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Sumário. Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 05S2334

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Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 05S2334

Relator: FERNANDES CADILHA Sessão: 09 Novembro 2005 Número: SJ200511090023344 Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: REVISTA.

Decisão: NEGADA A REVISTA.

CONTRATO DE TRABALHO

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

DEPENDÊNCIA ECONÓMICA

Sumário

I - É de qualificar como contrato de prestação de serviços o contrato assim designado pelas partes, celebrado entre um médico e um estabelecimento hospitalar em vista à prestação de actos médicos que eram remunerados na base da sua prestação efectiva e em função do número de doentes vistos e da natureza do acto médico praticado, quando se constata simultaneamente que o médico oferecia os seus préstimos profissionais a variadíssimas instituições, escolhia os horários de permanência no hospital (ainda que em coordenação com os interesses do estabelecimento e dos restantes profissionais

envolvidos), podia fazer-se substituir, nas suas faltas e impedimentos, por um outro médico por ele próprio designado e fixava unilateralmente as férias, não auferindo qualquer remuneração relativamente a esses períodos de ausência.

II - A equiparação estabelecida no artigo 2º, n.º 2, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, entre o contrato de trabalho e as situações de prestação de serviço em dependência económica, para os efeitos previstos nesse diploma, tem uma função meramente residual, destinando-se a prevenir que situações que se não encontrem juridicamente bem definidas possam igualmente ser enquadradas no regime indemnizatório previsto nessa Lei, pelo que não tem em vista alterar a conceptualização típica do contrato de trabalho ou do contrato de prestação de serviços.

III - Concluindo-se, face a todos os indícios coligidos, que a relação jurídica

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existente entre as partes é caracterizável como um contrato de prestação de serviços, deve o prestador de serviços ser tido como trabalhador

independente, nos termos e para os efeitos do artigo 3º da Lei n.º 100/97, não havendo que fazer apelo ao disposto no segmento final do citado artigo 2º, n.º 2.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça 1. Relatório.

"A", com os sinais dos autos, intentou a presente acção emergente de acidente de trabalho contra B - Companhia de Seguros, S. A., com sede em Lisboa, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe uma pensão anual e vitalícia pela desvalorização funcional sofrida em resultado de um acidente de trabalho ocorrido quando prestava a sua actividade profissional, como trabalhador independente, no Hospital da CUF.

Deduziu ainda um pedido idêntico contra a C, Companhia de Seguros, S. A., para ser considerado subsidiariamente para o caso de se entender que o autor se encontrava na ocasião do acidente na situação de trabalhador subordinado da D -Estabelecimento de Saúde e Assistência, S.A., entidade a que pertence o estabelecimento hospitalar onde prestava a sua actividade.

A "D" - Estabelecimento de Saúde e Assistência, S.A. veio igualmente a ser citada para os termos da acção, nos termos previstos no artigo 127º do Código de Processo de Trabalho, como eventual responsável pelo acidente.

Em sentença de primeira instância, a acção foi julgada procedente, condenando-se a ré B - Companhia de Seguros, S. A. a pagar ao autor a pensão anual e vitalícia de € 48.246,73, e absolvendo-se do pedido as rés C, Companhia de Seguros, S. A., e a D - Estabelecimento de Saúde e Assistência, S.A., por se entender que o sinistrado desempenhava a sua actividade no Hospital da Cuf como trabalhador independente, pelo que era a seguradora com a qual o autor havia contratado o seguro por acidentes de trabalho que deveria assumir o correspondente dever indemnizatório.

Em apelação, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a sentença e é contra essa decisão que se insurge agora a primeira ré, formulando, na sua alegação

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de recurso, as seguintes conclusões:

1ª O recorrido sinistrado mantém desde 1990 uma relação de trabalho e dependência económica com o Hospital CUF.

2ª A actividade desempenhada pelo sinistrado é arredia ao conceito de subordinação técnica, mas não de subordinação jurídica, ainda que difusa e residual, apenas a necessária para que a relação jurídica subsista, como é o caso dos autos paradigma.

3ª A existência de horário de trabalho, direito a férias e sanções no caso de falta são indícios, no caso suficientes, para determinar a existência de trabalho dependente.

4ª A possibilidade de o sinistrado se poder fazer substituir é um indício falacioso, já que, a instituição continuava a remunerar o sinistrado e não o médico substituto, justificando assim a falta do médico aqui sinistrado.

5ª A possibilidade do sinistrado se fazer substituir é ainda um falso indício pois o Hospital tinha de aprovar o substituto, reconhecendo-o, mas não até ao ponto de o remunerar directamente pois o sinistrado era quem importava à instituição Hospital.

6ª Esses médicos que designamos, sem qualquer desprimor, de substitutos, são no entendimento das anteriores instâncias tão externos como o sinistrado, o que de facto não é verdade.

7ª A existência de uma componente fixa e outra variável de uma remuneração não é indício suficiente para a inexistência de trabalho dependente, assim como o não é sendo essa remuneração variável.

8ª O acidente de trabalho ocorreu no serviço de urgências, local onde indubitavelmente o sinistrado prestava trabalho dependente para a D.

9ª O recorrido trabalha no Hospital CUF há perto de 10 anos, donde auferia reiterada e continuadamente quantia não apurada, pelo que há dependência económica.

10ª A noção de dependência económica vertida no n° 2 do art° 2° da LAT não deve ser entendida como sobrevivência, ou único meio de sustento, mas

apenas e tão só como a concretização de expectativas económicas reiteradas e continuadas, com as quais o sinistrado conta para o seu rendimento.

11ª Existindo dependência económica cabe à D reparar o presente acidente de trabalho, existindo, ou não, outro qualquer contrato de seguro obrigatório, mormente, dos trabalhadores independentes.

12ª Verifica a Ré, designadamente, a violação do disposto nos art°s 1 e 2° da LAT e art° 7° do DL n.º 159/99, de 11 de Maio.

Contra-alegaram o autor e as rés C, Companhia de Seguros, S. A. e D -

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Estabelecimento de Saúde e Assistência, S.A., sustentando o bem fundado da decisão recorrida

Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Exma magistrada do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negada a revista, por considerar que a

factualidade dada como assente não permite a caracterização da relação

existente entre o autor e a terceira ré como contrato de trabalho subordinado.

Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

2. Matéria de facto.

As instâncias deram como assente a seguinte factualidade:

1. O A. celebrou com a 1.ª R., na qualidade de trabalhador independente, um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, com a apólice n°

07.11.210.150 (al. A) dos Factos Assentes).

2. Do art. 2° das Condições Gerais da referida apólice consta que o aludido contrato garante a cobertura dos acidentes de que o segurado seja vítima em consequência do exercício da sua actividade profissional por conta própria, garantindo salários no montante de 21.000.000$00 anuais (1.500.000$00 mensais) (al. B) dos F.A.).

3. E o art. 1° do Capítulo I das Condições Gerais da aludida apólice, define como actividade profissional por conta própria, a actividade que é exercida sem que haja qualquer vínculo a uma entidade patronal por contrato de trabalho ou contrato legalmente equiparado e da qual resultem proventos económicos (al. C) dos F.A.).

4. A 3 de Julho de 1990, o A. celebrara com a Ré D - Estabelecimento de Saúde e Assistência, S.A. (Hospital da CUF), sita na Travessa do Castro, n° 3, em Lisboa, um contrato denominado de prestação de serviços, de que foi junto cópia a fls. 34 e 35 (al. D) dos F.A.).

5. Desse contrato, onde o A. figura como segundo contratante e a R. D como primeira contratante, constam, entre outras, as seguintes cláusulas:

"1.ª - O segundo contratante obriga-se, como médico, à prestação de actos médicos ou cirúrgicos no Hospital CUF aos doentes a cargo deste, no seu serviço de Urgência e internamento em situação de Urgência;

2.ª - Consideram-se prestação de serviços actos cirúrgicos, consultas de

urgência, bem como o acompanhamento de doentes internados que requeiram os seus cuidados em situação de urgência;

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3.ª - Os serviços prestados são retribuídos na base da sua prestação efectiva conforme a seguinte tabela e independentemente do dia da semana em que tenham lugar:

- 08h30/13h30 = 6.300$00;

- 13h30/08h30 = 23.900$00;

4.ª - O pagamento será efectuado contra a apresentação do recibo mod. 137 da Casa da Moeda;

5.ª - Os serviços a prestar pelo 2.º contratante reger-se-ão sempre (...) com independência técnica em relação à primeira contratante e aos utentes;

7.ª - O presente contrato (...) caduca automaticamente nas seguintes condições:

(...) quando o segundo contratante estiver impedido de prestar a sua

actividade por um período superior a seis dias de escala de serviço, seguidos ou interpolados, em cada período de seis meses;

quando (...) o segundo outorgante se fizer substituir parcialmente em três dias de escala de serviço por cada período de seis meses;

8.ª - Fica expressamente acordado que o segundo outorgante não fica

subordinado à primeira contratante na prestação de serviços abrangidos pelo presente contrato." (al. E) dos F.A.).

6. Por contrato de seguro contra acidentes de trabalho, titulado pela apólice n

° 2.1.19.012502, que teve início em 1 de Janeiro de 1985, celebrado entre a 2.ª Ré e a 3.ª Ré "D - Estabelecimentos de Saúde e Assistência, S.A.", esta última transferiu para a 2.ª Ré o risco infortunístico relativamente aos trabalhadores ao seu serviço no Hospital da CUF (al. F) dos F.A.).

7. Tal contrato de seguro foi celebrado e vigora, como vigorava à data do acidente, na modalidade de folhas de férias (al. G) dos F.A.).

8.O A. não figura nessas folhas de férias, nem as retribuições que lhe eram pagas pela D eram consideradas para efeito do cômputo do prémio a pagar trimestralmente pela D à 2.ª Ré (al. H) dos F.A.).

9. O referido contrato de seguro destinava-se a segurar contra o risco infortunístico o pessoal por conta de outrem que trabalhava no referido Hospital (al. I) dos F.A.).

10. Na apólice respeitante ao contrato a que se alude em 5., vieram a ser abrangidos apenas os técnicos e enfermeiros em serviço no Hospital da CUF (al. J) dos F.A. e resposta ao quesito 5.º).

11. O acidente em causa nos autos não foi participado à 2.ª Ré, nem pelo A., nem pela Ré D (al. L) dos F.A.).

12. Na proposta referente ao contrato de seguro de acidentes de trabalho referido em 1., datada de 20 de Janeiro de 2000, o A. declarou prestar a sua actividade como médico, para além do Hospital da CUF:

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- no seu consultório médico, na Av. António Augusto de Aguiar, n.º 15, em Lisboa;

- no Centro de Diagnóstico de Belém;

- na Erguer - Associação Tratamento Toxicodependência;

- no Quartel General do Governo Militar de Lisboa;

- no Centro de Saúde da Lapa;

- em consultas domiciliárias em Lisboa, e nos concelhos de Oeiras e Cascais;

- no consultório em Tires;

- no Instituto de Emprego e Formação Profissional;

- na Papelaco, em Linda-a-Pastora;

- no Hospital de São José;

- no Hospital de S. Francisco Xavier;

- no Hospital Militar Principal (al. M) dos F.A.).

13. A actividade do A. no serviço de urgências da Ré D era coordenada por esta com a dos restantes médicos do serviço de urgência (al. N) dos F.A.).

14. O A. trabalhava nas instalações do hospital, com os instrumentos e material que eram propriedade do hospital, à excepção do seu estetoscópio (al. O) dos F.A.).

15. Relativamente aos pagamentos que lhe eram efectuados pela Ré D, o A.

emitia um recibo de modelo referente a trabalho independente, vulgo "recibo verde" (al. P) dos F.A.).

16. Na Tentativa de Conciliação, realizada a 9 de Novembro de 2001, a 1.ª R.

aceitou a existência de um acidente e a sua caracterização como acidente de trabalho e aceitou a responsabilidade em função da retribuição transferida ao abrigo do contrato de seguro referido em 1. (al. Q) dos F.A.).

17. Em 26 de Maio de 2000, pelas 18 horas, quando prestava serviço de médico no interior do Hospital da CUF, em Lisboa, o A. teve necessidade de segurar e levantar um doente, utilizando para o efeito a sua força muscular (resposta ao quesito 1.º).

18. Em consequência do esforço muscular então produzido veio o A. a sofrer, de forma directa e necessária, as lesões descritas no documento clínico de fls.

4., que se dá por integralmente reproduzido (resposta ao quesito 2.º).

19. O A. exerceu práticas médicas no Hospital da CUF desde Julho de 1990 até à data referida em 17. (resposta ao quesito 3.º).

20. O A. recebia da Ré D em função do número de doentes vistos, do acto cirúrgico praticado e, relativamente ao serviço de Urgências, consoante o número de horas que assegurava no Hospital da CUF, podendo coincidir o pagamento pelas horas de urgências efectuadas com o pagamento de cirurgias que efectuasse dentro do período de urgência (resposta ao quesito 6.º).

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21. O A. prestava os serviços em horário escolhido por si, tendo em conta as necessidades do hospital e o interesse dos restantes médicos que ali

efectuavam urgências (resposta ao quesito 7.º).

22. Relativamente às consultas, check up’s e osteodensitometrias, era o

próprio que indicava ao Hospital os dias e horas em que os pretendia efectuar e o número de doentes que poderiam marcar para esses dias (resposta ao quesito 7.º).

23. Fazia-se substituir, mesmo por médicos externos ao Hospital CUF, sempre que, por qualquer motivo, não podia prestar serviço quando estava escalonado (resp. ao quesito 8.º).

24. Nessas ocasiões, era o A. que escolhia o seu substituto e que, em regra, lhe pagava (resp. ao quesito 9.º).

25. A Ré D não interferia nessa substituição e aceitava-a, desde que,

relativamente a médicos que ali efectuassem Urgências pela primeira vez, se tratasse de profissionais acreditados junto do Hospital da CUF (no sentido de ser conhecido o seu currículo como médicos) (resp. ao quesito 10.º).

26. O A. fazia-se substituir quase todas as semanas nas Urgências (resp. ao quesito 11.º).

27. O A. marcava as férias unilateralmente, quando e durante o período que entendesse, mas tendo em conta as férias dos restantes colegas (resp. ao quesito 12.º).

28. E não lhe era paga qualquer quantia pela Ré D no período de férias (resp.

ao quesito 13.º).

29. À data do acidente, o A. assegurava, habitualmente, as Urgências no Hospital da CUF à terça-feira (resp. ao quesito 14.º).

30. Nos restantes dias da semana, o A. trabalhava no Centro de Saúde da Lapa, dava consultas em consultórios sitos em Tires, Palmela e na Av. António Augusto de Aguiar, para além das realizadas no próprio espaço do Hospital da CUF, bem como em empresas e instituições como Papelaco, Instituto de

Emprego e Formação Profissional e Quartel General da Região Militar de Lisboa, exercendo ainda a sua actividade médica nas Urgências dos Hospitais de S. Francisco Xavier e S. José e no Hospital Militar (resp. ao quesito 15.º).

31. Era o A. quem decidia os tratamentos e exames que prescrevia e a forma de atender os pacientes, no hospital CUF (resp. ao quesito 16.º).

32. Era o A. que estabelecia a prioridade de cada doente e os serviços para os quais deviam ser encaminhados (resp. ao quesito 17.º).

33. Durante o período em que assegurava os serviços médicos do serviço de urgência do Hospital da CUF, o A. ali podia receber doentes particulares, aos quais indicava que ali se deslocassem para serem consultados (resp. ao

quesito 18.º).

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34. Tais doentes não pagavam à D o valor da consulta de urgência que

habitualmente é cobrado aos doentes do Hospital, limitando-se a pagar o valor dos exames complementares de diagnóstico a que fossem submetidos (resp. ao quesito 19.º).

35. O A. não dispunha, nem nunca dispôs, de um gabinete ou mera secretária que lhe tivessem sido atribuídos especificamente nas instalações da Ré D (resp. ao quesito 20.º).

36. Mais recentemente, o A. passou a utilizar um consultório no interior do próprio Hospital da CUF, onde procede a consultas quer a doentes próprios, quer a doentes do Hospital, que este lhe solicita que consulte (resp. ao quesito 21.º).

37. Pela utilização do referido gabinete, água, telefone, electricidade e pessoal administrativo e de apoio, o A. pagava posteriormente à D uma percentagem dos rendimentos mensais obtidos com as mencionadas consultas (resp. ao quesito 22.º).

38. E recebendo desta um montante por cada doente do Hospital consultado (resp. ao quesito 23.º).

39. O A. encontra-se afectado de uma IPP de 65,8%, a partir de 02/05/2001.

3. Fundamentação de direito.

A questão central que integra o objecto do presente recurso cinge-se à determinação da natureza do vínculo jurídico que ligava o autor e a ré D - Estabelecimento de Saúde e Assistência, S.A., relativamente à actividade que aquele exercia no estabelecimento hospitalar a esta pertencente, sendo que a caracterização como trabalho subordinado implicaria a responsabilização da seguradora para quem esta entidade tinha transferido o risco por acidentes de trabalho, enquanto que a qualificação como contrato de prestação de serviço faria funcionar o seguro contratado pelo autor como trabalhador

independente.

As instâncias inclinaram-se para esta última solução e, para fundamentar a sua decisão, já enunciaram com suficiente desenvolvimento os critérios legais de diferenciação entre os dois tipos de contrato e os índices a que cumpre recorrer em caso de não comprovação directa de uma situação de

subordinação jurídica, pelo que seria despiciendo voltar a trazer aqui as considerações genéricas que permitem distinguir as duas figuras jurídicas.

Sabe-se que a extrema variabilidade das situações concretas - em certa medida resultante do carácter informal do contrato de trabalho - dificulta

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muitas vezes a subsunção dos factos na noção de trabalho subordinado, implicando a necessidade de, frequentemente, se recorrer a métodos

aproximativos, baseados na interpretação de indícios. A integração numa ou outra das categorias contratuais poderá assim resultar de um mero juízo de aproximação ou semelhança, que terá de ser formulado no contexto geral e em face de todos os elementos de informação disponíveis, a partir de uma maior ou menor correspondência com o conceito-tipo (por todos, Monteiro

Fernandes, Direito do Trabalho, 11ª edição, Coimbra, pág. 137; na jurisprudência, entre muitos, os acórdãos 22 de Fevereiro e de 26 de Setembro de 2001, nos Processos n.ºs 3109/00 e 1809/01).

Não podemos perder de vista, em todo o caso, o elemento nuclear de distinção entre os dos tipos contratuais: o que avulta no enunciado definitório do

contrato de prestação de serviços, que consta do artigo 1154º do Código Civil, é a referência do objecto do contrato ao resultado do trabalho, por

contraposição à actividade subordinada que caracteriza o contrato de trabalho e que no essencial se traduz na subordinação do trabalhador à autoridade e direcção do empregador (artigos 1º da LCT e 10º do Código do Trabalho).

No caso dos autos, a recorrente mantém o entendimento de que a actividade profissional exercida pelo autor no estabelecimento hospitalar era de

subordinação jurídica, dando particular ênfase à existência de um horário de trabalho, do direito a férias e da sujeição a sanções, e desvalorizando a

circunstância de o trabalhador se poder fazer substituir nas suas faltas e impedimentos, e acentuando ainda o facto de o autor se encontrar na dependência económica do mesmo estabelecimento.

Ora, o que resulta da matéria de facto assente é que o autor oferecia os seus préstimos profissionais a variadíssimas instituições (n.ºs 12 e 30 da matéria de facto), sendo que, relativamente à actividade desenvolvida no Hospital da Cuf, os seus serviços eram remunerados na base da sua prestação efectiva e em função do número de doentes vistos e da natureza do acto médico praticado (clausula 3ª do contrato subscrito entre as partes e n.º 20 da matéria de

facto). Por outro lado, era o autor que escolhia os horários de permanência no hospital, ainda que em coordenação com os interesses do estabelecimento e dos restantes profissionais envolvidos (n.º 21 e 22), podendo fazer-se

substituir por médicos externos sempre que não podia prestar o serviço para que se encontrava escalonado, sendo ele próprio a designar o substituto (n.ºs 23 a 25). Acresce que o autor fixava unilateralmente as férias, não auferindo qualquer remuneração relativamente a esses períodos de ausência (n.ºs 27 e

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28).

É patente, perante estas circunstâncias, que não existia qualquer vínculo de subordinação jurídica entre as partes, tornando-se claro que o que interessava essencialmente ao hospital era o resultado do trabalho prestado pelo autor, que, por isso mesmo, era remunerado em função de cada acto médico praticado. O autor agia, portanto, como um trabalhador autónomo, embora pela própria natureza e finalidade das funções que lhe incumbiam, a sua actividade tivesse de ser enquadrada no processo produtivo do

estabelecimento hospitalar em coordenação com os demais profissionais de saúde que aí prestavam serviço. Neste contexto, é muito significativo que o autor, nas suas faltas e impedimentos, pudesse fazer-se substituir por um outro médico que ele próprio indicava (ainda que dentro de exigências mínimas de carácter qualitativo), o que logo indicia que o que interessa ao estabelecimento hospitalar é um certo resultado laboral, traduzido na

prestação dos cuidados médicos, independentemente da permanência física do autor no local de trabalho. Neste plano, e contrariamente ao que afirma a recorrente, a circunstância de o pagamento da remuneração ao médico substituto ser assumida pelo autor apenas evidencia que existia, na relação com o hospital, uma obrigação de resultado e não uma obrigação de meios.

Sublinhe-se a este propósito que a cláusula penal estabelecida no contrato para o caso de o autor ultrapassar um limite de ausências nas escalas de serviço não configura um regime de subordinação jurídica, antes corresponde a uma condição contratualmente definida, que provêm, não do exercício de um poder de direcção do beneficiário da actividade, mas do consenso das partes, e que, como tal, não pode ser interpretada como um indicador da existência de um contrato de trabalho.

Do mesmo modo, não tem qualquer relevo o facto de o autor poder entrar em gozo de férias nos períodos de tempo que para esse efeito tenha escolhido. A férias são, nesse caso, não um direito inerente a uma relação de subordinação jurídica - que, aliás, implicaria que fossem remuneradas pela entidade

patronal, como decorre do disposto no artigo 2º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro - , mas antes uma mera faculdade que ao autor cabe utilizar de acordo com as suas conveniências, e que, acarretando a

suspensão da actividade, determina também que não haja lugar ao pagamento de remuneração.

São inteiramente improcedentes, por fim, as conclusões 8ª a 10ª da alegação

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de recurso.

O que está em discussão é saber se a relação jurídica existente entre o autor e a entidade proprietária do estabelecimento hospitalar se caracteriza como um contrato de trabalho ou um contrato de prestação de serviços; e isso para efeito de determinar se o dever de reparação relativo ao acidente de trabalho recai sobre a seguradora para a qual essa entidade transferiu a

responsabilidade infortunística relativa aos seus trabalhadores ou sobre a seguradora com a qual o autor contratou o seguro de acidentes de trabalho.

Por outro lado, a subordinação que em primeira linha releva para a caracterização do contrato de trabalho é a subordinação jurídica, que se traduz numa sujeição à autoridade e à direcção da entidade patronal, e que não se confunde com a dependência económica. Nesta perspectiva, a

dependência salarial do trabalhador poderá, quando muito, constituir um indício da existência de subordinação jurídica, no ponto em que esta implica, por efeito da disponibilização da força de trabalho, por parte do trabalhador, o pagamento de uma retribuição (Monteiro Fernandes, ob. cit., págs. 134-135).

Certo é que o artigo 2º, n.º 2, da Lei dos Acidentes de Trabalho, para efeito da atribuição do direito à reparação previsto nesse diploma, define como

trabalhadores por conta de outrem não apenas os trabalhadores vinculados por contrato de trabalho mas também aqueles que, "considerando-se na dependência económica da pessoa servida, prestem em conjunto ou

isoladamente, determinado serviço". Tal significa que a lei estabelece, para os aludidos efeitos, uma equiparação entre o contrato de trabalho e as situações de prestação de serviço em dependência económica. Mas isso não implica, de nenhum modo, que se tenha operado, por essa via, uma alteração dos

conceitos de contrato de trabalho ou de prestação de serviços.

O que sucede, no caso vertente, é que a relação jurídica existente entre as partes é caracterizável, face a todos os indícios coligidos, como um contrato de prestação de serviços. E se assim é, o autor deve ser tido como um

trabalhador independente, recaindo a sua situação jurídica na previsão do artigo 3º da referida Lei dos Acidentes de Trabalho. Os seja, a qualificação a que é possível chegar através da actividade hermenêutica afasta a aplicação do critério definido no citado artigo 2º, n.º 2, da Lei dos Acidentes de

Trabalho, que tem uma função meramente residual, destinando-se a prevenir que situações que se não encontrem juridicamente bem definidas como

contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviços possam igualmente

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ser enquadradas no regime indemnizatório da Lei n.º 100/97.

Por tudo e também por todas as considerações aduzidas a esse título pelo acórdão recorrido, não é possível considerar o autor como trabalhador por conta de outrem, para os efeitos previstos nessa Lei, pelo que a decisão recorrida não merece qualquer censura.

4. Decisão

Em face do exposto, acordam em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 9 de Novembro de 2005 Fernandes Cadilha,

Mário Pereira, Laura Leonardo.

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