diversos países vem estimulando debates de abordagens e concepções diferenciadas em diversas partes do mundo. As múltiplas faces dos processos de desenvolvimento e empobrecimento ocorrido no mundo resultaram em contextos variados no que diz respeito à pobreza e desigualdades. A abordagem sobre extrema pobreza , excluídos, indigentes e mais recentemente Miseráveis, termo adotado pelo governo federal ao criar o Programa Brasil Sem Miséria, tem ganhado diversas conotações em diversos espaços da sociedade brasileira e do mundo. Pobreza, desigualdades sociais, resultantes das opções da política de desenvolvimento que historicamente concentrou terra, renda, poder, informações entre outros, apresentam múltiplas dimensões que podem se perpetuar ou se modificar dependendo do contexto econômico, política, cultural e principalmente em função das diversidades regionais.

O debate acerca da pobreza no Brasil precisa levar em conta as dimensões geográficas do país e as disparidades territoriais do desenvolvimento. Segundo Schneider (2000) mesmo que a pobreza seja facilmente identificada pelo senso comum, é necessário que se estabeleçam alguns critérios de ordem metodológica e teórica para explicá-la e entendê-la Segundo o autor, na bibliografia especializada, a pobreza tem sido descrita como um fenômeno

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complexo, de significados multivariados para pessoas, instituições ou países, que pode ser identificada através de indicadores de renda, saúde, habitação, educação, entre outros

A pobreza pode ser entendida como uma situação de carência de condições para satisfazer as necessidades básicas (basic needs), capazes de permitir ao indivíduo ou a sua família recursos para supri-las. Buscando estabelecer critérios de aferição que permitam estipular a magnitude das necessidades básicas, muitos estudiosos passaram a utilizar a renda como variável para definir a condição social de um indivíduo, região, cidade, etc. (Rocha, 1996; 2000b).

O presente estudo aborda a problemática da desigualdade e pobreza em áreas rurais buscando uma análise mais atual das condições sociais e econômicas de algumas famílias na perspectiva de contribuir com as reflexões e análises do Plano Brasil Sem Miséria e para os debates do desenvolvimento rural. Perceber as condições de vida, da produção, comercialização e como a intervenção social pode alterar o contexto e a participação destas famílias nas dinâmicas do desenvolvimento.

O exercício da comparação entre famílias consideradas pobres e que foram incluídas no Plano Brasil Sem Miséria e famílias pobres que, no entanto não foram incluídas no Plano para perceber semelhanças e diferenças que as colocaram nestas condições de acender ou não a intervenção estatal.

A pesquisa empírica foi feita no território da Cidadania Serra Geral2, localizado no semiárido mineiro, constituído por 16 municípios com uma população total de 402.828 e possuindo 41.967 pessoas em condição de extrema pobreza, segundo dados dos MDA, sendo que 23.811 estão no campo e 18.156 na cidade. Os dados foram coletados no município de Porteirinha-MG.

Este estudo pretende ser um ponto de partida das reflexões acerca dos critérios de seleção e de inclusão das famílias. O referencial teórico está relacionado aos conceitos de desigualdades sociais, pobreza, políticas públicas, intervenção social, agricultura familiar e à questão do método comparativo. Os autores de referência do estudo são Bajoit (2006), Sen (2000), Kageyama (2006), Hoffmann (2006), Schneider (2000), Estivil (2006), Balsa (2006), Franco (1998).

O estudo busca comparar as condições socioeconômicas de famílias selecionadas para o Plano e famílias pobres, potenciais beneficiárias, porém não selecionadas para beneficiar das políticas de combate à extrema pobreza rural . A escolha das famílias foi feita de modo aleatório, observando a equidade de gênero entre o grupo selecionado. Os dados foram coletados por meio de questionário aplicado durante os meses de novembro de 2011 a janeiro de 2012. A pesquisa de campo objetivou analisar alguns aspectos relacionados aos sistemas de produção e condições socioeconômicas deste grupo de famílias e, a partir dos dados

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Os Territórios da Cidadania é uma divisão do país, feita em 2008, para fins de planejamento do desenvolvimento social e territorial. Trata-se da delimitação de 120 territórios, cujo objetivo é promover o desenvolvimento econômico e a universalização de programas básicos de cidadania por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável. A participação social e a integração de ações entre as diversas esferas do Governo constituem os elementos fundamentais da estratégia. Em Minas Gerais são nove os territórios da cidadania, sendo a Serra Geral um deles.

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coletados, fez-se uma análise comparativa entre os dois grupos. A problemática de pesquisa e as questões norteadoras foram sintetizadas nas perguntas:

como estabelecer comparações entre os grupos? Como se comparam as condições de cada grupo? Que elementos semelhantes existem nos dois grupos? Que diferenças efetivamente existem entre as famílias, as incluídas e as que ficaram de fora do plano?

O material coletado ficou dividido em duas ordens de abordagens: aspectos de natureza simbólica, e aspectos de natureza material como estrutura produtiva e produção. Na análise dos aspectos de natureza simbólica buscar se á trazer para o debate o grau de participação social e política, as formas de organização local e regional, a capacidade organizativa para acessar políticas e programas públicos, o nível de escolaridade do (a) entrevistado (a). Na análise dos aspectos produtivos foi observado o tamanho da propriedade e a relação com a composição familiar, quantos itens da produção vão para o autoconsumo e quantos são destinados aos processos de comercialização.

E por fim uma breve consideração acerca de aspectos subjetivos e de aspectos materiais que podem explicar a inclusão/exclusão de famílias pobres dos programas de intervenção pública de combate à pobreza rural.

1. Desigualdades Sociais e pobreza

O cerne da questão social segundo Castel (2006) na atualidade não é a luta entre classes sociais distintas, mas a desigualdade entre os iguais, isto é, “é o conflito que opõe grupos sociais homogêneos em luta pela repartição dos benefícios do crescimento”. Quando a definição política caminha no sentido de concentrar e não repartir os benefícios do crescimento, automaticamente gera uma situação e um conflito social. Ao mesmo tempo esta situação propicia um processo de concentração e desigualdade.

Até 1930, o Brasil possuía uma economia predominantemente agrária. Desde então, houve uma intervenção do Estado no sentido de estimular a industrialização do país e, por meio de diversos estímulos econômicos e financeiros houve uma mudança estrutural na composição do produto do país. Tal processo, se de um lado contribuiu para a urbanização, para a ampliação da oferta de bens e serviços públicos, para a formação de uma sociedade salarial, de outro lado concentrou riqueza, terra e poder. Gerou processos desiguais e aprofundou as desigualdades sociais presentes desde o período escravocrata.

O dado mais elucidativo das condições de desigualdade no Brasil, que o deixa na posição de país socialmente injusto, é que os 10% mais ricos ficam com quase a metade da renda nacional. Estes fatos associados aos processos de formação econômica e social do Brasil resultariam em um quadro de pobreza seja no campo ou na cidade.

A utilização do conceito de pobreza tem um longo itinerário que provém da Idade Média (Gieremek, 1987; Sassier, 1990; Castel, 1995). Segundo Estivill (2006:104-07) o termo pobreza encontra sua origem no adjetivo pauper-eris. Ele cita que Casado (1990) por meio de 1.044 documentos do Arquivo Histórico da Real Academia espanhola, elencou diferentes funções e acepções desta palavra. Em 37% dos casos é atribuída uma função substantiva que identifica aquelas pessoas que carecem de bens materiais. Em 13% dos casos o substantivo pobre é utilizado como oposição a rico e, em 4% as palavras são associadas no plural “ricos e pobres”, mostrando que esta antítese tem valor totalizador, do qual deriva a universalidade do termo riqueza/pobreza como elemento de caracterização social. Em 39% dos casos, “pobre” é utilizado de forma imediata, com sentido de comiseração e, com menos freqüência, de desprezo, utilizando-se mais em relação a experiências como escassez, ausência de valor,

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modéstia. A sua utilização é mais freqüente com referência a entidades geopolíticas, como

povos pobres, regiões pobres, países pobres. Estivill (2006:105) sintetiza os diferentes

significados expresso pela palavra pobre em três tipos de carência: ter pouco, valer pouco, ter pouca sorte. Tal carência pode ser estrutural “ser pobre”, circunstancial “estar pobre”, excludente “não ser rico”, voluntária “tornar-se pobre” ou fingida “fazer-se de pobre”.

Estivill (2006:106) assinala que nesse itinerário, as palavras indigência, precariedade, miséria, privação ou marginalização, vão adquirindo sentidos, às vezes equivalentes, às vezes paralelos e outras vezes distantes do significado da pobreza.

No século XIX o pauperismo é considerado como resultado do insucesso das relações que os sujeitos estabelecem na luta pela sobrevivência. Tal interpretação motivou a instauração de um mínimo alimentar de subsistência, fixado de acordo com critérios biológicos e fisiológicos e a destacar o caráter desigual da propriedade dos meios de produção e distribuição das riquezas produzidas. Segundo Estivill (2006:106), estas duas interpretações encontrarão mais tarde alguma tradução nas expressões de pobreza absoluta e de pobreza relativa3.

Definir pobre em termos de renda é uma evidência e uma tautologia, que não explica as razões pelas quais ele/ela é pobre, nem a maneira pela qual se poderia superar a situação, isto é, não explica as causas e os efeitos da pobreza e, conseqüentemente, não auxilia a criar políticas sociais para minorar a pobreza. Segundo Bajoit (2006:92) os sociólogos “fotografam” a pobreza a partir de diferentes pontos de vista e distingue quatro leituras (a) o pobre como marginal; (b) o pobre como explorado; (c) o pobre como dependente; e, (d) o pobre é desafiliado.

A primeira leitura, o pobre como marginal, ele é pobre porque está mal socializado ou socializado numa subcultura diferente daquela da maioria das pessoas e não tem sucesso porque é estigmatizado (Oscar Lewis, Richard Hoggart, G. Simmel).

Na segunda, o pobre é pobre porque é explorado pela classe dominante, porque é alienado, pauperizado, excluído pelo funcionamento do capitalismo e não pode ter sucesso porque não é protegido e auxiliado (Jean Labbens, Vercautaren).

Na terceira, o pobre como dependente, é pobre porque não tem autonomia e não tem sucesso, porque não tem capital social suficiente (Kliksberg, Tomassini, Putnan).

Por último, o pobre é desafiliado, é pobre porque está isolado, atomizado, desestimulado e não tem sucesso porque não participa em formas de solidariedade organizada (R. Castel, S. Paugam).

Para Bajoit (2006:93) estas leituras derivam, implicita ou explicitamente, de duas representações diferentes do contrato social4 em que a primeira se baseia na idéia de igualdade e uma segunda na idéia de eqüidade. A legitimidade da igualdade se funda nas necessidades materiais das pessoas. Ter necessidades materiais é a condição que o indivíduo precisa preencher para poder se beneficiar legitimamente da ajuda instituída pela coletividade e que o Estado tem o papel de administrar, foi a concepção que prevaleceu na sociedade industrial, capitalista, socialista ou comunista.

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Pobreza absoluta evoca um nível mínimo de vida, semelhante em qualquer país e em qualquer época; Por pobreza relativa entende-se aquela situação em que o indivíduo, quando comparado a outros, tem menos de algum atributo desejado, seja renda, sejam condições favoráveis de emprego ou poder.

4 Por contrato social o autor entende “idéia que fazemos de uma coletividade a respeito das condições que seus

membros devem preencher para que seus interesses sejam reconhecidos como legítimos e possam, portanto, ser levados em consideração pela solidariedade instituída”.

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No contrato social baseado na idéia de eqüidade, a condição que o indivíduo deve preencher para ter acesso legítimo ao acesso instituído é o empenho. Ele deve provar não somente que está necessitado, mas também que faz o possível para sair da sua condição de pobre; ele deve mostrar seu civismo, sua vontade de autonomia, seu sentido das responsabilidades, seu desejo de ser ator, individual ou coletivamente. Com a mutação tecnológica, política, econômica, cultural e social a segunda leitura está a se impor.

Além do contrato social, outra diferença com relação às quatro leituras da pobreza, refere-se a diferentes concepções de política social (Bajoit 2006:94). As duas principais tendências nesse sentido são de considerar o pobre como responsável pela sua condição e, na segunda, a pobreza é vista como produto do funcionamento do sistema.

Na primeira abordagem, ao pobre compete fazer o necessário, com auxílio de pessoal especializado, para resolver seu problema. O funcionamento da sociedade não é questionado. É o pobre quem deve integrar-se nos papéis sociais, interiorizar os valores e as normas e adquirir os recursos necessários para tornar-se autônomo e não precisar mais de ajuda.

Na segunda abordagem, a pobreza é vista como produto do funcionamento do sistema, em que comporta relações de dominação social que gera desigualdades, desemprego, exclusão, desafiliação. Como conseqüência, para que o pobre possa vencer sua condição, é necessário assistência indefinidamente ou mudanças no funcionamento da sociedade para inserí-lo na vida ativa. O sistema não se transforma sozinho, sendo preciso movimento social e / ou político.

Para Bajoit (2006:100) todas as leituras são pertinentes. O pobre é ao mesmo tempo marginal, explorado, dependente e desafiliado. O problema, em sua opinião, é que leituras tomadas separadamente reduzem o pobre a uma única dimensão, revelando parte do que ele é, mas escondendo os demais aspectos de sua realidade. Ele conclui que seria importante uma leitura mais complexa e mais ajustada à realidade da pobreza, tal qual é vivida por aqueles que estão hoje nesta condição, de modo a conceber políticas sociais de forma original.

No Brasil, vários estudos (Pastore, Zylberstajn, Pagoto, 1983; Hoffmann, 1995; 2000b e Rocha, 1996; 2000b) utilizam os critérios de renda (sobretudo salário mínimo) para definir linhas de pobreza, ou seja, fixa-se um parâmetro a partir da qual se pode indicar que os indivíduos que possuem rendimentos inferiores àquela escala têm dificuldades ou sofrem restrições para satisfazer suas necessidades.

A partir de estudos realizadas com microdados da PNAD para analisar a pobreza no Brasil de 1992-2004, temos a seguinte classificação:

os pobres foram classificados em três grupos, conforme ocorra essencialmente insuficiência de renda (pobre tipo I), apenas falta de acesso a pelo menos dois de três equipamentos básicos (água canalizada,banheiro e luz elétrica) (pobre tipo II), ou baixa renda combinada com a ausência dos três equipamentos básicos (extremamente pobre). Esses grupos foram descritos em comparação com a categoria dos não pobres. A pobreza de tipo I, que afeta um terço da população brasileira, tendeu a apresentar variações cíclicas, sem tendência visível de melhoria. Os outros tipos de pobreza (especialmente a extrema pobreza) parecem depender bem menos dos ciclos econômicos, pois são sempre decrescentes no período, porque estão mais relacionados com efeitos de longo prazo do desenvolvimento regional e dos investimentos em infra-estrutura.

Kageyama e Hoffmann (2006).

De acordo com Hagenaars e De Vos (1988), todas as definições de pobreza podem ser enquadradas numa das três categorias seguintes:

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a) pobreza é ter menos do que um mínimo objetivamente definido (pobreza absoluta); b) pobreza é ter menos do que outros na sociedade (pobreza relativa);

c) pobreza é sentir que não se tem o suficiente para seguir adiante (pobreza subjetiva).

Segundo Kageyama e Hoffmann (2006) a defesa mais radical da idéia de pobreza relativa deveu-se a P. Townsend. Pode-se ler num trabalho de Abel-Smith e Townsend, publicado originalmente em 1965 e citado em Abel-Smith e Townsend (1972, p. 145-146):

A pobreza é um conceito relativo. Dizer quem está em situação de pobreza é uma afirmação relativa – como dizer quem é baixo ou pesado. (...) O fato de que a pobreza é essencialmente um conceito relativo e que essencialmente se refere a um conjunto de condições e não simplesmente à condição financeira tem sido aceito publicamente ou implicitamente pelos maiores estudiosos do tema quase desde o início dos estudos sobre pobreza.

Mas, para Sen (2006), “a pobreza deve ser vista como privação de capacidades e não apenas como baixo nível de renda [...]” ( página 120), uma pessoa de renda elevada, mas sem oportunidade de participação política pode não ser pobre economicamente, no entanto, é pobre no sentido de que não goza de uma liberdade importante.

Segundo o autor uma característica da idéia de pobreza é que ela possui uma “irredutível essência absoluta”: um de seus elementos óbvios são a fome e a inanição e, não importa qual seja a posição relativa na escala social, aí certamente existe pobreza. “O fato de algumas pessoas terem um padrão de vida mais baixo que outras é certamente uma prova de desigualdade mas não pode, por si só, ser uma prova de pobreza, a menos que saibamos mais a respeito da qualidade de vida que essas pessoas de fato possuem (Sen, 1983, p. 159)”.

O conceito de pobreza, então, pode assumir uma forma relativa no que se refere a quais bens são considerados indispensáveis para viver em determinada sociedade, mas tem um componente absoluto central no que se refere às capacidades.

No Brasil, embora não haja consenso sobre as causas da redução da pobreza, há indícios de que o controle da inflação, o aumento da educação e as políticas sociais explicam uma significativa melhoria social das famílias aliada a expansão econômica do país.

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Figura 01

Figura: Evolução da taxa de pobreza, em percentagem, de 1981 a 2009 no Brasil. Fonte: Ipeadata, 2011. Elaborado por HAROLDO TORRES e RAPHAEL TRISTÃO

Segundo dados do IPEA de 2009, os gastos sociais do governo brasileiro nas tres esferas evoluíram significativamente, saindo de 13,3 % em 1985 para 21,9% em 2005, mas apesar da evolução dos gastos públicos com programas sociais, o quadro de desigualdade e pobreza no Brasil continua desafiando gestores públicos a proporem ações de inserção socioprodutivas para as famílias pobres.

Na realidade rural brasileira a política de intervenção do Estado vem se efetivando por meio de transferências de rendas com a aposentadoria rural e outros benefícios, bolsa família e diversos programas como o Programa de Aquisição de Alimentos, Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - Pronaf e outros.

Apesar da reorientação iniciada em meados dos anos 1990 com a conquista do PRONAF, e mesmo com os programas de transferência de renda direcionados às parcelas mais empobrecidas da sociedade a partir do início dos anos 2000, mesmo assim um número significativo de agricultores familiares encontram-se no limiar da extrema pobreza (renda per

capita inferior a R$70,00/mês) como pode ser visto no mapa a seguir (adaptado de Antonio

Marcio Buainain, 2004)5,

5

BUAINAIN, ANTÔNIO Márcio, Guanziroli, C, Meirelles, H et al(2004) Agricultura Familiar: Um estudo de Focalização Regional. SOBER 2004. Cuiabá.

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Figura 02

Fonte: mapa adaptado de Antonio Marcio Buainain, 2004

2. O Plano Brasil Sem Miséria

Lançado em junho de 2011, o Plano Brasil Sem Miséria – BSM lançou um desafio as políticas e programas públicos: retirar da extrema pobreza e miséria mais de 16 milhões de brasileiros e brasileiras. O Plano Brasil Sem Miséria é direcionado aos brasileiros que vivem em lares cuja renda familiar é de até R$ 70 por pessoa. De acordo com o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estão nesta situação 16,2 milhões de brasileiros. Segundo dados do governo, de um total de 29,83 milhões de brasileiros residentes no campo, praticamente um em cada quatro se encontra em extrema pobreza (25,5%), perfazendo um total de 7,59 milhões de pessoas.

O objetivo do Plano Brasil Sem Miséria é elevar a renda e as condições de bem-estar da população. As famílias extremamente pobres que ainda não são atendidas serão localizadas e incluídas de forma integrada nos mais diversos programas de acordo com as suas necessidades.

O Plano Brasil Sem Miséria agrega transferência de renda, acesso a serviços públicos, nas áreas de educação, saúde, assistência social, saneamento e energia elétrica, e inclusão produtiva. Com um conjunto de ações que envolvem a criação de novos programas e a ampliação de iniciativas já existentes, em parceria com estados, municípios, empresas públicas e privadas e organizações da sociedade civil. Segundo o Governo Federal ele quer incluir a população mais pobre nas oportunidades geradas pelo forte crescimento econômico brasileiro.

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Figura 03

Fonte: IBGE 2011

3 A agricultura Familiar em Porteirinha

As condições ambientais e climáticas em que se insere a agricultura familiar em Porteirinha apresentam solos em geral de boa fertilidade, e que infelizmente encontram-se bastante degradados, com intenso processo de erosão e consequente assoreamento dos cursos d‟água das regiões. Após intenso período de monocultivo do algodão as terras foram perdendo fertilidades, os solos ficaram enfraquecidos pelo intensivo uso de agrotóxicos. Com baixos índices pluviométricos e escassez dos recursos hídricos as famílias desenvolveram estratégias de produção, ora captando água da chuva e armazenando-a para o período seco, ora optando por animais e plantas que necessitam de baixo consumo de água. Estas condições restritivas

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de uso da água as colocam em constantes estados de calamidade, pois precisam muitas vezes ser abastecidas com carro pipa.

Com o Programa Luz Para Todos são poucas as comunidades que não tem energia elétrica. As famílias visitadas possuem geladeira, televisão, alguns possuem aparelho de DVD, rádio e em sua grande maioria possuem bicicleta, algumas possuem motocicleta, mas o meio de transporte mais utilizado são os ônibus que trafegam 3 vezes por semana.

A economia agrícola das comunidades está fortemente alicerçada na produção para a subsistência familiar, com algumas iniciativas de comercialização local de excedentes da produção, de forma individual ou por meio das Cooperativas: Agroextrativista Grande Sertão, Cristal e Crescer. Apesar de um quadro relativo de dificuldades, encontra-se um conjunto de experiências no campo da gestão territorial, da produção e da organização, que apontam possibilidades de ancoragem e fortalecimento da agricultura familiar.

Além do enfoque da produção para o autoconsumo, é comum a troca de produtos e serviços entre vizinhos, sendo colocada a necessidade de estruturar melhor este processo de circulação de produtos e serviços entre as comunidades e o comércio local.

Um fator relevante no que diz respeito ao protagonismo das famílias é que neste município há uma ação forte e conseqüente do Sindicato dos Trabalhadores rurais que tem uma política de fortalecimento da agricultura familiar e com a intensa participação de muitas lideranças nos diversos espaços de gestão e monitoramento das políticas. Há neste ambiente um forte e rico capital social que vem intervindo positivamente nas políticas locais.

Apesar de todos estes esforços para fortalecimentos das famílias e comunidades, há ainda um número a ser considerado de famílias que pela distância em que estão da sede do município e por falta de informação, ou ainda pela invisibilidade social encontram-se desprotegidas e excluídas das políticas públicas.

No município de Porteirinha foram selecionadas 320 famílias a partir dos critérios do Plano. Na primeira etapa do trabalho está sendo realizado um diagnóstico familiar e produtivo. Na segunda etapa será construído com a família um projeto produtivo que terá o apoio de um fomento de R$ 2.400,00/família que será transferido pelo cartão Bolsa Família. Este valor será dividido em três parcelas. A equipe técnica que acompanha a família deverá atestar o uso do recurso conforme o projeto para que as parcelas subseqüentes sejam liberadas.

Além destas ações, estão previstas reuniões coletivas, atividades com mulheres e jovens e há uma perspectiva de continuidade do Plano após avaliação dos resultados desta primeira fase. Um dado que vem sendo extremamente criticado é com relação a distribuição das sementes de milho, feijão e hortaliças. As sementes distribuídas oriundas da Embrapa, são sementes culturalmente cultivadas pelas famílias do Nordeste brasileiro, não sendo comum na região. Em Porteirinha há um intenso trabalho de resgate e manutenção de bancos de sementes crioulas, com variedades nativas e tradicionais da região. O BSM distribuiu sementes da Embrapa e no momento da entrega, a família logo dizia que aquela semente de feijão seria produção para a venda e não para o consumo doméstico. Ou seja, entrar com variedades de sementes diferentes das sementes que as famílias mantêm a tradição de plantio e a cultura alimentar pode resultar em insucesso.

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Para se fazer qualquer estudo comparativo é necessário, como afirma Morlino e Sartori responder as questões do „como‟, „por que‟ e „o que‟ é comparável. Neste sentido, a comparação deixaria o campo do implícito, ou seja, da simples descrição e justaposição de dados para o emprego de uma metodologia comparada, onde o analista manifestaria claramente quais os critérios de sua comparação, inseridos dentro de um contexto histórico-cultural.

Concordando com FRANCO (1998), que o discurso da diferença é um discurso difícil, citando Todorov, transporto esta dificuldade para além do discurso, trazendo para a reflexão uma realidade socioeconômica e de políticas públicas acessadas ou não por estas famílias que as coloca em posições possíveis de serem comparadas.

Que programas sociais e projetos chegaram até as famílias em extrema pobreza? Em que medida estes programas, projetos e outros fatores alteram a condição socioeconômica destas famílias? Quais as condições produtivas destas famílias? Elas acessam algum mercado para os processos de comercialização e venda? Sartori chama a atenção para os cuidados que devemos ter neste processo de comparação:

(...) comparar implica assimilar e diferenciar em seus limites. Se duas entidades são iguais em tudo, em todas as suas características, é como se fossem a mesma coisa e tudo termina aí. (...) as comparações quesensatamente nos interessam se levam a cabo entre entidades que possuem atributos em parte compartilhados (similares) e em parte não compartilhados (e declarados não comparáveis). Sartori - "Comparación y Método

Comparativo"..., pp. 34-35.

Como descrito anteriormente, foram realizadas as visitas e aplicados 20 questionários em comunidades do município de Porteirinha, que integram o território da Cidadania, sendo dez famílias incluídas na listagem do Plano Brasil Sem Miséria (grupo 1) e 10 que não estão contidas na lista do Plano, lista esta enviada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA (grupo 2). Pretende-se comparar os aspectos simbólicos e os de produção destas famílias. Por que comparar estes dois grupos? Inicialmente para perceber se há semelhanças entre estas famílias, numa tentativa de compreender por que algumas foram incluídas e outras não. Há evidência nos dados coletados que as diferenciam?

5. Dados e resultados da Pesquisa

5.1 Aspectos de natureza sociodemográfica

Nesta parte do estudo, a análise e reflexão giram em torno de informações sociodemográficas das famílias, tais como faixa etária, escolaridade, composição familiar e de natureza simbólica, analisando os dados da participação social, da participação em cursos e eventos de capacitação e de acesso a programas de crédito e de transferências de rendas.

Quanto aos dois grupos pesquisados no que diz respeito à perspectiva de gênero, foi adotado o critério da equidade entrevistando 5 mulheres e 5 homens incluídas no Grupo 1, Plano Brasil Sem Miséria (BSM) e 5 mulheres e 5 homens que não estão na lista do plano (NBSM), Grupo 2.

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Gráfico 01

Gráfico 1: Idade dos Entrevistados

Fonte: pesquisa de Campo realizada entre Nov. de 2011 a janeiro 2012

O gráfico 01 refere à idade dos membros das famílias entrevistadas, evidenciando que a faixa etária entre o(a)s entrevistado(a)s apresenta uma característica importante que está relacionada a capacidade da força de trabalho apresentada na faixa das famílias do Brasil Sem Miséria. Com o repasse de um fomento a ser realizado no cartão família e a elaboração de um projeto produtivo a ser financiada pelo repasse do governo, a força de trabalho dos mais jovens pode ser um dos elementosa possibilitar melhores resultados na área da produção.

Grau de escolaridade

O gráfico abaixo retrata em anos a freqüência e permanência do(a)s entrevistado(a)s na rede educacional.

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Gráfico 02

Gráfico 2: Nível de Escolaridade dos Entrevistados

Fonte: pesquisa de Campo realizada entre Nov. de 2011 a janeiro 2012

Conforme nos aponta os resultados acima, a freqüência em anos na rede de educação das famílias que não foram inclusas no BSM é superior a das famílias inseridas no Plano. Este dado pode ser associado à capacidade de melhoria das condições de vida das famílias que podem estar em melhores condições em relação as do BSM. Mas, o gráfico 03 apresenta dados relacionados à composição da família, ou seja, quantas pessoas residem na propriedade indica que o número de pessoas nas famílias que não foram incluídas no Plano é superior ao das famílias estão no BSM.

Gráfico 03

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Fonte: pesquisa de Campo realizada entre Nov. de 2011 a janeiro 2012

Quanto à participação em eventos de capacitação, o número de cursos freqüentados pelos entrevistados do BSM é inferior aos cursos freqüentados pelas famílias não inclusas no Plano. Este dado demonstra que o aprimoramento dos processos produtivos pode estar relacionado aos cursos freqüentados.

Gráfico 04

Gráfico 4: Número de cursos de capacitação

Fonte: pesquisa de Campo realizada entre Nov. de 2011 a janeiro 2012

Quanto ao acesso a Programas públicos de transferência de renda é importante ressaltar que todas as famílias inclusas no BSM estão no Cadastro Único do MDS e são beneficiárias do Programa Bolsa Família. Dessa forma, o gráfico abaixo mostra que todas elas possuem recursos de transferência de renda, já as outras famílias entrevistadas 50% delas recebem o benefício da aposentadoria.

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Gráfico 5: Transferência de renda

Fonte: pesquisa de Campo realizada entre Nov. de 2011 a janeiro 2012

Em relação à informação que diz respeito ao acesso ao crédito, a pergunta foi relacionada a quantidade de créditos acessados pela família. 70% das famílias do BSM conseguiram acessar algum tipo de crédito, enquanto somente 40% das famílias não inclusas do BSM também acessaram alguma linha de crédito. As linhas de créditos acessadas são o Pronaf B e o Garantia safra.

Gráfico 06

Gráfico 6: Quantidade de créditos acessados

Fonte: pesquisa de Campo realizada entre Nov. de 2011 a janeiro 2012

5.2 Aspectos Produtivos

Nesta segunda parte do estudo será apresentado e analisado os dados relacionados com aspectos da produção como, tamanho da propriedade, aos produtos utilizados para o autoconsumo e os destinados aos processos de comercialização.

Iniciaremos apresentando os dados do tamanho da propriedade das famílias entrevistadas. As informações do quadro fundiário são importantes para averiguar e prospectar a capacidade de produção das famílias.

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Gráfico 07

Gráfico 7: Tamanho da propriedade em Hectare

Fonte: pesquisa de Campo realizada entre Nov. de 2011 a janeiro 2012

Este gráfico mostra que o tamanho das propriedades das famílias do BSM é extremamente pequeno em relação às outras famílias. O tamanho da propriedade destas famílias oscila entre 0,5 a 5,0 hectares. Este dado comparativo sinaliza que a falta de terra ou insuficiência dela gera situação de vulnerabilidade produtiva e automaticamente empobrecimento histórico destas famílias. Ou seja, sem terra ou com pouca terra estas famílias têm produção limitada e conseqüentemente não produzem para o autoconsumo e nãp comercializam nenhum produto, vivendo basicamente de rendas provenientes das transferências dos programas sociais.

Um dado importante neste contexto diz respeito a produção para o autoconsumo. Os dados coletados procuraram quantificar os itens produzidos na propriedade e que são consumidos pelas famílias.

Gráfico 08

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Gráfico 8: Quantidade de produtos para o autoconsumo

Fonte: pesquisa de Campo realizada entre Nov. de 2011 a janeiro 2012

Podemos constatar que as famílias do BSM têm poucos ou quase nenhum produto de consumo oriundo de sua produção. Observando a disposição de terra destas famílias conclui-se que conclui-sem terra ou com pouca terra estas famílias não apreconclui-sentam condições de produção suficiente para o autoconsumo, conforme descrito anteriormente. Ou seja, nestas condições elas necessitam comprar todos os itens de alimentação familiar. Estes dados de produção para o autoconsumo muitas vezes é utilizado como medida de bem estar e em alguns estudos vem sendo utilizado para aferição de renda.

Já os dados coletados relativos aos processos de comercialização estão relacionados a quantidade e não o volume de itens que estão disponibilizados para a venda.

Gráfico 09

Gráfico 9: Quantidade de produtos para comercialização

Fonte: pesquisa de Campo realizada entre Nov. de 2011 a janeiro 2012

Um dado chama a atenção, 60% das famílias do BSM não comercializam nenhum produto e, as respostas a esta situação foi em função de não possuir as condições para produzir o suficiente para isto (falta terra e outras condições como orientação técnica, água para produção e alguns poucos relacionaram a falta de condições de acesso a mercado). Por outro lado 60% das outras famílias vêm comercializando produtos, seja na própria comunidade, na feira local e alguns estão acessando o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA e no Programa de Alimentação escolar – PNAE.

5 - Considerações finais

Em estudo de natureza semelhante a este realizado na Irlanda, , Layte; Nolan e Whelan (2000), utilizaram a análise fatorial para extrair, de um grande conjunto de indicadores não

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monetários de bem-estar e de infra-estrutura dos domicílios, três dimensões que melhor representassem os tipos de privação contidos na medida de pobreza. Essas dimensões correspondem aos três primeiros fatores da análise fatorial e puderam ser identificadas como: “privações básicas ou essenciais” (alimentação, aquecimento, calçado, roupas, etc.), “dimensão relacionada com a habitação” (geladeira, TV, máquina de lavar, banheiro, etc.) e “dimensão secundária para estudo de pobreza” (telefone, carro, férias, aquecimento central, hobby e recreação, etc.). A medida proposta combina uma linha de renda relativa (uma porcentagem da renda média domiciliar disponível) com o primeiro fator (privações básicas) para identificar a situação de pobreza. A “estrutura das privações”, refletida na estrutura dos fatores, pode alterar-se ao longo do tempo, de forma que a definição de pobreza também deve ir sendo atualizada.

Na pesquisa empírica realizada, nota-se que as famílias entrevistadas possuem acesso a alguns bens e serviços básicos como energia elétrica, moradia de alvenaria, mas sofrem privações no que diz respeito ao acesso a água de qualidade, aos serviços de educação e saúde e em alguns casos as condições de acesso para as comunidades, com existência de estradas ruins e transporte precário. Estas condições estão relacionadas com as políticas públicas e os investimentos em infra-estrutura que interferem nas condições de vida e nos apoios ao desenvolvimento das atividades produtivas.

O objetivo do trabalho não foi discutir as causas das desigualdades e da pobreza rural. No entanto, fica a questão de quais parâmetros devem ser adotados para medir a pobreza? No caso do Plano Brasil Sem Miséria a pobreza foi medida pela renda per capita declarada na DAP (Declaração de Aptidão ao Pronaf), ou seja, a busca ativa, como o governo denominou o processo de seleção de famílias se orienta prioritariamente pelas informações de renda contida na DAP.

Certamente estas famílias se enquadram como explorados nas relações desvantajosas com o capital industrial e financeiro. São vítimas, por exemplo, dos processos de concentração da terra na região. O latifúndio neste território é dominado também pelas forças políticas que atuam no município. Nas condições fundiárias em que se encontram as famílias do Grupo 1 dificilmente conseguirão romper as dificuldades para produzir em escala suficiente para o consumo e para os mercados, onde poderia residir a possibilidade de renda e superação da pobreza.

Um resultado importante da análise são os dados relativos ao quadro fundiário das famílias. O estudo mostrou que se trata de minifúndios, com tamanho bastante inferior ao mínimo necessário para a viabilidade econômica do grupo familiar, o módulo rural. O plano não prevê ações diretamente ligadas à reforma agrária, equipamentos e melhorias nas condições de produção ou qualquer outro tipo de ampliação de área, seja para o autoconsumo seja para o mercado. Este componente pode comprometer os resultados esperados pelo governo no que diz respeito à possibilidade de aumento de renda destas famílias.

Dentre os desafios colocados no campo do desenvolvimento rural, encontra-se o tema do protagonismo juvenil. Como o território da Serra geral e a região Norte de Minas de modo geral, têm um intenso processo de migração juvenil, sendo a segunda maior fonte de renda, depois da aposentadoria rural, o Plano BSM não contempla ações específicas com recortes transversais que considera a questão geracional. Nenhum investimento ou perspectiva para os jovens rurais que encontram na migração para o Sul de Minas ou interior de São Paulo sua fonte de renda e apoio para sua família.

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Enfim, as condições socioprodutivas e econômicas de todas as famílias entrevistas justificaria a necessidade de apoios públicos intervenção e políticas de combate à pobreza. As famílias incluídas no Plano BSM apresentaram condições relativamente piores em comparação com as outras famílias entrevistadas, no que diz respeito ao tamanho da propriedade, a escolaridade, aos processos de capacitação e produção, o que corrobora a escolha das famílias beneficiárias. Todavia, o desenho proposto pelo governo para execução do plano não caminha na direção dos objetivos finais proposto pelo Estado de incluir os pobres nos processos de oportunidade de crescimento do país, na medida em que as condições de produção (terra e água) não forem equacionadas. O caminho poderia ser o que sugere Bajoit (2006). “Esta idéia de pobreza permitiria conceber políticas sociais e, portanto o trabalho social de uma forma original. A finalidade seria restaurar a dignidade dos pobres, trabalhar com eles sobre sua identidade pessoal, auxiliá-los a restaurar sua auto estima e, por meio disso, reencontrar a motivação que lhes permitiria sair de sua condição.(Bajoit, 2006)”.

Não se pode negar os avanços conquistados ao longo dos anos e no esforço de interação das políticas para estas famílias, a idéia de construção conjunta de projetos produtivos entre técnicos e agricultores(as) e a lógica de articular a produção com os mercados institucionais (PAA e PNAE) pode sinalizar ampliação e geração de renda e conseqüentemente uma real redução das desigualdades e da pobreza rural.

E aqui, é importante destacar um grave problema verificado neste processo: se o cadastro de seleção do governo é de famílias que possuem DAP (declaração de Aptidão ao Pronaf) isto quer dizer que estas famílias acessaram algum programa ou projeto público. E as famílias que nunca acessaram nada, que não tem DAP e que não aparece no cadastro do governo? Será que estas famílias não deveriam apresentar o potencial para serem incluídas em um plano com este?

6 - Bibliografia:

BALSA, Casimiro. Conceitos e dimensões da pobreza: uma abordagem transnacional. In: BALSA, Casimiro; BONETI, Lindomar W.; SOULET, Marc-

Henry (Orgs.). Conceitos e dimensões da pobreza e da exclusão social: uma abordagem transnacional. Ijuí: Ed. Unijuí, 2006.

FRANCO, Maria Ciavatta. Quando nós somos o outro: Questões teórico-metodológicas sobre os estudos comparados. Revista Educação & Sociedade. Revista de Ciências da Educação/Centro de Estudos Educação e Sociedade, São Paulo: Cortez, Campinas, ano XXI, n° 72, p.197-230, Ago/2000.

HOFFMANN, R. Pobreza, insegurança alimentar e desnutrição no Brasil. Revista Estudos Avançados, São Paulo, USP, v.9, n. 24, p. 159-172, 1995.

KAGEYAMA, A. & Hoffmann. Pobreza no Brasil: uma perspectiva multidimensional. Economia e Sociedade, Campinas, v. 15, n. 1 (26), p. 79-112, jan./jun. 2006.

SCHNEIDER ,Sergio & Fialho, M. Antonio V. Pobreza rural, desequilíbrios regionais e desenvolvimento agrário no Rio Grande do Sul.

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VEIGA, José Eli et al. (2001). “O Brasil rural precisa de uma estratégia de desenvolvimento”. Textos para Discussão n. 1, NEAD, Brasília.

Referências

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