CATÓLICA DE
BRASÍLIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
STRICTO SENSU
EM DIREITO INTERNACIONAL
ECONÔMICO E TRIBUTÁRIO
MESTRADO
A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 E O
DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
Autora: FABÍOLA DE MOURA SÉRVULO
Orientador: Prof. Dr. ANTÔNIO DE MOURA BORGES
FABÍOLA DE MOURA SÉRVULO
A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 E O
DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade Católica de Brasília como requisito parcial à obtenção do título de Mestre.
Área de Concentração: Direito Internacio-nal Econômico e Tributário
Orientador: Professor Doutor Antônio de Moura Borges.
7,5cm
S492c Sérvulo, Fabíola de Moura
A constituição brasileira de 1988 e o direito internacional dos direitos humanos / Fabíola de Moura Sérvulo. – 2010.
133 f. ; 30 cm
Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2010. Orientação: Antônio de Moura Borges
1. Direitos humanos. 2. Cidadania. I. Borges, Antônio de Moura, orient. II. Título.
TERMO DE APROVAÇÃO
Dissertação de autoria de FABÍOLA DE MOURA SÉRVULO, intitulada “A Constituição Brasileira de 1988 e o Direito Internacional dos Direitos Humanos”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito da Universidade Católica de Brasília, em 03 de maio de 2010 defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:
Prof. Dr. Antônio de Moura Borges Orientador
Profª. Drª. Arinda Fernandes Examinador Interno
Prof. Dr. Otávio Luiz Rodrigues Junior Examinador Externo
A Deus, Aos meus pais, Francisco Sérvulo e Luiza
AGRADECIMENTOS
A Deus, motivo maior da minha existência e por todas as alegrias que tem me proporcionado.
De modo especial, ao amigo, orientador e professor Dr. Antônio de Moura Borges, pelo apoio, carinho, dedicação e seus incentivos constantes com que orientou este trabalho, bem como, pela amizade e oportunidade que me proporcionou para meu crescimento profissional nesta longa jornada.
Aos Drs. Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy e Manoel Moacir Costa Macêdo, pela atenção e importantes contribuições apresentadas na elaboração deste trabalho.
À Professora Doutora Leyla Bijos, pelas aulas, palestras e sua companhia sempre carinhosa, alegre e salutar.
Aos amigos de mestrado, Wirna, Andréia, Albérico, Aluísio, Ademar Bastos, José James, Ana Cristina, Maria Laura e Germana Trindade, que nos momentos de maior dificuldade souberam estimular a não desistir desta árdua caminhada.
A todo o corpo docente e de funcionários da Instituição que sempre se fizeram presentes na construção de mais esta etapa.
A todos os meus familiares em especial a Tia Beta, Tia Ika e Tia Helena, pelo valioso incentivo.
Aos meus queridos pais, Francisco Sérvulo e Luiza Maria, que os amo incondicional, por estarem sempre do meu lado me apoiando e ensinando as diretrizes certa da vida.
Aos meus queridos irmãos, Fabrício e Fernanda, que sempre acreditaram e me apoiaram.
À minha cunhada, Kátia Leite, por sempre me ajudar e pela enorme colaboração e apoio para a realização desse trabalho.
Aos meus lindos e maravilhosos sobrinhos, Lucca e Davi, fonte inesgotável de ternura e felicidade.
A fé nunca sabe aonde está sendo levada, mas conhece e ama Aquele que a está levando.
RESUMO
Argumenta-se que os direitos humanos surgiram da necessidade de limitação e controle dos abusos de poder do próprio Estado. Analisa-se a evolução histórica dos direitos humanos no mundo e no Brasil, bem como discute-se o processo de constitucionalização dos direitos humanos. Relata-se que a internacionalização dos direitos humanos fez surgir um novo conceito de cidadania, o qual tem na dignidade da pessoa humana sua maior racionalidade e sentido. Ressalta-se que, a problemática atual está na necessidade de garantir-se a plena aplicabilidade das normas definidoras e a efetividade desses direitos.
Palavras-chave: Cidadania. Dignidade Humana. Direitos Fundamentais. Igualdade.
ABSTRACT
It is argued that human rights came out from the necessity of the limitation and control of power abuse of the state in itself. It is analized the historic evolution of the human rights in the world and in Brazil, as well as, it is discussed the process of the constitutionalization of the human rights. It is related that the internationalization of the human rights made appear a new concept of citizenship, which has dignity of the human person in his big rationality and sense. It is pointed out the current problematic is in the necessity of guarantee the plain apllyability of the defining norms and these rights effectivily.
SUMÁRIO
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
INTRODUÇÃO ...10
CAPÍTULO 1 – O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS ...14
1.1 Generalidades ...14
1.2 Direitos do Homem, Direitos Fundamentais e Direitos Humanos ...15
1.3 Características dos Direitos Humanos ...19
1.4 A Questão das “Gerações”(ou dimensões) de Direitos ...22
1.5 Críticas ao Sistema Geracional de Direitos ...23
1.6 Gênese do Direito Internacional dos Direitos Humanos ...25
CAPÍTULO 2 – A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO PELA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ...29
2.1 A Responsabilidade Internacional do Estado ...29
2.2 Elementos da Responsabilidade Internacional do Estado por Violação aos Direitos Humanos ...37
2.3 A Reparação por Violações dos Direitos Humanos na Ordem Internacional ...45
CAPÍTULO 3 – TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO DIREITO BRASILEIRO ...51
3.1 As Incongruências do 3º do Art. 5º da Constituição ...55
3.2 Em que momento do processo de celebração de tratados têm lugar o 3º do Art. 5º da Constituição? ...59
3.3 Hierarquia Constitucional dos Tratados de Direitos Humanos independentemente da Entrada em vigor da Emenda 45/04 ...67
3.4 Hierarquia Constitucional dos Tratados de Direitos Humanos independentemente da data de sua ratificação (se anterior ou posterior à entrada em vigor da Emenda 45/04)....79
3.5 Aplicação imediata dos Tratados de Direitos Humanos independentemente da regra do 3º do Art. 5º da Constituição ...81
CONCLUSÃO ...83
REFERÊNCIAS ...85
ANEXO I – CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS ...88
ANEXO II – DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS ...111
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AG – Assembléia Geral das Nações Unidas CIJ – Corte Internacional de Justiça
CAT – Committee Against Torture
Cerd – Committee on the Elimination of Racial Discrimination Cidh – Comissão Interamericana de Direitos Humanos
Corte IDH – Corte Interamericana de Direitos Humanos DIH – Direito Internacional Humanitário
HRC – Human Rights Committee
IIDH – Instituto Interamericano de Derechos Humanos OEA – Organização dos Estados Americanos
OIT – Organização Internacional do Trabalho OMS – Organização Mundial da Saúde ONG – Organização Não Governamental ONU – Organização das Nações Unidas UN – United Nations
Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. Unicef – United Nations Children’s Fund
Unifem – United Nations Development Fund for Women STF – Supremo Tribunal Federal
INTRODUÇÃO
O dinâmico movimento de direitos humanos, que se desenvolveu a partir da Segunda
Guerra Mundial, revelou uma impressionante capacidade de estabelecer parâmetros comuns
através de tratados e declarações internacionais. Contudo, sua capacidade de implementar
regras e princípios contra os Estados violadores ainda se mostra aquém do desejável. Dada
esta fragilidade do sistema internacional de proteção dos direitos humanos, a esperança de que
haja uma resposta eficaz frequentemente se volta à ordem jurídica e política interna dos
Estados signatários daqueles tratados. Esses Estados devem pôr suas próprias casas em ordem
sem a necessidade de que as vítimas de violações de direitos humanos recorram ao sistema de
monitoramento internacional. Afinal de contas, tais violações surgem dentro dos Estados, não
em alto-mar ou no espaço sideral. Idealmente, cabe aos Estados – nos quais as violações de
direitos humanos se manifestam o dever de punir e remediar essas violações. Em termos
jurídicos formais, a doutrina do esgotamento dos recursos internos consagra exatamente esta
regra. Segundo Cançado Trindade:
“Ao final de cinco décadas de extraordinária evolução, o direito internacional dos direitos humanos afirma-se hoje, com inegável vigor, como um ramo autônomo do direito, dotado de especificidade própria. Trata-se essencialmente de um direito de proteção, marcado por uma lógica própria, e voltado à salvaguarda dos direitos dos seres humanos e não dos Estados. Formam-no, no plano substantivo, um conjunto de normas que requerem uma interpretação de modo a lograr seu objeto e propósito e, no plano operacional, uma série de mecanismos (de petições ou denúncias, relatórios e investigações) de supervisão ou controle que lhe são próprios. A conformação deste novo e vasto corpus juris vem atender a uma das grandes preocupações de nossos tempos: assegurar a proteção do ser humano, nos planos nacional e internacional, em toda e qualquer circunstância.”1
O Direito dos Direitos Humanos não rege as relações entre iguais; opera precisamente
em defesa dos ostensivamente mais fracos. Nas relações entre desiguais, posiciona-se em
favor dos mais necessitados de proteção. Não busca obter um equilíbrio abstrato entre as
partes, mas remediar os efeitos do desequilíbrio e das disparidades. Não se nutre das
1 Cançado Trindade na apresentação da obra de Flávia Piovesan, Direitos humanos e direito constitucional
barganhas da reciprocidade, mas se inspira nas considerações do interesse público em defesa
de interesses superiores, da realização da justiça. É o direito de proteção dos mais fracos e
vulneráveis, cujos avanços em sua evolução histórica se têm devido em grande parte à
mobilização da sociedade civil contra todos os tipos de dominação, exclusão e repressão.
Neste domínio de proteção, as normas jurídicas são interpretadas e aplicadas tendo sempre
presente as necessidades prementes de proteção das supostas vítimas.
Mesmo se nos ativermos ao plano tão-somente da normativa internacional, a mesma
lógica de desprende deste direito de proteção. Na interpretação dos tratados de direitos
humanos, a chamada autonomia da vontade das partes cede espaço à fiel realização de seu
objeto e propósito. O caráter objetivo das obrigações convencionais sobrepõe-se à
identificação das intenções subjetivas das partes. Impõe-se uma interpretação necessariamente
restritiva das limitações e derrogações permissíveis em relação ao exercício dos direitos
protegidos, não havendo lugar para limitações implícitas. Os termos e conceitos consagrados
nos tratados de direitos humanos se revestem de um sentido autônomo, independentemente do
que lhes é atribuído nos sistemas jurídicos nacionais. Na interpretação dos tratados de direitos
humanos tem prevalecido a natureza objetiva das obrigações que consagram, voltadas à
proteção dos direitos humanos, o que equivale a uma interpretação em busca da realização do
propósito último desses tratados, qual seja, a proteção dos direitos do ser humano.
A interpretação de certos dispositivos de um determinado tratado de direitos humanos
tem às vezes servido de orientação à interpretação de dispositivos correspondentes de outro
tratado de direitos humanos; esta interação dos instrumentos de direitos humanos no próprio
processo de interpretação contribui a dar precisão ao alcance das obrigações convencionais e a
assegurar uma interpretação uniforme do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Ante a
coexistência e multiplicidade dos instrumentos de proteção, o Direito dos Direitos Humanos
aplica, como já indicado, o critério da primazia da norma mais favorável às supostas vítimas.
substantivas, e se estende igualmente, como não poderia deixar de ser, ao plano processual ou
operacional.
Trata-se de um trabalho esclarecedor, que deve interessar a todos aqueles que se
preocupam com os direitos humanos e com a democracia, bem como com a relação entre os
compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e a ordem interna brasileira.
Para a formulação do problema de pesquisa, analisamos o modo pelo qual o Direito
brasileiro incorpora os instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, bem
como em que sentido esses instrumentos podem contribuir para o reforço do sistema de
implementação de direitos no Brasil. Vale dizer, pretende este trabalho avaliar a dinâmica da
relação entre o direito brasileiro, especialmente a Constituição Federal de 1988, e o aparato
internacional de proteção dos direitos humanos, investigando em que medida esse aparato
pode significar uma contribuição para a efetivação dos direitos humanos no País, de modo a
redefinir e reconstruir o próprio conceito de cidadania no âmbito nacional.
O primeiro passo deste trabalho será, assim, investigar a dinâmica da relação entre a
Constituição Federal de 1988 e os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos. A
Carta de 1988 situa-se como marco jurídico da transição democrática e da institucionalização
dos direitos humanos no Brasil. Impõe-se, assim, avaliar se o processo de democratização do
País, juridicizado pela Constituição de 1988, implicou a reinserção do Brasil na arena
internacional de proteção dos direitos humanos. Isto é, importa examinar se a Carta de 1988 –
ao estabelecer novos princípios a reger as relações do Brasil no contexto internacional e ao
conferir tratamento especial e privilegiado os direitos internacionais – contribuiu para uma
nova inserção do Brasil na sistemática internacional de proteção, e quais as consequências e o
impacto dessa reinserção na ordem jurídica brasileira.
Nesse sentido, buscou-se analisar o modo pelo qual a Constituição brasileira incorpora
os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, atribuindo-lhes um status
desses tratados internacionais de direitos humanos no Direito brasileiro, ou seja, avaliarmos o
modo pelo qual tais instrumentos são capazes de fortalecer o constitucionalismo de direitos no
País.
Este trabalho examina esta questão no plano do Brasil contemporâneo, através de qual
medida e de quais técnicas jurídicas e políticas, o Brasil tem alcançado ou busca alcançar, a
observância interna dos direitos humanos, que se comprometeu a proteger através da
ratificação de tratados internacionais.
A metodologia utilizada para o desenvolvimento da presente dissertação foi o método
de abordagem dedutivo. Com o uso do método dedutivo se partiu da proposição teórica geral
para a particular.
Em razão dos dados coletados para análise, estudo dos conteúdos e desenvolvimento
do trabalho possuírem como principais meios de investigação os dispositivos constitucionais
pertinentes à proteção internacional dos direitos humanos, entendemos por eleger como
método de procedimento o da pesquisa bibliográfica.
Com relação à apresentação do trabalho, optou-se por dividi-lo em três capítulos. No
Capítulo 1, apresenta-se o direito internacional dos direitos humanos, suas generalidades,
características, distinção entre direitos do homem, direitos fundamentais e direitos humanos.
Em seguida, no Capítulo 2, trata-se da responsabilidade internacional do Estado pela
violação dos direitos humanos, elementos da responsabilidade internacional do Estado por
violação aos direitos humanos e a reparação por violações dos direitos humanos na ordem
internacional.
Finaliza-se, no Capítulo 3, fazendo uma abordagem sobre os tratados internacionais de
direitos humanos no direito brasileiro, as incongruências do § 3º do art. 5º da Constituição,
aplicação imediata dos Tratados de Direitos Humanos independentemente da regra do § 3º do
1 O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
1.1 Generalidades
É imensa a parte das normas internacionais contemporâneas que dizem respeito à
proteção e promoção dos direitos da pessoa humana, sendo inúmeros os tratados de proteção
dos direitos humanos conhecidos atualmente. Todos eles têm uma característica fundamental:
a proteção dos direitos da pessoa humana independentemente de qualquer condição. Em
outros termos, basta a condição de ser pessoa humana para que todos possam vindicar seus
direitos violados, tanto no plano interno como no contexto internacional.
A primeira premissa da qual se tem que partir ao estudar os direitos das pessoas é a de
que tais direitos têm dupla proteção atualmente: uma proteção interna (afeta ao Direito
Constitucional) e uma proteção internacional (objeto de estudo do Direito Internacional
Público).2 À base normativa que disciplina e rege tal proteção internacional de direitos dá-se o
nome de direito internacional dos direitos humanos. Portanto, mister agora estudar este novo
ramo do direito público, nascido finda a Segunda Guerra Mundial com o propósito de
proteger os direitos de qualquer cidadão, independentemente de sua raça, cor, sexo, língua,
religião etc.
A premissa de que os direitos humanos são inerentes a qualquer pessoa, sem quaisquer
discriminações, revela o fundamento anterior desses direitos relativamente a toda forma de
organização política, o que significa que a proteção dos direitos humanos não se esgota nos
sistemas estatais de proteção, podendo ir muito mais além, ultrapassando as fronteiras
nacionais até chegar ao patamar em que se encontra o Direito Internacional Público.
De fato, a evolução do sistema jurídico internacional tem demonstrado a cada dia ser
possível a convergência do Direito para uma nova ordem de valores onde o ser humano
2 Para uma visão dessa temática no Brasil, v. Calos Alberto Dunshee de Abranches, Proteção internacional dos
representa o núcleo central, havendo por isso já quem defenda a existência de um Direito
Internacional da Humanidade.
1.2 Direitos do homem, direitos fundamentais e direitos humanos
Antes de adentrarmos no estudo da proteção internacional dos direitos humanos,
convêm estabelecer a distinção entre as expressões “direitos do homem”, “direitos
fundamentais” e “direitos humanos”.3
a) Direitos do homem – é expressão de cunho mais naturalista (rectius: jusnaturalista)
que jurídico-positivo. Conota a série de direitos naturais (ou ainda não positivados) aptos à
proteção global do homem e válidos em todos os tempos. São direitos que, em tese, ainda não
se encontram nos textos constitucionais ou nos tratados internacionais de proteção dos direitos
humanos. Contudo, nos dias atuais, é muito difícil (ou quase impossível) existir direito
conhecível que ainda não conste de algum documento escrito, seja interno ou de índole
internacional.
b) Direitos fundamentais – é expressão mais afeta à proteção constitucional dos
direitos dos cidadãos. Ligam-se, assim, aos aspectos ou matizes constitucionais (internos) de
proteção, no sentido de já se encontrarem positivados nas Constituições contemporâneas. São
direitos garantidos e limitados no tempo e no espaço, objetivamente vigentes numa ordem
jurídica concreta. Tais direitos devem constar de todos os textos constitucionais, sob pena de
esse instrumento chamado Constituição perder totalmente o sentido de sua existência, tal
como já asseverava o conhecido art. 16 da Declaração (francesa) dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 1789: “A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem
estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”.
3 Cf. por tudo, André de Carvalho Ramos, Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional, Rio de
c) Direitos humanos – são, por sua vez, direitos inscritos (positivados) em tratados ou
em costumes internacionais. Ou seja, são aqueles direitos que já ascenderam ao patamar do
Direito Internacional Público. Dizer que os “direitos fundamentais” são mais facilmente
visualizáveis que os “direitos humanos”, pelo fato de estarem positivados no ordenamento
jurídico interno (Constituição) de determinado Estado é afirmação falsa. Basta compulsar os
tratados internacionais de proteção dos direitos humanos (tanto do sistema global, como dos
sistemas regionais) para se poder visualizar nitidamente quantos e quais são os direitos
protegidos. Deve-se destacar aqui a importante atuação do Conselho de Direitos Humanos
(antiga Comissão de Direitos Humanos) das Nações Unidas no que tange à redação e às
negociações de vários dos mais importantes tratados de direitos humanos (do sistema global)
concluídos até os dias de hoje.
É importante observar que a Constituição brasileira de 1988 se utilizou das expressões
direitos fundamentais e direitos humanos com absoluta precisão técnica. De fato, quando o
texto constitucional brasileiro quer fazer referência, mais particularmente, aos direitos nele
previstos, utiliza-se da expressão “direitos fundamentais”, como faz no art. 5º, 1°, segundo o
qual “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Por
sua vez, quando o mesmo texto constitucional refere-se às normas internacionais de proteção
da pessoa humana, faz referência à expressão “direitos humanos”, tal como no 3° do mesmo
art. 5°, segundo o qual “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que
forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos
votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. E quando a
Constituição pretende se referir, indistintamente, aos direitos previstos pela ordem jurídica
interna e pela ordem jurídica internacional? A qual expressão faz ela referência? A nenhuma
delas expressamente. Em mais um exemplo de técnica, a Constituição de 1988 ao se referir
indistintamente aos direitos constitucionais (previstos expressa ou implicitamente pelo texto
Brasil), não faz qualquer menção às expressões “direitos fundamentais” e “direitos humanos”,
silenciando no emprego ostensivo de uma ou de outra. Foi o que fez no 2° do art. 5°, assim
redigido: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em
que a República Federativa do Brasil seja parte”.
A Carta das Nações Unidas (1945) parece também fazer essa distinção, quando diz
– em vários dispositivos – ser um dos propósitos da ONU a proteção dos “direitos humanos e
liberdades fundamentais...”. Perceba-se, aqui, o uso dos termos humanos e fundamentais em
separado. De qualquer forma, vários outros documentos internacionais utilizam-se as
expressões direitos humanos e direitos fundamentais indistintamente.
Nesse estudo procuramos seguir a distinção acima apontada, mas sem tanta rigidez.
Em que pesem os esforços de boa parte da doutrina no intuito de diferenciar tais expressões,
cremos que o que realmente importa é admitir a interação desses mesmos direitos (direitos do
homem, direitos fundamentais e direitos humanos), a fim de que todas as pessoas
(pertencentes ou não pertencentes ao Estado onde se encontrem) estejam efetivamente
protegidas. Mas, para além de pontos de encontro, existem também pontos de divergência,
como a falta de identidade entre os direitos humanos e os direitos fundamentais. Estes
últimos, sendo positivados nos ordenamentos jurídicos internos, não têm um campo de
aplicação tão amplo, ainda mais quando se leva em conta que nem todos os direitos
fundamentais positivo nos textos constitucionais modernos são exercitáveis por todas as
pessoas indistintamente (tome-se como exemplo o direito de voto, que não pode ser exercido
pelos conscritos, durante o período de serviço militar, sem falar – obviamente – nos
estrangeiros: CF, art. 14, 2°). Os chamados direitos humanos, por sua vez, podem ser
vindicados indistintamente por todo cidadão do planeta e em quaisquer condições, bastando a
violação de um direito seu, reconhecido em tratado internacional do qual seu pais seja parte.
fundamentais, como querendo significar a união material da proteção de matiz constitucional
com a salvaguarda de cunho internacional de tais direitos.
Algumas palavras também devem ser ditas a respeito do fundamento e do conteúdo
dos direitos humanos.4 Relativamente ao primeiro aspecto, pode-se dizer que os direitos
humanos se fundamentam no valor-fonte do direito que se atribui a cada pessoa humana pelo
simples fato de sua existência. É dizer, tais direitos retiram o seu suporte de validade da
dignidade da qual toda e qualquer pessoa é portadora, em consonância com o que estabelece o
art. 1° da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Nos termos desta disposição:
“Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e
consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”. À luz dos
princípios da Declaração Universal, pode-se dizer que os direitos humanos contemporâneos
derivam de três princípios basilares, bem como de suas combinações e influências recíprocas,
quais sejam: 1) o da inviolabilidade da pessoa, cujo significado traduz a idéia de que não se
pode impor sacrifícios a um indivíduo em razão de que tais sacrifícios resultarão em
benefícios a outras pessoas; 2) o da autonomia da pessoa, pelo qual toda pessoa é livre para a
realização de qualquer conduta, desde que seus atos não prejudiquem terceiros; e, 3) o da
dignidade da pessoa, verdadeiro núcleo-fonte de todos os demais direitos fundamentais do
cidadão, por meio do qual todas as pessoas devem ser tratadas e julgadas de acordo com os
seus atos, e não em relação a outras propriedades suas não alcançáveis por eles.
Os direitos humanos contemporâneos não se dividem ou sucedem em “gerações”, mas
se agregam e se fortalecem em prol dos direitos de cada ser humano. Assim, pode-se dizer
que tais direitos têm conteúdo indivisível, rechaçando-se a tradicional classificação das
“gerações de direitos” em prol dos direitos de todos os seres humanos. Esta indivisibilidade
está ligada à falsa idéia de que os “direitos de liberdade” (direitos civis e políticos)
4V. Valério de Oliveira Mazzuoli. Direitos humanos, Constituição e os tratados internacionais: estudo analítico
sobrevivem perfeitamente sem os “direitos de igualdade” (como os direitos econômicos,
sociais e culturais). A idéia é realmente falsa e há fraqueza lógica na sua construção.
Tomando-se como exemplo o clássico direito à vida (direito de conteúdo liberal), pode-se
facilmente constatar que esse direito não se limita à vida física, abrangendo também todos os
desdobramentos decorrentes das condições que esta mesma vida deve ter para que seja
realizada em sua plenitude, condições estas decorrentes dos direitos econômicos, sociais e
culturais (direitos da igualdade). A idéia, portanto, é a de complementariedade dos direitos
humanos e não de divisão desses mesmos direitos em gerações ou dimensões.
1.3 Características dos direitos humanos
Pode-se apresentar as características dos direitos humanos como sendo as seguintes,
relativamente à sua titularidade, natureza e aos seus princípios:
a) Historicidade – os direitos humanos são históricos, isto é, são direitos que se vão
construindo com o decorrer do tempo. Foi tão somente a partir de 1945 (com o fim da
Segunda Guerra e com o nascimento da Organização das Nações Unidas) que os direitos
humanos começaram a, efetivamente, desenvolver-se no plano internacional, não obstante a
Organização Internacional do Trabalho já existir desde 1919 (garantindo-se desde então os
direitos humanos – direitos sociais – dos trabalhadores desde o pós-Primeira Guerra). Falando
em termos de direitos fundamentais, tem-se a revolução burguesa como gênese de proteção
desses direitos, os quais vieram posteriormente desenvolver-se com o Estado social até chegar
aos tempos atuais, com ampliada proteção para outros âmbitos do conhecimento humano
(para além dos direitos civis e políticos e dos direitos econômicos, sociais e culturais), como
na garantia do direito ao desenvolvimento, do meio ambiente, da paz etc. Essa ótica da
historicidade dos direitos humanos parece então retirar do fundamento de validade destes os
direitos sempre expressos e que encontram sua fundamentação no mundo jurídico e não no
campo da moral;
b) Universalidade – são titulares dos direitos humanos todas as pessoas, o que
significa que basta ter a condição de “ser humano” para se poder invocar a proteção desses
mesmos direitos, tanto no plano interno como no plano internacional, independentemente de
circunstâncias de sexo, raça, credo religioso, afinidade política, status social, econômico,
cultural etc. Dizer que os direitos humanos são universais significa que não se requer outra
condição além da de ser pessoa humana para que se possam ter assegurados todos os direitos
que as ordens interna e internacional asseguram a todos os indivíduos indiscriminadamente.
c) Essencialidade – os direitos humanos são essenciais por natureza, tendo por
conteúdo os valores supremos do ser humano e a prevalência da dignidade humana (conteúdo
material), revelando-se essencial também pela sua especial posição normativa (conteúdo
formal), permitindo-se a revelação de outros direitos fundamentais fora do rol de direitos
expresso nos textos constitucionais;
d) Irrenunciabilidade – diferentemente do que ocorre com os direitos subjetivos em
geral, os direitos humanos têm, como característica básica, a irrenunciabilidade, que se traduz
na idéia de que a autorização de seu titular não justifica ou convalida qualquer violação do seu
conteúdo;
e) Inalienabilidade – os direitos humanos são também inalienáveis, na medida em que
não permitem a sua desinvestidura por parte de seu titular, não podendo ser transferidos ou
cedidos (onerosa ou gratuitamente) a outrem, ainda que com o consentimento do agente,
sendo indisponíveis e inegociáveis;
f) Inexauribilidade – são os direitos humanos inexauríveis, no sentido de que têm a
possibilidade de expansão, a eles podendo ser sempre acrescidos novos direitos, a qualquer
tempo, exatamente na forma apregoada pelo 2° do art. 5°, da Constituição brasileira de
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em
que a República Federativa do Brasil seja parte” [grifo nosso]. Percebe-se, aqui, que a
Constituição (pela expressão “não excluem outros...”) diz serem duplamente inexauríveis os
direitos nela consagrados, vez que os mesmos podem ser complementados tanto por direitos
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, como pelos dos tratados
internacionais de direitos humanos em que o Brasil seja parte;
g) Imprescritibilidade – são os direitos humanos imprescritíveis, não se esgotando
com o passar do tempo e podendo ser a qualquer tempo vindicados, não se justificando a
perda do seu exercício pelo advento da prescrição. Em outras palavras, os direitos humanos
não se perdem ou divagam no tempo, salvo as limitações expressamente impostas por tratados
internacionais que prevêem procedimentos perante cortes ou instâncias internacionais;
h) Vedação do retrocesso – por fim, os direitos humanos devem sempre (e cada vez
mais) agregar algo de novo e melhor ao ser humano, não podendo jamais retroceder na
proteção de direitos. Ou seja, os Estados estão proibidos de proteger menos do que já
protegem, estando os tratados internacionais por eles concluídos impedidos de impor
restrições que diminuam ou nulifiquem direitos anteriormente já assegurados tanto no plano
interno quanto no plano internacional.
Além dessas características dos direitos humanos, que também são comuns aos
direitos fundamentais do homem, pode-se modernamente agregar ainda outras, provenientes
de declarações e resoluções internacionais discutidas em conferências especializadas com a
presença de grande número de Estados. Trata-se das características contemporâneas dos
direitos humanos, que podem ser apresentadas como sendo: a) a universalidade; b) a
indivisibilidade; c) a interdependência; e d) a inter-relacionariedade. Tais princípios ligam-se
fortemente à proteção dos direitos humanos no plano internacional.
1.4 A questão das “gerações” (ou dimensões) de direitos
Costuma-se normalmente dividir os direitos fundamentais em três gerações ou
categorias, com base no decorrer dos momentos históricos que inspiram a sua criação. Alguns
autores falam em dimensões de direitos humanos, partindo da idéia de que a expressão
gerações poderia dar a falsa idéia de que uma categoria de direitos substitui a outra que lhe é
anterior. Seja como for, o certo é que em relação ao conteúdo desses direitos a doutrina não
diverge, pois são exatamente os mesmos.
Seguindo as lições de Paulo Bonavides, pode-se dizer que os direitos da primeira
geração (ou dimensão) são os direitos de liberdade lato sensu, sendo os primeiros a constarem
dos textos normativos constitucionais, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande
parte correspondem, sob o ponto de vista histórico, àquela fase inaugural do
constitucionalismo ocidental. São direitos que têm por titular o indivíduo, sendo, portanto,
oponíveis ao Estado (são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado). Os direitos
da segunda geração, nascidos a partir do início do século XX, são os direitos da igualdade lato
sensu, a saber, os direitos sociais, econômicos e culturais, bem como os direitos coletivos ou
de coletividades, introduzidos no constitucionalismo do Estado social, depois que germinaram
por obra da ideologia e da reflexão antiliberal deste século. Tais direitos foram remetidos à
esfera dos chamados direitos programáticos, em virtude de não conterem para sua
concretização aquelas garantias habitualmente ministradas pelos instrumentos processuais de
proteção aos direitos da liberdade. Várias Constituições, inclusive a do Brasil, formularam o
preceito da aplicabilidade imediata, ao passo que os direitos sociais tinham aplicabilidade
mediata, por via do legislador. Por fim, os direitos de terceira geração são aqueles assentados
no princípio da fraternidade, como o direito ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à
comunicação e ao patrimônio comum da humanidade. Coloca-se ainda uma quarta geração de
direitos humanos, resultante da globalização dos direitos fundamentais, de que podem ser
direito do pluralismo, deles dependendo a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua
dimensão de máxima universalidade para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas
as relações de convivência.5
1.5 Críticas ao sistema geracional de direitos
Esta classificação tradicional das “gerações” dos direitos humanos, tem sido objeto de
inúmeras críticas, as quais apontam para a não-correspondência entre tais “gerações de
direito” e o processo histórico de efetivação e solidificação dos direitos humanos. Verifica-se
que a idéia geracional de direitos tem acarretado confusões conceituais no que tange às suas
características distintivas dos direitos humanos.
Objeta-se que, as gerações de direitos induzem à idéia de sucessão – por meio da qual
uma categoria de direitos sucede à outra que se finda –, a realidade histórica aponta, em
sentido contrário, para a concomitância do surgimento de vários textos jurídicos concernentes
a direitos humanos de uma ou outra natureza. No plano interno, por exemplo, a consagração
nas Constituições dos direitos sociais foi, em geral, posterior à dos direitos civis e políticos,
ao passo que no plano internacional o surgimento da Organização Internacional do Trabalho,
em 1919, propiciou a elaboração de diversas convenção regulamentando os direitos sociais
dos trabalhadores, antes mesmo da internacionalização dos direitos civis e políticos no plano
externo.6
Se poderia ainda dizer – com Carlos Weis – que tais “gerações” de direitos humanos
“não são nada além do que uma tentativa de tornar mais palatável a noção da historicidade
dos direitos humanos, isto é, de explicar de forma sintética que o surgimento daqueles
obedeceu às injunções histórico-políticas, cujas características marcaram os direitos nascidos
5V., por tudo, Paulo Bonavides, Curso de direito constitucional, 10 ed. São Paulo: Malheiros, 2000, pp.516-525.
Sobre essas categorias dos direitos fundamentais, v. também Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia dos direitos fundamentais, pp. 54-68.
naquele momento”. Ainda segundo Weis, se uma metáfora surge com o propósito de facilitar
a compreensão sobre um tema, pelo emprego de uma palavra ou expressão para abreviar o
pensamento, ao se verificar que a figura empregada não prescinde da explicação quanto à
origem dos direitos humanos, percebe-se com clareza sua inutilidade, pois não alcança o
propósito a que se destinava. Segundo ele, “o emprego generalizado da metáfora acaba por
carrear para os direitos humanos características que são próprias das gerações em seu sentido
original, extraído das ciências naturais, que nada tem a ver com o fenômeno de surgimento e
conformação dos direitos humanos, induzindo o estudioso a equívoco. (...) Portanto, o que
parece ser uma questão meramente vocabular acaba por demonstrar a perigosa impropriedade
da locução, ao conflitar com as características fundamentais dos direitos humanos
contemporâneos”.7
O processo de desenvolvimento dos direitos humanos, assim, opera-se em constante
cumulação, sucedendo-se no tempo vários direitos que mutuamente se substituem, consoante
a concepção contemporânea desses direitos, fundada na sua universalidade, indivisibilidade,
interdependência e inter-relacionariedade.8
Deve ser afastada a visão fragmentária e hierarquizada das diversas categorias de
direitos humanos, a fim de buscar-se a “concepção contemporânea” desses mesmos direitos,
tal como introduzida pela Declaração Universal de 1948 e reiterada pela Declaração de
Direitos Humanos de Viena de 1993. Nesse sentido, não é exato – e tampouco jurídico –
falarem gerações de direitos humanos, tendo em vista que eles não se “sucedem” uns aos
outros, mas, ao contrário, se cumulam, retroalimentando-se. O que ocorre não é a sucessão de
uma geração pela outra, mas sim a junção de uma nova dimensão de direitos humanos que se
une à outra já existente, e assim por diante.
7 Carlos Weis. Direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 1999, pp.41-43.
8 Para uma análise desses e outros princípios relativos à proteção dos direitos humanos na ordem internacional, v.
Enfim, e como destaca Carlos Weis, insistir na idéia geracional de direitos, “além de
consolidar a imprecisão da expressão em face da noção contemporânea dos direitos humanos,
pode se prestar a justificar políticas públicas que não reconhecem indivisibilidade da
dignidade humana e, portanto, dos direitos fundamentais, geralmente em detrimento da
implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais ou do respeito aos direitos civis e
políticos previstos nos tratados internacionais”.9
1.6 Gênese do direito internacional dos direitos humanos
Desde a Segunda Guerra Mundial, em decorrência dos horrores cometidos durante este
período, os direitos humanos constituem um dos temas principais do direito internacional
contemporâneo. A isto se acrescenta, no atual contexto em que nos encontramos, o fato da
globalização e o conseqüente estreitamento das relações internacionais, principalmente em
face do assustador alargamento dos meios de comunicação e do crescimento do comércio
internacional.
A normatividade internacional de proteção dos direitos humanos, conquistada por
meio de incessantes lutas históricas, e consubstanciada em inúmeros tratados concluídos com
este propósito, foi fruto de um lento e gradual processo de internacionalização e
universalização desses mesmos direitos.
O “Direito Internacional dos Direitos Humanos” (International Human Rights Law),
fonte da moderna sistemática internacional de proteção de direitos, tem como o seu primeiro e
mais remoto antecedente histórico os tratados de paz de Westfália de 1648, que colocaram fim
à Guerra dos Trinta Anos. Mas pode-se dizer que os precedentes históricos mais concretos do
atual sistema internacional de proteção desses mesmos direitos são o Direito Humanitário, a
Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho, situados pela doutrina como os
marcos mais importantes da formação do que hoje se conhece por arquitetura internacional
dos direitos humanos.10
O Direito Humanitário, criado no século XIX, é aquele aplicável no caso de conflitos
armados (guerra), cuja função é estabelecer limites à atuação do Estado, com vistas a
assegurar a observância e cumprimento dos direitos humanos. A proteção humanitária visa
proteger, em caso de guerra, militares postos fora de combate (feridos, doentes, náufragos,
prisioneiros) e populações civis, devendo os seus princípios ser hoje aplicados quer às guerras
internacionais, quer às guerras civis e a quaisquer outros conflitos armados.
O segundo reforço à concepção da necessidade de relativização da soberania dos
Estados foi a criação, após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), da Liga das Nações, cuja
finalidade era a de promover a cooperação, paz e segurança internacionais, condenando
agressões externas contra a integridade territorial e independência política de seus membros.
A Convenção da Liga das Nações, de 1920, como explica Flávia Piovesan, “continha
previsões genéricas relativas aos direitos humanos, destacando-se as voltadas ao mandate
system of the League, ao sistema das minorias e aos parâmetros internacionais do direito ao
trabalho – pelo qual os Estados comprometem-se a assegurar condições justas e dignas de
trabalho para homens, mulheres e crianças”, sendo certo que tais dispositivos “representavam
um limite à concepção de soberania estatal absoluta, na medida em que a Convenção da Liga
estabelecia sanções econômicas e militares a serem impostas pela comunidade internacional
contra os Estados que violassem suas obrigações”, fator este que veio redefinir, desta maneira,
“a noção de soberania absoluta do Estado, que passava a incorporar, em seu conceito,
compromissos e obrigações de alcance internacional, no que diz respeito aos direitos
humanos”.11
10V. Flávia Piovesan, Direitos humanos e o direito constitucional internacional, 7 ed. rev., ampl. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2006, pp.107-115.
Mas o antecedente que mais contribuiu para a formação do Direito Internacional dos
Direitos Humanos foi, entretanto, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), criada,
finda a Primeira Guerra Mundial, com o objetivo de estabelecer critérios básicos de proteção
ao trabalhador, regulando sua condição no plano internacional, tendo em vista assegurar
padrões mais condizentes de dignidade e de bem-estar social. Desde a sua fundação, em 1919,
a OIT já conta com mais de uma centena de convenções internacionais promulgadas, às quais
os Estados-partes, além de aderir, viram-se obrigados a cumprir e respeitar.
Em face deste breve apanhado histórico, pode-se concluir que estes três precedentes
contribuíram em conjunto para a idéia de que a proteção dos direitos humanos deve
ultrapassar as fronteiras estatais, transcendendo os limites da soberania territorial dos Estados
para alçar-se à categoria de matéria de ordem internacional. Eles registram o fim de uma
época em que o direito internacional estava adstrito à regulamentação das relações
estritamente estatais, rompendo com o conceito de soberania estatal absoluta (que concebia o
Estado como ente de poderes ilimitados, tanto interna como internacionalmente), admitindo
intervenções externas no plano nacional, para assegurar a proteção de direitos humanos
violados. Ou seja, esta nova concepção deixa de lado o velho conceito de soberania estatal
absoluta, que considerava, na acepção tradicional, como sendo os Estados únicos sujeitos de
Direito Internacional Público. Apenas uma exceção a esta concepção tradicional de soberania
absoluta era conhecida no direito internacional, antes do surgimento do Direito Internacional
dos Direitos Humanos, e dizia respeito à responsabilidade dos Estados por danos a
estrangeiros em seu território, quando se reconhecia que o tratamento conferido a determinado
estrangeiro em dado Estado era de interesse legítimo do Governo da nacionalidade daquele
estrangeiro. De sorte que uma ofensa perpetrada a um cidadão italiano, em território de outro
Estado, por exemplo, constituía-se numa ofensa à própria República Italiana.
É neste cenário que começam a aparecer os primeiros contornos do Direito
em seu domínio reservado, e erigindo os indivíduos à posição, de há muito merecida, de
“sujeitos de Direito Internacional”, dando-lhes mecanismos processuais eficazes para a
salvaguarda de seus direitos internacionalmente protegidos. A partir desse momento histórico
emerge finalmente a idéia de que o indivíduo não é apenas objeto, mas também sujeito de
2 A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO PELA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
2.1 A responsabilidade internacional do Estado
A responsabilidade internacional do Estado por violação aos direitos humanos nasce
com a preocupação do tratamento dado ao estrangeiro. De fato, a responsabilidade do Estado
por danos causados a estrangeiros tem origem no controle exercido sobre certo território pelo
Estado. O tratamento adequado corresponde a um standard internacional de justiça, em geral
auferido em face de parâmetros das nações européias.
Esse padrão é definido como sendo “uma pauta comum de conduta de todos os
Estados, composta por critérios de razoabilidade e aceitabilidade pela sociedade
internacional no momento em que determinado fato deva ser apreciado”.12 A violação desse
tratamento consiste na violação da norma internacional, devendo o Estado infrator ser
responsabilizado internacionalmente por isso.
Para a doutrina da proteção diplomática, o dano ao estrangeiro é um dano indireto ao
Estado de sua nacionalidade. Nessa visão tradicional, considera-se a nacionalidade como a
origem da proteção diplomática. Logo, a proteção diplomática só pode ser concedida a um
grupo limitado de indivíduos, que são os nacionais no exterior. Ademais, a proteção
diplomática é uma faculdade do Estado, que pode ser exercida ou não, limitando ainda mais o
alcance dessa proteção.
A responsabilidade internacional do Estado por violação de direitos humanos, embora
possua como antecedente a responsabilidade do Estado por danos causados aos estrangeiros,
dela se diferencia justamente por ter o foco no indivíduo e não no Estado.
12 Esse
Assim, o desenvolvimento da responsabilidade internacional do Estado por violação
de direitos humanos não parte da proteção diplomática, mas sim, do Direito Internacional dos
Direitos Humanos.
A responsabilidade internacional do Estado é um conceito que já foi qualificado por
diversos autores como sendo ora uma obrigação jurídica, ora uma situação jurídica e ora uma
instituição pela qual o Direito Internacional estabelece as conseqüências da violação de suas
normas. De fato, nas relações internacionais, assim como no Direito Interno, a invasão da
esfera juridicamente protegida de um sujeito do Direito Internacional por outro acarreta a
responsabilização do último.13
A responsabilidade civil do Estado na esfera internacional não difere, em seus
pressupostos, de sua responsabilização na ordem interna. Ao contrário, o instituto da
responsabilidade civil permanece o mesmo. Sofre, contudo, algumas limitações no pertinente
à responsabilidade objetiva do Estado, já reconhecida na ordem interna e ainda incipiente na
esfera internacional.
De todo modo, a responsabilidade internacional do Estado é, em regra, apresentada
como sendo uma obrigação internacional de reparação em face de violação de norma
internacional prévia. É o descumprimento de norma (acordo, tratado, convenção)
internacional, previamente pactuada, que gera o dever de reparar o dano causado. E a
responsabilidade civil nada mais é do que o dever de indenizar o ser lesado, quando não mais
possível o restabelecimento ao status quo ante, pelos danos que foi obrigado a suportar,
injustamente.14
13 Ver ARECHAGA, Jiménez de. 1980; ACCIOLY, 1959, p.353-367; MELLO, 1995.
14 “A Instituição da responsabilidade internacional tem como pressuposto a idéia de sujeito de direito, isto é,
A responsabilidade internacional do Estado tem origem na doutrina tradicional da
responsabilidade civil, que remonta ao século III a.C., com a idéia da culpa. Desde então
muito tem-se estudado sobre a responsabilidade civil e pode-se afirmar que, dentro do direito
moderno, foi o instituto que mais evoluiu. A responsabilidade estatal seguiu pelo mesmo
caminho, partindo da irresponsabilidade absoluta do soberano perante os súditos até sua
responsabilização objetiva, pautada na teoria do risco administrativo.
“A história do instituto da responsabilidade civil pode ser escrita como a história da
sua contínua e progressiva ampliação”, no dizer de Aliomar Baleeiro.15 A evolução da noção
de responsabilidade estatal firmou-se, sobretudo, como exigência de justiça social, haja vista
que a idéia de responsabilidade do Estado decorre, como conseqüência lógica e inevitável, da
noção de Estado de Direito, em que o Poder Público submete-se ao Direito.16
No âmbito internacional, várias foram as tentativas de consolidação da
responsabilidade dos Estados, no intuito de se fixarem normas convencionais sobre os
conceitos básicos de responsabilidade internacional. Mas a responsabilidade internacional
continua a ser um instituto consuetudinário.
A tentativa de codificação empreendida, sob os auspícios da Liga das Nações, em
1930, na Conferência da Haia, fracassou. A ONU também tentou empreender o trabalho de
codificação juntamente com a Comissão de Direito Internacional, que, desde 1956,
desenvolve discussões quanto à elaboração de um ante-projeto sobre a responsabilidade
internacional dos Estados, tendo aprovado provisoriamente um projeto de artigos em
11.08.2000.17
15 Aliomar Baleeiro, em voto proferido em acórdão transcrito na Revista Trimestral de Jurisprudência, n. 64,
p.698 e Revista de Direito Administrativo, n.114, p.308.
16 Sobre o tema ver: KELSEN, 1997, p.309 e WOLKMER, 1995.
17 Os relatores na Comissão de Direito Internacional foram os seguintes: Garcia Amador (1956-1961); Roberto
O projeto aprovado provisoriamente conta com 59 artigos distribuídos em quatro
partes, embora a Comissão tenha deixado de lado a análise da terceira parte no que trata da
solução de controvérsias. Ao que parece, a divisão do projeto de convenção sobre
responsabilidade internacional dos Estados manteve a proposta do Relator Especial Roberto
Ago, que teve seu plano de projeto aprovado em 1975, no Curso da 27ª Sessão da Comissão
de Direito Internacional.
O projeto aprovado em 11.08.2000 não difere muito do plano apresentado por Ago em
1975, ou do projeto apresentado em 1996, estando dividido e quatro partes, sendo que a
última versa sobre disposições gerais.
Na primeira parte, o projeto trata do fato internacionalmente ilícito de um Estado,
constituindo-se de dispositivos referentes ao nascimento da responsabilidade internacional do
Estado, seus elementos e formas de exoneração. Na segunda parte, fala-se do conteúdo da
responsabilidade internacional de um Estado, determinando as formas e graus da
responsabilidade estatal no âmbito internacional. A terceira parte busca o modo de tornar
efetiva a responsabilidade dos Estados, estabelecendo o procedimento de implementação da
responsabilidade internacional do Estado, com análise de mecanismos de solução de
controvérsias.
O projeto de responsabilidade internacional proposto é reflexo da evolução e
importância do instituto para a sociedade. Reflete, em verdade, o grau de coerção social e do
conceito de justiça de cada comunidade humana ao longo da história. Mas não se modifica em
sua essência de “dar a cada um o que é seu” e “não violar direito alheio”.
A noção clara de que o Estado, ente constituído para disciplinar as condutas sociais e
manter a harmonia em sociedade, também se submete ao Direito, podendo ser
responsabilizado nos casos em que vier a lesar o particular, é pressuposto essencial do
falar em cidadão do mundo se não se inferir sobre a responsabilidade internacional do
Estado.
A responsabilidade jurídica é, pois, a imputabilidade a um sujeito de direito dos efeitos
do ordenamento jurídico ao qual está submetido, quando sucede de se violarem as normas
postas e de gerar dano (lesão) a outrem, terceiro ou não nessa relação. O termo
responsabilidade vem justamente do latim responsus e do verbo respondere, que transmite o
conceito de existência de um direito a determinada resposta em face da violação da norma
jurídica.
Para Larenz, o ser humano tem o direito de ser respeitado como pessoa e não ser
prejudicado em sua existência e patrimônio.18 Em outras palavras, da aquisição da
personalidade deflui o direito a ter direitos, segundo a expressão clássica de direito humano
fundamental de Hannah Arendt.19
Assim, ter responsabilidade implica aceitar para si as consequências do próprio atuar e
responder por elas. De fato, trata-se de um fenômeno da condição humana. O senso de
responsabilidade é um privilégio, à medida que preserva o ser, seus valores e patrimônio da
ofensa alheia e, a outro tempo, um ônus, lhe imputa o dever de reparar o dano causado a
outrem. Logo, a responsabilidade deriva, como um de seus elementos, do conceito de pessoa,
do qual não se pode abster ou desconsiderar.
Essa responsabilidade, contudo, não se manifesta apenas de modo comissivo. A
omissão também gera responsabilidade, quando o indivíduo ou o Estado tinham o dever legal
de prestar, de atuar, de impedir a lesão ou dano causado. E o Estado é assim responsável
também no foro internacional.
18Para o autor “la condición de persona es la cualidad qu distingue al hombre sobre todos los demais seres
vivientes. Como ello se considera que el hombre, de acuerdo con su peculiar naturaleza y su destino, está constituído para cnfigurar libre y responsablemente su existência y sy entorno en el marco de las possibilidades dadas en cada caso, para proponerse objectivos e imponerse a si mismo limites en su actuación”. (LARENZ, 1978, p.44).
19 Celso Lafer, ao analisar o pensamento de Hannah Arendt, salienta que “...o primeiro direito humano, do qual
Algumas vezes, como ocorre nos casos analisados pela Comissão Européia de Direitos
Humanos, a responsabilidade estatal se manifesta mais por omissão à proteção de direitos de
seus cidadãos ou estrangeiros, do que por atos comissivos que tenham gerado a violação.20
Deriva, portanto, da incidência da norma jurídica, não importando se a reação que causou o
dano partiu de uma conduta comissiva ou omissiva, lícita ou ilícita.
A responsabilidade é, pois, a possibilidade de reação do sujeito passivo, visando à
reparação do dano suportado, ou à indenização pela dor sofrida, seja essa de cunho moral ou
material. A responsabilidade, na ótica do direito objetivo, aparece desde sempre como a
feição essencialmente garantidora da ordem jurídica.
É a expressão da segurança jurídica traduzida pelo direito de não ter um seu valor ou
patrimônio violado e, assim sendo, vê-lo reparado ou ressarcido. É a manifestação primeira e
última do Estado de Direito, que permite ao ofendido vindicar o ressarcimento de sua ofensa,
ainda que o ofensor seja o próprio Estado.
A responsabilidade é, ao menos em tese, a garantia da ordem jurídica como um todo,
já que possibilita a manutenção do equilíbrio e da equivalência entre os Estados-membros da
comunidade internacional o que, de resto, mantém possível a cooperação entre os Estados.
Em tese, porque os Estados não são iguais econômica-política-social e militarmente, e
essas diferenças são fatores significativos para que a aplicação das sanções internacionais,
uma vez configurada a responsabilidade de um Estado pela violação da norma internacional,
também não o sejam.
Estas diferenças dão ensejos para que alguns Estados não apenas escolham quais das
normas internacionais lhes interessa cumprir, como também façam uso ideológico do discurso
de proteção ao ordenamento jurídico internacional, de defesa da segurança mundial, de
20 “It can even be said that cases in which the international responsability of a State hás been voked on the basis
salvaguarda dos direitos humanos, de preocupação com o meio ambiente, dentre outros
discursos politicamente corretos, para intervirem em outros Estados.
A igualdade entre os Estados, ainda que formal, é, contudo, pressuposto lógico da
responsabilidade internacional, pois um Estado não pode reivindicar para si uma condição
jurídica que não reconhece a outro. A universalidade do Direito Internacional é, pois, oriunda
da aceitação do instituto da responsabilidade internacional do Estado, de seus direitos, mas
principalmente, de seus deveres perante a comunidade mundial, em especial do dever de
reparar os danos causados.
É, por certo, o dever de reparar, de ressarcir, de fazer retornar ao status quo ante, que
caracteriza e fundamenta o instituto da responsabilidade. No plano internacional, a
responsabilidade do Estado apresenta características peculiares, mas “é sempre uma
responsabilidade com a finalidade de reparar o prejuízo”21, uma vez que não se admite a
responsabilidade penal do Estado. Almeida Costa esclarece que “existe responsabilidade
quando uma pessoa deve reparar um dano sofrido por outra. A lei faz surgir uma obrigação
em que o responsável é devedor e a vítima credor”.22
Assim como no âmbito interno, a responsabilidade internacional do Estado pode ser de
natureza subjetiva, pautada na teoria da culpa, ou de natureza objetiva, pautada na teoria do
risco. Para a teoria da culpa, é necessário haver culpa na conduta do Estado ao violar a norma
internacional, entendida como a atuação negligente, imprudente ou imperita por parte de seus
agentes estatais. Essa teoria resta ultrapassada, uma vez que, segundo a teoria do risco, basta
que o Estado viole a norma internacional para incorrer em responsabilidade, ou seja, no dever
de reparar os danos causados.
21 MELLO, 1994, p.499.
É importante destacar que essa violação estatal pode se dar por meio de quaisquer de
seus atos nos foros internos ou internacionais, partindo quer seja do Poder Executivo, quer do
Poder Legislativo ou do Poder Judiciário.
Em se tratando de acesso a justiça, importa destacar a responsabilidade estatal por atos
do Poder Judiciário. Segundo Jiménez de Arechaga, três são as causas da responsabilidade do
Estado nos foros internacionais: por denegação da justiça; pelo julgamento por tribunal
parcial ou de exceção; por decisões contrárias ao direito.23
Esses três casos aplicam-se aos direitos humanos uma vez que os direitos
correspondentes, quais sejam, o direito de acesso à pronta e eficaz prestação jurisdicional, o
direito a um julgamento justo por um tribunal imparcial e o princípio da igualdade e
legalidade, já estão positivados no Direito Internacional e no Direito Internacional dos
Direitos Humanos. Na Convenção Européia a matéria é tratada no art. 6°, 1°. Na Convenção
Americana, no art. 8°, 1°.
A violação de direitos humanos, ainda que não configure violação de norma do Direito
Internacional, gera responsabilidade internacional ao Estado invocado. O exemplo trazido por
Rocafort é a omissão do Estado em sancionar os responsáveis por violações de Direitos
Humanos na ordem interna do Estado. Embora não haja violação expressa à norma de direito
internacional, há a ofensa ao direito humano à prestação da justiça, eficiente e pronta (num
prazo razoável) também para os ofensores. Para o autor, “la dilación y el plazo irrazonable de
los procedimientos judiciales parecen más bien casos, aunque no únicos, de denegación de
justicia”.24
A violação de direito humano implica, pois, a responsabilidade do Estado causador do
dano, seja a lesão oriunda de uma ação ou de uma omissão. Para que ocorra, contudo, a
23 “El primer supuesto es el de las decisiones de los tribunales internos (o de órganos jurisdiccionales no
judiciales), manifestamente incompatibles con una regra de derecho internacional. El segundo, es el comocido como ‘denegación de justicia’. El tercero, se produce cuando en ciertos casos excepcionales y bajo circunstancias claramente definidas, un Estado es responsable por una decisión judicial contraria al derecho interno”. (ARECHAGA, Jiménez de. Op. cit., p.331).