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Graduada pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP campus de Franca.

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Academic year: 2021

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PRÁTICAS MÁGICAS E CURANDEIRISMO NO GRÃO-PARÁ

Mayara Aparecida de Moraes As práticas mágicas e a feitiçaria, propriamente ditas, foram motivos de preocupação para as autoridades eclesiásticas no Brasil colônia entre os séculos XVI, XVII e XVIII. O imaginário do homem europeu nos tempos modernos reforçou ainda mais a constante ideia dos embates entre o bem e o mau, Deus e o Diabo. Após o Concílio de Trento, cujas medidas chegaram à colônia portuguesa, foi inaugurado um cenário ideal para as investigações do Tribunal do Santo Ofício português sobre heresias e delitos contra a fé católica, pois, como afirmam alguns historiadores, os portugueses chegaram ao Brasil em um momento em que a presença de Satã entre os homens era especialmente marcante e todos esses monstros, animais, seres diabólicos e os próprios colonos foram também feiticeiros. Nesse sentido, além dessa imagem que os portugueses haviam criado dos colonos, era claro que o fato de viverem em colônias, “ao sul dos trópicos”, construía-se um estigma de pleno pecado e constante heresia.

Entre as visitas que a Inquisição portuguesa efetuou na América, esta pesquisa pretende investigar aquela ocorrida na região do Grão-Pará – última visitação conhecida no Brasil e considerada a mais longa (1763-1773). Essa visitação resgatou ritos já há muito abandonados no espaço colonial e trouxe à luz denúncias e processos sobre magia e feitiçaria – aspecto que as incursões inquisitoriais na Colônia anteriores não haviam enfatizado. Adivinhações, magias com fins amorosos ou malefícios, curas, dentre outras, eram difundidas no cotidiano colonial como uma forma encontrada por essas pessoas para resolverem problemas pessoais, tais como: busca de objetos ou animais perdidos e cura das enfermidades que os afetavam. Nessa diversidade de práticas mágicas, optamos por focarmos nas práticas de curandeirismo, considerando que os africanos, índios e mestiços foram os grandes curandeiros do Brasil colonial, dado o seu conhecimento de ervas e de rituais específicos para cada caso de moléstia, bem como o seu entrelaçamento com a medicina popular europeia.

Ainda hoje se encontra resquícios dessas práticas. As benzedeiras é um exemplo bem significativo. As pessoas recorrem a elas com o intuito de tirar um mau olhado, purificar o espírito ou até mesmo descobrir a solução de algum problema. No período colonial, como foi mencionado acima, isso fazia parte do cotidiano daquela sociedade. Os médicos não tinham a

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credibilidade que um curandeiro tinha. Mesmo em Portugal, onde as ideias Iluministas estavam mais próximas das pessoas, do que no Brasil, a população dedicava maior confiança aos curandeiros do que aos médicos. Como afirma Lycurgo Filho:

Desde os negros-feiticeiros, aos brancos e mestiços e às comadres-parteiras, os curadores usaram da terapêutica clássica, da popular, da mágica e da sugestiva. E conseguiram muitas vezes bons resultados, pelo menos quanto à confiança infundida. Até hoje as populações incultas acreditam piamente nas práticas dos benzedores, raizeiros, “santos”, pais de santo [...] que proliferaram no país desde o século XVI. (FILHO, 1980: 41).

Interessante notar que na Metrópole portuguesa, os processos contra as práticas de cura haviam aumentado também. Segundo Timothy Walker, em sua obra Médicos, Medicina

Popular e Inquisição, afirma que entre 1715 e 1755, de 304 processos alegados mágicos, pelo

menos 127 envolveram práticas de curandeirismo. É um período intenso da “caça as bruxas” em Portugal. No entanto, no restante da Europa, esses dados eram bem mais inferiores que o caso português. A Inquisição começava a dar mostras de um enfraquecimento de poder. Os Autos de Fé públicos, dos quais era o momento ideal para a demonstração de poder da Inquisição, surgiam com menos frequência, diferente dos Autos privados, que aumentaram. As ideias Iluministas ganhavam espaço pelo território europeu. Seus precursores defendiam um pensamento racional em detrimento do supersticioso. Em meio a esse ambiente, Timothy Walker afirma que esse período coincide também, com uma época em que havia um número substancial de médicos licenciados que haviam se introduzido nas fileiras do Santo Ofício. O autor diz que houve uma política a favor dos profissionais da medicina integrados no Santo Ofício, que agiam, em conjunto com seus colegas do clero, com interesses comuns, no sentido de desacreditar a medicina popular e os que praticavam, com o objetivo de eliminar o curandeirismo supersticioso de Portugal.

Dessa maneira, isso pode ter sido uma das causas desse aumento nos processos e denúncias sobre as práticas magicas, sobretudo o curandeirismo, em Portugal. Mas, o Brasil ainda não estava sofrendo essa forte influência do pensamento Iluminista. Havia aqueles que iam estudar na Europa, e traziam essas ideias. Entretanto, não um número tão substancial para a região Norte, onde a Visitação estava atuando. O que aumenta ainda mais as indagações sobre essa Visitação.

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No entanto, tanto Metrópole quanto Colônia, práticas mágicas semelhantes são apresentadas. Daniela Calainho em sua obra Metrópole das Mandingas defende a ideia de uma continuidade de prática entre ambas. O uso de tesouras, peneiras, as borras de café, bacias com água, eram itens comuns para a adivinhação ou procurar objetos perdidos; ovos, azeites e ervas para a cura; saliva, cabelos, unhas ou qualquer excremento do corpo humano, seja de um bem amado, seja de um inimigo, eram usados para se forjar feitiçarias de amor ou de malefício para uma determinada pessoa; eram práticas consideradas mágicas, por se relacionarem com o sobrenatural, e por aparentarem eficiência no que eram destinadas. Certamente que alguns itens comuns na metrópole, como o vinho, por exemplo, era substituído no Brasil pela cachaça, por ser de mais fácil acesso a população do que o vinho.

No Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará

1763-1769, o historiador Amaral Lapa edita as denúncias que houve nessa região. Assim, é possível verificar como se davam essas práticas, e quais objetos eram comuns de serem usados. Podemos citar uma delas, como o caso da branca Ludovina Ferreira. Inês Maria de Jesus, mulata livre, solteira, que vivia de suas costuras e rendas na rua de São Vicente, no dia 14 de outubro de 1763, denuncia Ludovina Ferreira, a qual segundo a denunciante, mesmo já se passado vinte anos daquele fato, dizia que “estava ciente de que deveria relatar coisas feitas contra a nossa Santa Fé Católica [...] depois que ouviu ler o monitório e édito da fé, quando se publicou esta visita”1, assim Maria de Jesus explicou de forma detalhada como se dava as

rezas mágicas usadas por Ludovina Ferreira na ocasião em que fora chamada a prestar auxílio à Dona Mariana Barreto, viúva moradora da rua do Açougue que sofria de uma hemorragia uterina, mal do qual viria a falecer logo. Segundo a denunciante, Ludovina realizava sessões noturnas na casa do enferma, seguido de cantigas que não se entendiam, tocando um chocalho ou “maracá”, nos quais se ouvia vozes estranhas que respondiam as perguntas feitas por Ludovina, e quando o dia amanhecia ela mostrava a família qual era o mal que perturbava o doente.

Muitas das denúncias relatam que Ludovina, muitas vezes vinha acompanhada de um índio, cujo nome não consta na documentação. Ludovina era branca, mas seus rituais eram cercados de objetos indígenas como o chocalho ou o “maracá”. O que é uma característica comum nas denúncias do Grão-Pará, esse “sincretismo religioso”, como afirma Laura de

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Mello e Souza no livro O Diabo e a Terra de Santa Cruz. Outro caso que atestamos isso, é o da Índia Sabina. Em seus rituais, ela se utilizava de defumadores, rezas e ervas. Ela aconselhava aos seus “pacientes” que se caso seus procedimentos não surtissem efeito, que eles fossem buscar os exorcismos da igreja.

Assim, chocalhos, unguentos, ervas, terços, crucifixo, hóstias, defumadores, eram usados simultaneamente. Bem como o pronunciamento dos nomes de Jesus e Maria nas rezas que esses curandeiros faziam. Graças aos arquivos disponíveis na Torre do Tombo em Portugal, é possível o estudo dos processos desses personagens, como também do o negro José, a Índia Domingas Gomes da Ressurreição, Índio Antônio e Índio Domingos de Souza, que também tiveram denúncias sobre práticas de curandeirismo.

Tendo em vista os aspectos mencionados, a pesquisa está em andamento, mas tem como objetivo analisar e comparar os processos de curandeirismo, juntamente com outras práticas de mágico-religiosas, levando-se em conta que foram práticas muito frequentes na visitação do Grão-Pará e, provavelmente, há muito enraizadas na população colonial. Pretende-se perceber como os inquisidores as julgavam de acordo com a fé católica que se chocava contra o cotidiano místico colonial, seja para levá-las à condenação, seja para suspendê-las. Com isso, pode-se entender melhor a relação do visitador com as práticas mágicas, para, posteriormente, comparar os processos de curas que foram levados à condenação e outros não, buscando desvendar as causas dessa diferença na sentença, frente a mesma prática que diversas pessoas recorriam.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIA:

BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália Séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

. O imaginário da magia: feiticeiras, adivinhos e curandeiros em Portugal no século XVI. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

CALAINHO, Daniela Bueno. Metrópole das Mandingas: religiosidade negra e Inquisição portuguesa no Antigo Regime. Rio de Janeiro: Garamont, 2008.

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DOMINGUES, Evandro. A pedagogia da desconfiança: o estigma da heresia sobre as práticas de feitiçaria colonial durante a Visitação do Santo Ofício ao Grão-Pará (1763-1772). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas, 2001

FILHO, Lycurgo Santos Filho. Pequena história da medicina brasileira. São Paulo: Parma, 1980

Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará 1763-1769.

Introdução e organização José Roberto do Amaral Lapa. Petrópolis: Vozes, 1978.

MELLO E SOUZA, Laura. O Diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil Colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

VAINFAS, Ronaldo. Trópicos do pecado: moral, sexualidade e Inquisição no Brasil. Nova Fronteira, 1997.

WALKER, Timothy D. Médicos, Medicina Popular e Inquisição: A Repressão das Curas Mágicas em Portugal durante o Iluminismo. São Paulo: Editora FIOCRUZ, 2014

Referências

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