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A cidade como um espaço possível para empreender ações educativas voltadas para o patrimônio

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Academic year: 2021

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A cidade como um espaço possível para empreender ações educativas

voltadas para o patrimônio

Ana Carolina Pereira

Em toda a sua extensão, a cidade parece continuar a multiplicar o seu repertório de imagens: no entanto, não tem espessor, consiste somente de um lado de fora de um avesso, como uma folha de papel, com uma figura aqui e outra ali, que não podem se separar nem se encarar.

(Ítalo Calvino)

A cidade é uma aglomeração artificial, ou seja, é resultado de diversas modificações ao longo do tempo, ela é resultante de componentes estabelecidos no passado, como também daqueles formados no presente, mas a constante transformação do seu espaço tem com intuito responder às necessidades, aos desejos hodiernos e futuros dos moradores. Já na concepção do projeto de construção há a separação e a definição das pessoas em grupos distintos (muitas vezes com função bem determinada e tal fato é - para alguns autores - tido como o cerne da divisão social).

A reflexão que este texto pretende realizar, portanto, tem como ponto de partida a investigação de algumas das muitas possibilidades de se abordar a cidade como um potencial objeto para realizar ações voltadas ao patrimônio cultural, pois a urbe é um dos lugares no qual se pode perceber a dinâmica, as vicissitudes, as contradições e a complexidade humana. Assim, compreender como o espaço foi construído, as vivências que nele são e foram produzidas, a maneira como estas se tornaram referências identitárias, auxilia a entender a maneira como as interpretações acerca da localidade em que se vive são engendrados. Pretende-se discutir, portanto, como algumas ações educativas patrimoniais podem - ao trabalhar com a cidade - abordar a formação dos laços de pertencimento, a reprodução como também a criação da práticas culturais e de

Este artigo contém partes da monografia apresentada ao Curso de Especialização em Ensino de Artes

Visuais, do Programa de Pós-graduação em Artes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, intitulada: O Ensino de Arte e de Educação Patrimonial: estudo de caso dos mapas mentais.

 Aluna do Programa de Mestrado Profissional em Patrimônio Cultural, Paisagem e Cidadania da

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que forma pode-se trabalhar as disputas travadas entre o que se preservar e o que destruir.

Os costumes, as crenças, as ruas, as feiras, as praças, os cemitérios, as matas, as festas religiosas ou cívicas, os rios com suas cachoeiras, as esculturas, os edifícios, o imaginário, os saberes, enfim em todos os elementos que ajudam a formar uma cidade e as manifestações culturais que são realizadas em seu espaço são potenciais objetos para se usar em ações educativas voltadas ao Patrimônio Cultural, pois ao voltar o olhar por meio de estudos, pesquisas e usos da/na urbe permite compreender, como também valorizar a multiplicidade que a constitui. Quando tal pluralidade é trabalhada de maneira reflexiva ela ajuda a perceber as disputas ocorridas no percurso da cidade ao tentar definir as narrativas, as memórias e os elementos que presentificam as lembranças do passado. Em outras palavras estudos e atividades pedagógicas podem auxiliar na apreensão quando questionam as maneiras e as estratégias utilizadas durante a seleção e a definição dos suportes mnemônicos, como também o discurso definido para comunicar apenas uma representação da cidade.

A cidade, portanto, é uma construção que permite perceber os ideais humanos em distintas épocas, é um “documento/monumento”, como definiu Jacques Le Goff (2003: 103-104), como também é “[...] um livro de pedra, uma espécie de biblioteca que se abre à leitura e interpretação” (PESAVENTO, 2012: 406). Pode-se dizer então que o espaço citadino é fruto da ação humana no qual se encontra registros das manifestações culturais que as pessoas, elaboram, recriam e disseminam todo o tempo. Para melhor compreender a dinâmica, a sociabilidade, a socialização e como a cidade funciona é necessário não se restringir apenas ao uso de estudos teóricos, pois explorar diretamente os espaços, os elementos e as expressões culturais que compõem a urbe pode gerar laços de pertencimento com a localidade de maneira mais perene.

Ao empreender ações educacionais utilizando os artefatos e as manifestações observadas em uma cidade cria-se possibilidades para que os moradores e todos que fazem uso do espaço citadino construam conhecimentos que permitam “ler” símbolos, signos, costumes, celebrações e representações, assim como “escrever” na urbe outros

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elementos culturais. As atividades de educação voltadas para os bens culturais - também conhecida como Educação Patrimonial (EP) - assim como outras atividades pedagógicas, propicia os sujeitos tenham contato direto com os artefatos e as manifestações de uma determinada cultura, porque elas são parte “um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento individual e coletiva” (HORTA, 1999: 06).

Problematizar, investigar e transmitir conhecimentos acerca dos espaços, dos símbolos, dos signos, das memórias, dos modos de viver e dos componentes de sociabilidade de uma localidade é um processo educacional que ajuda a compreender como os bens culturais de uma cidade são instituídos. As práticas educativas patrimoniais buscam estratégias para que se compreenda e se difunda conhecimentos voltados para elementos “[...] de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade” (BRASIL, 2008: Artigo 216). A Educação Patrimonial, portanto, além de mapear e divulgar os bens culturais que um dado grupo social reconhece como representativos da sua cultura, ou seja, não deve circunscrever seu trabalho apenas aos elementos patrimoniais reconhecidos pelas entidades oficiais.

As atividades de Educação Patrimonial promovem, também, um processo ativo de aquisição do conhecimento acerca do papel que o indivíduo possui na sociedade e as possibilidades que este tem de se inserir nas relações sócioculturais, econômicas e identitárias, ou seja, auxilia na identificação das probabilidades de usos, da produção e da reprodução do patrimônio.

Na contemporaneidade torna-se fundamental compreender a função de cada membro em um agrupamento, da mesma forma é necessário entender a importância dos grupos para os arranjos sociais de uma localidade e a relação que se produz a partir de, com também com o local onde mora e/ou possui relações sociais. patrimônio de uma cidade é formado por meio das interações que se processam entre

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seus moradores, destes com o espaço urbano, como também a partir da dialética entre aqueles que nela circulam, trabalham, visitam, e/ou somente usam os serviços e espaços que ela oferece, pois:

“o lugar é, em sua essência, produção humana, visto que se produz na relação entre espaço e sociedade, o que significa criação, estabelecimento de uma identidade entre comunidade e lugar, identidade essa que se dá por meio de formas e apropriação para vida” (CARLOS, 1996: 28).

Trabalhar o espaço citadino, os elementos que o forma e as mensagens a estes vinculados exige compreender que ele é um local onde existe uma justaposição de tempos, de intencionalidades, de significados que variam de acordo com o contexto e com as disputas por representações que comunicam uma visão única acerca da cidade. Em suma, é ter noção de que a urbe é um objeto complexo, que dependendo da maneira como é abordada apresenta-se como homogênea, completamente fragmentada ou ainda como um amontoado “textos” de que se sobrepõem um em cima dos outros. Assim, para compreender a multiplicidade citadina e consequentemente a complexidade dos arranjos sociais que engendram os bens culturais é necessário promover ações intencionais de ensino que gerem “o conhecimento crítico e a apropriação consciente pelas comunidades do seu patrimônio são fatores indispensáveis no processo de preservação sustentável desses bens, assim como no fortalecimento dos sentidos de identidade e cidadania” (HORTA, 1999: 06).

A identidade é um dos elementos que permite que se forme ou se reforce a coesão social, pois para que esta exista precisa-se que se crie laços de pertencimento com um local e com a cultura que neste se produz. E uma formação crítica auxilia na construção de conhecimentos capazes de criar e resignificar tais laços sociais. A identidade pode ser entendida como um conjunto de representações coletivas e individuais escolhidas para reforçar as memórias que seriam um elemento que além que fazer parte da sua constituição também a sistematizaria. A memória seria um processo advindo do confronto entre as lembranças individuais e destas com as de terceiros a fim de reforçar, enfraquecer ou complementar o que se sabe acerca de determinado um evento ou de um local.

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A memória coletiva, portanto, seria constituída a partir da partilha das lembranças que cada indivíduo possui acerca de um fato e elas se amalgamariam a partir daquilo que em comum recordam (HALBWACHS, 2003: 25-52). Para Candau (2014: 10), portanto, “memória e identidade estão indissoluvelmente ligadas”. A memória, portanto, seria “igualmente presentificação de um ausente, é narrativa que comporta uma imagem, é construção imaginária de um tempo”, seria uma representação do passado “e no caso de uma cidade, a sua memória se apoia na materialidade, nas vivências, nas sensibilidades do vivido” (PESAVENTO, 2012: 402).

Um ponto de partida possível para se realizar uma atividade patrimonial que utilize a cidade como objeto de análise pode ser iniciar com uma pesquisa que faça um levantamento acerca dos bens culturais da localidade (oficialmente reconhecidos ou não) e buscar entender a formatação espacial da urbe, ou seja, estudar a relação entre o “Centro Histórico” e as regiões mais afastadas (urbana e rural), a diversidade dessas regiões, assim como a identificação dos bens culturais locais. Após este levantamento a escolha de estratégias diferenciadas para cada uma das porções territoriais faz-se necessária para maior compreensão do contexto no qual se está inserido.

Uma forma de trabalhar o imaginário que os moradores possuem acerca da cidade são as entrevistas semi-estruturadas, pois a partir delas pode-se captar a visão que as pessoas possuem da localidade, pois esta é impregnada de lembranças e significados particulares, assim como coletivos. “O passado, nossas memórias, nossos esquecimentos voluntários, não só nos dizem quem somos, mas também nos permitem projetar rumo ao futuro; isto é, nos dizem quem poderemos ser” (IZQUIERDO, 2002: 9). Desta maneira, esquecimentos, silêncios durante as falas informaram a relação que os moradores estabeleceram com a urbe e os bens culturais nela existentes.

Levantar dados acerca dos bens culturais e da história da cidade requer também analisar as relações pessoais, as lutas políticas e o conflito cotidiano entre os grupos envolvidos na construção, na transformação do espaço, os imaginários e a memória. Assim, conhecer como se deu o estabelecimento da memória e da visão que

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comunica o ideal imaginado para a cidade é apreender como as relações que os antepassados tiveram entre eles e com a urbe foram paulatinamente sendo reforçadas ou tiveram rupturas que culminaram na estrutura social que se mantém naquele presente.

Outra ação que pode ser realizada é incentivar os moradores a investigar a origem e o desenvolvimento dos bairros em torno da região em que vivem confrontando o crescimento dela com as demais que formam o município. O conhecimento pode ser adquirido por meio de rodadas de discussão e/ou elaboração mapas mentais que retratem como o local era em um determinado passado e é percebido hodiernamente.

O mapa mental é um desenho no qual se representa ruas, pessoas, lojas, casas, praças, festividades, ofícios, ou seja, se representa os elementos considerados como referenciais para a localidade. Tais instrumentos cartográficos deixam perceber as imagens que as pessoas têm de lugares conhecidos e essas representações também podem ser formadas a partir de acontecimentos sociais, culturais, históricos e econômicos que vivenciaram, tanto no passado, como no presente.

“O mapa mental permite observar se o aluno tem uma percepção efetiva da ocorrência de um fenômeno no espaço e condições de fazer a sua transposição para o papel. Ela vai trabalhar com todos os elementos essenciais que a cartografia postula no tocante a sua forma de expressão – a linguagem gráfica. Ele nos possibilita analisar a representação oblíqua e vertical, o desenho pictórico ou abstrato, a noção de proporção, a legenda, as referências utilizadas (particular, local, internacional e inexistente) e o título” (SIMIELLI, 2001,

p.107).

Levando em consideração a definição acima se pode dizer que mapas mentais são formados por representações gráficas das imagens espaciais que se têm sobre algo ou algum lugar, mesmo que sejam conhecidos direta ou indiretamente. Os mapas mentais não externam apenas de elementos reais, pois neles é possível perceber memórias do presente e de fatos pretéritos, uma vez que quando são desenhados diversas percepções - como o visual, o auditivo, o imaginário - se correlacionam para tentar comunicar a interpretação que se tem da cidade.

As representações mentais, por sua vez, apresentação de forma direta e indireta a percepção que o indivíduo possui acerca do lugar onde ele mantém uma sociabilidade, tem laços de pertencimento e de vivência. Estes em conjunto, por sua

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vez, produzem diversidade de memórias que foram reproduzidas pelos seus detentores dos bens culturais.

Considerações Finais:

Para que os moradores se sintam pertencentes ao uma localidade é preciso que se empreendam processos educativos que desconstruam e reconstruam os elementos visíveis e tácitos que a compõem, uma vez que:

“A importância da cidade para o habitante faz com que ela seja naturalizada, escapando, assim à própria acuidade e aprofundamento da percepção. Nessas condições, é imperioso desnaturalizar a cidade, fazê-la percebida como artefato, artifício, coisa criada, instituída pelo homem, para si, para seus interesses, contra eventualmente, interesses de outros homens, mutável e em transformação permanente, submetida a forças e mecanismos que podem ser identificados – e assim por diante” (MENESES, 2003: 279).

Abordar de maneira analítica aspectos materiais e imateriais da cidade permite que os moradores tenham uma leitura crítica acerca do contexto em que vive e tenha a percepção de que o que inicialmente é instituído pode ser mudado caso eles tomem uma postura cidadã, ou seja, revindicando direitos, assumindo junto com as esferas estatais a gestão da localidade e cumprindo os deveres instituídos.

Ao trabalhar com a cidade nas ações de educação que abordam os bens culturais há, portanto, a ampliação da visão acerca da participação de cada indivíduo para a formação e reprodução da cultura local. Como também, há a desnaturalização do espaço urbano como algo com trajetória linear, sem conflitos de interesses e como um discurso que engloba visões, quanto saberes, apenas dos grupos que possuem poderes econômicos, políticos e socioculturais maiores que os demais agrupamentos possuem.

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Referências Bibliográficas:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Belo Horizonte: Líder, 2008. Artigo 216, caput.

CANDAU, Joël. Memória e Identidade. São Paulo. Contexto, 2014.

CARLOS, Ana Fani A. O Turismo e a produção do não-lugar. In: YÁZIG, Eduardo; CARLOS, Ana Fani A.; CRUZ, Rita de Cássia A. da (orgs). Turismo: Espaço, paisagem e cultura. São Paulo: Hucitec, 1996.

CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Ed. Unesp, 2006.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva e a memória individual. In: A memória

coletiva. São Paulo: Centauro. 2003.

HORTA, Maria de Lourdes Parreiras; GRUNBERG, Evelina; MONTEIRO, Adriane Queiroz. Guia básico de Educação Patrimonial. Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Museu Imperial, 1999.

IZQUIERDO, Ivã. Memória. Porto Alegre: ArtMed, 2002.

LE GOFF, Jacques. “Documento/Monumento”. In: História e memória. Campinas: Unicamp, 2003.

MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. O museu de cidade e a consciência da cidade. In: GUIMARÃES, Cêça; KESSEL, Carlos; SANTOS, Afonso Carlos Marques dos. (Org.). Museus e cidades: livro do seminário internacional. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 2003. p. 256-282.

PESAVENTO. Sandra Jatahy. História, Literatura e Cidades: diferentes narrativas para o campo do patrimônio. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional n. 34 / 2012.

SIMIELLI, Maria Elena Ramos. Cartografia no Ensino Fundamental e Médio. In: CARLOS, Ana Fani Alessandri (Org.). A Geografia na Sala de Aula. São Paulo: Contexto, 2001.

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