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ÁREA TEMÁTICA SOCIOLOGIA POLÍTICA INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS FRAGILIZADAS E A CONSTRUÇÃO DA AUTOCRACIA BRASILEIRA

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ÁREA TEMÁTICA SOCIOLOGIA POLÍTICA

INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS FRAGILIZADAS E A CONSTRUÇÃO DA AUTOCRACIA BRASILEIRA

Nilson Almeida de Sousa Filho – UFPA

nilson.sousa.filho@hotmail.com

Maria Luzia Miranda Álvares

luziamiranda@gmail.com

João Pessoa 2020

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RESUMO

O presente artigo apresenta em caráter provisório alguns elementos relacionados ao cenário político brasileiro e a crescente convergência à autocracia, a partir dos impasses societais, culturais e políticos presentes no impeachment de Dilma Rousseff. Procura apontar como o resultado eleitoral de 2018 demonstra a crise de legitimidade democrática, evidenciada a partir da vitória de Jair Messias Bolsonaro, presidente que apresenta fortes elementos de regimes totalitários. A engenharia institucional brasileira, embora tivesse enfrentado um período sob a custódia dos militares (1964-1985), passou por um processo de fortalecimento democrático a partir da Constituição de 1988, e pelo menos até a data da ruptura presidencial em 2016, haviam abordagens teóricas que explicitavam, principalmente pelo viés institucionalista (FIGUEIREDO, 2004; LIMONGI, 2006; SANTOS, 2003), como poderia haver equilíbrio, previsibilidade e racionalidade no presidencialismo de coalizão, com certas ressalvas acerca de possíveis entraves no processo decisório. (ABRANCHES, 1988; MAINWARING, 1997; AMES, 2003; FREITAS, 2019). Com a quebra da ordenação política por meio do impeachment, somado a crises societais nas frentes econômicas, institucionais e de representação partidária, a maior parcela da sociedade recorreu nas eleições presidências de 2018, à “salvadores da pátria” ou outsiders que, embora utilizam regras eleitorais para alcançar o poder, suscitam um forte viés autoritário, ou seja, possuem ações de fragilização de mecanismos democráticos de acesso ao poder, constituindo assim um fenômeno político chamado autocracia, conforme. Levitsky e Ziblatt (2018). Para os autores, a defesa do sistema democrático deve ocorrer por meio da atuação de cidadãos organizados e, principalmente, através da atuação de partidos políticos na filtragem interna de atores extremistas que demonstram pouco apelo as instituições republicanas. Contudo, na perspectiva de Peter Mair (2013) os partidos políticos são organizações que lutam por espaço e não estão meramente segmentados a partir de representações, portanto, atuam sem estar obrigatoriamente vinculados socialmente, expondo-se em determinadas situações ao considerar a entrada de forasteiros. Por meio do método de análise dos discursos emanados pelo atual presidente, e ainda pela maneira como conduzem questões políticas nacionais e internacionais, esta pesquisa procura ressaltar como atitudes do Presidente Bolsonaro remonta a atitudes de governos totalitários presentes no século XX.

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1. DEMOCRACIA NO BRASIL E NO MUNDO: RUPTURAS OU REFORMAS?

A democracia tem sido um dos principais objetos de investigação no mundo contemporâneo. Schumpeter (1943) avalia o caráter procedimental do regime, Robert Dahl (1972; 1989) apresenta a poliarquia como limiar empírico em dois eixos: competição e participação, Antony Downs (1957) expõe a racionalidade dos agentes numa abordagem econômica do conceito, Norberto Bobbio (1984) observa que democracia é caracterizada por regras de quem governa e com quais procedimentos, e Paul Hist (1990) aponta como este modelo passou por altos e baixos na preferência de ideologias políticas. Desta feita, estes autores definem e distinguem o conceito descrevendo variáveis que funcionam como fatores de consolidação ou enfraquecimento democrático, que agregam estudos relacionados a ideias e regimes contrapostos, como governos ditatoriais ou totalitários, conforme estudos de Hannah Arendt (1969; 1989), Manuel Castells (2018) e Levitsky e Ziblatt (2018).

Em relação aos estudos brasileiros, as avaliações da democracia vão desde aspectos concernentes a cultura política, principalmente Avritzer (2016; 2019) e Baquero (2001), até aqueles que versam temas relacionados a sistema eleitoral e partidário, (Cf. NICOLAU, 1996; 2006; 2012 e BRAGA, 2006) e instituições da arena decisória, especialmente Figueiredo e Limongi (1995; 2004; 2006; 2012).

Como se observa, a questão da democracia na ciência política tem apresentado avaliações diversas que validam, por exemplo, avanços ou retrocessos no sentido institucional ou no caráter social do regime. Para exemplificar, temos a afirmação de Bobbio na década de 1984, diz o autor “[...] a democracia no mundo não goza de ótima saúde, como de resto jamais gozou no passado, mas não está à beira do túmulo (p.9)”. Enquanto Castells declara nas primeiras duas décadas do século XXI, que rupturas estão em curso no mundo democrático, enquanto Levitsky e Ziblatt (2019) reafirmam processos que indicam como as democracias morrem.

Das transformações ocorridas durante a passagem do século XX para o XXI, que avaliações podemos indicar da qualidade da democracia no Brasil e no mundo? Este trabalho justifica-se na medida em que propõe uma análise política do cenário democrático nacional desde a redemocratização em 1988 e deve apontar em quais aspectos/elementos o Brasil tem seguido, por meio das ações governamentais do atual presidente, a tendência internacional de ruptura com viés autocrático.

O livro de Manuel Castells já denota sua perspectiva sobre os rumos da democracia liberal no mundo. Em Ruptura (2018), o autor aponta desafios relacionados a crise econômica,

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terrorismo, questão climática, violência contra mulheres e comunicação na pós-verdade como variáveis que se reportam a queda democrática e cita exemplos que vão desde os EUA (tendo Donaldo Trump como fruto - indesejável) passando por países latinos até chegar na Coréia do Sul, e menciona como alternativas viáveis regimes autoritários na China e na Rússia. Na Europa, “produziu-se uma verdadeira reviravolta eleitoral em favor de partidos nacionalistas que dominaram a política por meio século” (p. 9), e evidencia como há um apoio significativo a partidos antiestablishment na França, Dinamarca, Suécia, Áustria, Suíça, Grécia e Holanda deixando manifesto a distância entre classe política e cidadãos, forjando um colapso desse modelo de representação. Em relação ao Brasil, Castells (2018) afirma que há uma total decomposição do sistema político.

Sobre a alusão à decomposição do sistema político brasileiro, há necessidade de uma reflexão mais pormenorizada. Na perspectiva procedimental de Schumpeter (1943), a capacidade analítica do conceito democrático reside na análise de regras e/ou procedimentos que garantem a escolha de líderes por meio da competição eleitoral e da participação popular, no Brasil, ao que se refere a pleitos eleitorais presidenciais, essas características estão presentes desde a constituinte em 1988. Conforme Kinzo (2003, p. 35), “[...] a via eleitoral e a saída constitucional se afirmaram como caminho de alternância no poder e de resolução dos impasses políticos1”.

Nesse sentido, da promulgação da Constituição de 1988, atravessando dois momentos de ruptura presidencial, quais transformações o sistema político brasileiro e as instituições que compõe o sistema tem enfrentado?

2. O ENSAIO DO DECLÍNIO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO: IMPASSES DO GOVERNO DILMA ROUSSEFF

[...] Hoje, mais uma vez, ao serem contrariados e feridos nas urnas os interesses de setores da elite econômica e política nos vemos diante do risco de uma ruptura democrática (Rousseff, 2016)

Em discurso de defesa no Senado Federal em 2016, a então Presidenta Dilma Rousseff coloca sob suspeição a democracia brasileira em razão do processo de impedimento impetrado contra ela. A alusão acima descrita por Rousseff define o objeto de estudo desta pesquisa: a

1 Atrelada a característica procedimental, deve-se considerar também se a democracia brasileira tem valorizado o credo de igualdade e liberdade que acompanha o conceito. Essa avaliação pode ocorrer por meio da análise de políticas públicas voltadas para o enfrentamento das desigualdades no país

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democracia nacional e a identificação de crises de legitimidade política presentes no cenário brasileiro pós-2014. Diversas perguntas podem orientar esta investigação: a) os

eleitores brasileiros não acreditam na democracia? b) as instituições políticas estão fragilizadas? c) elementos totalitários sobrevivem em democracias? d) a vitória de Jair Bolsonaro reflete um momento de regresso político-democrático? Estas questões podem ser condensadas numa única pergunta norteadora: o Brasil está enfrentando um processo de ruptura democrática?

Para Dilma Rousseff, havia um cenário de ruptura democrática em face dos embates ocorridos frente ao legislativo, no entanto, esse foi apenas um dos impasses ocorridos pela presidenta, muitos autores apontam fatores que levam a queda de um presidente, implicando um olhar retrospectivo à data da queda, que evidencia o declínio do governo petista, quais sejam:

2.1 MOBILIZAÇÕES POPULARES

Para alguns autores, as querelas que culminariam na retirada forçada de Rousseff começaram ainda no primeiro mandato. Os protestos populares iniciados em 2013 conhecidos marcam o início do declínio petista. (Cf. MARTINS JUNIOR et. al, 2016; MIGUEL, 2016). Iniciado no Estado de São Paulo, o movimento fora idealizado para protestar contra o acréscimo no valor das passagens de ônibus na capital paulista, no entanto, ao longo de 2013 impetrou uma abrangência nacional, se configurando como movimento contrário à política e aos políticos. Qualquer menção a partidos no decorrer das passeatas era vista de maneira pejorativa e gerava confusões.

2.2 A CONTESTAÇÃO DO RESULTADO ELEITORAL. –

Logo após a vitória do PT, houve uma campanha em torno da desqualificação dos resultados, com o PSDB solicitando auditoria na votação, apresentando descrença quanto a confiabilidade dos votos e questionando inclusive se não haveria falhas nas urnas eletrônicas. O PSDB nacional, protocolou formalmente no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um pedido de auditoria do sistema. A ação dos opositores tinha um propósito claro: contestar a vitória.

2.3 OPERAÇÃO LAVA JATO E OPINIÃO MIDIÁTICA

A grande mídia brasileira teve um papel fundamental no decorrer da crise enfrentada por Dilma Rousseff. As notícias televisionadas, publicadas em blogs, jornais on-line ou impressos, apresentavam o passo-a-passo das investigações policias da Operação Lava-Jato. Segundo o Ministério Público Federal a Lava Jato começou em 2009 com a investigação de crimes de lavagem de recursos, por doleiros, relacionados ao ex-deputado federal José Janene, em Londrina, no Paraná. A primeira fase ostensiva da operação ocorreu no último ano do primeiro mandato de Dilma Rousseff, em março de 2014. Conforme Thompson (2002):

Um escândalo pode surgir se, e somente se, o véu do sigilo for levantado e as atividades de corrupção se tornarem conhecidas aos outros, ou se tornarem o

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foco de uma investigação pública. [...] A articulação pública de um discurso infamante é a condição final que deve ser preenchida para transformar a corrupção em escândalo (2002, p. 57-58)

Foram exatamente nos termos acima expostos que a grande mídia brasileira atuou, publicações massivas e calibradas, tornando-se um periódico diuturno. Cioccari (2015, p. 66) afirma: “Em 21 de março o jornal Folha de São Paulo noticia a prisão do ex-diretor da Petrobrás, iniciando aí, uma massiva cobertura do escândalo envolvendo a estatal brasileira. A manchete “Ex- diretor é preso pela Política Federa” é o começo da cobertura” (Grifo no original). Segundo Cioccari (2015), vinculadas a essa notícia, outras 68 edições relevantes foram realizadas pelo Jornal Folha de São Paulo no intervalo de um ano.

2.4 COALIZÃO EM CRISE: PERDA DE APOIO E IMPEACHMENT

PT e PMDB foram os dois partidos políticos que protagonizaram os imbróglios que desembocou na substituição de uma agenda de políticas por uma agenda de conflitos. O maior partido político do Congresso naquele momento, outrora aliado ao partido incumbente, conduz, com certo protagonismo, os meios pelos quais Dilma Rousseff deixaria o cargo, pondo termo significativo nos conflitos PMDB-PT, através de um ator político pivô no desenho institucional brasileiro: o presidente da Câmara dos Deputados, nesse contexto na pessoa de Eduardo Cunha, do PMDB do estado do Rio de Janeiro. As dificuldades de coordenação política de Dilma Rousseff não se originaram somente nos conflitos orquestrados por Eduardo Cunha, mas a sua conduta deu certa vitalidade aos embaraços sucessivos entre governo e os demais partidos políticos. Como cerne da relação entre Executivo e Legislativo, Eduardo Cunha surge como muro oposicionista com intenção de obstar a agenda governista. Para aprovar e executar uma política admite-se a de uma maioria, a capacidade de fazer essa maioria cooperar reside no oferecimento de alguns benefícios reconhecidos como patronagem. Porém, a crise política enfrentada por Dilma Rousseff (2014-2016) fez estagnar a dinâmica do governo na elaboração de políticas e, consequentemente, o efeito agregador vinculados a elas, também estagnou. Os incentivos encontrados numa agenda comum favorecem a cooperação, todavia, a agenda de

conflitos de Dilma Rousseff subverte essa perspectiva. Em momentos de crise é difícil induzir

os parlamentares à cooperação, os partidos “aliados” ao governo deixaram suas bancadas livres na votação acerca da admissibilidade do processo de impedimento. O PRB, por exemplo, mesmo sendo “base aliada” votou totalmente a favor da saída presidencial.

O cenário acima descrito pode ser interpretado como antagônico as abordagens existentes sobre o equilíbrio do presidencialismo de coalizão brasileiro. Embora alguns estudos da engenharia política inaugurada com a ordem democrática restaurada em 1988 no Brasil

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apontassem para dificuldades quanto a eficácia do processo decisório, cf. Abranches (1988) e Scott Mainwaring

(1997)2, a estabilidade dos governos democráticos foi analisada e explicada amplamente pela Ciência Política brasileira. Figueiredo e Limongi (1999) exploraram pioneiramente os efeitos das regras oriundas da Constituição de 1988 e do Regimento Interno da Câmara dos Deputados sobre o comportamento dos partidos e sobre o controle do processo decisório. Seus trabalhos apontaram análises otimistas acerca da atuação institucional, avaliando a democracia como funcional e atribuindo ao presidencialismo de coalizão a imagem de ordem, previsibilidade e racionalidade.

Havendo estabilidade no funcionamento das instituições políticas brasileiras pós 1988, quais circunstâncias fragilizaram os alicerces institucionais da democracia no Brasil para afirmação de Castells (2018) ter respaldo na realidade?

Algumas cenas da política nacional podem dar resposta. O panorama anterior ao impeachment de Rousseff fora marcado por impasses que conduziram à queda, segundo Hochstetler (2007) e Perez-Liñan (2008), mandatos presidenciais correm perigo se apresentarem: a) envolvimento com escândalos; b) minoria congressual; c) contestação pública/protestos populares e, d) políticas econômicas ineficazes. No governo Rousseff todos os fatores estiveram presentes, nesse aspecto, houve um descrédito alarmante com a política no Brasil e, consequetemente, com as instituições políticas e partidárias3. Especificamente em relação a escândalos de corrupção, o Partidos dos Trabalhadores e as proposições políticas do partido foram amplamente contestadas a partir dos escândalos que envolveram a sigla e empresas estatais de significado internacional, como o caso da Petrobrás, com vinculação midiática diária nos principais veículos de comunicação do país. Para Castells:

[...] a força e a estabilidade das instituições dependem da vigência na mente das pessoas. Se for rompido o vínculo subjetivo entre o que os cidadãos pensam e querem e as ações daqueles a quem elegemos e pagamos, produz-se o que denominamos crise de legitmidade política (2018, p. 12).

2 Abranches (1988) trata a engenharia institucional brasileira como um dilema ao considerar a combinação entre proporcionalidade e presidencialismo um recurso difícil; enquanto Mainwaring (1997) distingue as dificuldades no processo decisório relacionando principalmente o número expressivo de partidos (decorrente da regra de proporcionalidade) e a dificuldade de coadunar interesses neste ambiente político fragmentado.

3 André Singer (2018; 2015) demonstra como o Lulismo, conceito cunhado por ele, entrou em crise entre o período Dilma. Sua perspectiva aborda os “dramas do primeiro mandato” e “as tragédias do impeachment”, e como a coalizão foi dissolvida com interferência de uma burguesia única antidesenvolvimentista.

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Dados do Latinobarômetro sugerem que o Brasil esteve vivenciando a crise mencionada por Castells, em 2015 54% das pessoas entrevistadas acreditavam que a democracia é preferível a qualquer outra forma de governo, enquanto quase 29% estavam nada satisfeitos com o funcionamento da democracia no Brasil. No ano do impeachment de Rousseff, os dados evidenciaram um decréscimo na democracia como regime preferível, chegando a casa dos 33%, enquanto cresceu a insatisfação com sua funcionamente, totalizando 50%. Em 2015, o Latinobarômetro apontou que 51% dos entrevistados não confiavam minimamente em instituições partidárias, enquanto em 2016 esse número cresceu para 65%.

3. A VITÓRIA DE UM “FORASTEIRO”

Em 2018, ano da vitória de Bolsonaro, 66% das pessoas não tinham nenhuma confiança nos partidos políticos brasileitos, enquanto 25% diziam ter pouca confiança4. A crise de legitimidade, suscita um colapso na ordem política estabelecida enquanto a desconfiança nos partidos e nas instituições provoca uma busca por novos atores políticos, daqueles que articulam um discurso xenofóbico e racista e simplificam os problemas mediante a oposição entre o em cima e o embaixo e ainda denunciam a corrupção, embora em muitos casos eles e elas façam parte dessa mesma corrupção. (CASTELLS 2018, p. 37.).

O descrédito com a democracia, os partidos políticos e a funcionalidade das atividades do Estado era o pano de fundo das eleições em 2018, variáveis que podem funcionar como catalisadores para o resultado eleitoral numa ambiência propícia para eleição de atores com discursos “outsiders”. O pleito eleitoral foi antecedido por um cenário político, econômico e cultural conflituoso com enfraquecimento de estruturas partidárias consolidadas eleitoralmente desde a década de 1990, entre os quais destaca-se o PSDB, partido que agregou somente 4,75% de votos em 2018, mas esteve presente em todas as eleições presidenciais de segundo turno entre 1994 e 2014, com vitória em dois pleitos.

• O discurso nacionalista

As eleições de 2018 foram acompanhadas por um discurso fortemente “nacionalista” que obteve resposta no apoio das massas. Daí surge uma enorme semelhança em relação aos regimes totalitários nazistas e stalinistas em analogia ao processo eleitoral que culminou na

4 LATINOBARÔMETRO. Libros de códigos del año 2018. Disponível em: <https://www.latinobarometro.org/latCodebooks.jsp>. Acesso em: 07 set. 2020.

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eleição de Jair Bolsonaro. Em “Origens do totalitarismo”, Hannah Arendt deixa evidente como a persuasão e a mobilização das massas se solidificou na conduta anti-semita, fortalecendo o totalitarismo a partir da ideologia nacional. Nesse sentido, quanto à manutenção ou ruptura democrática, se entende o importante papel da aprovação/apoio popular como agentes definidores do destino dos regimes, sejam democráticos ou não.

• A suspeição das informações e o discurso da mentira

Outro ponto de reflexão indispensável é o tratamento totalitário dado a informação. Hannah Arendt afirma que:

[...] eram tratados como mentiras todos os fatos que não concordassem, ou pudessem discordar, com a ficção oficial [...]. Todas as regiões e todos os distritos da União Soviética recebiam os seus dados estatísticos oficiais como recebiam as normas, não menos fictícias que lhes eram destinados pelos Planos Quinquenais (p. 346. 2004).

Assim, importa avaliar como o mandato presidencial vem sendo conduzido em relação a informação de questões políticas globais importantes, sobretudo relacionado a dois aspectos elementares no Brasil e no mundo: a questão da crise ambiental na Amazônia e a emergente situação de saúde coletiva provocadas pelo novo Coronavírus.

Primeiramente, o presidente e o ministro do meio ambiente apresentaram discursos divergentes daqueles apontados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE em julho/2019. Enquanto INPE assinalava um significativo avanço no desmatamento, a Presidência e o Ministério do Meio-Ambiente acusaram a instituição de mentir sobre os dados5. A situação agravou e se tornou insustentável, culminando na demissão de Ricardo Galvão, presidente da instituição, em agosto do mesmo ano.

Em seguida, houve nítido descrédito aos alertas emitidos pela Organização Mundial de Saúde quanto a situação caótica de saúde pública causada pelo Coronavírus mundialmente. Em pronunciamento oficial realizado em março/2020, o presidente da república questionou as medidas de enfretamento implementadas por autoridades municipais e estaduais no Brasil, interrogando a eficácia na paralisação de transporte e o fechamento temporário das escolas. Outra situação vinculada a informação e ao COVID-19 foram limitações na divulgação dos dados realizada pelo Ministério da Saúde, o governo Jair Bolsonaro restringiu o acesso sobre a

5 O GLOBO. Entrevista de Ricardo Galvão e Ricardo Sales concedido a Renata Lo Prete. Disponível em <http://g1.globo.com/globo-news/videos/v/painel-ex-diretor-do-inpe-e-ministro-do-meio-ambiente-debatem-politica-ambiental/7831897/>. Acesso em 07 set. 2020

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doença e isto provocou a criação de um consórcio de imprensa para coletar, nas secretarias estaduais de saúde, dados sobre a vítimas, um ponto de conflito evidente na conjuntura do governo Bolsonaro entre veículos de imprensa, principalmente do grupo Globo.

• O presidente (sem partido)

Numa democracia as instituições políticas organizam o padrão de escolha dos líderes e orientam a conduta da população na competição. Como instituições representativas nesse serviço, os partidos políticos funcionam como condutores de ação política e representam legalmente setores da sociedade em termos regionais, culturais ou étnicos, são o vínculo entre a sociedade e o Estado. Visto que, no entanto, é longo o período em que o presidente da república é mencionado com referência ao fato de não integrar qualquer partido brasileiro67. Há pelo menos nove meses as notícias que citam o presidente o mencionam sempre com informação entre parênteses – sem partido e ele mesmo afirmou em entrevista que pode ser presidente sem partido8.

Para Hannah Arendt (1951), a executiva do governo nazista não era o partido, mas a polícia. Esse alerta remete ao fato de o presidente brasileiro não integrar um partido político, e mais do que isso, recrutar para os cargos de confiança militares da ativa e da reserva. A inserção de militares exercendo cargos civis somam, reconhecidos pelo governo, mais de 3.000 pessoas. Entre os que se destacam estão ministros da Casa Civil e Secretaria Geral da Presidência da República, inclusive o próprio presidente e vice-presidente são, respectivamente, capitão e general do Exército9.

• Elementos do governo autocrata no Brasil

No entanto, não se pode afirmar que há um regime totalitário no Brasil pós-2018. Embora haja investigações avaliando a conduta do presidente e de seus correligionários em relação às práticas atreladas a milícias10, não há ação violenta e deliberada do Estado brasileiro

6 Jair Bolsonaro já compôs a fileira de oito partidos políticos entre os anos de 1989 e 2018.

7 Em Ruptura (2018), Castells afirma que tem surgido lideranças políticas que, na prática, negam as formas partidárias existentes e alteram de forma profunda a ordem política nacional e mundial (p. 8)

8 Bolsonaro diz que pode ser 'presidente sem partido'. G1. POLÍTICA. Disponível

em:<https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/10/26/bolsonaro-diz-que-pode-ser-presidente-sem-partido.ghtml>. Acesso em 07 set. 2020.

9 Os demais Ministérios e Secretarias Nacionais dirigida por militares são: Gabinete de Segurança Institucional, Ministério da Defesa, Controladoria Geral da União, Secretaria de Governo, Ministério da Infraestrutura 10 As aproximações ocorrem por meio dos casos Marielle Franco e Adriano da Nóbrega, este último homenageado publicamente por Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. ISTOÉ. É pública a ligação do clã Bolsonaro com as milícias Disponível em

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<https://istoe.com.br/e-publica-a-ligacao-do-cla-nos termos totalitários apontados por Arendt (1951; 1969). Se não há um governo totalitário, há elementos presentes que remontam ao totalitarismo no interior da democracia brasileira, que em vias de fragilização nos aproximam de um sistema autocrático, ou seja, que enfraquece a democracia de modo “legal” (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018).

A democracia brasileira tem sofrido fragilidades que, embora não sejam rupturas abruptas com ocupação de militares no poder, são lentas e graduais, caracterizando-se pela ação orquestrada de atores políticos com tendências autoritárias, e ainda que tenham alcançado o poder pela via eleitoral, violam princípios de legitimação dos oponentes; apresentam baixa tolerância; encorajam a violência; possuem pouco compromisso com regras democráticas e; propõe restringir liberdades civis (liberdade midiática).

Nesse sentido, a hipótese desta pesquisa afirma que: as fragilidades da democracia

nacional apresentam elementos de crise assinalam a construção de um regime autocrata.

DESENVOLVER O PARÁGRAFO – DADOS QUE ENVIDENCIAM A AUTOCRACIA

4. METODOLOGIA E FONTES

Há dois aspectos metodológicos utilizados para desenvolver e respaldar esta análise. A primeira diz respeito a análise sistemática da literatura que versa sobre as práticas democráticas no Brasil e no mundo, os aspectos relevantes e as interferências locais e temporais, relacionando dados históricos do século XX e XXI, com isso se propõe um quadro de similaridades na tentativa de construir uma análise comparativa entre estados nacionais e os principais debates que interferem na agenda democrática global.

Posteriormente, haverá análise de discursos ocorridos durante a campanha presidencial de Bolsonaro, de entrevistas pregressas enquanto membro do legislativo e pós eleições 2018, investigação ainda objetos midiáticos pessoais (principalmente Twitter) e institucionais do presidente, possibilitando um viés qualitativo à pesquisa. Nesse sentido, na construção desse banco de dados, a ideia é entrecruzar séries textuais a fim de identificar indicadores de comportamento autoritário nas mensagens, confrontando discursos emitidos pelo presidente à representações e valores democráticos.

Posteriormente, serão avaliados de maneira ampla resultados de pesquisa de opinião que mostram a desconfiança nas instituições brasileiras, entre os quais destacam-se os partidos

bolsonaro-com-as-milicia/>. ÉPOCA. A Vida E A Morte De Adriano Da Nóbrega https://epoca.globo.com/rio/a-vida-a-morte-de-adriano-da-nobrega-24247527 Acesso em: 07 set. 2020.

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políticos e o Congresso Nacional (Câmara e Senado Federal) no sentido de identificar satisfação ou a desconfiança com as instituições democráticas. Aqui serão consultadas fontes de dados consolidados obtidos no Latinobarômetro e Centro de Estudos de Opinião Pública – CESOP.

5. ANÁLISES CONCLUSIVAS

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REFERÊNCIAS

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Schwarcz-Companhia das Letras, 2018.

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18. SINGER, André. Cutucando onças com varas curtas: o ensaio desenvolvimentista no

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Referências

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