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Trabalho Imaterial: idealização x realidade do trabalho informacional Immaterial Work: idealization vs. reality of the informational work

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Academic year: 2021

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Trabalho Imaterial: idealização x realidade do trabalho informacional

Immaterial Work: idealization vs. reality of the informational work

Maria Emília Rodrigues - Mestranda do Programa de Pós Graduação em Sociologia da

UFPR. mariem_rodrigues@yahoo.com.br

RESUMO

A evolução e aplicação crescente das tecnologias da informação e da comunicação na produção, a partir de meados de 1970, constituem-se como importante fator de análise nas teses que procuram captar as mudanças no trabalho e na economia. Sendo assim, a proposta deste artigo é a de abordar algumas visões distintas sobre as mudanças na natureza do trabalho, tendo como principal foco o trabalho informacional. Serão apresentadas algumas teses que celebram as potencialidades de emancipação no trabalho imaterial, e o apontam como tendência hegemônica da sociedade do futuro, esta cada vez mais moldada pelo conhecimento e informação. Estas teses serão confrontadas com outros estudos que alertam para as novas formas de controle do trabalho, precarização das modalidades contratuais e a não eliminação das atividades taylorizadas, mesmo no trabalho informacional. A partir desta discussão, verifica-se uma realidade do trabalho informacional diversa daquela idealizada.

PALAVRAS-CHAVE: Trabalho Imaterial. Flexibilização. Tecnologias da Informação e da Comunicação.

ABSTRACT

The development and crescent application of information and communication technologies in the production, from the middle of 1970, constitute an important factor in the analysis of theses that attempt to capture the changes in work and the economy. Therefore, the purpose of this paper is to address some different views on the changing nature of work, with the main focus on the informational work. There will be some theses that celebrate the potential for emancipation in immaterial work, and show how hegemonic trend of the future society, is increasingly shaped by knowledge and information. These theories will be compared with other studies that warn of new forms of labor control, precarious contractual arrangements and non-elimination activities Taylorized even in informational work. From this discussion, there is a reality of diverse informational work that idealized.

KEYWORDS: Immaterial Work. Flexibility. Information and Communication Technologies.

1.0: Introdução:

Em meio às mudanças promovidas pela reestruturação produtiva e a economia globalizada testemunhamos profundas transformações no mundo do trabalho. A “acumulação flexível” (HARVEY, 2001) tem como suas principais características a flexibilização dos mercados, da mão de obra, dos contratos de trabalho e a inovação das organizações, dos produtos e da tecnologia. Além do advento do neoliberalismo,

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modificando o papel do Estado como agente regulador das relações entre capital e trabalho. É neste contexto que há um rápido desenvolvimento e aplicação em diversos setores da economia das tecnologias da informação e da comunicação (TICs). Não só as mudanças organizacionais exigem um novo perfil de trabalhador diferente do modelo fordista, mas as próprias novas tecnologias informacionais também.

O trabalho exigiria um uso maior das capacidades cognitivas e comunicativas, além da habilidade de adaptação às mudanças num mundo cada vez mais marcado pela instabilidade. Com este fenômeno, produz-se uma infinidade de discursos nos meios empresariais e acadêmicos, em torno da chamada “sociedade do conhecimento” (GORZ, 2005) ou da “informação” (CASTELLS, 2000), marcada pela valorização do saber, da cooperação e da democratização do conhecimento. O uso das TICs é um dos fatores emblemáticos nas teses que defendem a tendência à hegemonia do trabalho imaterial, mais autônomo e intelectualizado. Contudo, alguns estudos contrapõem-se a estas teses, argumentando que a realidade do trabalho é um tanto diversa daquela que é idealizada pelos defensores da noção de “sociedade do conhecimento”.

Evitando uma análise reducionista do tipo “tecnologia gera desemprego” ou os “impactos gerados pela tecnologia na sociedade”, o objetivo deste artigo é discutir algumas visões distintas das teorias que abordam as mudanças no trabalho, especificamente aquelas que tratam da emergência do trabalho imaterial, tendo como principal foco o trabalho informacional.

2.0: “Sociedade do conhecimento” e a predominância do trabalho imaterial: possibilidades e tendências

As transformações ocorridas no modo de produção capitalista a partir de meados da década de 1970 suscitam diferentes abordagens teóricas sobre a globalização e a reestruturação produtiva. Assim, surgem algumas teses celebrando o potencial emancipador do trabalho proporcionado pela revolução das tecnologias informacionais. Em relação a esta perspectiva pode-se citar os estudos de Castells (2000) e Lazzarato e Negri (2001). Também surge a vertente do “capitalismo cognitivo” (COCCO; GALVÃO; SILVA, 2003), na qual há uma mutação na natureza do próprio capitalismo que, de base industrial agora passa a centrar-se na produção de conhecimentos e informação.

Para Castells (2000), a revolução da tecnologia da informação é “um evento histórico da mesma importância da Revolução Industrial do século XVIII, induzindo um

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padrão de descontinuidade nas bases materiais da economia, sociedade e cultura” (CASTELLS, 2000, p. 50). Pois o registro que confirma uma revolução é a penetração em todos os domínios da atividade humana. A diferença agora, não é a centralidade de conhecimentos e informação, mas a aplicação destes para a geração de novos conhecimentos e de dispositivos de informação. Isto explica a velocidade com que a tecnologia informacional se dissemina e se desenvolve, pois ela amplia seu poder de difusão através de seus próprios usuários. Há uma interconexão direta entre mentes e máquinas. Outro fator que caracteriza esta revolução é o seu poder de alcance a nível mundial num espaço de tempo muito reduzido (de 1970 a 90).

A tese que o autor sustenta é a de que a partir da década de 1970 uma nova economia surgiu em escala global. A flexibilização produtiva marca o surgimento de uma nova economia que é informacional e global. Informacional porque apoia-se e depende cada vez mais das tecnologias da informação e da comunicação – a informação não é mais apenas necessária à produção, ela própria torna-se produto – e global porque está organizada em redes de conexões entre os agentes produtivos. Devido aos imperativos da competitividade, a expansão dos mercados e a formação de blocos econômicos resultaram numa inter-conectividade de alcance global entre Estados e empresas. Daí o surpreendente desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação e o fato destas terem adquirido papel central na nova economia.

É importante ressaltar aqui, que a indústria não desapareceu, apenas modificou-se, inclusive aumentando em alguns países e regiões (como o caso dos Tigres Asiáticos). O que ocorre, é que há o aumento da produção industrial em alguns ramos, como a microeletrônica, e a mudança ou desaparecimento de outros, assim como surgem setores inteiramente novos. A própria economia industrial também torna-se informacional e global, pois se não fosse assim, ela não sobreviveria. Alguns setores ou se modificaram, ou desapareceram, da mesma forma que as trajetórias de desenvolvimento dos países são distintas e desiguais. “Portanto, o resultado líquido do primeiro estágio da revolução informacional traduziu-se em vantagens e desvantagens para o progresso econômico” (CASTELLS, 2000, p. 110).

Por mais que Castells reconheça que o advento das tecnologias da informação produz e/ou agrava as desigualdades, é possível notar uma postura otimista do autor quanto ao potencial destas tecnologias, tanto a respeito do trabalho quanto do desenvolvimento econômico. Enaltecendo o espírito empreendedor inerente à

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informatização, o autor afirma que o novo padrão organizacional das empresas gera um novo tipo de cultura baseada na “destruição criativa” e um novo trabalhador da era pós-fordista. Porém, ele nos apresenta a polarização entre trabalhadores qualificados e incluídos e trabalhadores desqualificados e excluídos pela rede. Disto resultam conclusões um tanto contraditórias por parte do autor: se de um lado, há a “desconexão” de vastas regiões do planeta, a expansão do trabalho “desvalorizado” e o alargamento do fosso que separa os instruídos dos alienados, por outro ele crê no êxito futuro dos países emergentes, no aumento da produtividade e na autonomia do trabalho gerada pelo desenvolvimento informacional (BRAGA, 2009, p. 63).

Lazzarato e Negri (2001) reconhecem no modelo pós-fordista “a centralidade de um trabalho vivo sempre mais intelectualizado” (LAZZARATO; NEGRI, 2001, p. 25). Sua argumentação parte do pressuposto de que o trabalho operário está cada vez mais ligado à subjetividade, sendo esta também um valor de uso da força de trabalho. Mas as capacidades cognitivas e comunicacionais não estão apenas no operário qualificado: elas também se encontram no trabalhador jovem precarizado como potencialidade, já que é advinda não de uma instrução formal ou de uma exigência exterior, mas das próprias lutas fordistas e da autovalorização cultural. A reestruturação transformou o trabalho, colocando as atividades imateriais no cerne da produção industrial e terciária redefinindo, principalmente através da informática e da telemática, o ciclo social da produção.

O desenvolvimento industrial cessa a apropriação do tempo de trabalho como criador de riqueza, onde a combinação da atividade social se apresentaria como produtora. A contradição está no fato de que o capital reduz o tempo de trabalho necessário ao mesmo tempo em que o toma como medida e fonte de riqueza. Tempo livre significa o desenvolvimento das individualidades no plano artístico, científico, etc. Assim o capital acrescenta o tempo de trabalho supérfluo, procurando aprisionar as forças sociais para conservar como valor os valores já criados. E é neste processo que estão dadas as condições para explodir sua base.

Temos então a emergência de uma nova subjetividade no trabalho imaterial capaz de se constituir em força social independente e autônoma, indicando o desenvolvimento de uma “intelectualidade de massa”. Ao empresário capitalista não cabe mais a gestão e controle do processo de trabalho, mas sim a habilidade política de explorar estas capacidades. A tendência à hegemonia da intelectualidade de massa se

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coloca como contradição ao capital, mas não de forma dialética, e sim alternativa. A cooperação dos trabalhadores intelectualizados pode formar uma organização independente do capitalismo, um poder constituinte alternativo às formas de poder existentes. A atividade intelectual na produção desdobra-se em ação crítica e libertadora dentro do próprio processo de trabalho, originando um novo sujeito, potência do comunismo.

Os autores que defendem a tese do “capitalismo cognitivo” (COCCO; GALVÃO; SILVA, 2003) afirmam que de um regime de reprodução, característico do modelo fordista, passamos ao de inovação. Isto se deu principalmente em virtude da aplicação da TICs aos processos produtivos. Graças à integração das redes sociais surge uma nova forma de cooperação produtiva (não mais restrita à fábrica) acompanhadas de novas formas de distribuição e de comercialização dos produtos. As atividades imateriais ganham maior relevância, modificando não apenas o caráter do trabalho, mas o padrão de acumulação capitalista. Temos então a emergência de uma “economia do conhecimento”, onde o saber torna-se a principal força produtiva, que agora baseia-se no “novo” como fonte de valorização.

O capitalismo cognitivo opera de maneira diferenciada em função de que possui leis de valorização diferentes do capitalismo “tradicional”. A valorização do conhecimento é diferente das demais mercadorias, pois seu “consumo” não é destrutivo. Conhecimentos não são escassos e sua produção e difusão não implicam em seu esgotamento, pelo contrário. A única ressalva com relação a isto está nos direitos sobre a propriedade intelectual, que ao promoverem a apropriação e controle dos conhecimentos, limitando seu acesso, os reduzem a uma mercadoria semelhante às demais.

2.2: O trabalho imaterial é livre? Questões acerca do trabalho informacional

As teses apresentadas, principalmente a de Lazzarato e Negri (2001), sugerem uma crença de que as mudanças gestadas no interior do próprio capitalismo carregam o poder de transformação em si. Que de que a ruptura com o modelo industrial taylorista/fordista sinaliza a passagem para uma fase em que o conhecimento do trabalhador torna-se a principal fonte de valorização e que ao mobilizá-lo este pode realizar o trabalho de forma independente e criativa. Há uma idealização do trabalho imaterial, como se a oposição entre capital e trabalho não mais existisse a partir dele. A

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própria divisão entre o “trabalho feito com a cabeça” e o “trabalho feito com as mãos” é ilusória, já que toda atividade requer o uso de habilidades cognitivas.

A visão generalizante da predominância do trabalho imaterial esbarra na constatação de que ele é exercido por uma minoria da população trabalhadora mundial (POCHMMAN, 2001). A maior parte dos trabalhadores permanece exercendo atividades repetitivas, rotineiras e consideradas desqualificadas. O trabalho manufatureiro, taylorizado, típico das organizações fordistas, ainda é utilizado em larga escala por muitas empresas, principalmente nos países subdesenvolvidos. Se Castells (2000) apontou para a aplicação da tecnologia como fator que assegura a produtividade e a competitividade das empresas, a permanência da utilização de mão de obra pouco qualificada não significa que há empresas na contramão. Pelo contrário, isto faz parte de um cálculo racional de redução de custos.

Mesmo para os trabalhadores do imaterial, cabe verificar também como são aplicados seus conhecimentos, as habilidades comunicativas e a até mesmo a sua subjetividade. Até que ponto e para qual finalidade estes utilizam sua criatividade e a realizam com autonomia. Não se pode ignorar o fato de que as TICs engendram novas formas de controle sobre o trabalho – até a distância – e possibilitam também a extensão da jornada de trabalho, que pode ser realizado inclusive em domicílio. Estes fatores são importantes se pensarmos nas terceirizações de vários setores das empresas e as novas formas de contratação flexíveis. São estes aspectos que serão discutidos adiante.

As considerações acerca do trabalho imaterial emergiram com o crescimento do setor de serviços nas três últimas décadas. De fato, há – não só nas análises sobre este setor, mas nas próprias mudanças no mundo do trabalho como um todo – a necessidade de compreender estas mudanças e de incluir novas categorias de análise. Desta maneira, se no processo produtivo nos serviços o produto não é separado de quem o produz e de quem o consome, isto implica numa reformulação de quem são os atores deste processo. Sob o sistema capitalista é evidente que permanece a divisão entre trabalhadores assalariados e empresários (donos dos capitais e dos meios de produção), no setor de serviços participa de maneira direta um terceiro ator, o consumidor-cliente (De La GARZA, et. al., 2009). Este terceiro ator incide sobre a problemática das relações sociais e de controle sobre o processo de produção. Assim, cabe problematizar como o controle do processo produtivo se dá através do consumidor-cliente ou usuário. Este

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exerce uma pressão simbólica na realização do trabalho dentro do tempo esperado e com a qualidade desejada.

As atividades de software são representativas para a compreensão da natureza do trabalho imaterial, pois a categoria profissional de programador se enquadra perfeitamente no tipo de trabalho “intelectual”, qualificado, que lida diretamente com as tecnologias da informação (COCCO; VILARIM, 2009). O desenvolvimento de software é uma atividade central na economia atual (com a automação da produção industrial, dos serviços financeiros e de estar embutido em vários equipamentos eletrônicos). E é neste tipo de atividade que a participação do cliente requer especial atenção sob o caráter específico deste processo produtivo. O cliente participa mediante a lista de requerimentos, o gerente ou líder de projeto pressiona os trabalhadores para que sejam criativos e resolvam os requerimentos solicitados pelo cliente, numa relação permeada por negociações, conflitos e resistências – nem sempre os sistemas são compatíveis com o produto exigido (De La GARZA, et. al., 2009. p. 138). O processo de trabalho cognitivo é envolto de incertezas. O cliente é sujeito ativo em grande parte das etapas, estabelecendo os requisitos, interferindo no desenho e aprovando ou não o resultado.

Do ponto de vista cognitivo, o software é contemplado por quatro atividades: conceitualização, formalização, processamento de dados e implementação. Mas estas categorias não seguem uma estrutura rígida, elas são flexíveis, bem como os próprios trabalhadores interagem e transitam entre as atividades de analista e de programador. Este processo produtivo é permeado por decisões individuais e também por negociações, acordos, resistências e conflitos diretos ou indiretos entre os agentes participantes. Desta forma, percebe-se os profissionais que atuam no desenvolvimento de software devem possuir as características que representam o “novo trabalhador”: ser flexível, mobilizar as habilidades cognitivas e comunicativas, estar constantemente atualizado (pois as TICs passam por inovações constantes). Contudo, não realizam seu trabalho de modo independente e estão sujeitos à precarização – no sentido de trabalhar sob modalidades de contrato precárias, não protegidas (ROSENFIELD, 2011) – como os demais trabalhadores.

Braga (2009) demonstra outro aspecto do trabalho informacional, procurando “cotejar, ao menos em parte, a miséria do trabalho informacional autêntico com a prosperidade do trabalho informacional idealizado” (BRAGA, 2009, p. 65). Assim, o autor analisa o trabalho dos teleoperadores em Centrais de Teleatividades (CTAs), os

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call centers, que mesmo lidando com tecnologia informacional, trata-se de um trabalho marcadamente taylorizado (ao que denomina de “infotaylorismo”) que segundo ele surge como um contratempo às novas promessas pós-fordistas. Este campo mostra-se revelador das contradições e ambivalências inerentes à reestruturação produtiva capitalista, se pensarmos numa condição proletária renovada pela informatização do trabalho, a fragmentação dos trabalhadores, o crescimento dos empregos em serviços e a ruptura da anterior condição salarial.

O desenvolvimento das CTAs se insere neste contexto de mundialização do capital (nas décadas de 1980 e 1990) sendo representativo da tendência da externalização da relação de serviço da empresa neoliberal organizada em rede. A organização do trabalho “interconectada” da empresa neoliberal não produz necessariamente a horizontalização das relações de trabalho, tampouco a união e a partilha do conhecimento entre os trabalhadores. Observa-se a fragmentação dos coletivos de trabalho através das diferentes formas contratuais, na dispersão da cadeia produtiva, e na hierarquização dentro da própria classe trabalhadora.

Proposta semelhante encontramos em Rosenfield (2006), cuja pesquisa empírica com teletrabalhadores visa discutir a autonomia no trabalho neste contexto de flexibilização. No caso da indústria, têm-se a autonomia outorgada, ou seja, em conformidade com as exigências organizacionais. Há maior atribuição de responsabilidades aos trabalhadores que anteriormente cabiam apenas à gerência, e não independência e autodeterminação. Pensando na autonomia no trabalho, esta significaria o controle sobre o processo de trabalho, sobre a situação. Se o trabalho possui uma dupla dimensão, a operacional (no sentido de tarefa necessária) e a identitária (como categoria ontológica), falar em autonomia no trabalho é uma quimera.

O objeto de estudo da autora é emblemático por se tratar de atividades que lidam diretamente com as TICs, que a priori (grifo da autora) exigiriam maior qualificação devido a seu caráter “intelectualizado” e imaterial. Por “Teletrabalho”, entende-se o trabalho à distância, com utilização de TICs. Sem levar em consideração o número de horas trabalhadas, a autora classifica como teletrabalho todo o tipo de atividade que possa ser realizada em domicílio, independentemente da jornada. Por compreender uma variada gama de categorias, formas de trabalho e de modalidades de contrato, ele enquadra-se perfeitamente na denominação de flexível.

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Se no trabalho assalariado temos a autonomia outorgada, no trabalho autônomo (por conta própria, sem patrão), também há controle: do mercado, da produtividade, da qualidade e aquele que é exercido pelo cliente. No trabalho informacional, que em tese possibilitaria maior autonomia, o controle pode se dar por monitoramento eletrônico, por prazos, ou por resultados. O teletrabalho permite maior mobilidade e organização do tempo conforme a vontade do trabalhador, porém a autora aponta certas condições adversas justamente nestes aspectos. Há a questão do isolamento e da impessoalidade, tem-se dificuldades de avaliação do trabalho, o que atrapalha as perspectivas de promoção de carreira e também não existe limites claros entre tempo e espaço privados e públicos. A difusão da internet e dos PCs (personal computers), laptops, notebooks, aparelhos de fax, e da telefonia móvel, permite não só a realização do trabalho em domicílio, mas também a conexão ao empregador independente da localização e a extrapolação da jornada.

O trabalho com as TICs também não elimina as tarefas repetitivas e rotineiras (como o caso dos call centers, já citado) e tampouco o controle exercido. Assim, tomando Castells (2000) como referência, Rosenfield defende que o trabalho informacional da mesma maneira que o industrial é dual: quanto maior qualificação possuir o trabalhador, maior autonomia; menor qualificação, menor autonomia. Sendo o teletrabalho complexo e ambíguo, e abrangendo uma diversidade de condições e de formas de contrato, é impossível estabelecer uma conclusão universal a seu respeito. Mas se a autonomia enquanto valor significa autodeterminação e autogovernança, no sentido da realização plena dos indivíduos, podemos concluir que no trabalho informacional a autonomia também é outorgada.

3.0: Considerações finais

Se as TICs mobilizam maior uso da criatividade e da inteligência do trabalhador e um novo tipo de cooperação, diferentes do modelo fordista, também proporcionam novas modalidades de trabalho que estão perfeitamente de acordo com as exigências da flexibilidade. Os novos equipamentos de telecomunicação e programas computacionais possibilitam o trabalho a distância e novas formas de controle. As tecnologias informacionais também não eliminam o trabalho repetitivo, rotineiro e alienado. Além disto, o trabalho imaterial por suas características peculiares, não leva necessariamente à autonomia e liberdade dos trabalhadores, mesmo para aqueles que trabalham por conta própria, como foi visto. Mesmo na produção de software onde não há uma separação

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rígida entre concepção e execução, também há controle do processo produtivo e conflitos.

Em se tratando de formas de controle, ao analisar o trabalho imaterial há necessidade de incluir um terceiro ator, o cliente. Este não apenas participa do processo produtivo como é agente que impõe suas exigências. Além disto, a permanência de trabalhos manufatureiros, “braçais”, pouco qualificados, contraria as afirmações de que o trabalho imaterial está se tornando hegemônico. Levando todos estes aspectos em consideração, pode- se concluir, assim como Rosenfield (2006), que há trabalhos mais qualificados com certa margem de autonomia e trabalhos menos qualificados com menor autonomia.

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Referências Bibliográficas:

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De La GARZA, Henrique et. all. Para um conceito ampliado de trabalho, de controle, de regulação e de construção social da ocupação: os “outros trabalhos”. In: LEITE, Marcia; ARAÚJO, Angela M. C. O trabalho reconfigurado: Ensaios sobre o Brasil e México. São Paulo: Annablume, 2009.

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POCHMANN, Márcio. O emprego na globalização: a nova divisão internacional e os caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo, 2001.

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