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II Seminário Brasileiro Livro e História Editorial

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Academic year: 2021

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II Seminário Brasileiro Livro e História Editorial

Faze-te sem limites no tempo: Poetas Novos de Portugal, de Cecília Meireles

Débora Araújo Drumond de Oliveira1

Universidade Federal de Minas Gerais (Iniciação Científica) Orientadora: Professora Dra. Sabrina Sedlmayer

Resumo

A partir da antologia Poetas Novos de Portugal, de Cecília Meireles, publicada em 1944 sob a direção do português Jaime Cortesão, discutiremos a importância do trabalho crítico e poético de Cecília Meireles. Embora a antologia em questão seja marcada pela incompletude inerente ao gênero antológico, foi através desta edição, que a autora, mais conhecida como poeta, apresentou não só aos brasileiros, mas também a muitos portugueses, novos poetas do modernismo lusíada, como, por exemplo, Fernando Pessoa, Mário Sá-Carneiro e Jorge de Sena, entre outros. O presente trabalho defenderá, assim,que a poeta assumiu o papel de mediadora no diálogo de mão-dupla entre as literaturas portuguesa e brasileira, tornando-se uma importante difusora dos movimentos literários vigentes em ambos os países. Meireles mostrou-se, ao contrário do que divulgou boa parcela da recepção crítica brasileira das primeiras décadas do século XX, sobre a produção poética da autora, uma críticae

pesquisadora arguta, conhecedora da relação entre o gênero antológico e o mercado editorial.

Palavras-chave: Cecília Meireles; antologia; Portugal; modernismo

Cântico II

Não sejas o de hoje. Não suspires por ontens... não queiras ser o de amanhã. Faze-te sem limites no tempo.

1Aluna do 5º período da graduação em Letras na Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente trabalhando na pesquisa “O pensamento insone em Poetas Novos de Portugal, de Cecília Meireles” cuja orientação é da Professora Dr. Sabrina Sedlmayer, a quem a graduanda auxilia em sua pesquisa incentivada pelo

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Vê a tua vida em todas as origens. Em todas as existências.

Em todas as mortes.

E sabes que serás assim para sempre. Não queiras marcar a tua passagem. Ela prossegue:

É a passagem que se continua. É a tua eternidade.

És tu.

Cecília Meireles

A recepção crítica brasileira das primeiras décadas do século XX, de maneira geral, posicionou-se de forma hostil diante da produção literária de Cecília Meireles, poeta esquecida por antologias brasileiras de poesia modernista e que esteve sob as acusações de ser “pouco original, vacilante entre o Parnasianismo e o Simbolismo, imitadora de imitações”2, etc. Há, no entanto, que se lembrar que, se houve hostilidade por parte da crítica brasileira, houve também aceitação e acolhimento por parte da crítica portuguesa, mostrando que resistência contra a produção da intelectual não foi uma unanimidade. Em contraposição a críticos brasileiros como Agrippino Grieco e Dante Milano (o primeiro maldizia publicamente a obra da poeta e o segundo a excluiu de sua Antologia de Poetas Modernos), temos portugueses como Vitorino Nemésio, Adolfo Casais Monteiro3 e José Osório de Oliveira que escreveu para a poetisa uma carta na qual expressou sua indignação ao saber que Cecília não havia entrado para a antologia de Milano, o que o crítico lusíada considerou falta de reconhecimento à qualidade poética de Cecília por parte dos brasileiros4.

Em conformidade com os críticos portugueses citados e tendo como ponto de partida a antologia Poetas Novos de Portugal, organizada e prefaciada por Cecília, defendemos os aspectos modernistas - e modernos - da escritora que antologizou o que de mais vanguardista havia na poesia portuguesa: poetas da revista Orpheu como Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro.

2 Palavras de Fernando Cristóvão em “Compreensão Portuguesa de Cecília Meireles”, sobre a idéia que Agrippino Grieco fazia de Meireles. In: Revista Colóquio/Letras. Ensaio, n.º 46, Nov. 1978, p. 20-27. 3 Ambos citam Cecília como qualificada poeta modernista respectivamente em: NEMÉSIO, Vitorino. Conhecimento de Poesia. Lisboa: Editorial Verbo, 1970 e MONTEIRO, Adolfo Casais. A Poesia da “Presença”. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1959.

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A compilação Poetas Novos de Portugal, publicada em 1944, é fruto de um longo e intenso diálogo que a autora mantinha com as terras lusas e representou um marco editorial em ambos os países. Sob a justificativa de ser o leitor brasileiro

“privado do contacto com a literatura vida de Portugal (...) cujo conhecimento se tem feito difícil no Brasil, ou porque seus livros não venham até aquí, ou porque suas produções circulem apenas em revistas, e, efêmeras, se dispersem.”5,

Cecília, manifestando o caráter de mediadora no diálogo de mão-dupla entre as literaturas brasileira e portuguesa, debruça seu olhar crítico sob a poesia modernista das terras lusas e publica sua antologia. Até então reconhecida como poeta, Meireles, demonstrou a importância do gênero antológico como uma amostra (e a consciência de sua incompletude é explícita) de uma literatura pouco acessível. Deve-se lembrar também, que grande parte da produção modernista portuguesa era publicada em revistas e, ressaltando a superioridade dos livros em relação às revistas no quesito solidez, a intelectual propõe, de certo modo, a mudança de suporte dessa produção. Assim, Cecília revela-se não só uma intelectual de vanguarda, mas também uma arguta pesquisadora e conhecedora das relações entre o gênero antológico e o mercado editorial.

De acordo com Edson Nery da Fonseca, em “Três poetas apaixonados por Fernando Pessoa” 6, Cecília, por meio do prefácio da antologia, foi a primeira a publicar, no Brasil, um

texto sobre Fernando Pessoa. Também sobre esse pioneirismo de Cecília, escreve Leila Gouvêa, em Cecília em Portugal7, que a escritora não só foi a primeira a revelar, no Brasil, a produção do modernismo português, apresentando nomes como Fernando Pessoa, Sá-Carneiro, Jorge de Sena, entre outros não menos importantes, mas contribuiu nessa divulgação também em Portugal, sendo que alguns portugueses – dentre os quais pode ser citado o ensaísta Eduardo Lourenço8, importante estudioso de Fernando Pessoa – souberam

5 MEIRELES, Cecília. (seleção e prefácio). Poetas Novos de Portugal. Rio de Janeiro: Dois Mundos Editora Ltda., 1943.

6 FONSECA, Edson Nery da. Três Poetas Brasileiros Apaixonados por Fernando Pessoa. Colóquio Letras, n. 88, nov.1985.

7 GOUVÊA, Leila V.B. “Cecília em Portugal”. São Paulo: Editora Iluminuras, 2001.

8 Também em Cecília em Portugal (pág. 22), é citado o seguinte comentário de Lourenço sobre a antologia organizada por Cecília: “A antologia foi a primeira consagração, com um olhar de fora, da poesia modernista portuguesa, e por meio dela tomei conhecimento da poesia de Pessoa, que naquela época ainda era quase

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da existência da poesia de Pessoa através da antologia em questão. Além disso, Gouvêa também cita a importância de Cecília na divulgação da literatura brasileira em Portugal através de conferências, como “Notícia da poesia brasileira”, na qual ela apresentou a poesia dos principais modernistas brasileiros.

Cabe ressaltar, contudo, que, no que tange ao assunto a ser discutido neste trabalho, o grande mérito do gesto de compilação de Cecília está no fato de este apontar para o interesse da crítica pelo movimento literário modernista e para o ato vanguardista de publicar, em livro, poesias que circulavam em revistas e que, por isso, eram ignoradas por muitos.

Sobre o afastamento de Cecília Meireles dos propósitos modernistas mais radicais, escreveu

Assis Brasil que discursou sobre esse distanciamento não só por parte de Cecília, mas de todo o grupo de poetas que fazia parte da revista Festa (1927-29/ 1934-35), liderada por Tasso da Silveira. Segundo o ensaísta, Festa teve apenas um convívio cronológico com o modernismo, e seu grupo “está hoje incorporado a um ‘Panorama Simbolista Brasileiro’ e que não deve aspirar, por imposição de alguns críticos, ao movimento modernista”. Brasil apontou ainda Cecília e Jorge de Lima como responsáveis por dar ao modernismo brasileiro a sua dimensão universal, uma vez que o movimento estava arraigado a questões localistas e regionais. Outro desacordo, citado pelo autor, entre o grupo de poetas e as propostas modernistas de Oswald de Andrade e Mário de Andrade é acerca da popularização da poesia, pregada pelo modernismo iconoclasta – para utilizar o termo de Brasil9.

Também sobre esse afastamento, Alcides Villaça escreveu, no prefácio de Cecília em

Portugal, que a poeta

não se encantou com o humor crítico de Oswald e não empunhou missionariamente as bandeiras estéticas de Mário; também não incorporou o espírito de alguma vanguarda européia [...] afrontou o gosto e o espírito da modernidade mais ostensiva, representados, por exemplo, pela funda absorção do gesto cotidiano de Bandeira, ou pelo gauchismo trágico e irônico de Drummod10

No entanto, em outras faces que não a de poeta – embora o Romanceiro da

Inconfidência e o uso do verso livre em livros como Viagem tragam controvérsias – Cecília

9 BRASIL, Assis. O modernismo. Rio de Janeiro: Pallas, 1976.

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se mostrou, de forma mais explícita, próxima dos propósitos nacionalistas do modernismo, como em sua participação nas comissões responsáveis pela reforma educacional no Brasil, em projetos sobre o folclore e a cultura brasileira, e também ao divulgar a poesia modernista brasileira em vários países.

Pode ser que Meireles tenha se aproximado mais do modernismo europeu, que Luiz Lafetá, no ensaio “Estética e Ideologia: O modernismo em 1930”11, disse ter sido ideologicamente superado pelo modernismo brasileiro, por apresentar características que “circundavam as formas acadêmicas de produção artística”. Entretanto, o estudioso fala da inovação ponderando a possibilidade de uma “ruptura parcial”, dando como exemplo o futurismo marinettiano que “pretendendo-se expressão da moderna vida industrial, representava de fato o prolongamento anacrônico da consciência burguesa otimista e ‘progressista’ do século XIX”, caracterizando o que o autor menciona como “o poder que tem uma ideologia de se disfarçar em formas múltiplas de linguagem; revestindo-se de meios expressivos diversos dos anteriores, pode passar por novo e crítico o que permanece velho e apenas diferente”. Desta forma, poderia se pensar em Cecília como um anti-Marinetti, marcada por uma estética pouco renovadora se comparada à estética do modernismo iconoclasta, mas uma ideologia vanguardista, que é, aliás, a característica mais marcante que Lafetá nos dá da segunda fase do movimento: a mudança de ênfase entre o projeto estético e o

projeto ideológico. Segundo o autor, na “fase heróica” “o projeto estético (isto é, o que se

discute predominantemente é a linguagem)” se destacou, enquanto na segunda fase, a ênfase é sobre o projeto ideológico (“discute-se a função da literatura, o papel do escritor, as ligações da ideologia com a arte”). Porém, Lafetá nos lembra nesse mesmo ensaio algo muito importante sobre o modernismo brasileiro: foi (ou é) ele multifacetado e duradouro, sendo, pois, arriscado falar dele de forma generalizada. Esse ensaio também é de grande valia para nos lembrar que o Modernismo não foi só um movimento de ruptura ou negação do passado; até porque não há ruptura se não houver passado, logo, o passado é – e não pode deixar de ser – parte integrante do presente, ainda que este presente seja o novo por excelência. Assim, acreditamos que Cecília foi tão modernista quanto Marinetti - considerado, injustamente, como nos conta Lafetá, crème de la crème do vanguardismo mundial - sendo que ambos não realizaram a árdua (e talvez irrealizável) tarefa da renovação total.

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Terminamos essas linhas corroborando que Meireles esteve, sim, filiada ao movimento modernista, ainda que não estivesse presa às formas e temáticas características da “fase heróica” do movimento e trouxesse para sua obra inspirações ainda mais antigas que o simbolismo, mantendo, por exemplo, a intertextualidade com a lírica medieval portuguesa ao escrever suas cantigas. A atemporalidade ou intempestividade de pode ser associada também à contemporaneidade de que nos falou o filósofo Giorgio Agamben em Che cos'è il

contemporaneo?, de forma que o que não se fixa num só tempo, faz-se “sem limites no

tempo”, mesmo sendo esse tempo o presente, é excepcionalmente contemporâneo.

Referências bibliográficas

GOUVÊA, Leila V.B. “Cecília em Portugal”. São Paulo: Editora Iluminuras, 2001. Pág. 13 LAFETÁ, João Luiz. 1930: A critica e o modernismo. São Paulo: Livraria Duas Cidades; Ed. 34, 2000.

MEIRELES, Cecília. (seleção e prefácio). Poetas Novos de Portugal. Rio de Janeiro: Dois Mundos Editora Ltda., 1943.

FONSECA, Edson Nery da. Três Poetas Brasileiros Apaixonados por Fernando Pessoa. Colóquio Letras, n. 88, nov.1985.

CRISTÓVÂO, Fernando. Compreensão Portuguesa de Cecília Meireles. In: Revista

Colóquio/Letras. Ensaio, n.º 46, Nov. 1978.

NEMÉSIO, Vitorino. Conhecimento de Poesia. Lisboa: Editorial Verbo, 1970.

MONTEIRO, Adolfo Casais. A Poesia da “Presença”. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1959.

AGAMBEN, Giogio. Che cos'è il contemporaneo? Veneza: Nottetempo, 2008. Tradução de

Referências

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