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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP. Antonia da Conceição Espírito Santo

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Antonia da Conceição Espírito Santo

Cognições Sociais e Discursos: Renato Russo em diálogo com

alunos de uma escola pública paulistana

MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

SÃO PAULO

2009

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Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Antonia da Conceição Espírito Santo

Cognições Sociais e Discursos: Renato Russo em diálogo com

alunos de uma escola pública paulistana

MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Língua Portuguesa, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob orientação da Profa. Dra. Regina Célia Pagliuchi da Silveira.

SÃO PAULO

2009

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Banca Examinadora ... ... ...

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O Sonho possível

Ai de nós, se deixarmos de sonhar sonhos possíveis. Ai daqueles e daquelas, entre nós, que pararem com a sua capacidade de

sonhar, de inventar a sua coragem de denunciar e de anunciar. Ai daqueles e daquelas, que se negarem a visitar, de vez em quando, o amanhã, o

futuro, pelo profundo engajamento com o hoje, com o aqui e com o agora. Ai daqueles que, em lugar desta viagem constante ao amanhã, se atrelam a um passado de exploração e de rotina.

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AGRADECIMENTOS

A gratidão é uma forma de compartilhar o sentimento de satisfação pela concretização de um objetivo. Portanto, meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que contribuíram, valiosamente, na realização deste trabalho:

à Professora Doutora Regina Célia Pagliuchi da Silveira, coenunciadora deste trabalho, levando-me a aprimorar e ampliar meus conhecimentos, além de sua sabedoria, paciência e generosidade na orientação;

às Professoras Doutoras Doroti Maroldi Guimarães e Marilena Zanon, pela valiosa contribuição e sugestões apresentadas a este trabalho;

aos Professores do Programa de Língua Portuguesa da PUC-SP, que me proporcionaram momentos de reavaliação de meus conhecimentos;

aos colegas do Mestrado e, em especial, à Deborah Gomes de Paula, pelo apoio e pelas importantes contribuições;

à Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, pelo apoio financeiro;

à Direção da Escola Estadual Caetano de Campos-Consolação, pela tolerância às minhas frequentes manifestações de angústia e aos alunos do primeiro ano do ensino médio, do diurno, que me ofereceram a base deste trabalho.

aos meus familiares, pela compreensão e incentivo;

e a Deus, por me fazer entender que Ele é o princípio e o fim de todas as coisas.

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Cognições Sociais e Discursos: Renato Russo em diálogo com alunos de uma escola pública paulistana

Antonia da Conceição Espírito Santo

Dissertação situada na Análise Critica do Discurso, em interdisciplinaridade com a Linguística de Texto, a Teoria das Representações Sociais e a Teoria da Enunciação. Tem por Objetivo Geral, contribuir para os estudos dos papéis sociais, em diferentes grupos sócio-culturais brasileiros e por Objetivos Específicos: identificar os diferentes papéis sociais que compõem a estrutura da sociedade do nosso sertanejo nordestino; examinar qual funcionamento esses papéis têm entre si, a partir da interação do sertanejo nordestino com outros grupos sociais; e reconhecer os valores culturais e ideológicos, contidos na representação dos diferentes papéis sociais examinados.

Justifica-se, pois frequentes avaliações da educação brasileira apontam a ineficiência das escolas públicas no processo ensino-aprendizagem e as soluções apontadas são, comumente, apresentadas por profissionais que atuam fora da escola e, portanto, o contexto da sala de aula e o perfil do aluno são desconsiderados. O ponto de partida da investigação foi conhecer as diferentes representações sociais, que são formas de conhecimento armazenadas na memória de longo prazo dos alunos, através de um questionário para caracterizá-los e para a escolha de uma música de suas preferências. A hipótese orientadora da pesquisa decorre da dialética entre o social e o individual e o procedimento metodológico foi teórico-analítico, o que propiciou a análise do texto-base a partir das categorias Sociedade, Cognição e Discurso, sendo complementada por intertextos.

Os resultados obtidos indicam que: 1) o texto-base traz, representado em língua, uma denúncia de Renato Russo contra a injustiça e a opressão social, relativas às classes carentes, oriundas da migração nordestina; 2) a metrópole é representada por diferentes grupos sociais, cada um com papéis sociais específicos, determinados pela ideologia do Poder; 3) o Poder se institui a partir do poder econômico, que reorganiza as demais hierarquias sociais, presentes nas representações dos marcos de cognição social, intra, inter e extragrupais. Conclui-se que a cidadania não é atribuída a todos os brasileiros, pois, as classes mais carentes têm dever com o Estado, porém, o Estado não tem dever com elas.

Palavras-chave: Análise Critica do Discurso; Representações Sociais; o cidadão brasileiro e os Discursos Institucionais.

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Social Cognition and Discourse: Renato Russo in a dialog with São Paulo public school students.

Antonia da Conceição Espírito Santo

This Dissertation is situated on the Critical Analysis of the Discourse, in interdisciplinarity with Text Linguistics, Social Representation Theory and Enunciation Theory. Its General Purpose it to contribute with the study of the different roles in different Brazilian social and cultural groups, and its Specific Purposes are: to identify the different social roles forming the social structure of our northeastern country man (“sertanejo”); to examine how such roles function, focusing the interaction of the northeastern country man with other social groups; and to recognize the cultural and ideological values contained in the representation of the different social roles examined.

It is justified that the frequent evaluations of Brazilian education evidence the inefficiency of public schools in the teaching-learning process, the solutions commonly presented being given by professionals who are out of school and, thus, the classroom context and the student profile are not considered. The setting point of the investigation was to know the different social representations, which are kinds of knowledge stored in the students’ long term memory, by means of a questionnaire to characterize them and to choose one of their favorite songs. The hypothesis guiding the research results from the dialect between the social and the individual aspects, and the methodological proceeding was the theoretical-analytical one, which enabled the analysis of the base-text, taking into consideration the categories Society, Cognition and Speech, being supported by internal texts.

The results obtained evidence that: 1) the base-text brings Renato Russo’s complaint against social injustice and oppression in the lower classes resulting from northeastern migration; 2) the big city is represented by different social groups, each one with specific social roles determined by the Power ideology; 3) the Power is established by the economic power, which reorganizes the other social hierarchies, present in the representations of the social cognition signs, intra, inter and extra group. In conclusion, the citizenship is not attributed to all Brazilian citizens,since lower classes are subject to the State, although the State is not responsible for them.

Key-words: Critical Analysis of the Discourse; Social Representations; The Brazilian Citizen and the Institutional Discourse.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO...01

CAPÍTULO I MATERIAL E MÉTODOS UTILIZADOS NA SELEÇÃO DO TEXTO-BASE E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO...07

1.1 A pesquisas para seleção do material ...08

1.2 Resultados obtidos dos questionários...09

1.2.1 Idade dos alunos...09

1.2.2 Naturalidade dos alunos e dos pais...10

1.2.3 Identificação por mudanças de pontos geográficos do país ...11

1.2.4 A seleção do texto-base ...12

1.3 Métodos utilizados ...13

1.3.1 As categorias textuais da narrativa de história ...13

1.3.2 As representações sociais ...14

1.4. O compositor Renato Russo e o texto-base “Faroeste Caboclo” ...16

1.4.1 Apresentação do texto-base “Faroeste Caboclo” ...19

1.4.2 O texto-base ...20

1.4.3 A temática do álbum “Que país é este” ...24

1.4.4 “Faroeste Caboclo” e a temática do álbum ...29

1.4.5 Intertextualidade no álbum “Que país é este” ...33

1.4.5.1 Intertexto 1: O reggae ...33

1.4.5.2 Intertexto 2: Baader-Meinhof blues ...34

1.4.5.3 Intertexto 3: Metrópole ...36

CAPÍTULO II FUNDAMENTOS TEÓRICOS: LINGUÍSTICA DE TEXTO, TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO, COM VERTENTE SÓCIO-COGNITIVA ...37

2.1 A Linguística de Texto ...38

2.1.1 Os esquemas mentais ...42

(10)

2.1.3 A crônica e a estrutura textual argumentativa ...47

2.2 Intertextualidade: reconstrução histórica por intertextos ...50

2.3 A Teoria das Representações Sociais ...54

2.4 Análise Crítica do Discurso ...58

2.5 Polifonia ...64

2.6 O texto e as expressões indexais ...65

2.7 A construção das figuras no intra-texto e as noções de relevância e saliências ...67

CAPÍTULO III ANÁLISES DO TEXTO-BASE “FAROESTE CABOCLO” E RESULTADOS OBTIDOS ...72

3.1 Análise do texto-base ...73

3.1.1 Sociedade ...73

3.1.1.1 Grupo Social: Cristianismo ...74

3.1.1.2 Grupo Social: Os Excluídos, sócio-economicamente ...81

3.1.1.3 Grupo Social: Moradores de grandes centros urbanos ...85

3.1.1.4 Grupo Social: dos Bandidos ...87

3.1.1.5 Grupo Social: dos Traficantes, dos Contrabandistas e dos Usuários de drogas ...89

3.1.1.6 Grupo Social: Instituições Penais e Policiais ...91

3.1.1.7 Grupo Social: Mídia televisiva...92

3.1.1.8 Grupo Social: Os Corruptos ...93

3.1.1.9 Grupo Social: O Extragrupo ...94

3.1.1.10 Grupo Social: dos Migrantes ...94

3.1.1.11 Grupo Social: Os Políticos ...96

3.1.1.12 Grupo Social: da Família ...97

3.1.2 Cognição ...97

3.1.3 Discurso ...106

3.1.3.1 Os episódios narrativos ...107

3.1.3.2 A estrutura argumentativa em “Faroeste Caboclo” ...111

3.1.3.3 O título do texto-base “Faroeste Caboclo” ...113

(11)

3.1.4 O papel dos intertextos e interdiscursos, na leitura de reconstrução

histórica do texto-base ...117

3.1.4.1 Intertexto 1: O reggae ...117

3.1.4.2 Intertexto 2: Baader-meinhof blues ...118

3.1.4.3 Intertexto 3: Metrópole ...119

3.1.4.4 Análise dos intertextos e “Faroeste Caboclo”, em relação ao marco de cognição social ...120

3.1.5 Outros intertextos: com referências bíblicas ...124

3.1.6 Conclusões obtidas das análises dos intertextos ...129

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...135

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...139

ANEXOS...144

Anexo 1: Que país é este ...145

Anexo 2: Conexão Amazônica ...146

Anexo 3: Tédio (com um T bem grande pra você) ...147

Anexo 4: Eu sei ...148

Anexo 5: Mais do mesmo ...149

Anexo 6: Angra dos Reis ...150

Anexo 7: Química ...151

Anexo 8: Depois do começo ...152

Anexo 9: Se fiquei esperando meu amor passar ...153

Anexo 10: Índios ...154

Anexo 11: Pais e filhos ...155

Anexo 12: Geração Coca-Cola ...156

Anexo 13: Sagrado coração ...157

Anexo 14: Questionário para pesquisa ...158

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1

APRESENTAÇÃO

Esta dissertação está vinculada à linha de pesquisa “Texto e Discurso nas Modalidades Oral e Escrita”, do Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP.

A pesquisa realizada está situada na Análise Crítica do Discurso, com vertente sócio-cognitiva e complementada com a Teoria das Representações e bases tipológicas da Linguística de Texto.

Tem-se por tema, as formas de identificação sócio-cognitivas que alunos do primeiro ano de ensino médio, da Escola Estadual Caetano de Campos – Consolação, têm com a música de Renato Russo.

Tem-se por pressuposto, que há uma dialética entre o social e o individual, na medida em que o social guia o individual e este o modifica.

Com visão pragmática, entende-se que os estudos de língua só podem ser realizados no uso efetivo dos seus sujeitos produtores: locutor-interlocutor. Dessa forma, a atenção dos linguistas volta-se para o texto e o discurso.

Entende-se que o discurso é uma prática sócio-interacional, que se define por participantes, suas funções e suas ações. Dependendo do gênero textual, os participantes do discurso representam papéis sociais diferentes e, dessa forma, cada papel adquire uma função específica na interação comunicativa. Logo, as ações são controladas pelas funções de cada papel que os participantes representam.

A pesquisa realizada trata da letra de uma música de Renato Russo, que tem por título “Faroeste Caboclo”. O discurso examinado é de denúncia e o seu produtor constrói sentidos interagindo com seus interlocutores, de forma que eles construam uma narrativa formalizada, textualmente, pela crônica contemporânea.

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2

Entende-se, nesta dissertação, que o texto é visto como produto linguístico, que traz representado em língua, a partir das intenções de seu produtor e da informação. O texto-base analisado é relativo à denúncia da ausência de cidadania para um determinado grupo social brasileiro, o sertanejo nordestino, embora a cidadania seja um direito que as pessoas têm, ao se situarem em uma nação, pois elas têm deveres para com o Estado e este para com elas.

O texto crônica é entendido, conforme Silveira (2000), como sendo da classe textual opinativa. As crônicas têm suas origens na Europa, onde podiam ser definidas como texto bibliotecário construído pelo cronista, que tinha por tarefa ordenar, no tempo (cronos), um conjunto de textos escritos por outros autores.

Em Portugal, o cronista Fernão Lopes apresenta uma modificação para a crônica original, introduzindo um texto escrito por ele próprio, para entrelaçar textos de outros autores. Introduz, também, características do povo português, deixando de focalizar apenas a vida da corte.

No Brasil, a crônica é introduzida no século XIX, com a chegada da corte portuguesa no Rio de Janeiro, que, além de D. João VI, chega, também, a imprensa e, consequentemente, o jornal.

Os textos crônicas passam a fazer parte do Folhetim, promovendo o acesso ao público leitor, fato que lhes propicia interação lúdica. Atualmente, a crônica jornalística é diferenciada em: crônica do cotidiano e crônica de notícia (cf. Scafuro, 1999).

A pesquisa desta dissertação está delimitada à crônica do cotidiano, que traz, representado em língua, o cotidiano da vida dos brasileiros, tematizado pelo seu produtor, Renato Russo. Busca-se examinar os papéis sociais que identificam um determinado grupo social, no Brasil, o sertanejo nordestino.

As contribuições dadas pela Psicologia Social, com o Interacionismo Simbólico, propiciaram que se entendesse a sociedade, tanto como uma estrutura, quanto como um funcionamento.

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3

A sociedade, vista como uma estrutura, compreende a identificação de quais papéis sociais um determinado grupo social seleciona, por se identificar com eles. A sociedade, entendida como um funcionamento, implica quais papéis sociais podem interacionar-se, a partir de determinado núcleo.

Dessa forma, esta dissertação tem por Objetivo Geral, contribuir para os estudos dos papéis sociais, em diferentes grupos sócio-culturais brasileiros e por Objetivos Específicos:

1. identificar os diferentes papéis sociais que compõem a estrutura da sociedade do nosso sertanejo nordestino, que migra de sua região, em busca da sobrevivência em um grande centro urbano;

2. examinar qual funcionamento esses papéis têm entre si, a partir da interação do sertanejo nordestino com outros grupos sociais;

3. reconhecer os valores culturais e ideológicos, contidos na representação dos diferentes papéis sociais examinados.

Justifica-se esta pesquisa, pois, frequentes avaliações da educação brasileira apontam a ineficiência das escolas públicas no processo ensino-aprendizagem e as soluções apontadas são, comumente, apresentadas por profissionais que atuam fora da escola e, portanto, o contexto da sala de aula e o perfil do aluno são desconsiderados. Consequentemente, muitas vezes, planejamento, conteúdo e metodologia são estabelecidos pelas escolas, antes de se conhecer o aluno, quando não copiados, integralmente, ano após ano e questões relativas à formação do sujeito-cidadão são minimizadas.

Outrossim, a questão da identidade do sertanejo nordestino, aqui tratada, perpassa pela vida de muitos cidadãos brasileiros, inclusive de alguns alunos e/ou seus familiares e, portanto, tratar dessa questão possibilitará a ampliação e/ou reformulação de conhecimentos de mundo.

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O ensino geral de língua tem suas origens na Grécia e decorre da necessidade dos mestres transformarem seus alunos em nobres pensadores. Dessa forma, antes de se conhecer o aluno, os professores traçavam, para eles, o perfil do aluno ideal, a fim de que se comportassem como nobres. A partir dessa concepção, eram selecionados os conteúdos, as tarefas e as avaliações e todos os alunos eram instruídos para se identificarem com esse perfil traçado.

A partir do século XX, na Europa, houve mudança nas práticas de ensino. Opta-se por um ensino específico, que atendesse às necessidades e dificuldades dos alunos. O professor passa a ser visto como um facilitador do aprendizado e, para tanto, faz-se necessário que se conheça o real perfil do aluno que está em sala de aula.

No Brasil, ainda mantém-se o ensino geral nas escolas públicas, ou seja, trabalha-se para um aluno ideal, não real e, portanto, surgem problemas de interação professor-aluno e, consequentemente, de aprendizagem.

Portanto, esta dissertação se justifica, na medida em que busca conhecer o aluno e, principalmente, resgatar suas cognições sociais, a partir de sua identificação com valores atribuídos a papéis sociais representados no texto “Faroeste Caboclo”.

O procedimento metodológico adotado compreende:

1. seleção de informantes-alunos, num total de cento e cinquenta, regularmente matriculados e frequentando o primeiro ano do ensino médio, do período diurno, da Escola Estadual Caetano de Campos – Consolação.

Esses alunos foram selecionados tendo por critério o já vivido e experienciado por eles, por meio do discurso, pois, no ensino médio, a maioria dos alunos tem por objetivo o acesso à universidade e, também, muitos já trabalham, portanto, conhecem as Instituições Sociais: Família, Igreja, Escola e Empresa;

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5

2. o texto para análise foi selecionado com base na escolha dos alunos, que, pressupostamente, já se identificavam com o papel de denunciador, representado por Renato Russo, sobre a ausência de cidadania atribuída a determinado grupo social brasileiro, o sertanejo nordestino;

3. as análises realizadas seguiram um procedimento teórico-analítico e a seleção teórica está fundamentada nas categorias analíticas Sociedade, Cognição e Discurso, propostas por van Dijk (1997).

Essas análises foram elaboradas percorrendo a alinearidade do texto selecionado, de forma a diferenciar quantos grupos sociais estão representados, quais papéis sociais identificam cada um deles e quais valores culturais e ideológicos são atribuídos a cada papel social.

A hipótese orientadora da pesquisa decorre da dialética entre o social e o individual. Dessa forma, tem-se por hipótese, que as cognições sociais dos alunos são relativas a grupos sociais diferentes; todavia, os discursos públicos, tal como a música de Renato Russo analisada, constróem cognições extragrupais, de forma a dar origem a uma unidade imaginária, na diversidade de grupos sociais, onde estão situados os diferentes alunos de uma mesma classe escolar.

Esta dissertação busca responder à seguinte pergunta:

No atual conflito existente entre os diferentes grupos sociais de alunos, de uma mesma classe escolar, o que pode, unitariamente, identificá-los com papéis sociais e quais valores são atribuídos a esses papéis?

Três capítulos compõem esta dissertação, a saber:

• Capítulo I: “Material e métodos utilizados na seleção do

texto-base e sua contextualização” - apresenta resultados de uma

pesquisa realizada com alunos de uma escola pública paulistana e a respeito da produção de letras musicais de Renato Russo, com o seu papel de denunciador, na sociedade contemporânea, fato que o mantém

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6

vivo, mesmo após sua morte, nas cognições sociais de alunos adolescentes de uma escola pública paulistana. Apresenta, ainda, os intertextos selecionados na obra de Renato Russo, que propiciaram a síntese ou a progressão semântica das representações sociais, atualizadas em língua, no texto-base selecionado.

• Capítulo II: “Fundamentos teóricos: Linguística de Texto, Teoria das

Representações Sociais e Análise Crítica do Discurso, com vertente sócio-cognitiva” – revê fundamentos teóricos da Linguística de Texto,

relativos a esquemas textuais; da Teoria das Representações Sociais, por seus papéis e questões identitárias; e da Análise Crítica do Discurso, proposta por van Dijk (1997), através das Categorias Analíticas: Sociedade, Cognição e Discurso.

• Capítulo III: “Análises do texto-base ‘Faroeste Caboclo’ e resultados

obtidos” - apresenta as análises que foram orientadas pela inter-relação

das categorias Sociedade, Cognição e Discurso, bem como os resultados obtidos. Por se tratar de um texto narrativo-crônica, os resultados obtidos são relativos aos episódios que compõem a narrativa da história do texto analisado, de forma a descrever os papéis sociais e seus devidos valores culturais e ideológicos.

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7

CAPÍTULO I

MATERIAL E MÉTODOS UTILIZADOS NA SELEÇÃO DO

TEXTO-BASE E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO

(19)

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CAPÍTULO I

MATERIAL E MÉTODOS UTILIZADOS NA SELEÇÃO DO

TEXTO-BASE E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO

Esta dissertação busca examinar os papéis sociais e os devidos valores atribuídos a eles por Renato Russo, em seu texto musical “Faroeste Caboclo”.

Entende-se que as representações sociais não são meras formas de conhecimento do mundo existencial, pois há uma convenção de valores sociais que integram cada representação social. Essa prática social caracteriza os conhecimentos da memória social de longo prazo, que guiam as formas de conhecimentos individuais, de forma dialética: o social guia o individual e este modifica, progressivamente, o social.

1.1 A pesquisa para seleção do material

O material selecionado, para análise, decorre da escolha feita por cento e cinquenta alunos do primeiro ano do ensino médio, a partir do seguinte critério:

• foi entregue aos informantes-alunos, para que eles respondessem, por escrito, questionário (Anexo 14) composto pelas seguintes áreas:

a) identificação dos alunos, por naturalidade e idade;

b) identificação dos alunos e dos pais, por mudanças de pontos geográficos no país;

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1.2 Resultados obtidos d

Em face da diversidade de respostas obtidas nos questionários

alunos e visando melhor caracterização e compreensão dos dados obtidos, foram elaborados gráficos, que serão apresentados a seguir,

idade dos alunos; naturalidade dos alunos e dos pais; de pontos geográficos do país; e a

1.2.1 Idade dos alunos

Nº de alunos

Os dados, ora apresentados

realidade das escolas públicas, amplamente divulgada na mídia, ou seja, a sala de aula é composta por grupos com idade heterogênea. Todavia, há algo que os identifica: são adolescentes

Aurélio da Língua Portuguesa 0 30 60 90 120 150 14 15 Idade

obtidos dos questionários

Em face da diversidade de respostas obtidas nos questionários entregues aos alunos e visando melhor caracterização e compreensão dos dados obtidos, foram , que serão apresentados a seguir, com as seguintes variáveis: aturalidade dos alunos e dos pais; identificação por mudanças de pontos geográficos do país; e a seleção do texto-base.

dos alunos

ora apresentados, não revelam nenhuma novidade em relação à realidade das escolas públicas, amplamente divulgada na mídia, ou seja, a sala de aula é composta por grupos com idade heterogênea. Todavia, há algo que os identifica: são adolescentes; termo, este, assim caracterizado pelo Novo Dicionário

da Língua Portuguesa (1975):

15 16 17 18 acima de 18

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entregues aos alunos e visando melhor caracterização e compreensão dos dados obtidos, foram com as seguintes variáveis: dentificação por mudanças

não revelam nenhuma novidade em relação à realidade das escolas públicas, amplamente divulgada na mídia, ou seja, a sala de aula é composta por grupos com idade heterogênea. Todavia, há algo que os izado pelo Novo Dicionário

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“adolescência. [Do lat. Adolescentia] S.f. (...) 2. Psicol. Período que se estende da terceira infância até a idade adulta, marcado por intensos processos conflituosos e persistentes esforços de auto-afirmação. Corresponde à fase de absorção dos valores sociais e elaboração de projetos que impliquem plena integração social.”

Renato Russo, ao escrever o texto “Faroeste Caboclo”, tinha dezenove anos, logo, um adolescente, fato que autoriza a inferência de que o autor escrevia, com propriedade, sobre sua época, traduzindo as inquietações dos jovens. Levando-se em consideração a definição acima, sobre adolescência, pressupõe-se que Renato Russo representa o papel de porta-voz dos conflitos sociais e anseios de autoafirmação, vividos por muitos adolescentes, desencadeando uma forte identificação.

1.2.2 Naturalidade dos alunos e dos pais

Naturalidade dos alunos Naturalidade dos pais

Nº de Alunos 150 120 90 60 30 0

(22)

11

Através deste gráfico, conclui-se que a maioria dos alunos, bem como seus pais, deixou sua cidade de origem, vindo para São Paulo. Denota-se que a cidade de São Paulo comporta cidadãos egressos de diferentes regiões brasileiras.

1.2.3 Identificação por mudanças de pontos geográficos do país

Identificação dos alunos e dos pais, por mudanças de pontos geográficos do país, destacando-se os que nasceram na capital de São Paulo e os egressos de outras cidades.

Naturalidade dos alunos Naturalidade dos pais

%

100 80 60 40 20 0

Naturalidade Cidade de SP Outras Cidades

Tem-se, neste gráfico, um retrato da grande metrópole, São Paulo: a população migrante de outras cidades sobrepõe aos nativos. Setenta e quatro por cento dos alunos pesquisados migraram de outras cidades, enquanto seus pais atingiram o percentual de noventa por cento, índices altamente significativos, quando se analisa os problemas sociais do sertanejo nordestino e das metrópoles brasileiras.

(23)

12

1.2.4 A seleção do texto-base

Todos os alunos indicaram, como texto de preferência para se ler/ouvir, nomes de músicas, aparecendo como as mais votadas: “Faroeste Caboclo”, de Renato Russo; “Deixo”, interpretada por Ivete Sangalo; e “Senhor do Tempo”, de Charlie Brown Jr., como se vê no gráfico a seguir:

Nº de Alunos 150 120 90 60 30 0

Músicas Deixo Faroeste Caboclo Senhor do Tempo Outras

A partir dessa seleção, as três músicas mais votadas retornaram aos alunos, para que escolhessem somente uma delas, de acordo com sua preferência, apurando-se o seguinte resultado: Nº de Alunos 150 120 90 60 30 0

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13

“Faroeste Caboclo”, de Renato Russo, o texto mais votado, passou, então, a ser considerado o texto-base desta pesquisa e será analisado tendo por critério a segmentação da linearidade textual.

1.3 Métodos utilizados

O procedimento metodológico é teórico-analítico e orientado pelas categorias textuais da narrativa de história e pelas representações sociais que identificam os personagens dessa historia.

1.3.1 As categorias textuais da narrativa de história

O texto-base está formalizado pela narrativa de história e os estudos, já realizados, sobre tipologia de textos, indicam que a narrativa de história é um esquema textual, designado superestrutura, por Kintsch e van Dijk (1978).

A superestrutura da história é definida por três categorias obrigatórias e uma optativa: Apresentação, Conflito e Resolução, que podem ou não virem seguidas da categoria Moral.

A categoria Apresentação agrupa as palavras e frases que constróem sentidos relativos a uma situação de equilíbrio, construída com personagens, tempo, cenário-espaço e espaço-cenário. Essa categoria reúne os sentidos relativos aos papéis representados por cada personagem, situados em determinado tempo e espaço, recorrendo aos conhecimentos sociais dos leitores, de forma a construir, para eles, uma expectativa do que acontecerá.

A categoria Conflito reúne as palavras e frases que constróem sentidos relativos a uma quebra de expectativa do leitor, de forma a construir, para eles, um conflito

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14

vivido pelos personagens da história, que entram em desequilíbrio com a situação inicial da Apresentação.

A categoria Resolução reúne as palavras e frases que constróem sentidos relativos à forma como o conflito é solucionado, para que os personagens retomem o equilíbrio, em suas relações de papéis.

A categoria Moral reúne as palavras e frases que constróem sentidos opinativos, ou seja, valores que possam guiar os leitores a enfrentarem novas situações.

Uma narrativa de história, segundo Reis & Lopes (1988), pode ser Simples ou Complexa. A Narrativa Simples é formalizada com apenas um episódio e cada um deles é organizado pelas categorias: Apresentação, Conflito e Resolução. A Narrativa Complexa é construída com um grande número de episódios, todos interligados pela opinião do autor, que está agrupada na categoria Moral.

1.3.2 As representações sociais

Considerando-se que cada episódio compreende personagens, tempo e lugar, cada personagem, dependendo do momento histórico e da situação geográfica, é construído com papéis sociais que compõem a estrutura social do grupo, onde eles se situam. Assim, os papéis sociais são representações identitárias de um grupo social (cf. Resende & Ramalho, 2006).

O texto-base analisado traz, representado em língua, diferentes grupos sociais que integram, em sua maioria, a cultura de massa, representada pelos grupos: dos Excluídos, sócio-economicamente – composto pelos grupos dos Trabalhadores, Rural e da Periferia, do Interior – dos Bandidos; dos Traficantes; dos Contrabandistas e dos Usuários de Drogas; das Instituições Penais e dos Policiais; e dos Migrantes.

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A cultura de elite está representada pelos grupos: dos Políticos; do Clérico; dos Burgueses (pessoas de poder aquisitivo); da Mídia Televisiva; dos Corruptos; e o grupo Urbano faz parte, tanto da cultura de massa, quanto da cultura de elite, pela própria diversidade que lhe é peculiar.

Traz, também, caracterizado em língua, um grupo de Poder, representado pelos grupos: dos Políticos, dos Policiais e das Instituições Penais, da Mídia Televisiva e do Clérico, que impõem, ideologicamente, um grupo de valores positivos e negativos, discriminando os demais grupos sociais.

Para se analisar os valores culturais ideológicos teoricamente, as análises estão fundamentadas em van Dijk (2000), que propõe a ideologia vista como um conjunto de valores impostos pelos participantes do Poder. Como tais participantes são membros de grupos de Poder diferentes, as ideologias são plurais: grupo de Poder no Tráfico de Drogas, grupo de Poder Político no Estado e grupo de Poder Econômico e, consequentemente, os demais grupos sociais são marginalizados.

Ainda, segundo van Dijk, os grupos dominados e discriminados pelo Poder, em certo momento, reagem, impondo, também, suas ideologias e, nesse conflito, também não se pode falar na ideologia de um Poder, pois elas sempre serão plurais.

Segundo Silveira (2007), os termos Ideologia e Cultura são definidos por um conjunto de valores sociais, que guia o comportamento e a atitude das pessoas. Todavia, há diferença entre Ideologia e Cultura, pois esta compreende um conjunto de valores atribuídos ao vivido e ao experienciado, socialmente, pelas pessoas, conforme os seus objetivos e interesses.

As culturas, também, são plurais, assim como os grupos sociais, pois têm raízes históricas e contemporaneidade; mas, a cada contemporaneidade ocorre uma mudança, que produz uma dinâmica nos valores atribuídos, uma vez que os problemas novos dos grupos sociais são resolvidos pelos valores histórico-sociais.

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16

Assim, a Cultura é vista como um conjunto de valores transmitidos socialmente, no e pelo próprio grupo social. Enquanto a Ideologia compreende um conjunto de valores impostos pela(s) classe(s) de Poder, para se manter em sua posição e, dessa forma, discriminar quem ameaça seu Poder. Os valores ideológicos são estáticos e só desaparecem quando a classe de Poder, que os impõem, desaparece e, ao aparecer uma nova classe de Poder, outra ideologia será imposta.

1.4 O compositor Renato Russo e o texto-base “Faroeste

Caboclo”

Na tentativa de se caracterizar o texto-base selecionado para análise, poder-se-ia dizer que:

Renato Manfredini Júnior nasceu em 1960 e faleceu em 1996. Teve infância e adolescência tranquilas, em família de classe média alta, vivendo em Nova York, dos sete aos dez anos, em função do trabalho do pai. Essa experiência, mais tarde, o beneficiaria em sua primeira profissão, professor de inglês, língua que aprendera, desde pequeno. Retornando ao Brasil, foi morar no Rio de Janeiro e, depois, em Brasília. Dos quinze aos dezessete anos, teve problemas sérios de saúde, impossibilitando-o, inclusive, de andar durante esse período.

Apesar da complicação natural da situação, Renato trancava-se em casa, aproveitando o tempo para ler e estudar muito: ouvia música clássica, lia a Enciclopédia Britânica, livros e revistas sobre música e a coleção “Os Pensadores”, fato considerado, pela mãe, como atípico para um jovem de sua idade e justificado, ironicamente, pelo próprio Renato, dizendo “sou diferente”. Era extremamente bem informado, tinha vasta cultura e gostava de planejar o futuro.

É nesse período que nasce o desejo de ser músico e cria uma banda fictícia, em que o cantor/alterego chamava-se Eric Russel, cujo sobrenome foi em homenagem ao filósofo Jean-Jacques Rousseau, ao pintor Henri Rousseau e ao filósofo

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Bertrand Russell. Esta mistura filosófica e artística daria origem, posteriormente, ao seu sobrenome artístico, Russo.

O compositor Renato Russo surge em meio à atmosfera juvenil da Brasília dos anos setenta, assim caracterizada: o efeito da ditadura militar sobre a juventude fazia parte do cotidiano desses jovens e marcaria a história de cada um; estudantes na capital, muitos cresceram sob a exigência íntima de falar alguma coisa sobre o assunto e, então, surgiram as bandas musicais que assumiram esse papel e, por isso, seus fãs atribuíam-lhes caráter messiânico – fato este muito marcante em Renato Russo; a efervescência do lugar; as rodinhas dos jovens de classe média, alguns eram filhos de professores, que moravam na Universidade de Brasília, outros filhos de diplomatas ou de executivos, que se reuniam nos saguões dos blocos habitacionais; a falta do que fazer, na capital do país, potencializa o surgimento de diversas bandas musicais, opção fundamentalmente alternativa com a chegada de discos de punk rock, trazidos de Londres; as “paqueras”, as primeiras experiências com drogas, as bebedeiras, as brigas com os “playboys”, a relação com os policiais, etc. Aconteciam, também, as chamadas “rockonhas”, festas com muito som e ervas, que acabavam, frequentemente, com a chegada da polícia.

Sobre essa época, Percino (2005, p. 4-5) comenta:

“Naquele engenho dos anos finais da ditadura, assumir uma postura comportamental diferenciada era diretamente se comprometer com um estilo oposto às regulamentações e protótipos oficiais. Conta-se que os policiais, apesar de tudo, tinham um certo respeito – “devem ser filhos de políticos ...” – e que, às vezes, desafiavam os meninos, no máximo, para um embate de flexão de braços no meio da rua. Renato, coitadinho, que tinha problema nas pernas, era sempre o último a acabar as flexões. Calças rasgadas e alfinetes eram o suficiente para chocar a sociedade brasiliense. Os garotos foram caracterizados como “o movimento punk de Brasília” e o núcleo do grupo, do qual faziam parte os amigos do Renato, era conhecido como “turma da colina”¹. Esses garotos reuniam-se para conversar, partilhavam suas idéias, planejavam a montagem de bandas, que, aos poucos, iam surgindo com apresentações nas esquinas das ruas, tendo como destaque o punk _______________

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rock, com nítida influência das bandas estrangeiras, que norteavam o universo musical desses jovens. Essa referência musical estrangeira aconteceu porque o Brasil, no final dos anos 70, vivia uma expectativa de abertura política e parte da juventude ousava se expressar, ainda que marginalmente, seduzidos pelas letras do punk rock vindo da Europa e que, além de toda a irreverência tão peculiar a essas bandas, apregoava uma proposta nova, com a filosofia “faça-você-mesmo”.

Assim, os jovens brasilienses da época assimilaram essas ideias, buscando concretizar outro tipo de linguagem musical, outra via cultural, expressa, sobretudo, pela presença conceitual, pelo apelo subjacente no discurso, como afirma Percino (p. 6):

“Cria-se que isso poderia cumprir o papel de agente canalizador de uma existência renovada e até mesmo estimular, num momento adiante, uma “agitação” na maneira de interpretar e transformar os conteúdos cotidianos. O jovem Russo, por exemplo, utilizava as letras do Sex Pistols nas suas aulas de inglês na Cultura Inglesa em Brasília; e tudo era uma grande novidade, pois a irreverência e o modo cru com que as letras decodificavam a vida e o mundo propunha aos alunos, mais do que o exercício da língua inglesa, um exercício interpretativo e formador de opinião.”

É nesse cenário que Renato Russo, em 1978, formou sua primeira banda musical, “Aborto Elétrico” e, em 1979, com dezenove anos, compôs letra e melodia de “Faroeste Caboclo”, embora não a lançasse, naquele momento. Em 1982, abandonou a banda e decidiu fazer trabalhos solos. Em 1984, com dois amigos, cria a banda “Legião Urbana”, atuando inicialmente como guitarrista, e depois, como cantor, lançando o primeiro álbum, no ano seguinte, que alcança grande sucesso e marca sua consagração, atingindo, então, os grandes anseios dos jovens brasileiros, com seus refrões poderosos e letras que falavam de inseguranças emocionais e do niilismo da geração crescida durante o regime militar.

Em face desse contexto sócio-político tão efervescente da época, despertou-se o interesse em pesquisar o porquê de as bandas de Renato terem sido assim

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designadas. Para Aborto Elétrico há duas versões: a primeira é que o nome teria surgido em decorrência de uma invasão do campus da UNB, pelo Exército, numa das famosas ações do governo, durante a ditadura militar, quando uma estudante universitária grávida teria perdido o filho, em consequência de um cassetete elétrico – inventado em 1968 e dava choque – utilizado por um soldado mais afoito; a segunda, apresentada pelo próprio Renato, numa entrevista do grupo concedida à Revista “Showbizz”, diz que o nome surgiu num daqueles encontros dos amigos, no térreo de um dos blocos de apartamentos da Colina e, em suas divagações à procura de um nome, aparecia a palavra elétrico, e alguém o chamou de tijolo

elétrico. Imediatamente, um de seus companheiros o corrigiu, dizendo que deveria

ser Aborto Elétrico. Acrescentara, ainda, que tal fato desmentia a lenda da primeira versão.

Para o nome Legião Urbana, a explicação é que Renato pretendia montar um núcleo mínimo para a banda – baixo e bateria – e convidar guitarristas e tecladistas para tocarem como convidados, completando a banda e representando, assim, uma legião de músicos da cidade. Entretanto, essa ideia não foi adiante, mas o nome da banda permaneceu e Renato fez uma adaptação do mote cunhado pelo imperador Júlio César “Romana Legio omnia vincit, Legião Romana tudo vence”, passando a usar a frase em latim como lema da banda: “Urbana Legio

omnia vincit, Legião Urbana tudo vence”, epíteto presente em quase todos os

encartes de álbum da banda.

1.4.1 Apresentação do texto-base “Faroeste Caboclo”

O texto-base “Faroeste Caboclo”, composto por Renato Russo em 1979, foi lançado somente em 1987, em seu terceiro álbum com a banda Legião Urbana, intitulado “Que país é este” – que é também o nome de uma das músicas do disco.

“Faroeste Caboclo”, com 159 versos e, aproximadamente, nove minutos de duração, narra a trajetória de vida do personagem João de Santo Cristo, um homem que sai de uma fazenda do interior da Bahia, segue para Salvador e depois

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20

para Brasília, torna-se traficante, contrabandista, apaixona-se, tenta mudar de vida, mas retorna ao crime e morre num duelo com seu rival.

É uma obra de ficção, do final dos anos setenta, porém, parece familiar ao retratar temas ainda tão presentes nos dias atuais: desigualdade social, violência, drogas e traficantes, criminalidade, contrabando, injustiças sociais e o papel da televisão. Essa é uma característica que permeia, não somente essa letra, mas todo o álbum.

Renato Russo está caracterizado no texto como um compositor de denúncias e denunciar implica explicitar o que socialmente é silenciado e proibido de ser dito e todas as formas de proibição são reproduções ideológicas do Poder.

Assim, a seguir, será apresentado o texto-base, tema central desta pesquisa e, em seguida, uma análise da temática das outras letras de música, inseridas no mesmo álbum de “Faroeste Caboclo”, cujo objetivo é verificar as possíveis ligações temáticas entre o texto-base e as demais composições, ampliando, desta forma, as possibilidades de compreensão.

1.4.2 O texto-base

FAROESTE CABOCLO (Renato Russo)

1 Não tinha medo o tal João de Santo Cristo, 2 Era o que todos diziam quando ele se perdeu. 3 Deixou pra trás todo o marasmo da fazenda

4 Só para sentir no seu sangue o ódio que Jesus lhe deu. 5 Quando criança só pensava em ser bandido,

6 Ainda mais quando com um tiro de soldado o pai morreu... 7 Era o terror da cercania onde morava

8 E na escola até o professor com ele aprendeu. 9 Ia pra igreja só pra roubar o dinheiro

10 Que as velhinhas colocavam na caixinha do altar. 11 Sentia mesmo que era mesmo diferente

12 E sentia que aquilo ali não era o seu lugar 13 Ele queria sair para ver o mar

14 E as coisas que ele via na televisão 15 Juntou dinheiro para poder viajar

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21

17 Comia todas as menininhas da cidade

18 De tanto brincar de médico, aos doze era professor. 19 Aos quinze, foi mandado pro reformatório

20 Onde aumentou seu ódio diante de tanto terror. 21 Não entendia como a vida funcionava –

22 Discriminação por causa da sua classe, sua cor 23 Ficou cansado de tentar achar resposta

24 E comprou uma passagem, foi direto a Salvador. 25 E lá chegando foi tomar um cafezinho

26 E encontrou um boiadeiro com quem foi falar 27 E o boiadeiro tinha uma passagem

28 E ia perder a viagem, mas João foi lhe salvar. 29 Dizia ele: - Estou indo pra Brasília

30 Neste país lugar melhor não há. 31 Estou precisando visitar a minha filha 32 Eu fico aqui e você vai no meu lugar.

33 E João aceitou sua proposta e num ônibus entrou no Planalto Central. 34 Ele ficou bestificado com a cidade

35 Saindo da rodoviária, viu as luzes de Natal. 36 – Meu Deus, mas que cidade linda.

37 No Ano Novo eu começo a trabalhar. 38 Cortar madeira, aprendiz de carpinteiro 39 Ganhava cem mil por mês em Taguatinga. 40 Na sexta-feira ia pra zona da cidade

41 Gastar todo o seu dinheiro de rapaz trabalhador. 42 E conhecia muita gente interessante

43 Até um neto bastardo do seu bisavô: 44 Um peruano que vivia na Bolívia 45 E muitas coisas trazia de lá. 46 Seu nome era Pablo e ele dizia 47 Que um negócio ele ia começar. 48 E Santo Cristo até a morte trabalhava

49 Mas o dinheiro não dava pra ele se alimentar. 50 E ouvia às sete horas o noticiário

51 Que sempre dizia que o seu ministro ia ajudar. 52 Mas ele não queria mais conversa

53 E decidiu que com o Pablo ele iria se virar. 54 Elaborou mais uma vez seu plano santo

55 E, sem ser crucificado, a plantação foi começar.

56 Logo, logo, os malucos da cidade souberam da novidade: 57 – Tem bagulho bom aí!

58 E João de Santo Cristo ficou rico 59 E acabou com todos os traficantes dali. 60 Fez amigos, freqüentava a Asa Norte 61 E ia pra festa de rock, pra se libertar. 62 Mas de repente

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22

63 Sob uma má influência dos boyzinhos da cidade 64 Começou a roubar.

65 Já no primeiro roubo ele dançou 66 E pro inferno ele foi pela primeira vez. 67 Violência e estupro do seu corpo. 68 – Vocês vão ver, eu vou pegar vocês. 69 Agora o Santo Cristo era bandido 70 Destemido e temido no Distrito Federal. 71 Não tinha nenhum medo de polícia

72 Capitão ou traficante, playboy ou general. 73 Foi quando conheceu uma menina

74 E de todos os pecados ele se arrependeu. 75 Maria Lúcia era uma menina linda

76 E o coração dele pra ela 77 O Santo Cristo prometeu. 78 Ele dizia que queria se casar 79 E carpinteiro ele voltou a ser.

80 – Maria Lúcia pra sempre eu vou te amar 81 E um filho com você eu quero ter.

82 O tempo passa e um dia vem à porta um senhor de alta classe com

dinheiro na mão.

83 E ele faz uma proposta indecorosa e diz que espera uma resposta 84 Uma resposta de João:

85 – Não boto bomba em banca de jornal nem em colégio de criança 86 Isso eu não faço não.

87 E não protejo general de dez estrelas, 88 Que fica atrás da mesa com o cu na mão. 89 E é melhor o senhor sair da minha casa

90 Nunca brinque com um Peixes, ascendente Escorpião. 91 Mas antes de sair, com ódio no olhar, o velho disse: 92 – Você perdeu sua vida, meu irmão.

93 Você perdeu sua vida, meu irmão. Você perdeu sua vida, meu irmão. 94 Essas palavras vão entrar no coração

95 E eu vou sofrer as conseqüências como um cão. 96 Não é que o Santo Cristo estava certo

97 E seu futuro era incerto e ele não foi trabalhar. 98 Se embebedou e no meio da bebedeira

99 Descobriu que tinha outro trabalhando em seu lugar. 100 Falou com Pablo que queria um parceiro

101 E também tinha dinheiro e queria se armar.

102 Pablo trazia o contrabando da Bolívia e Santo Cristo revendia em

Planaltina.

103 Mas acontece que um tal de Jeremias, 104 Traficante de renome, apareceu por lá. 105 Ficou sabendo dos planos de Santo Cristo 106 E decidiu que com João ele ia acabar.

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107 Mas Pablo trouxe uma Winchester-22 108 E Santo Cristo já sabia atirar.

109 E decidiu usar a arma só depois 110 Que o Jeremias começasse a brigar. 111 O Jeremias, maconheiro sem-vergonha,

112 Organizou a Rockonha e fez todo mundo dançar. 113 Desvirginava mocinhas inocentes

114 E dizia que era crente, mas não sabia rezar. 115 E Santo Cristo há muito não ia pra casa 116 E a saudade começou a apertar.

117 – Eu vou embora, eu vou ver Maria Lúcia. 118 Já está em tempo de a gente se casar. 119 Chegando em casa então ele chorou 120 E pro inferno ele foi pela segunda vez. 121 Com Maria Lúcia Jeremias se casou 122 E um filho nela ele fez.

123 Santo Cristo era só ódio por dentro e então o Jeremias pra um duelo

ele chamou.

124 Amanhã às duas horas na Ceilândia, em frente ao lote 14, é pra lá que

eu vou.

125 E você pode escolher as suas armas, que eu acabo mesmo com você,

seu porco traidor.

126 E mato também Maria Lúcia, aquela menina falsa pra quem jurei o meu

amor.

127 Santo Cristo não sabia o que fazer 128 Quando viu o repórter na televisão 129 Que deu notícia do duelo na TV 130 Dizendo a hora e o local e a razão. 131 No sábado então, às duas horas,

132 Todo o povo sem demora foi lá só para assistir 133 Um homem que atirava pelas costas

134 E acertou o Santo Cristo e começou a sorrir. 135 Sentindo o sangue na garganta,

136 João olhou pras bandeirinhas e pro povo a aplaudir. 137 E olhou pro sorveteiro e pras câmeras

138 E a gente da TV filmava tudo ali.

139 E se lembrou de quando era criança e de tudo que vivera até ali. 140 E decidiu entrar de vez naquela dança

141 – Se a via-crucis virou circo, estou aqui.

142 E nisso o sol cegou seus olhos e então Maria Lúcia ele reconheceu. 143 Ela trazia a Winchester-22

144 A arma que seu primo Pablo lhe deu.

145 – Jeremias, eu sou homem, coisa que você não é. 146 E não atiro pelas costas não.

147 Olha pra cá filha-da-puta, sem vergonha. 148 Dá uma olhada no meu sangue

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24

149 E vem sentir o teu perdão.

150 E Santo Cristo com a Winchester-22 151 Deu cinco tiros no bandido traidor. 152 Maria Lúcia se arrependeu depois 153 E morreu junto com João, seu protetor.

154 E o povo declarava que João de Santo Cristo era santo porque

sabia morrer.

155 E a alta burguesia da cidade não acreditou na estória que eles

viram na TV.

156 E João não conseguiu o que queria, quando veio pra Brasília

com o diabo ter.

157 Ele queria era falar pro presidente, 158 Pra ajudar toda essa gente

159 Que só faz sofrer.

1.4.3 A temática do álbum “Q

ue país é este”

A começar pelo título do álbum, Que país é este – segundo a banda, é uma exclamação de desabafo, mas repercute como pergunta, ao ser cantada pelos jovens – que aponta em direção à discussão de temas nacionais, como forma de desmascaramento da sociedade, esse é um disco que mostra a força inicial do

rock básico da banda, tendo o protesto à sociedade como tônica, além de

questionamentos existenciais.

O álbum é composto por nove músicas – todas escritas por Renato Russo e em parcerias – em que alguns títulos antecipam o conteúdo de suas letras, como em:

Conexão Amazônica, escrita em 1980, denuncia o uso de uma região que interliga

o tráfico internacional ao tráfico brasileiro; Tédio, escrita em 1979, retrata um período de ostracismo resultante da situação sócio-política do Brasil; e Angra dos

Reis, que aborda a relação entre a construção de usinas e os prejuízos ambientais

refletidos na vida humana.

Outro aspecto relevante desse álbum é que, das nove músicas, oito apresentam foco narrativo em primeira pessoa e apenas em “Faroeste Caboclo” tem-se o foco narrativo em terceira pessoa, quase em sua totalidade. Contudo, a tônica do álbum é que o “EU” assume a cosmovisão do “ELE”, encarnando-o, para criticá-lo.

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É uma lógica discursiva para denunciar a mísera alternativa de realização individual, como em “O reggae”, em que o autor utiliza-se da ironia, afirmando e criticando, ao mesmo tempo:

“Assistia o jornal da TV / E aprendi a roubar pra vencer / Nada era como eu imaginava / Nem as pessoas que eu tanto amava / Mas e daí? / Se é mesmo assim, / Vou ver se tiro o melhor pra mim.”

Nessa perspectiva, vêm à tona questões relevantes na construção da cidadania e da identidade brasileira, como:

a) A floresta Amazônica e os índios

“Terceiro mundo se for / Piada no exterior / Mas o Brasil vai ficar rico / Vamos faturar um milhão / Quando vendermos todas as almas / Dos nossos índios em um leilão.” (Quepaís é este – Anexo 1)

“Os tambores da selva já começaram a rufar / A cocaína não vai chegar / Conexão amazônica está interrompida” (Conexão Amazônica – Anexo 2)

Os recursos naturais, as florestas brasileiras não são preservadas, são invadidas por estrangeiros e, consequentemente, a vida e as terras dos índios são, frequentemente, ameaçadas e desrespeitadas. Falta consciência ecológica e a Amazônia é vista como “terra de ninguém” e, por isso, alguns tiram proveito da região como rota do tráfico e na exploração ilegal da floresta, provocando conflitos, violência e mortes.

“No Amazonas, no Araguaia, na Baixada Fluminense / Mato Grosso, nas Geraes e no Nordeste tudo em paz / Na morte eu descanso mas o sangue anda solto / Manchando os papéis, documentos fiéis / Ao descanso do patrão” (Que país é este

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Contudo, na ótica das autoridades, “do patrão”, essa “guerra” que acontece na Amazônia e em outras regiões brasileiras, está dentro da normalidade, está tudo em paz, não há nada que os incomode.

b) Corrupção

“Nas favelas, no Senado / Sujeira pra todo lado / Ninguém respeita a Constituição / Mas todos acreditam no futuro da nação” (Que país é este – Anexo 1)

“Moramos na cidade, também o presidente / E todos vão fingindo viver decentemente / Só que eu não pretendo ser tão decadente não” (Tédio – Anexo 3)

“Um dia pretendo tentar descobrir / Por que é mais forte quem sabe mentir / Não quero lembrar que eu minto também” (Eu sei – Anexo 4)

Denuncia-se, aqui, a prática da ilegalidade, tanto em classes dominadas – as favelas, quanto em classes dominantes – o Senado em Brasília, em que o individual se sobrepõe ao social, revelando a falsidade ideológica presente em alguns grupos sociais. Entretanto, apesar da violação dos direitos e deveres dos cidadãos, executada de forma dissimulada – “E todos vão fingindo viver

decentemente” – todos ainda acreditam no futuro do país.

c) A exclusão social e as favelas

“Ei menino branco o que é que você faz aqui / Subindo morro pra tentar se divertir / Mas já disse que não tem / E você ainda quer mais / Por que você não me deixa em paz?” (Mais do mesmo – Anexo 5)

Denota-se, nesse trecho, a seguinte correspondência:

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Tem-se, aqui, o contraste entre o mundo da burguesia, caracterizado pelo menino branco e o mundo das favelas no morro, que se confrontam, no momento em que o menino branco sobe o morro. Todavia, o distanciamento se mantém: o menino branco, ao subir o morro, representa, agora, a conscientização dos direitos do cidadão:

“E agora você quer que eu fique assim igual a você / Bondade sua me explicar com tanta determinação / Exatamente o que eu sinto, como penso e como sou”

(Mais do mesmo – Anexo 5);

Enquanto que a favela representa, há anos, o desprovimento total de qualquer direito do cidadão:

“Desses vinte anos nenhum foi feito pra mim / É mesmo, como vou crescer se nada cresce por aqui? / Em vez de luz tem tiroteio no fim do túnel.” (Mais do mesmo – Anexo 5)

Além disso, a favela é caracterizada, também, como lugar de corrupção e violência:

“ Nasfavelas, no Senado / Sujeira pra todo lado” (Que país é este – Anexo 1)

“E quando tem chacina de adolescentes / Como é que você se sente?” (Mais do mesmo – Anexo 5)

d) Ausência do exercício de cidadania/alienação

“Quem vai tomar conta dos doentes?” (Mais do mesmo – Anexo 5)

Os doentes são as pessoas que estão paralisadas, em estado de inércia; não conseguem reagir a essa situação de miséria das favelas e se acomodam. Porém, há no texto o “EU”, alguém consciente, vivendo a mesma realidade e que acredita poder fazer algo por essa gente, o “OUTRO”. Na verdade, essa conscientização sócio-política dos problemas da favela é despertada no “EU” – talvez estivesse adormecida – através do encontro com o menino branco:

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“Bondade sua me explicar com tanta determinação / Exatamente o que eu sinto, como penso e como sou / Eu realmente não sabia que eu pensava assim” (Mais do

mesmo – Anexo 5)

Acomodar-se, facilmente, à situação é um traço cultural muito forte no brasileiro, mesmo quando seus direitos estão sendo ignorados. As autoridades responsáveis fingem que não veem, maquiam a realidade e o povo finge que está feliz, aderindo facilmente aos apelos da classe dominante:

“E agora você quer um retrato do país / Mas queimaram o filme / E enquanto isso, na enfermaria / Todos os doentes estão cantando sucessos populares.” (Mais do

mesmo – Anexo 5)

E no último verso, desse mesmo texto, caracterizando a desvalorização da identidade, da culturabrasileira e da falta de nacionalismo dos governantes, tem-se: “(e todos os índios foram mortos)”.

Em “Conexão Amazônica” (Anexo 2), tem-se outro exemplo dessa alienação: “E você quer ficar maluco sem dinheiro e acha que está tudo bem”.

E como solução a essa alienação, usando de ironia, em “Tédio” (Anexo 3), o autor sugere “Tédio com um T bem grande pra você”, fazendo alusão a “tesão”, antítese de

tédio, propondo mudança de atitude.

Para continuar enfatizando essa alienação, o autor, em “Angra dos Reis” (Anexo

6), utiliza-se da questão ecológica repercutida no aquecimento global:

“Deixa, se fosse sempre assim quente / Deita aqui perto de mim / Tem dias em que tudo está em paz / E agora todos os dias são iguais”.

E ainda, nesse mesmo texto, o autor ironiza:

“Deixa pra lá, a angra é dos reis / Por que se explicar se não existe perigo? / Mesmo se as estrelas começassem a cair / E a luz queimasse tudo ao redor / E fosse o fim chegando cedo / E você visse nosso corpo em chamas / Deixa pra lá.”

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Finalmente, convém ressaltar outras questões abordadas em duas letras, não mencionadas até então: em “Química” (Anexo 7), escrita em 1981, o pretexto

é a disciplina de química, para se discutir o vestibular e a imposição dos valores culturais e ideológicos na vida dos jovens, em detrimento às suas escolhas:

“Estou trancado em casa e não posso sair / Papai já disse, tenho que passar / Nem música eu posso mais ouvir / E assim não posso nem me concentrar / Ter carro do ano, TV a cores, pagar imposto, ter pistolão / Ter filho na escola, férias na Europa, conta bancária, comprar feijão / Ser responsável, cristão convicto, cidadão modelo, burguês padrão / Você tem que passar no vestibular.”

E em “Depois do começo” (Anexo 8), escrita em 1982, o equilíbrio aparece como sinônimo de apatia, de alienação e, por isso, propõe o desequilíbrio como solução, como forma de chocalhar a consciência social das pessoas: “Vamos deixar as janelas abertas / Deixar o equilíbrio ir embora”.

Ainda nesse texto, há trechos em que não existe unidade lógica – há coesão, mas não há coerência – recurso utilizado sugerindo a necessidade de anarquia total na ordem das coisas, como forma de atingir o equilíbrio consciente, pensado e não induzido pela ideologia do Poder, vigente até então:

“Acender um intervalo pelo filtro / Usar um extintor como lençol / Jogar pólo-aquático na cama / Ficar deslizando pelo teto / Retalhar as cortinas desarmadas / Com a faca surda que a fé sujou.”

1.4.4 “Faroeste Caboclo” e a temática do álbum

Assim como em todas as outras letras desse álbum, “Faroeste Caboclo”, também, trata de temas nacionais, tendo, como foco principal, a reflexão sobre as interferências do comportamento social no comportamento individual e vice-versa. O protagonista da crônica, João de Santo Cristo, um bandido na vida real e que, antagonicamente, agrega em seu nome uma referência bíblica, “Santo

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individual e o social: é um personagem que tem sonhos, tenta concretizá-los, através do trabalho, depara com os entraves do capitalismo e, no meio do caminho, acaba cedendo às tentações do mundo do crime.

A alienação das pessoas é outro tema que aparece caracterizando duas classes sociais: “E a alta burguesia da cidade não acreditou na estória que eles viram na TV”, em que a expressão “não acreditou” revela a total falta de empatia da alta burguesia, com o mundo ora mostrado.

E em “Todo o povo sem demora foi lá só para assistir”, revela a falta de sensibilidade

do povo, que encara o crime como um grande evento, uma espécie de catarse frente à sociedade, como se vê em: “E o povo declarava que João de SantoCristo era santo porque sabia morrer.”, ou seja, matou e morreu em defesa de sua honra.

Outro exemplo dessa alienação tem-se em:

“Sentindo o sangue na garganta,

João olhou pras bandeirinhas e pro povo a aplaudir. E olhou por sorveteiro e pras câmeras

E a gente da TV filmava tudo ali.

E se lembrou de quando era criança e de tudo que vivera até ali. E decidiu entrar de vez naquela dança

- Se a via-crucis virou circo, estou aqui.”

Estando prestes a morrer, João associa todo o lado festivo do evento, com seus sonhos de criança: bandeirinhas, sorveteiro, câmeras, TV filmando e o povo aplaudindo traduzem o desejo de ser alguém reconhecido, socialmente. Porém, contrariamente, naquele momento, o que se mostrava era um evento de violência, em que um bandido estava prestes a morrer e o povo – em estado de alienação – aplaudia o fim de seu sonho. Por isso, entrega-se de vez à ironia de sua trajetória (“Se a via-crucis viroucirco, estou aqui”), ou seja, sua incessante busca por uma vida digna culmina, ironicamente, com aplausos, por estar redimindo-se a um final trágico: matando Jeremias e sendo morto.

Referências

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