• Nenhum resultado encontrado

Série Teologia Cristã - A Doutrina Da Humanidade [Charles Sherlock](Agraphai)

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Série Teologia Cristã - A Doutrina Da Humanidade [Charles Sherlock](Agraphai)"

Copied!
306
0
0

Texto

(1)

Charles Sherlock

,A

T)ouMna

da

(2)

Neste início de século as bandeiras de raça, etnia, cultura, status social, estilo de vida e orientação sexual ameaçam desagregar qualquer noção universal de "natureza humana" ou "condição humana". Neste momento histórico e diante de seus desafios, a doutrina cristã da humanidade está pronta para ser esclarecida e reafirmada.

Essa tarefa teológica, sustenta Sherlock, exige um "duplo foco". Tanto a imagem de Deus no ser humano quanto as realidades particulares da existência humana precisam ser focalizados com precisão. Só então começaremos a compreender a natureza humana à luz da Revelação Divina. De modo notável Sherlock aborda a dimensão comunal da humanidade em seus aspectos criacionais, sociais e culturais, antes de examinar a pes­ soa humana como indivíduo, como macho e fêmea, e como um ser integral.

A Doutrina da Humanidade é uma oportuna e envolvente abordagem do que consiste ser humano no continuum entre a nossa criação à imagem de Deus e a nossa esperança de recriação à imagem de Cristo.

CHARLES SHERLOCK é um autor e teólogo australiano, editor adjunto de Church Scene e professor visitante no Ridley College em Melbourne, Austrália.

SÉRIE TEOLOGIA CRISTÃ Organizada por Gerald Bray

Esta série con siste de livros-texto con cisos introdutórios que visam destacar os temas principais da teologia cristã. Os autores apresentam q uestões perenes e as soluções testadas pelo tempo enquanto seguem explorando temas contem porâneos e repen­ sando formulações evangélicas de fé.

Livros desta Série:

A Doutrina de Deus, Gerald Bray

A Obra de Cristo, Robert Letham

A Providência de Deus, Paul Helm

A Igreja, Edmund Clowney

A Doutrina da Humanidade, Charles Sherlock

A Pessoa de Cristo, Donald Macleod

A Revelação de Deus, Peter Jensen

CDiTonn c u l t u r a c r i s t ã Rua Miguel Teles Jc, 394 • CEP 01540-040 - São Paula - SP Caixo Paslal 15.136 - CEP 01599-970 - São Paula - SP Fooe: ( 0 " l l | 3207-7099 ■ Fax: ( 0 " l l | 3209-1255 Ligue grólis: 0800-141963 - ( ep@ tep.flrg.hr ■ www.cep.org.hr

(3)
(4)
(5)
(6)

A Doutrina da Humanidade © 2007 Editora C ultura Cristã. Publicado em inglês em 1996 com o título The Doctrine ofH um anity © Charles Sherlock 1996. Traduzido e publicado com

permissão da Inter Varsity Press, Leiscester, Inglaterra. Todos os direitos são reservados. I a edição em português - 2007 3.000 exemplares Tradução Vagner Barbosa Revisão Vagner Barbosa Wendell Lessa Vilela Xavier

Editoração e Capa O M Designers Gráficos

Conselho Editorial

Cláudio M arra (Presidente), Ageu Cirilo de Magalhães Jr., Alex Barbosa Vieira, A ndré Luiz Ramos, Fernando H am ilton Costa, Francisco Baptista de Mello, Francisco Solano Portela N eto, M auro Fernando Meister e Valdeci da Silva Santos.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Sherlock, Charles, 1945 —

S552d A doutrina da humanidade / Charles Sherlock; [tradução Vagner Barbosa], - São Paulo: Cultura Cristã, 2007.

304p.; 16x23 cm.

Tradução de The doctrine of humanity

ISBN 85-7622-063-6

1. Antropologia Cristã. 2. Imagem de Deus. 3. Teologia. I. Sherlock, C. II. Título.

CDD 21ed. - 233.5

G

CDITORfl CULTURA CRISTÃ

Rua Miguel Teles Jr., 394 - CEP 01540-040 - São Paulo - SP Caixa Postal 15.136 - CEP 01599-970 - São Paulo - SP

Fone: (11) 3207-7099 - Fax: (11) 3209-1255 Ligue grátis: 0800-0141963 - www.cep.org.br - cep@cep.org.br

Superintendente: Haveraldo Ferreira Vargas Editor: Cláudio Antônio Batista Marra

(7)

Para Sharon, que me fe z correr e saltar, e GpegTqye m^ajrfdo^ a enxergar.

(8)
(9)

Sumario

Prefacio da Serie ... 11

Prefacio ... 13

Introdu~iio ... 17

o

Deus em cuja imagem n6s fomos feitos ... 18

A vida humana no mundo de hoje ... 20

Foco 1: Feilo ii 1magem de Deus 1 A Imagem de Deus no Antigo Israel ... 31

Textos fundamentais: urn panorama preliminar ... 31

Genesis 1.26-28 ... 32

Genesis 5.1,2 ... 32

Genesis 9.6,7 ... 32

Exodo 20.4,5 (Deuteron6mio 5.8,9) ... 33

Ahumanidade como climax da criac;:iio Genesis 1.26-28 ... 35

Cria~iio: uma perspectiva humana Genesis 2.4-25 ... 40

A imagem distorcida Genesis 3.1-21 ... 43

A humanidade nas can~6es de Israel . Salmo 8; J6 28 ... :"46 2 A Imagem de Deus Renovada em Cristo ... 51

A nova humanidade em Cristo vislumbrada 1 Corintios 11.7 ... 53

A nova humanidade em Cristo proclamada 1 Corfntios 15 ... , ... 55

(10)

A nova humanidade em Cristo refletida na reconciliação

2Coríntios 3 - 5 ... 59

A nova humanidade em Cristo - e a Velha Romanos 5.12-21... 62

A nova humanidade em Cristo tomada visível Efésios e Colossenses... 68

A imagem de Deus renovada em Cristo...71

3 A Imagem de Deus no Pensamento Cristão... 75

A imagem de Deus: física e espiritual...76

A imagem de Deus: mente e coração...79

A imagem de Deus: alma e graça...82

A imagem de Deus: individual e corporativa... 85

A imagem de Deus na discussão contemporânea...89

Foco 2A: A Raça Humana Preâm bulo... 95

4 A Vida H um ana em Sociedade... 97

Humanidade pessoal e comunitária...97

A humanidade não-humana... 98

A visão marxista...102

Economia: riqueza e dinheiro...105

A “economia de dominação” ...109

5 A Vida Hum ana na C ria ç ã o ...115

A espécie humana e outras espécies... 115

Domínio e serviço... 117 A solidariedade do sexto d ia ...121 Antropocentrismo ou Biocentrismo?... 124 Em casa... 126 6 A Cultura H u m an a ... 129 Cultura e culturas...129 Pluralidade cultural...133 Pluralismo ou relativismo?...134 Cristo e a cultura...137

(11)

Cultura e linguagem... 143

O animal que r i ... ... 147

Foco 2B: A Pessoa Humana Preâmbulo... 155

7 A Pessoa Ú nica...157

A dignidade humana...157

A liberdade hum ana... 160

A indignidade humana... 164

Os direitos humanos e a santidade da vida...170

Macho e fêm ea... 174

A mulher e o homem hoje... 177

8 Ser M u lh e r... 181

O sangue da v id a ...182

O parto e a maternidade... 186

O pecado na experiência feminina...187

União e irmandade feminina...190

9 Ser H om em ... 195

Ser viril...196

Virilidade: alcançada ou compartilhada?... 199

Dualismo e submissão... 201

O falo circuncidado... 204

O pecado na experiência masculina... 209

Irmandade...211

10 A Pessoa In te ir a ... 213

A salvação inteira...213

Corpo, alma, espírito e coração... 216

Totalidade na divisão... 219

A pessoa sensorial... 224

Conclusão: Essa Vida Esportiva...229

(12)

Apendice 2: A Linguagem Inclusiva e 0 Ser Humano ... 239

Inclusao e exclusao ... 239

A linguagem inclusivae a experiencia masculina ... 240

Alinguagemqueinclui ... 241

LinguagemeDeus ... 243

Notas ... 247

Bibliografia ... 283

Para Leitura Posterior ... 287

indices Referencias Biblicas ... 289

Termos nao-portugueses ... 295

Nomes ... 297

(13)

Prefácio da Série

A Série Teologia Cristã cobre os principais temas da doutrina cristã. Ela oferece uma apresentação sistemática da maioria das principais doutrinas de uma forma que complementa os livros-texto tradicionais sem copiá-los. Nos­ sa maior prioridade são as abordagens contemporâneas, algumas das quais podem não estar em pleno acordo com algum ponto de vista evangélico es­ pecífico. A série aponta, portanto, não apenas para respostas recorrentes a objeções levantadas ao Cristianismo evangélico, mas também remodela a posição evangélica ortodoxa de uma forma nova e convincente. Amotivação global é, portanto, positiva e evangélica no melhor sentido.

Esta série pretende ser de grande valor para estudantes de Teologia de todos os níveis, quer esses estudantes desenvolvam seus estudos em um se­ minário ou em uma universidade secular. Ela também é desenvolvida para auxiliar os pastores e os líderes não-ordenados das igrejas. Tanto quanto possível, foram feitos esforços para tomar o vocabulário técnico acessível ao leitor não acostumado a termos teológicos, e a apresentação evita os extre­ mos do estilo acadêmico. Ocasionalmente, isso significa que algumas abor­ dagens específicas foram apresentadas sem uma argumentação muito pro­ funda, levando-se em conta diferentes posições, mas, sempre que isso acon­ tece, os autores remetem o leitor a outras obras, que discutem o assunto com maior discernimento e profundidade. Com esse propósito, foram providen­ ciadas notas bastante oportunas, embora não sejam exaustivas.

(14)

A Doutrina da H um anidade

As doutrinas cobertas por esta série não são exaustivas, mas foram es­ colhidas para responder a preocupações contemporâneas. O título e a apre­ sentação geral de cada volume ficaram à discrição do autor, mas as deci­ sões editoriais finais foram tomadas pelos organizadores da série, em acor­ do com a IVP.

Ao oferecer esta série ao público, os autores e os editores esperam que , ela vá ao encontro das necessidades dos estudantes de Teologia desta gera­

ção e traga honra e glória a Deus, o Pai, e a seu Filho, Jesus Cristo, em cujo serviço esta obra foi desenvolvida desde o começo.

Gerald Bray Organizador da Série

(15)

Prefácio

O que significa ser humano?

Qualquer resposta envolve dois focos interativos. Um é nossa visão de mundo, mesmo que ela não esteja explicitamente formada; no caso deste livro, ela está biblicamente baseada na fé cristã. O outro é nossa experiência de vida: relações familiares, onde e quando nós vivemos, língua falada, o que nós fazemos, e todos os vários outros fatores que tocam a vida cotidiana.

Para alguém que vive em um subúrbio de Los Angeles, a vida humana é formada por uma mistura de linguagem e cultura espanhola e inglesa, e é fortemente influenciada pelo carro e pela televisão. Um habitante de uma vila hindu pode pensar que a vida é dominada pela constante preocupação com o suprimento de água, pela vida religiosa hindu ou muçulmana - e pela televi­ são. Alguém que trabalhe como um bancário na Suíça se sentirá familiarizado com duas ou três línguas, achará inimaginável uma vida ameaçada pela fome • e terá fácil acesso a uma rica herança cultural (e televisão de quatro nações em seis idiomas). Uma parteira na China pensará em termos asiáticos e será profundamente formada por experiências peculiares às mulheres, e a existên­ cia humana de cada um desses indivíduos seria muito diferente se eles tives­ sem vivido há centenas ou milhares de anos.

Como, então, podemos responder à pergunta sobre o significado de ser humano? Este livro tem o objetivo de ajudá-lo a formar sua própria resposta, à luz da fé cristã. Minha esperança é que, através da leitura e da reflexão

(16)

A Doutrina da H um anidade

sobre este livro, você seja capaz de integrar os tesouros da perspectiva cristã sobre o ser humano com sua própria vida e seu próprio estilo de vida.

Minha própria experiência inevitavelmente afeta meus escritos, por isso deixe-me dizer algo sobre mim mesmo. Eu sou um homem australiano de meia-idade, de descendência inglesa e irlandesa, casado com a pastora de minha paróquia anglicana (e co-teóloga), e tenho dois filhos adultos. Origi­ nalmente de Sidney, e depois de Camberra, os subúrbios de Melboume são o meu lar há 25 anos, embora eu tenha vivido por um ano em Taiwan, nos Estados Unidos e na Inglaterra. Melboume, embora seja uma cidade no fim do mundo, é um lugar onde 150 línguas são faladas. Meu bairro contém não apenas igrejas anglicanas, batistas e católicas, mas também paróquias gregas e ortodoxas orientais, uma mesquita islâmica, lojas de cristais da Nova Era e muitas pessoas que se descrevem como não tendo religião. Detalhes da Aus­ trália aparecerão ao longo deste livro, e é importante que a particularidade desse contexto seja reconhecida.

Minha própria abordagem ao ser humano é também afetada por um íntimo envolvimento, como um diácono e sacerdote anglicano, com muitos que experimentam o lado de baixo da sociedade australiana e do Cristia­ nismo. Em um nível diferente, ela é afetada pelo diálogo ecumênico, espe­ cialmente como membro da Comissão Internacional Anglicana - Católica Romana. Todas essas influências foram estruturadas através dos olhos da fé, formadas desde o nascimento em um lar cristão, influenciada pelo Cris­ tianismo evangélico em meus anos escolares, e amadurecidas através da vida profissional, como um professor de Teologia, matemático e escritor. Este livro, portanto, é escrito a partir da perspectiva da principal corrente da fé cristã. Ele é um produto da reflexão sobre o que significa ser humano. Você, leitor, está convidado a colocar sua própria experiência de ser hu­ mano contra o testemunho da Escritura, pois é somente na conjunção des­ se testemunho com a experiência que uma verdadeira doutrina contempo­ rânea da humanidade pode ser vivida.

Eu gostaria de expressar minha gratidão aos muitos seres humanos que deram forma à minha reflexão e ao meu aprendizado ao escrever este livro. Meus pais transmitiram a mim o imensurável tesouro da graça de Jesus Cris­ to, Emily vivendo o que significa, através de muito sofrimento, manter uma imaculada paixão pela verdade, e Charles mostrando o significado de cuidar de pessoas em todas as suas complexidades, potencial e necessidades. Jonathan e Peter têm me incentivado a assumir com total seriedade as

(17)

Prefácio

teiras da fé, da sociedade e da vida, nos limites da afeição. Peta (minha esposa) tem me ajudado a começar a aprender a tarefa de fazer teologia nos limites do amor entre homem e mulher.

Agradeço a Lorri e Bruce Ellis por me dedicarem tempo e hospitalidade na discussão dos temas deste livro; aMarkBurton, Jonathan Bright, e Fay e Greg Magee por me fazerem lembrar da importância do humor; a Cathy Laufer pela boa vontade em ler, marcar e devolver os manuscritos rapida­ mente; e a Hayden Robson e Colin Lee pela paciente amizade incondicional. Eu sou grato pela paciência e pela orientação de David Kingdon, que fez muito mais do que preparar um livro para ser publicado.

(18)
(19)

Introdução

Considerando a cintilante variedade de pessoas no mundo, pode alguma resposta ser apresentada à questão do que significa ser humano? O testemu­ nho singular da Bíblia é que o ser humano foi feito “à imagem de Deus”. Essa resposta visionária, enigmática, é explicada no entendimento cristão apon­ tando-se para Jesus Cristo, que é tanto “a imagem do Deus invisível” (Cl

1.15) quanto a imagem da perfeita humanidade (Hb 2.14-18). Em sua vida, morte e ressurreição nós vemos o que significa ser humano em seu sentido mais pleno e profundo, mas mesmo aí nós nos encontramos perdidos em palavras.1 Uma simples fórmula não pode fazer justiça ao maravilhoso misté­ rio da vida humana.

Explorar a natureza humana acarreta uma jornada sem fim, uma jornada única para cada pessoa, embora também seja uma jornada empreendida na companhia de outras pessoas. Este livro procura apresentar as perspectivas da principal corrente da fé cristã sobre a vida humana, como reveladas a nós nas Escrituras cristãs, centralizadas em Jesus Cristo. Este livro foi planejado especificamente para ser um livro texto para estudantes de Teologia, e por isso levará em consideração os dados bíblicos, as interpretações históricas e contemporâneas desses dados e as perspectivas teológicas de ambos. Mas a vida humana não pode ser discutida de forma abstrata. A realidade da vida como ela é realmente experimentada deve ser vista com toda seriedade, até mesmo por aqueles cuja tarefa imediata é a disciplina do estudo. Para ajudar

(20)

A Doutrina da H um anidade

a fazer isso, quando me referi a outras obras sobre esse assunto, eu procurei indicar o contexto do autor mencionado, para que a particularidade de cada contribuição seja apreciada.2

Refletir sobre a natureza humana é como mover-se em tomo de diferentes áreas de uma elipse com dois focos. Explorar a afirmação bíblica de que os seres humanos são “feitos à imagem e semelhança de Deus” constitui o foco 1 deste livro, seu ponto focal teológico. À primeira vista, isso pode parecer uma abordagem técnica daquilo que é um sujeito humano. Como Carl Henry escreveu, contudo, “a importância de uma compreensão adequada da imago

Dei dificilmente pode ser superestimada. A resposta dada à investigação da imago Dei logo se toma determinante para toda a gama de afirmação doutri­

nária. As ramificações não são apenas teológicas, mas afetam cada fase da... iniciativa cultural como um todo”.3

O outro foco é a realidade da existência humana, a tragicomédia de cria­ turas surpreendentemente dotadas criadas para a glória eterna, embora pro­ fundamente atoladas no lamaçal do pecado, da frustração e da necessidade. Esse foco tem dimensões tanto comunitárias quanto individuais e precisa ser considerado por ambas as perspectivas. Nós vivemos como criaturas soci­ ais, parte da raça humana (foco 2A), mas experimentamos a vida como indi­ víduos únicos (foco 2B). Idealmente, os dois focos caminham lado a lado, como aconteceu em Jesus Cristo, transformando a elipse em um círculo per­ feito. Na realidade, eles geralmente parecem estar tão afastados que a elipse se desfaz em uma linha reta sem conteúdo. Para começar nossa exploração daquilo que significa ser humano, os dois focos precisam ser colocados em uma perspectiva mais detalhada.

O D e u s e m c u j a im a g e m n ó s f o m o s f e it o s

“Deus”, para muitas pessoas, pode significar uma força, poder ou influên­ cia abstrata. Para outras, “Deus” é o canal de comunicação dos passageiros com o condutor do trem - somente para uso de emergência. Os crentes possuem seu entendimento de Deus formado pela tradição religiosa da qual eles provêm e na qual eles estão. Já que nós somos feitos à imagem de Deus, a noção que nós temos de Deus afetará consideravelmente nosso entendi­ mento de nós mesmos como seres humanos. Por exemplo, alguém para quem Deus significa uma força impessoal tenderá a pensar na vida humana em termos de uma força abstrata. Inversamente, a forma pela qual alguém

(21)

Introdução

cebe Deus diz muito sobre sua personalidade, experiência de vida e priorida­ des. Muitos desses conceitos e idéias são inconscientes, formados por nos­ sos circunstantes, cultura, amigos e família, sem que nós percebamos o que está acontecendo. Isso não os faz maus, enganosos ou errados, mas muito daquilo que nós pensamos sobre Deus e sobre o ser humano é dado por certo, e precisa ser esmiuçado se nós quisermos discernir a verdade.

A fé cristã está fundamentada no Deus revelado em e através das Escritu­ ras.4 O centro e o clímax da apresentação escriturística de Deus é Jesus Cristo. Os cristãos não somente contam com Jesus para lhes ensinar sobre Deus, mas também o reconhecem como seu Senhor, como Deus que veio viver conosco (ICo 12.1-3; Jo 1.1-18). Os cristãos oram em e através de Jesus, encontram perdão para os seus pecados através dele, contam com ele para dirigir sua vida, e até mesmo crêem que tudo o que existe envolve a atividade de Cristo (Hb 10.19-25; Cl 1.15-20). Em resumo, Jesus Cristo é “a imagem do Deus invisível” (Cl 1.15), “a imagem de Deus” (2Co4.4), o único ser humano que nos mostra o que é a verdadeira humanidade e a ver­ dadeira divindade. Tratar esse assunto com seriedade tem levado os cristãos a reconhecer que Deus é o tipo de Deus que desde a eternidade podia assu­ mir nossa natureza humana em uma vida pessoal. Tal compreensão exige revisões drásticas de algumas noções extremamente filosóficas de Deus.

Jesus viveu há cerca de 2000 anos: como nós podemos hoje conhecer Deus como revelado nele? Jesus prometeu o Espírito Santo àqueles que cres- sem nele. Através do Espírito, eles conheceriam o poder de sua vida, morte e ressurreição, e a verdadeira presença de Deus entre eles, em sua vida em conjunto (Rm 8.1-11). Conhecer Deus através do Espírito, contudo, é im­ possível, a menos que ele tome parte no Ser de Deus. Isso levou algum tempo para ser percebido pelos primeiros cristãos. Eles estavam mais preo­ cupados com a realidade prática da obra do Espírito neles. Contudc, a impli­ cação de o Deus de Jesus ser conhecido através do Espírito de Jesus é que ■ esse Espírito deve ser tão divino quanto for possível. E se o Espírito é Deus, então o Deus da Bíblia é o tipo de Deus que pode agir em cada esconderijo de nossa vida, e de todas as vidas, “pois o espírito perscruta todas as coisas, aíé mesmo as profundezas de Deus” (ICo 2.10).

Que tipo de Deus nós conhecemos através do Espírito? Jesus falou de Deus como seu próprio Pai, que acolhe todos os seus discípulos como filhos. Esse “novo nascimento que vem de cima” na família divina acontece através do Espírito (cf. Jo 3.5-7). Como Paulo escreveu, quando nós clamamos

(22)

A Doutrina da H um anidade

“Abba! Pai!” é que o Espírito está dando testemunho ao nosso espírito de que nós somos filhos de Deus, e se nós somos filhos, somos também herdei­ ros, herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo (Rm 8.15-17). Os cris­ tãos, portanto, conhecem o privilégio de orar através de Jesus Cristo, no Espírito, ao Pai no céu. Deus é revelado dessa forma como “o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” (Ef 1.3; ICo 1.3). Esse Pai celestial cuida de todos os seus filhos, é generoso, perdoador, justo e fiel (Mt 6.1-18). Esse quadro contrasta marcadamente com a idéia popular de Deus como distante, uma divindade despreocupada, indiferente às necessidades humanas.

Juntando tudo isso, a fé cristã nomeia Deus como “Pai, Filho e Espírito”, a Trindade Santa. Por isso o batismo, sinal e selo da identidade cristã, é em (lit.) “o nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28.20). Como já foi dito, os cristãos não oram a uma divindade distante, mas em e através de Cristo, no Espírito, ao seu Pai celestial. A natureza do único e verdadeiro Deus é mais profunda, santa e mais bonita do que a divindade plana e descaracterizada que muitas pessoas imaginam como “Deus”. A unidade di­ vina é mais parecida com a harmonia íntima de uma família ou de um grupo de amigos do que com a semelhança bruta de um bloco de gelo. Somente a respeito desse Deus trinitariano nós podemos dizer: “Deus é amor” (1 Jo 4.16). E quando nós começamos a pensar sobre o ser humano como sendo “feito à imagem de Deus”, essa visão de Deus faz uma grande diferença. Desde o começo de nossa discussão é vital ser claro sobre como nós imaginamos Deus, antes de começarmos a explorar qual pode ser o significado de ser feito à imagem de Deus.

Agora é hora de voltar ao outro foco da elipse, para que o estudo não falhe em ser fundamentado na realidade da vida como nós a conhecemos hoje.

A VIDA HUMANA NO MUNDO DE H O JE

As sociedades humanas foram classificadas em três “mundos” nas déca­ das recentes. Por “Primeiro Mundo” entende-se os países da Europa oci­ dental e nações que se desenvolveram a partir de sua cultura, como os Esta­ dos Unidos, mas também outros como Canadá, Austrália e Nova Zelândia. O que os caracteriza são suas raízes comuns nos movimentos conhecidos como Reforma, Renascença e Iluminismo e sua herança da Revolução In­ dustrial, com seus sucessivos desenvolvimentos em transporte e comunica­ ção, saúde pública e educação, que a maior parte da população tem como

(23)

garantida. O “Segundo Mundo” se refere à Europa oriental, menos influenci­ ada pela Reforma e pela Renascença, mas dominada até recentemente pelas revoluções socialistas da primeira parte do século 20. A noção de ser huma­ no comumente mantida no Primeiro Mundo enfatiza os direitos do indivíduo; a que é mantida no Segundo Mundo focaliza (pelo menos em teoria) as ne­ cessidades da comunidade mais ampla. Uma enfatiza a vida privada; a outra se inclina ao totalitarismo.

O termo “Terceiro Mundo” tornou-se sinônimo de pobreza, opressão e privação, mas refere-se mais propriamente a nações cuja identidade foi sub­ metida às forças colonizadoras européias. Nessas partes do mundo, boa parte da vida humana é dominada por antigas formas de vida, seja uma forma tribal (como na África), seja uma forma filosófica e intelectual (como na Chi­ na), ou em específicas tradições religiosas (como na índia e no mundo ára­ be). Em cada caso, contudo, essas heranças interagem com tendências oriun­ das da Europa, e todos os três “mundos” existem lado a lado na maioria dos países. A Austrália é um caso típico, com seus povos indígenas, imigrantes e comunidades de refugiados, e seu estilo de vida urbano e rural.

Eu direcionei a atenção para essas maiores variações do mundo con­ temporâneo por duas razões. A primeira é para ilustrar a grande variedade de existência humana, a complexa rede de tradições interativas e a multi­ dão de subculturas sobrepostas, nas quais nós experimentamos a vida. É impossível manter em mente cada possibilidade em cada estágio de nossa discussão, mas a variedade de abordagens não deve ser esquecida. Isso se aplica particularmente à forma pela qual nós lemos e interpretamos a Escri­ tura e tentamos entender a nós mesmos. Outras áreas da crença cristã podem levar em conta menos ambigüidade, à medida que lidam com reali­ dades que transcendem cada experiência humana em particular, mas a dou­ trina da humanidade nunca pode ser estudada sem que nosso próprio con­ texto seja levado em consideração, pois isso seria como um peixe tentando1 pensar objetivamente sobre a água.5 A segunda razão para a apresentação do esquema acima, por mais simplista que possa ser, é direcionar a aten­ ção para as maiores influências sobre idéias a respeito do que significa ser humano. Nós agora faremos um breve esboço dessas influências, para pre­ parar o contexto para uma discussão mais ampla com nossos olhos tão abertos quanto for possível.6

A Reforma produziu várias ênfases nos pressupostos europeus sobre o ser humano, primeiramente, mas não exclusivamente nas áreas protestantes.

Introdução

(24)

A Doutrina da H um anidade

Primeiro foi uma forte afirmação da importância de cada pessoa diante de Deus, sem necessidade de qualquer mediação humana, embora as instituições humanas, tanto as sociais quanto as eclesiásticas, fossem reconhecidas e usa­ das por Deus como boa provisão para a organização da vida corporativa. Segundo, ao lado dessa valorização do indivíduo, estava a ênfase sobre a vo­ cação particular, à qual cada cristão foi chamado, e não somente clérigos, monges ou freiras. Mas a vocação não é vista como a garantia da salvação, pois os reformadores negavam que a natureza humana por si mesma fosse capaz de vir a conhecer Deus de qualquer forma salvadora. O pecado não apenas nos “privou” do bem e nos deixou capazes de tomar parte em alguma resposta à graça de Deus. O pecado nos depravou de forma que nós só pode­ mos nos acertar com Deus através da fé em Cristo, e precisamos de um novo nascimento através do Espírito para isso. Terceiro, o uso da linguagem diária para a liturgia e a disponibilidade das Escrituras em línguas que não fossem o latim significaram que a educação e o aprendizado começaram a se espalhar além das classes mais elevadas da sociedade. Finalmente, o foco da Reforma sobre a santidade do mundo “secular” mudou as atitudes em relação à nature­ za, libertando os pensadores para começar a explorar esse mundo como um lugar no qual a verdade de Deus está disponível.

Essa última influência, a dessacralização, andou de mãos dadas com o florescimento das artes e da literatura em um movimento que interagiu com a Reforma, a Renascença. A Renascença, contudo, tinha sua base em uma redescoberta da majestade da humanidade em e de si mesma, e não prima­ riamente em uma revelação escriturística sobre a existência humana definida em relação a Deus.

O lluminismo seguiu os dois primeiros movimentos no século 18. Ele manteve a ênfase da Reforma sobre o indivíduo, mas tendeu a deslocar o evangelho da graça, forçando sua adequação à razão humana. Isso aconte­ ceu, em parte, porque as diferenças religiosas foram percebidas como as principais causas das desastrosas guerras que assolaram a Europa no século 17. A rejeição da autoridade da Igreja gradualmente tornou-se a rejeição a qualquer autoridade teológica. A razão humana veio a ser considerada por muitos como a única fonte adequada de orientação da vida humana. À medi­ da que o lluminismo representou uma genuína autoconfiança no espírito hu­ mano e a derrubada de ideologias tirânicas, ele foi bem recebido por muitos cristãos, especialmente aqueles que eram perseguidos por rejeitarem o con­ trole da religião pelo Estado, muito embora essa exaltação da razão tendesse

(25)

Introdução

a tirar Deus dos assuntos humanos. David Kelsey argumenta que foi somente quando os seres humanos começaram a pensar em si mesmos como inde­ pendentes, como “sujeitos” auto-existentes, que os teólogos começaram a considerar a “natureza humana” como um objeto de estudo.7 A contínua in­ fluência do Iluminismo está presente na moderna afirmação da liberdade e dos direitos do indivíduo, vista em seu melhor perfil no impulso democrático, mas também no “humanismo secular”, no qual a raça humana é a medida de todas as coisas.

As idéias iluministas provavelmente não teriam dominado tanto o mundo moderno, contudo, sem a Revolução Industrial. Por esse termo se entende uma rápida série de descobertas e invenções, a partir de 1700, que resultou na produção em massa. O momento crítico desse movimento foi a descober­ ta de uma forma de derreter o ferro para fabricar o aço, e a invenção do motor a vapor, ambas na Inglaterra e feitas por cristãos ativos.8 É muito difícil para nós voltar no tempo, para a época em que a única força disponível era a força dos músculos de homens e de animais, suplementada até certo ponto pelas rodas d’ água e pelos moinhos de vento. O ferro e o vapor logo foram acompanhados pela eletricidade e pelo motor de combustão interna, e tive­ ram profundos efeitos sobre a sociedade humana no século 19. Lenta, mas certamente, eles mudaram a forma pela qual nós pensamos na vida humana. Para tomar um exemplo simples, considere as mudanças provocadas pela “luz” como um símbolo. Onde a luz está disponível ao toque de um botão, a transição entre dia e noite, inverno e verão é muito menos significante do que onde candeeiros e lamparinas ainda são a forma de aliviar a escuridão da noite. No mundo de 1990, a alegação teológica de que “Cristo é a luz do mundo” carrega nuances totalmente diferentes daquelas que tinha em 1790. O uso litúrgico de candeeiros é hoje totalmente simbólico, enquanto há cerca de um século ele tinha funções importantíssimas. Tais exemplos podem ser multiplicados. O ponto é que na maior parte do tempo nós simplesmente os aceitamos, sem perceber quão significativamente eles afetam nossa imagina­ ção, nossa leitura das Escrituras, e especialmente nossa autocompreensão como seres humanos.

O advento da indústria também provocou profundas mudanças sociais, par­ ticularmente o rápido crescimento das grandes cidades, o gradual fim do estilo de vida de subsistência (que ainda existe, com muito trabalho, em lares empo­ brecidos, hoje em dia) e a ampliação da vida suburbana. Combinada com as idéias iluministas, a Revolução Industrial proporcionou o rápido desenvolvi­

(26)

A Doutrina da H um anidade

mento do Capitalismo, a mecanização dos armamentos e a rápida expansão da pesquisa científica. Como resultado, muitos passaram a ver o ser humano como sendo capaz de fornecer respostas aos problemas da vida através da ciência, especialmente através da medicina e da tecnologia. Essa visão de mundo é amplamente difundida hoje, não somente pelas relativamente poucas pessoas comprometidas com o humanismo secular, mas muito mais amplamente nos .pressupostos diários feitos por quase todas as pessoas.9

A Revolução Industrial também abasteceu a expansão colonial das po­ tências européias, que caracterizaram o século 19. O colonialismo viu a habilidade técnica e administrativa européia se espalhar por todo o mundo. Isso costumeiramente assume a forma de exploração das riquezas da África, Ásia e índia em benefício da Europa, embora também traga benefícios para a literatura (em culturas anteriormente ágrafas) e para a medicina moderna. Juntamente com a expansão da cultura européia, houve a expansão da fé cristã, e assim o Cristianismo começou a se tomar uma religião universal na prática, tanto quanto o era em teoria, abrangendo pessoas de todos os luga­ res e de todas as línguas. O rápido desenvolvimento das novas formas de

comunicação tem mudado a consciência humana. Os barcos a vapor e os

trens unificaram internamente as nações (especialmente os EUA), ou foram instrumentos na definição de suas fronteiras, enquanto os jornais impressos ajudaram a foijar vínculos comuns entre os cidadãos. O transporte aéreo tem transformado o mundo em uma unidade, enquanto o rádio e a televisão têm fomentado a (geralmente enganadora) noção de que todos nós somos vizinhos em uma “aldeia global”. Nos últimos anos, o surpreendentemente rápido desenvolvimento da tecnologia de informação através dos computa­ dores, máquinas de fax, telefones móveis, e-mail e internet tem dado a muitos de seus usuários a noção de que essa tribo já se instalou. Como uma pessoa envolvida no jornalismo, eu estou consciente dos benefícios da informação ultra-rápida, mas também estou preocupado com a diminuição de contato real entre os seres humanos que ela envolve. Seja o que for que o futuro nos reserve com relação à comunicação, muitas crianças que estão agora nas escolas estão crescendo com uma formação sobre a natureza humana e so­ bre a vida humana diferente daquela de seus avós.

O padrão geral de educação aumentou muito a partir de 1945, especial­ mente no Primeiro Mundo. Meus avós, lojistas e caseiros, consideravam a escola primária suficiente para a maioria de seus filhos; meus próprios pais foram muito privilegiados por terem conseguido completar o curso

(27)

1

rio (e feito à noite). A geração de meus filhos considera o curso superior como essencial. Muito embora o analfabetismo funcional esteja crescendo em algumas nações educacionalmente ricas, ser humano hoje acarreta uma clara consciência de eventos e tendências, tanto locais quanto globais, que eram inimagináveis em gerações anteriores. Por outro lado, os padrões cul­ turais locais estão sendo cada vez mais submetidos a uma cultura geral domi­ nada pela televisão e pela língua inglesa, especialmente sob influência ameri­ cana. Uma cultura distintamente jovem (com suas várias subculturas) tem se desenvolvido, com o adiamento do início da carreira e do casamento em favor da educação - ou por causa do desemprego e a falta de moradia. A permissividade sexual tem se tomado comum, a contracepção se tomou am­ plamente disponível e os valores morais têm sido derrubados com a grande difusão de prosperidade material e de pobreza desesperadora.

Os impérios, comerciais e nacionais, foram construídos sobre o suor e o sofrimento do trabalho nas fábricas e sobre a exploração de povos nativos. Esses abusos viram muitas pessoas de consciência começarem não mera­ mente a tentar mudar a forma pela qual as sociedades trabalhavam, mas a buscar novas formas de vida humana corporativa. Um espírito revolucio­ nário começou a varrer o mundo, alimentado pelas idéias de Marx e Engels. O movimento trabalhista tomou-se uma característica permanente do Pri­ meiro Mundo, enquanto o Comunismo totalitarista dominou o Segundo Mundo até pouco tempo atrás. Embora variem em tempos e lugares espe­ cíficos, os ideais democráticos, antidiscriminatórios, agora permeiam o pen­ samento humano. Por exemplo, as ações internacionalmente coordenadas contra o apartheid na África do Sul teriam sido inimagináveis há 100 anos, mas tiveram amplo assentimento no século 20. Contudo, há claros limites para isso: o massacre da Praça da Paz Celestial, em Pequim, e os eventos brutais ocorridos na Iugoslávia e na antiga União Soviética, por exemplo, atraíram pouca resposta prática do resto do mundo. No entanto, o fato de' que esses eventos são amplamente veiculados e recebem muitos protestos é uma evidência do avanço da substituição do nacionalismo pelos ideáis igualitários em muitos lugares.

A rápida expansão da indústria e a enorme demanda de fontes de energia resultante têm afetado a forma de pensar sobre o mundo no qual nós vive­ mos. A poluição do ar e da água e fatores de longo termo, como a diminuição da camada de ozônio, são grandes temas contemporâneos e levantam muitas questões sobre a vida em sociedades industriais. A rejeição da mentalidade

Introdução

(28)

A Doutrina da H um anidade

expansionista por trás da vida moderna tem levado muitas pessoas do Oci­ dente a serem mais abertas às idéias do Oriente, por isso a ecologia tem sido associada com espiritualidade por algumas pessoas, enquanto traz mudanças em assuntos diários, tais como a disposição do lixo, reciclagem e energia para um número cada vez maior de pessoas. A ecologia se preocupa com o futuro do planeta, sua vida animal e vegetal, e com a raça humana como um •todo, mas nem sempre é fácil vincular esses assuntos gerais com a vida diá­

ria. A maior parte das pessoas vê as questões políticas e econômicas como distantes de sua vida cotidiana, a menos que elas mesmas estejam envolvidas nisso. Cada um de nós, contudo, é uma mulher ou um homem, e a sexualida­ de nos toca no nível mais íntimo. Por causa desse foco pessoal, o feminismo representa outro importante movimento que afeta a vida humana hoje. No passado, era normalmente admitido que o modelo para a humanidade é indi­ vidual e masculino. Essa idéia seria hoje rotulada de sexismo por muitas pes­ soas. Os ideais do feminismo anseiam por relacionamentos cooperativos, e não por relacionamentos competitivos. O feminismo tem alguns traços do Socialismo, mas é mais caracteristicamente vinculado com a ecologia e a espiritualidade.

A frase “a doutrina do homem” delata o pressuposto de que a humanida­ de normativa é masculina (o Apêndice 2 discute a questão da linguagem in- clusiva). Essa é uma doutrina que geralmente tem sido dominada por pers­ pectivas individualistas e raramente tem incluído as mulheres em sua aborda­ gem.10 Onde tem sido o caso, as mulheres têm sido discutidas em uma ses­ são especial, provocando a implicação de que elas são um tipo especial de ser humano, mas não um tipo totalmente “normal”, como os homens.11 Essa abordagem coloca claramente a questão que formou o título de um livro de Dorothy L. Sayers: Are Women Human ?.12 A reformulação da doutrina da humanidade hoje precisa fazer mais do que falar sobre as mulheres ou envolvê- las somente para trazer uma perspectiva especial. A doutrina deve envolver uma pesquisa realmente comum, incorporando a comunhão em e para a qual nós fomos feitos, homens e mulheres, à imagem de Deus.

Todos esses fatores, temas e movimentos levantam questões e oportuni­ dades para a teologia cristã, pelo menos na reflexão sobre o que significa ser feito à imagem de Deus. Nenhum de nós pode evitar ter atitudes, conscientes e inconscientes, que dividam nossa abordagem a muitas facetas do mundo no qual nós vivemos, especialmente nosso próprio lugar na vida e na história do mundo. Um elemento de tentativa é, então, apropriado a respostas teológi­

(29)

Introdução

cas específicas dadas em um contexto específico à questão de o que significa ser humano. Onde essas respostas continuam sendo uma tentativa, elas po­ dem tornar-se tão vagas a ponto de perder a forma. Se um foco de nosso estudo deve ser a vida humana hoje, em suas dimensões sociais e pessoais, o outro e mais fundamental deve ser a questão do que as Escrituras querem dizer em sua afirmação de que nós somos “feitos à imagem e semelhança de Deus”. Essa questão forma o primeiro foco deste livro.

(30)
(31)

Foco 1

(32)
(33)

1

A I

m a g e m d e

D

e u s n o

A

n t i g o

I

s r a e l

Ser humano é ser “feito à imagem de Deus”.1 Essa é a premissa básica da qual procede o entendimento básico do antigo Israel sobre o ser huma­ no. Mas o que essa frase enigmática significa? A fórmula real ocorre ape­ nas em uns poucos textos. Para ser preciso, nas Escrituras hebraicas essa fórmula aparece três vezes, sendo que a segunda e a terceira são variações da primeira referência fundamental. Como acontece com várias doutrinas, a doutrina da “imagem de Deus” tem uma pequena base textual, embora sua importância nas Escrituras e no pensamento cristão seja muito grande.

Te x t o s f u n d a m e n t a is:

u m p a n o r a m a p r e l im in a r

A importância de nosso ser ter sido feito à imagem de Deus é enfatizada por sua colocação no primeiro capítulo das Escrituras. Em Gênesis 1, a es­ trutura da criação é desdobrada, com os “seis dias, manhã e tarde” da obra de Deus alcançando seu clímax no sétimo dia, o dia do descanso. No final dos seis dias da obra divina, e colocado como seu ponto mais elevado, nós lemos sobre a criação dos seres humanos.2

(34)

A Doutrina da H um anidade

Gênesis 1.26-28

26 Então disse Deus: “Façamos a humanidade [’ãdãm] à nossa

imagem [selem], de acordo com a nossa semelhança [demüt]; e eles terão domínio sobre os peixes do mar, e sobre as aves do céu, e sobre todo animal doméstico, e sobre todos os animais selva­ gens da terra e sobre toda a terra.”

27 Assim Deus criou a humanidade [hã’ãdãm] à sua imagem

[selem],

à imagem [selem] de Deus ele criou; macho e fêmea ele os criou.

28 Deus os abençoou, e disse-lhes: “Sejam frutíferos e multipli­ quem, e encham a terra e a dominem; e tenham domínio sobre os peixes do mar, e sobre as aves do céu e sobre todo ser vivo que se move sobre a terra”.

O conteúdo desse texto fundamental é explicado em Gênesis 2, pela pers­ pectiva da origem da vida humana, e não da criação como um todo (isso é feito abaixo). Mas o próprio texto é repetido, em uma forma resumida, em Gênesis 5.2,3, depois da expulsão de Adão e Eva do Eden, e depois da tragédia envolvendo Caim e Abel. Ele introduz a genealogia dos primeiros humanos, emoldurando a cena da narrativa do dilúvio (Gn 6-9).

Gênesis 5.1,2

1 Essa é a lista dos descendentes de Adão [’ãdãm], Quando Deus criou a humanidade [hã’ãdãm], ele a criou à semelhança [demüf\ de Deus.2 Macho e fêmea ele os criou, e os abençoou e os cha­ mou ‘humanidade’ [hã’ãdám] quando eles foram criados.

O texto final das Escrituras hebraicas que menciona nossa criação “à imagem de Deus” também reitera Gênesis 1.26-28. Ele vem no fim da nar­ rativa do dilúvio, como parte da bênção de Deus sobre Noé, antes de fazer uma aliança com ele e com sua posteridade, e reabre a esperança para a raça humana.

Gênesis 9.6,7

6 “Se alguém derramar o sangue do homem,

pelo homem se derramará o seu;

(35)

A Imagem de Deus no Antigo Israel

porque segundo a sua imagem [selem] Deus fez a humanidade [hã’ãdãm\.

7E vocês, sejam frutíferos e multipliquem, abundem sobre a terra e se multipliquem nela”.

Ser feito “à imagem de Deus” é a forma pela qual nós somos descritos em três pontos críticos do registro de Gênesis: no ponto alto da atividade criado­ ra de Deus, no começo de um novo estágio da história humana depois dos trágicos eventos do Éden, e no meio do novo começo de Deus com a raça humana depois do juízo do dilúvio. Ao colocar esses textos nessas posições chave, o primeiro livro da Bíblia enfatiza que o conceito de ser feito à imagem de Deus é de fundamental importância para o que significa ser humano. A frase, palavra por palavra, pode não ocorrer novamente nas Escrituras hebraicas, mas ela está por trás de tudo o que é dito e revelado sobre a natureza humana a partir desse ponto da história de Israel, e na tela mais ampla contra a qual a história de Israel é contada. Além disso, esse conceito é retomado no Novo Testamento e aprofundado à luz de Cristo, em e atra­

vés de quem a natureza humana é orientada para a futura esperança, tão

gloriosa quanto seu passado.

Apesar de sua importância, contudo, nenhuma dessas passagens nos fala o que a “imagem de Deus” realmente é. Os eruditos a têm interpretado em um grande número de formas, examinadas em maiores detalhes no capítulo 3.3 Antes de analisar esses textos mais detidamente, o segundo (ou a segunda parte do primeiro) mandamento deve ser levado em conta.

Êxodo 20.4,5 (Deuteronômio 5.8,9)

4 Não farás para ti um ídolo [lit. “imagem esculpida”, pesei], seja na forma [temünâ] de qualquer coisa acima no céu, ou que está abaixo na terra, ou que está debaixo da terra.5 Não te curvarás a

elas nem as cultuarás. .

Aqui o conceito de uma imagem de Deus aparece novamente, embora os termos hebraicos usados aqui sejam diferentes. Israel, e todos aqueles que entrarem na aliança de Israel com Deus, são chamados a rejeitar qualquer forma de idolatria (dar honra e louvor a qualquer criatura, e não a Deus). A proibição da fabricação de imagens aqui está relacionada à negação de qual­ quer representação de Deus, que transcende toda limitação física.4 Tradicio­

(36)

A Doutrina da H um anidade

nalmente, os judeus (e, mais tarde, os muçulmanos) entenderam essa ordem de maneira tão rigorosa que evitaram todas as formas de arte pictórica, tanto quanto as estátuas.5 Os cristãos geralmente não têm sido tão rigorosos, porque a encarnação de Cristo, a expressa imagem de Deus, tem sido entendida como uma permissão ou até mesmo como uma exigência dessa expressão artística da teologia, como na tradição ortodoxa. Contudo, até mesmo quando essa arte é usada, muito cuidado é tomado para se evitar o menor cheiro de idolatria.6

Considerando-se essa profunda sensibilidade ao perigo da idolatria, em que sentido nós podemos dizer que a humanidade é a “imagem de Deus”? Em primeiro lugar, embora seja claramente legítimo descrever os seres hu­ manos em termos de imagem, tentativas de definir a imagem de Deus de forma precisa são repletas de perigo. Deus não pode ser definido, e qualquer tentativa de nossa parte nesse sentido é idolatria (cf. Is 44.9-20). Essa proi­ bição não remove o grande privilégio que nós temos, pela revelação divina, de falar de e com Deus, nosso Pai, através de Cristo e do Espírito Santo, mas mostra a necessidade de grande cautela na forma de pensar sobre a imagem desse Deus indefinível. Cultuar outro deus é idolatria; fazer uma ima­ gem de escultura é a forma prática da idolatria, mesmo que a “escultura” seja mental, e não física. Além disso, tentar definir a imagem de Deus é tentar definir nós mesmos, já que nós somos feitos à sua imagem. O mistério do significado de ser humano transcende essas tentativas de controlar a natureza humana e a divina (c f SI 8.4-8). Definir nós mesmos em termos de nós mesmos conduz ao orgulho, pois isso significa trocar o culto ao Criador pelo culto à criatura (cf. Rm 1.19-25). Muito embora os seres humanos tenham sido destinados por Deus a ocupar o lugar mais elevado na criação, eles continuam sendo criaturas. Nós pertencemos a Deus, e não Deus pertence a nós. Phillip Hughes cita a pregação do reformador inglês Hugh Latimer con­ tra as imagens cobertas de ouro, vestidas com trajes de seda, e cobertas de jóias preciosas:7 “... entretanto nós vemos imagens vivas e leais a Cristo, compradas com preço não inferior ao seu próprio sangue; ai de mim, ai de mim, ser uma imagem sem fome, sem sede, sem frio, e que repousa na escu­ ridão, embrulhada em todas as infelicidades”. Dessa perspectiva, muitas abor­ dagens do que a imagem de Deus acarreta são descartadas. As Escrituras não localizam a imagem em algum aspecto da vida humana, ou em alguma combinação de aspectos, mas utilizam o conceito com alguma reserva. Em resumo, se nós não somos informados nas Escrituras sobre o que é a “ima­ gem de Deus”, nós não devemos esperar saber.

(37)

A Imagem de Deus no Antigo Israel

Essa observação aponta para a necessidade de uma exegese mais aberta de Gênesis. Em vez de perguntar o que é a imagem de Deus, nós somos convidados a explorar a questão do significado de ser feito à imagem de Deus. Dessa forma, nós reconhecemos que vivemos como aqueles que co­ nhecem seu status de portadores da imagem de Deus. Em vez de tentar amarrar essa noção, talvez para que nós possamos controlar nós mesmos e Deus, as Escrituras nos convidam a peregrinar para descobrir tanto Deus quanto nós mesmos. E, como Agostinho argumentou, somente em tal jorna­ da espiritual pode o importante alerta filosófico “conhece-te a ti mesmo e para ti mesmo seja verdade” alcançar um significado profundo e verdadeira­ mente cristão.8 Isso me parece ser um aspecto daquilo que Jesus estava querendo dizer em sua famosa frase: “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mt 22.21; Mc 12.17; Lc 20.25).9 Ele tinha pedido uma moeda e indicou que ela era estampada com a imagem e a inscrição de César. A moeda é feita à imagem de César, mas os seres humanos são feitos à imagem de Deus. Jesus aqui não está pedindo dinheiro, nem pedindo respei­ to pelos lugares religiosos como “propriedade de Deus” (como Ambrósio mais tarde subentendeu), mas convidando homens e mulheres a dar toda a lealdade de seu coração àquele cuja imagem eles foram feitos.

Com essa cautela em mente, agora é hora de discutir os próprios textos. A exegese que se segue procura lançar a base para a avaliação do modo pelo qual a imagem de Deus tem sido considerada na tradição cristã. Ela não é a última palavra sobre o assunto, mas toma posição sobre vários assuntos de interesse contemporâneo. O argumento precisa ser avaliado por cada leitor em seu próprio contexto de ser humano, afinal de contas o texto con­ tém mais do que uma exegese específica dele.10

A HUMANIDADE COMO CLÍMAX DA CRIAÇÃO! G ê n e s i s 1 .2 6 - 2 8

Pelo menos três facetas desse texto chamam atenção nesse ponto, embo­ ra essas facetas não esgotem o significado e a importância do texto.

Primeiro, Deus fala no plural: ‘‘Façamos a humanidade à nossa imagem”.11 Os cristãos às vezes vêem aqui uma referência explícita à Trindade, mas para isso é preciso enxergar mais do que o que o texto expõe. A palavra para “Deus” ÇHòhim) é em si mesma uma forma plural, mas somente aqui; em toda a Escritura, ela é acompanhada por um verbo no plural. Os comentaris­

(38)

tas sugerem que o plural pode derivar de formas pré-israelitas, ou que esse é um plural de intensidade ou de majestade, parecido com o “plural de majes­ tade” em português. Uma hipótese mais provável é que essa seja uma alusão ao conceito de “assembléia celestial”, às “hostes” que circundam Deus nos lugares celestiais (c f SI 8; 82).12 De um ponto de vista mais diretamente teológico, o conceito da autodeliberação de Deus tem sido sugerido: Deus “reflete” antes de criar a humanidade.13 Partindo desse ponto e da extrema­ mente original obra exegética de Karl Barth, a idéia de pluralidade dentro de Deus tem sido promovida, uma noção consistente com a revelação do Deus triúno como expressa em Cristo.14 Por mais que esse texto possa se referir à doutrina da Trindade, essa é uma interpretação coerente com o quadro da unidade de Deus nas Escrituras hebraicas: não uma unidade plana, indistinta, mas dinâmica e ativa. Deus é o Senhor soberano, a quem “os céus e os céus dos céus não podem conter”, embora ele tenha escolhido “morar na terra” (lR s 8.27). Vários termos são usados no Antigo Testamento para falar da presença pessoal de Deus e de sua atividade sobre a terra, tais como a “gló­ ria”, o “anjo” a “voz”, a “sabedoria”, a “palavra” e o “Espírito” do Senhor, todas elas sugerindo um dinamismo interno em Deus.15 E em termos como esses que os escritores do Novo Testamento exploram a importância da presença de Deus em Cristo e no Espírito.

Qual a importância de tudo isso para a compreensão do significado de ser feito à imagem de Deus? Barth sugere que o plural corresponde à pluralidade dentro da imagem de Deus na humanidade: Deus nos criou como “macho e fêmea”, como uma raça na qual subsiste uma pluralidade inerente. Muitos admitem que “humanidade” se refere aqui a uma pessoa humana original, Adão, presumivelmente macho, mas o vocabulário hebraico usado em Gênesis 1 não requer esse significado. A palavra’ êt’ãdãm (v. 27), incluindo a partícula acusativa ’êt, é um substantivo coletivo que significa “humanidade”, “raça humana”, a raça como um todo, e não o nome próprio ’ãdãm, Adão, que ocorre pela primeira vez em Gênesis 3.17.16 Dessa forma, embora o prono­ me plural no discurso divino possa ser uma alusão a alguma coisa na natureza de Deus, ele mais claramente nos alerta para a pluralidade dentro da humani­ dade. À luz disso, podemos concluir que ser feito à imagem de Deus não é um aspecto de ou em cada pessoa individualmente, mas aponta para relaci­ onamentos pessoais dentro dos quais a humanidade vive.17

Segundo, como uma explicação mais detalhada disso, ser feito “macho e fêmea” está intimamente associado com ser feito à imagem de Deus. É esse

A Doutrina da H um anidade

(39)

A Imagem de Deus no Antigo Israel

aspecto que é repetido em Gênesis 5.2. Barth explica que essa expressão denota a “comunhão” que distingue a humanidade: nós não somos feitos como companheiro homem e companheiro homem, nem como companheira mu­ lher e companheira mulher, mas como macho e fêmea, homem e mulher.18 Todavia, algumas pessoas negam que ser macho e fêmea tenha alguma coisa a ver com a “imagem de Deus”. Hughes, por exemplo, corretamente rejeita a noção de um ser andrógeno original (como na tradição platônica), mas vai além ao afirmar que o gênero é “adicional, e não explicativo” da imagem. Contudo, ele confunde gênero com sexualidade, relacionando “macho e fê­ mea” exclusivamente ao mandamento (anterior) de “ser frutífero e multipli­ car”.19 Além disso, tendo corretamente observado que Gênesis 1.27 se refe­ re à humanidade no plural, destacando dessa forma a distinção de pessoas humanas masculinas e femininas, ele falha em observar que o texto emprega também o singular, indicando a unidade de macho e fêmea na diversidade.20 Na realidade, na criação não há nada mais parecido do que homens e mulhe­ res, que, no entanto, são diferentes. Nós não nos relacionamos somente se­ melhantes com semelhantes, mas, como diz von Rad, “pela vontade de Deus, o homem não foi criado sozinho, mas foi destinado para o ‘tu’ do outro sexo”.21 Como Deus não é um ser plano e indistinto, mas um ser vivo e ativo, dinâmico e pessoal, assim também é a humanidade: nós fomos feitos para relacionamentos harmoniosos.

Esse discernimento sobre a comunhão entre homens e mulheres é desen­ volvido mais adiante, nos últimos capítulos, mas deve-se observar de passa­ gem que Barth não estava primariamente interessado em afirmar a igualdade entre macho e fêmea. Essa diferenciação não está restrita ao gênero, mas pode ser vista em outras variedades dentro da raça humana: linguagem, habi­ lidades, ocupação, interesses e assim por diante.22 Mas essas últimas cate­ gorias são todas intercambiáveis e podem ser aprendidas ou desenvolvidas. A masculinidade e a feminilidade são fundamentais: nós somos feitos macho e fêmea, e assim também somos macho e fêmea.23 Portanto, ter um gênero é uma faceta básica do ser humano. Nosso ser, seja homem ou mulher, enfatiza a distinta particularidade e o valor de cada indivíduo (cf. Gn 9.6), enquanto ser homens ou mulheres como seres humanos aponta para a natureza relacionai da existência pessoal.

Terceiro, o relacionamento entre a raça humana e outras criaturas vi- ventes é denotado no verso 28 pelo termo “tenha domínio” (yrd).24 A hu­ manidade, formada no clímax da narrativa do sexto dia, e como resultado

(40)

A Doutrina da H um anidade

da reflexão divina, é a única parte da criação discutida por Deus e orienta­ da a “ser frutífera e multiplicar-se, encher a terra e dominá-la” (Gn 1.28; 9.7; cf. SI 8.4-8). No mundo antigo, como Westermann afirma, os seres humanos eram feitos pelos deuses para “aliviar a carga de labuta diária dos deuses”. No registro bíblico, contudo, “o homem é criado não para minis­ trar aos deuses, mas para civilizar a terra”. O mandamento de “ser frutífe­ ro” é uma bênção de Deus, não uma realidade automática, e reforça o parentesco da humanidade com os animais: “a bênção... é algo que vincula os homens e os animais”.25 Somente quando isso é apreciado é que o man­ damento de “ter domínio” e “subjugar” pode ser entendido corretamente. Isso sempre foi reconhecido no pensamento cristão, embora os privilégios envolvidos tenham sido freqüentemente enfatizados em detrimento da res­ ponsabilidade que esse domínio acarreta.

É a distorção do domínio humano sobre as outras criaturas que permite que ecologistas como Lynn White acusem a doutrina cristã de ser a maior fonte dos problemas que têm resultado da exploração irrestrita da terra.26 À luz de tudo isso, alguns traduzem o termo por palavras menos dominadoras, como “administrar”; Carl Henry sugere que “subjugar a terra” significa “consagrá-la ao serviço espiritual de Deus e do homem”.27 Ainda que o ter­ mo “domínio” tenha implicações hierárquicas, nós temos considerável poder sobre outros aspectos da criação, e é perigoso tanto ecológica quanto teolo­ gicamente negar isso. A questão é o que nós fazemos com esse domínio, e não se ele existe (veja adiante os capítulos 4 e 5). Por enquanto, observe que nada foi dito sobre localizar o domínio na mente, na capacidade de raciocí­ nio, ou na alma; o domínio acarreta relações concretas, não atitudes interio­ res. A imagem de Deus também não é definida por um tipo de contraste entre a humanidade e o mundo animal; as diferenças entre eles são o resultado do fato de os seres humanos terem sido feitos à imagem de Deus.

Também é notável que, nas culturas do antigo Oriente Próximo, “é o rei que é a imagem de Deus, não a humanidade de forma geral”.28 No registro bíblico, a entrega ao homem do domínio universal sobre os animais e sobre a terra tem uma conseqüência importante, a de que “o homem não foi cri­ ado para exercer domínio sobre o homem”.29 Finalmente, o feminismo con­ temporâneo argumenta que a aceitação da parceria entre homens e mulhe­ res é cognata com uma “gin-ecologia” mais responsável, já que o pressu­ posto de que os homens são os humanos normais geralmente caminha lado a lado com uma atitude exploratória em relação à natureza (veja capítulos

(41)

A Imagem de Deus no Antigo Israel

5 e 8). Gênesis não toma nenhum desses caminhos, mas enfatiza que domí­ nio envolve relações e responsabilidades colocadas sobre a raça humana como um todo, homens e mulheres.

O exame desses textos fundamentais mostra que ser feito à imagem de Deus acarreta duas dimensões de relacionamento. Ser macho e fêmea fala de um relacionamento “horizontal”, social, enquanto ter domínio faz referên­ cia a um duplo relacionamento “vertical”. “Para cima”, nós reconhecemos nosso relacionamento singular com Deus, como criaturas feitas para ouvir e responder em obediência à ordem de Deus. “Para baixo”, nós somos desig­ nados como “vice-regentes” de Deus, chamados para administrar e utilizar o mundo criado, não como agentes totalmente independentes, mas como pes­ soas responsáveis diante de nosso Criador.

Revendo essa obra exegética, toma-se claro que, enquanto nós não so­ mos informados sobre o que a imagem de Deus é, nos mostrado algo do que ser feito à imagem de Deus envolve: viver em uma série de relacionamen­ tos.30 Isso pode ser expresso no diagrama l.31 O registro da criação em Gênesis 1.1- 2.4 é estruturado como o que pode ser chamado de nível “macro”, movendo-se do cósmico para o particular, tendo seu clímax na criação da humanidade à imagem de Deus. O texto continua, contudo, em Gênesis 2.4-25, com o que pode ser chamado de nível “micro”, movendo-se do campo superior (literalmente) para descrever, de forma pormenorizada, a emergência da raça humana. Em resumo, Gênesis 1 descreve a criação a partir de uma perspectiva ampla, cosmológica, com os seres humanos feitos como seu clímax, enquanto Gênesis 2.4-25 descreve a criação a partir de uma perspectiva humana, e não cosmológica, com a humanidade em plena maturidade como seu fim. Ambas as perspectivas são orientadas ao futuro: o mistério do que significa ser humano aguarda um desenrolar posterior, assi­ nalado em cada final de semana pelo sabbath, que reflete o descanso divino.

auto-relacionado em “unidade e diversidade” como o Senhor Triúno relacionamento de obediência e louvor

auto-relacionada em “unidade e diversidade” como macho e fêmea relacionamento de dominação

Diagrama 1: A estrutura da imagem de Deus em Gênesis 1

Deus:

1

Humanidade:

1

Criação 39

(42)

A D outrina da H um anidade

Cr i a ç ã o: u m a p e r s p e c t iv a h u m a n a:

Gê n e s is 2 . 4 - 2 5

Não é feita menção explícita à imagem de Deus em Gênesis 2, mas as várias facetas do diagrama acima podem ser vistas com facilidade. Como antes, três pontos podem ser observados.

Primeiro, a humanidade é descrita como tendo realidade material: “o S e n h o r Deus formou o homem [hã’ãdãm] do pó da terra \hã’edãmâ]” - podemos dizer os “terrenos” da “terra” (Gn 2.7). Nossa natureza é firme­ mente “terrena” ou “fundamentada” no mundo da natureza, ainda que nós devamos nossa vida orgânica como “seres viventes” (nepeshayyâ) à ativi­ dade de Deus de doar a vida (Gn 2.7b).32 É importante observar que nepes

é aplicado nas Escrituras como referência à vida animal de forma geral, não

como uma referência à “alma” dentro de nós (veja capítulo 10). Nós pode­ mos apropriadamente dizer que somos criaturas “espirituais”, se com esse termo se quiser dizer que nós somos seres dotados de “espírito”, com vita­ lidade e energia, feitos para nos relacionarmos com Deus, que é “espírito”. Mas esse termo não deve ser usado para indeterminar a realidade de nossa natureza terrena: nós somos “pó, e ao pó retornaremos” (Gn 3.19). Se Gênesis 1 nos descreve de cima para baixo, em nosso diagrama, Gênesis 2 começa de baixo para cima, enfatizando nossa semelhança material com todas as outras criaturas.

Em segundo lugar, uma tarefa é dada à raça humana (hSãdãm), a saber, cultivar e guardar o jardim, que é a terra (Gn 2 .15).33 Isso corresponde ao aspecto “para baixo” do domínio mencionado em Gênesis 1.26-28. Igual­ mente, o poder do discurso, isto é, o poder de “dar nome” - e, portanto, o poder de determinar os respectivos papéis do seres nomeados - expressa o exercício desse domínio sobre os animais (Gn 2.19). O aspecto “para cima” do domínio é assinalado pela árvore do conhecimento (Gn 2.16,17). Ao reconhecer esse limite colocado sobre a atividade humana, nossa obediência ao domínio de Deus como nosso Senhor é indicada. Em cada uma dessas formas, os aspectos verticais “para cima” e “para baixo” de ser feito à ima­ gem de Deus são explicados.

Em terceiro lugar, nós lemos que Deus diz: “Não é bom que a humanidade esteja só” (Gn 2.18, tradução do aútor). A maioria das traduções implica que uma só pessoa é mencionada aqui, e que essa pessoa é masculina; por exem­ plo: “não é bom que o homem esteja só” (NRSV, muito embora essa tradu­

(43)

A Imagem de Deus no Antigo Israel

ção seja sensível às questões de gênero no uso da linguagem). Alguns defen­ dem essa tradução alegando que qualquer alternativa implicaria a criação de um ser andrógeno, que em lugar nenhum é sequer mencionado nas Escritu­ ras.34 O texto, contudo, aponta em outra direção: até esse estágio, em Gênesis 2, a criatura humana, ao contrário de seu Criador, parece ser uma unidade simples. Isso é que “não é bom”, e não corresponde à plena intenção criativa de Deus (cf. Gn 1.31). Além disso, esse ser “solitário” tem necessidades que não podem ser supridas pelo reino animal; “dar nome” indica o domínio que caracteriza as relações humanas com os animais, e não uma comunhão entre iguais. O que é necessário é uma companheira, alguém que trabalhe com, e não para o outro, como Deus faz conosco (cf. Ex 18.4; Dt 33.7).35

Dessa forma, Deus toma uma nova iniciativa, separando a humanidade

(hããdãm) em homem ( ’is) e mulher (’issã), pessoas masculinas e femininas,

de forma que nós podemos agora falar em ele e ela. Isso explica o relaciona­ mento “horizontal”, dentro do qual nós vivemos como feitos à imagem de Deus. Como essa imagem literária corresponde à realidade literal biológica, é impossível dizer. E inútil supor que a humanidade pré-divisão fosse mascu­ lina ou que fosse andrógena ou hermafrodita.36 Em vez disso, o texto testifica poderosamente da unidade na diversidade de macho e fêmea no exultante choro do homem: “Essa é osso dos meus ossos, e carne da minha carne” (Gn 2.23). Ou, como a tradição rabínica caprichosamente afirma, a mulher não foi tirada da cabeça, para dominar, nem dos pés, para servir, mas do lado, para ser uma companheira. O capítulo continua com o memorável comentá­ rio: “Portanto, deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá à sua mulher”. Isso acaba reforçando a unidade do agora diferenciado hã’ãdãm: os dois “tornam-se uma só carne”, e não se envergonham (Gn 2.24,25). Isso é o reverso daquilo que nós podíamos esperar. Por um lado, em vez de uma visão mística do espírito humano, nós temos diante de nós a realidade terrena de criaturas físicas feitas para um profundo relacionamento. Por outro lado, é o macho que segue a fêmea para estabelecer mais uma vez a unidade na diversidade de “uma carne”, o microcosmo da humanidade que é visto no matrimônio.37

Uma nota adicional: filhos não são mencionados em Gênesis 2 .0 matri­ mônio é aqui representado como uma carne, um relacionamento exclusivo de um homem e uma mulher, completo em si mesmo; os filhos são uma dádiva adicional do Senhor. O mandamento “sejam frutíferos e se multipliquem” (Gn 1.28, repetido em Gn 9.7) é uma conseqüência de ser feito à imagem de

(44)

A D outrina da H um anidade

Deus, um aspecto do exercício do domínio, e não está diretamente vinculado à identidade humana plena. A frutificação é um conceito mais amplo do que procriação, e em Gênesis 1.28 se aplica a toda a humanidade, e a cada ser humano dentro dela, seja casado ou não. Aprocriação é um aspecto distin­ tivo da frutificação marital, mas não exaure seu significado. Essa perspectiva é confirmada em Gênesis 5.2, em que a criação da humanidade à imagem de Deus como macho e fêmea é reiterada, ainda sem menção de filhos. A luz desse fato, limitar o significado do gênero aprocriação é tão restritivo quanto relacioná-lo somente à união sexual; se a primeira limitação é estreita demais, a segunda é hedonista. Por um lado, ser feito como macho e fêmea (gênero) é algo mais amplo e mais profundo do que a sexualidade. Por outro lado, a sexualidade tem a procriação como um propósito, um propósito que não deve ser rejeitado, mas que não exclui outros propósitos.38

Em resumo, é somente nofim de Gênesis 2 que é próprio falar da huma­ nidade sendo plenamente “feita à imagem de Deus”, da qual Deus pode di­ zer: “é muito bom” (como em Gn 1.31). Há, portanto, uma impressionante coerência entre os dois relatos da criação com relação à natureza humana, com suas perspectivas equilibradas macro/cosmológica e micro/pessoal. Essa coerência pode ser vista no diagrama 2, uma expansão do diagrama 1, com­ binando as duas estruturas.

Deus: auto-relacionado em “unidade e diversidade” como o Senhor Triúno

Humanidade: auto-relacionada em “unidade e diversidade” como macho e fêmea ' ‘ em comunidade (Gn 2.20a-23)

em companheirismo sexual (Gn 2.24,25) relacionamento em obediência e louvor (Gn 2.16)

relacionamento de domínio (Gn 1.26b,28) em discurso (Gn 2.19,20a)

em missão (2.15) Criação:

animada, com vida (Gn 2.7b) inanimada, do pó (Gn 2.7a)

Diagrama 2: A estrutura da imagem de Deus em Gênesis 1—2

Referências

Documentos relacionados

Entre os bairros avaliados o Santa Rita apresentou as condições mais precárias de saneamento básico no ano de 2007 em função da ausência de fornecimento de

Deste modo, o adequado zoneamento e sua observância são fundamentais para a conciliação da preservação ou conservação de espécies, hábitats e paisagens dentre outras e

A Baleia, diferente de seus donos, apresenta-se em um papel humano. No capítulo intitulado Baleia, onde é narrada a sua morte, o narrador atribui várias

Transformar los espacios es también transformar la dinámica de las relaciones dentro del ambiente de trabajo, la glo- balización alteró el mundo corporativo, en ese sentido es

Após o levantamento dos verbos, propusemos uma classificação para os mesmos com base nas operações propostas por Bronckart, Pasquier & Dolz (1993) e por Dolz &

Com base na tabela acima, referente às eleições de 2010, que apresenta a quantidade de candidatos para os cargos de presidente da República, governador de estado, senador,

Varr edura TCP Window ( cont inuação) ACK- win manipulado Não Responde ACK- win manipulado ICMP Tipo 3 Firewall Negando Firewall Rejeitando Scanner de Porta... Var r edur a FI N/

Eu vim tentando mostrar que há algo porque há seres que são necessários, a saber, o espaço, o tempo e as leis naturais básicas; e, assim, não poderia haver nada. E que as