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Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica LEANDRO MARTINS BORGES

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Academic year: 2019

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica

LEANDRO MARTINS BORGES

O Falso Documentário

como enunciador de ruídos no regime de verdade

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica

LEANDRO MARTINS BORGES

O Falso Documentário

como enunciador de ruídos no regime de verdade

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da PUC-SP

Orientador: Prof. Dr. José Luiz Aidar Prado

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica

LEANDRO MARTINS BORGES

O Falso Documentário

como enunciador de ruídos no regime de verdade

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da PUC-SP

Orientador: Prof. Dr. José Luiz Aidar Prado

Comissão Examinadora

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AGRADECIMENTOS

Ao apoio, opiniões e todo tipo de aconselhamento: Taís Godoi Faraco, Mauro Montilha,

Ana Maria Giannasi, Régis Rasia, Marília Jardim

Aos valiosos comentários e apontamentos apresentados na banca de qualificação:

Profª Drª Sheila Schvarzman Profª Drª Laura Loguercio Cánepa

Pelas disciplinas e estrutura teórica: Profª Drª Cecília Salles,

Prof Dr Norval Baitello Jr, Prof Dr Oscar Angel Cesarotto,

Pela orientação, indicações e, acima de tudo, por expandir o paradigma teórico crítico:

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Resumo

Esta pesquisa investiga de que forma o documentário, aqui entendido como um regime de verdade, é contestado pela produção documentária conhecida como falso-documentário. Esse gênero se apropria das formas estético/narrativas documentárias, para narrar uma história ficcional. Consideramos que ao se mimetizar um regime de verdade, seja possível realizar uma crítica, de forma subversiva, à própria forma de construção de regimes de verdade. Esse enfoque na potência subversiva presente no falso documentário não é encontrado nos poucos estudos sobre o assunto. Os livros de Jane Roschoe, Alexandra Juhasz e a dissertação de Matheus Barbosa Emérito, analisam o falso documentário a partir da questão formal, compreendendo-o como uma paródia ou uma desconstrução do documentário. Nossa proposta é construir uma análise fílmica de dois falsos documentários selecionados por sua capacidade em gerar uma dupla crítica ao regime de verdade, presente tanto no aspecto cinematográfico, assim como no tema de seus filmes. A partir das teorias de discurso e dos conceitos desenvolvidos por Foucault, Žižek e Lacan, relacionando regime de verdade, falso e ideologia, analisaremos os filmes Exit Through the Gift Shop e Opération Lune. Como resultado esperado, se coloca a possibilidade de perceber como um gênero cinematográfico, comumente associado ao seu compromisso com a verdade, pode ser, paradoxalmente, um meio usado de forma subversiva para gerar ruídos nos regimes de verdade. Este trabalho visa a análise dos recursos cinematográficos que possibilitam que um filme possa ser classificado como um documentário, e como o falso documentário se utiliza desses mesmos recursos, para realizar uma crítica subversiva aos regimes de verdade relacionados ao tema de cada filme.

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Abstract

This research investigates in which way the documentary, understood here as a regime of truth, is contested by the documentary production known as fake documentary. This genre appropriates the esthetic/narrative documentary forms in order to tell a fictional story. We consider that it is possible to criticize the very construction of the regimes of truth in a subversive way through its mimicry. This approach – the subversive power within the fake documentary – is not found in the few studies on the subject. Jane Roschoe’s and Alexandra Juhasz’s books, along with Matheus Barbosa Emérito’s dissertation analyze the fake documentary from its formal aspects, seeing it as a parody or a deconstruction of the documentary. Our proposal is to build a film analysis of two fake documentaries chosen for their capability to generate a double critique of the regime of truth, present both in the cinematographic aspect and in the subject of the movies. From the theories of discourse and the concepts developed by Foucault, Žižek and Lacan, relating regime of truth, falseness and ideology, we analyze the films Exit Through The Gift Shop and Opération Lune. As an expected result there is the possibility of perceiving how a film genre, typically associated with its commitment to the truth, can be paradoxically a means used subversively to generate noise in the regimes of truth. This paper intends to analyze the cinematographic resources that make a movie being classified as a documentary possible, and how the fake documentary uses the same resources to carry out a subversive critique of the regimes of truth related to the subject of each film.

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Sumário

Introdução ... 08

1. Capítulo I - O cinema e a representação da realidade ... 16

1.1. Na ficção ... 16

1.2. No documentário ... 24

1.3. O cinema e a pós-modernidade ... 29

2. Capítulo II O documentário e o falso documentário ... 34

2.1. O documentário e os blocos conceituais ... 34

2.2. Modos de Representação ... 35

2.3. Documentário Híbrido... 40

2.4. Mas afinal... O que é mesmo um falso documentário?... 46

2.5. O falso documentário é um trote ... 51

3. Capítulo III Os conceitos de Real, Verdade e o Falso ... 62

3.1. A urgência pelo Real ... 62

3.2. A insurgência do falso ... 72

4. Capítulo IV Análise dos filmes ... 81

4.1. Decompor/Interpretar ... 81

4.2. Opération Lune ... 83

4.3. Exit Trough The Gift Shop ... 97

5. Conclusão ... 112

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Introdução

A partir de meados da década de 1990 houve aumento na produção de obras audiovisuais não-ficcionais. Essas obras variam de formato de acordo com cada meio proposto. Na televisão essas obras se concentram nos reality shows, nas chamadas pegadinhas, e nos programas policiais que se utilizam fartamente de vídeos de câmeras de segurança que registram imagens de acidentes e assassinatos, entre outras formas do jornalismo sensacionalista. Essas obras buscam retratar aquilo que, no senso comum, é entendido como a

realidade nua e crua. Essa realidade é entendida como o mundo sem o tratamento ficcional, registrado pela presença cada vez maior de câmeras em todos os lugares, capazes de mostrar pessoas e situações de forma supostamente espontâneas.

As estratégias do audiovisual contemporâneo têm, progressivamente, investido na construção e intensificação de efeitos de real cada vez mais pregnantes, como indica a proliferação de vídeos-flagrantes, reality shows, imagens amadoras e acontecimentos não-ficcionais incorporados pela teledramaturgia, dentre tantas manifestações cinematográficas. (FELDMAN, 2008, p.61)

Os meios de comunicação investem em produções que, de alguma forma, sejam associadas ao “real”. Tecnicamente isso resultou em “efeitos de realidade”, que de acordo com Jaguaribe, dependem da “força de intensificação da imagem que cria uma ilusão de realidade maior do que a

nossa percepção amorfa do cotidiano.” (JAGUARIBE, 2010, p.9) Esses “efeitos

de realidade” estão na base do que a autora chama de pedagogia da realidade:

Por pedagogia da realidade compreendo o uso de estéticas realistas em várias modalidades e expressões como meio de ilustrar retratos da realidade contemporânea de uma forma legível para espectadores ou leitores. Trata-se de uma pedagogia porque estes registros oferecem pautas interpretativas permeadas pelo sentido comum de problemas cotidianos compartilhados. Estas pedagogias da realidade realista não são homogêneas justamente porque as realidades são disputadas e socialmente fabricadas. [...] Embora toda manifestação artística ou midiática tenha uma busca de legitimidade para abalizar suas visões de mundo, as estéticas realistas detêm forte poder de persuasão porque foram naturalizadas enquanto apreensões interpretativas da realidade social moderna. (JAGUARIBE, 2010, p.7)

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por assumir, de forma legítima, a própria realidade. “O desencantamento do mundo prometido pela cultura midiática através da visibilidade total produziu um novo encantamento, a redução do mundo à sua imagem.” (COSTA, 2011, p.122)

Contudo, cada vez mais a mediação realizada pelas tecnologias da comunicação, da informação e do audiovisual deixa de ser propriamente um ato ou efeito de mediar, de estabelecer relações, para tornar-se, ela mesma, parte crucial de nossa visão de mundo e daquilo que tomamos por realidade, a qual é percebida e construída por códigos estéticos historicamente configurados, balizadores de nosso olhar e de nossa experiência. (FELDMAN, 2008, p.62)

Nesta perspectiva as propostas documentárias tornaram-se as formas mais legítimas de representação da realidade. A realidade apresentada por um documentário assume seu efeito imediato de espelho da realidade. Um espelho que se metaforiza em uma janela transparente para o mundo.

A pretensão de não-ficcionalidade de algumas formas de registros audiovisuais coincide com um desejo de revelar o mundo, de exibi-lo como se as telas fossem janelas que mais exibem e menos representam. Essa pretensão dá forma ao telejornalismo e à alguns documentários e se apoia na convicção de que a visibilidade, por si

só, seria capaz de integrar e tornar mais “reais” aquilo que está sendo mostrado. Os documentários, em especial, ainda explorariam o descrédito do jornalismo como forma não-ficcional, ocupando o papel meio de legitimador da informação. (COSTA, 2011, p.124)

No Brasil o consumo de filmes documentários tem aumentado de forma considerável. Embora ainda represente uma média de 3,5% do público nacional, esse número remete a 230 mil espectadores em 2013 (em 2009 esse número chegou a 480 mil).1 Vale lembrar que a ANCINE contabiliza somente o

público de salas comerciais, deixando de fora o público presente em festivais, sendo que é justamente na exibição de festivais, onde talvez se encontre o público mais fiel ao gênero. “Os festivais acabam por ser um importante espaço de visibilidade para a maior parte dos documentários realizados no Brasil. Além disso, eles formam público, ou seja, qualificam os futuros

realizadores” (MAIA, 2012).2 Alguns festivais brasileiros se consolidaram como

1

http://www.ancine.gov.br/sala-imprensa/noticias/cinema-brasileiro-bate-recordes-de-n-mero-de-lan-amentos-p-blico-e-renda-em-2

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referência em importância e visibilidade para o documentário, como é o caso do É Tudo Verdade que já está em sua 18ª edição. Outra grande janela de exibição dos documentários está na televisão. Embora a televisão aberta tenha dado uma grande visibilidade para o documentário através do projeto DOCTV3,

não podemos ignorar também o fato de ser um público muito restrito as televisões públicas. Mas outra porta se abriu em 2012 através da lei 12.485, pois de acordo com a nova regulamentação:

Os canais que exibem predominantemente filmes, séries, animação, documentários (chamados de canais de espaço qualificado) passam a ter a obrigação de dedicar 3 horas e 30 minutos semanais de seu horário nobre à veiculação de conteúdos audiovisuais brasileiros, sendo que no mínimo metade deverá ser produzida por produtora brasileira independente. Outro dispositivo da lei estabelece que: todos os pacotes oferecidos aos consumidores deverão incluir 1 canal de espaço qualificado de programadora brasileira para cada 3 canais de espaço qualificado. (ANCINE)4

Se por um lado temos novas possibilidades de exibição aliada aos festivais já consolidados, por outro existe uma facilidade técnica aliada a novas propostas estilísticas e temáticas. A produção de documentários no Brasil em 2013 atingiu o número de 50 documentários, enquanto a produção de obras ficcionais teve 75 filmes realizados no mesmo ano. Nesta perspectiva podemos notar que a maior quantidade de documentários representou também uma maior diversidade de temas e propostas. Filmes com enfoque na biografia de artistas famosos (como o foi o caso do documentário Raul Seixas, o início, o meio e o fim dirigido por Walter Carvalho e a maior bilheteria em documentários em 2012, tendo 170 mil pagantes) ou então com temática esportiva (os filmes sobre as conquistas futebolísticas de Corinthians, São Paulo e Palmeiras representaram um forte aumento na audiência documentária) convivem com temas e propostas menos conhecidas. Grandes distribuidoras nacionais também estão trabalhando com filmes políticos e sociais como foi o caso de

Marighella (Downtown Freespirit). Porém devido ao seu custo baixo de

3 O DOCTV produziu em suas edições anteriores quase três mil projetos de documentários inscritos em

100 concursos estaduais, tendo coproduzido 170 documentários e gerado mais de três mil horas de programação para a rede pública de televisão. Foram realizadas 67 oficinas para formatação de projetos com a participação de mais de dois mil realizadores de todo Brasil

http://www2.cultura.gov.br/site/2009/05/29/iv-doctv/

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produção, tendo como base o cinema comercial de ficção, podemos perceber que o cinema documentário busca se articular em busca de um público, que mesmo que não seja numeroso, possa se manter estável e ativo, e dentro do panorama apresentado de fascínio pelo real, o documentário brasileiro está buscando um espaço de diálogo com esse público.

O formato é atrativo por seu teor humano, é uma grande ferramenta social. Permite ao espectador visitar realidades tão distintas sem, geograficamente, se mover. Todo lugar tem uma história boa que vai gerar emoção em quem assistir. Esta é a função do documentário. (ACIOLLY)5

Percebemos que a busca e a oferta baseada no efeito do real está presente nas mais diversas formas de produção e exibição audiovisual. Mas partindo de uma proposta paradoxal também podemos perceber que nesse mesmo período houve um aumento de obras falsas, fakes, cujo maior interesse, aparentemente, está em enganar o espectador.

A televisão, talvez pelo fato de ter grande influência social, não permite tanto espaço para obras mais subversivas, no sentido de apresentar uma mentira como verdade, mas podemos perceber algumas variações, geralmente através de paródias.

O falso telejornal Sensacionalista 6 , exibido no canal Multishow, apresenta uma estrutura narrativa idêntica aos telejornais exibidos nas demais emissoras brasileiras. Inspirado no falso telejornal norte-americano The Onion, a proposta é noticiar fatos absurdos, porém de forma séria, resultando num formato cômico. Um espectador que não prestar a devida atenção ao que está sendo exibido, possivelmente acreditará que está assistindo a um telejornal convencional, devido ao uso das formas padrões dos telejornais: cenários, âncoras, repórteres, entrevistas, gráficos e vinhetas. Uma situação absurda como: Mulher faz tratamento estético com carbono e realiza fotossíntese7, é exibida com todas as devidas explicações, dadas por médicos especialistas, e as consequências do fato. Mesmo que a grande maioria das matérias esteja relacionada ao nonsense, com situações absurdas, algumas matérias

5http://www.cinemaemcena.com.br/plus/modulos/noticias/ler.php?cdnoticia=42609 6http://multishow.globo.com/Sensacionalista/

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apresentam uma postura mais crítica. A reportagem: Bandidos criam plano de seguro paralelo para automóveis8, reforça uma crítica cômica à falta de segurança nas grandes cidades brasileiras. Portanto, a proposta do programa não é questionar ou subverter o modo de fazer telejornalismo, mas noticiar situações absurdas, que em si já contem seu efeito cômico, e junto à estrutura formal exigida em um telejornal sério, aumentar seu aspecto engraçado.

Seguindo a mesma linha paródica, o programa Último a sair, exibido em 2011, pela rede estatal portuguesa RPT1, fez sucesso no Brasil através da internet. Parodiando o reality Big Brother, o programa mostra algumas celebridades portuguesas confinadas dentro de uma casa, mas em situações um pouco mais absurdas que as comumente apresentadas em um reality usual. Criado pelo humorista Bruno Nogueira, contando com as participações de artistas locais, o programa se destacou no Brasil ao mostrar uma cena em que o cantor Roberto Leal, muito famoso no Brasil nas décadas de 1970 e 1980, ao tomar um chá de cogumelo, começou a quebrar todos os móveis da casa e depois chorar copiosamente diante de uma imagem de Nossa Senhora de Fátima. Como o programa não foi exibido em nenhuma emissora nacional, quando o vídeo começou a circular pelas redes sociais, muitos pensavam que se tratava de um reality verdadeiro, o que causou muita polêmica. O próprio criador do programa tinha noção das possíveis consequências desse tipo de formato, quando em uma entrevista disse: “Apetecia-me fazer algo colado à realidade. Era um caminho a se experimentar, embora perigoso. As pessoas acreditavam mesmo nas coisas impossíveis de acontecer na vida real. Isso foi divertido, mas nos deixou preocupados. Tivemos de ficar ainda mais ficcionais.”9 Tendo como foco central a crítica ao formato de reality show, o

programa acabou se restringindo à paródia do formato, porém é interessante notar que o próprio Roberto Leal encontrou neste tipo de programa a oportunidade de ser mais verdadeiro:

8http://multishow.globo.com/Sensacionalista/Videos/_2360808.shtml

9

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Disse sempre as coisas do meu jeito. Sempre sentia o que estava falando, expus todas as minhas feridas. É engraçado que foi justamente num programa de humor que tive a oportunidade de dizer as coisas mais sérias da minha vida. Foi o desmonte da imagem que Portugal tinha de mim. (ESSINGER, 2011, p.1)

A internet é um dos espaços midiáticos onde existe uma grande incidência de falsidades. Páginas de notícias como o The Piauí Herald10 fazem muito sucesso na internet, sobretudo quando são compartilhadas em redes sociais, e os usuários acostumados com a rápida velocidade de veiculação das notícias, acabam acreditando em reportagens absurdas como um elevador que iria conectar o Brasil ao Japão. Talvez o mais espantoso seja o fato de que alguns sites de notícias acabem copiando e, sem verificar as fontes, veiculem alguns absurdos como verdades. O criador da revista Piauí e do próprio The Piauí Herald, o documentarista João Moreira Salles, comenta: “Há as pessoas que acreditam, e as que se importam. Essas me preocupam mais.” 11 Para um

documentarista, a constatação de que a mentira pode se passar tão facilmente por verdade pode não ser muito preocupante, pois essa é uma das questões centrais mais trabalhadas pelos documentaristas na atual produção documentária. Muitos documentários investem na indeterminação e no hibridismo entre ficção e documentário para poder gerar dúvidas sobre a própria representação da realidade.

É justamente nos indeterminados e ambíguos interstícios de categorias como autenticidade e encenação, pessoa e personagem, experiência e jogo, vida e performance, documentário e ficção que operam uma série de dispositivos comunicacionais e audiovisuais contemporâneos, empenhados tanto em performar formas de vida quanto em evitar o enfrentamento das contradições. Dentre esses dispositivos, um número crescente de filmes brasileiros, sobretudo os documentais – ou falsamente documentais -, tem feito da indeterminação, da performance e do jogo estratégias privilegiadas de simulação de mundos e experiências, em um contexto mais amplo de otimização e gestão biopolítica da vida. (FELDMAN, 2010, p.122)

Nossa proposta de pesquisa é analisar os falsos-documentários, entendendo-os como filmes indeterminados e ambíguos, capazes de se utilizar da pedagogia da realidade, tão presente nos meios de comunicação atuais, e com isso gerar uma reflexão sobre a representação da realidade, sobre a verossimilhança e o falso, entendido este último como uma potência

10http://revistapiaui.estadao.com.br/blogs/herald

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questionadora das formas sociais de divulgação e estabelecimento das verdades. A proposta deste trabalho, seguindo Foucault, não se coloca “no nível da teoria política, mas, antes, no nível dos mecanismos, das técnicas e das tecnologias de poder” (FOUCAULT, 2005, p.288) Vamos estudar um tipo específico de filme, o dos falsos documentários, e analisar de que forma esses filmes podem refletir e questionar as “técnicas de poder”; sobretudo as técnicas de convencimento presentes no documentário (discurso cinematográfico) e, a partir dos temas fílmicos, entender como essas técnicas se articulam com os temas apresentados (o discurso político e científico em Opération Lune, e o discurso artístico e econômico do mercado da arte em Exit Through The Gift Shop)

Para isso, no capítulo 1 abordaremos a representação da realidade no cinema, enfocando as propostas do neorealismo e as teorias do realismo revelatório, indo até suas ramificações no cinema contemporâneo. Além desse breve recorte no cinema ficcional examinaremos também as propostas de representação no cinema documentário, partindo das definições de Grierson, passando pelo cinema-direto, e debatendo o cinema-verdade desenvolvido por Jean Rouch. Alinhando as linhas documentárias e ficcionais adentraremos nas questões do cinema na pós-modernidade, entendendo que é nessa época que as indistinções entre realidade e ficção se tornam mais assumidas, resultando em uma nova proposta estético-ideológica. Esse capítulo pretende demonstrar que o flerte entre ficcional e documentário, já tão presente no neorealismo e no cinema-verdade, busca se (re)afirmar no pós-modernismo, e nessa perspectiva, o falso documentário se articularia como uma forma de cinema documentário reflexivo em relação aos regimes de verdade.

No capítulo 2 o foco será dado ao conceito de falso documentário. Iremos definiremos como conceitos como cinema híbrido, ambíguo, reflexivo,

mockumentary e falso documentário, estão articulados dentro teoria cinematográfica. Em seguida realizaremos um breve e analítico histórico dos falsos-documentários.

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os procedimentos utilizados pelo cinema, entendidos como técnicas de convencimento e estabelecimento da verdade.

E por fim, no capítulo 4 realizaremos as análises de dois filmes, entendidos como exemplares para a compreensão proposta: Opération Lune e

Exit Through The Gift Shop.

Pretendemos, através destes quatro capítulos, entender o contexto em que se localiza a produção de falsos documentários, em termos cinematográficos e ideológicos. Se existe a sede pelo real, como indicado acima, também entendemos que existe o questionamento e a potência do falso como geradores de ruídos necessários para questionar a verdade.

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Capítulo I - O cinema e a representação da realidade

1.1 – Na Ficção

O cinema em seu surgimento, segundo seus primeiros entusiastas, apresentava os aspectos técnicos necessários para a fiel reprodução da realidade. Se a pintura era vista como a interpretação da realidade através do olhar e da mão do artista, a fotografia se apresentava como uma impressão, um reflexo da realidade. A fotografia “apresenta um circuito fechado precisamente no ponto em que, nas formas tradicionais de arte, ocorre o processo criativo, uma vez que a realidade passa através do artista” (DEREN,

in XAVIER, 2008, p.17).

O caráter de indexalidade12 da fotografia é expandido no cinema, sobretudo por dois aspectos tipicamente cinematográficos: o movimento e o som. Como dizia Godard: “A fotografia é a verdade, e o cinema é a verdade vinte e quatro vezes por segundo.” A capacidade de registrar os movimentos de forma tão precisa resultou, no primeiro momento, no uso do cinema para fins científicos e documentais, servindo de registro da realidade e refutando seu potencial interpretativo. Em uma época ainda marcada pelo cientificismo, as capacidades técnicas cinematográficas conseguiam enxergar a realidade de uma forma que os olhos não poderiam. O cinema se sobrepôs à pintura e à fotografia como o meio mais fidedigno de apreensão da realidade.

Após esse primeiro momento, os admiradores da nova tecnologia, buscaram novas formas de registrar a realidade, interpretando-a, através de um trabalho criativo e artístico: “é impensável que tal instrumento, não venha a ter uma influência sobre o pensamento. As máquinas que o homem inventa têm sua inteligência à qual recorre à inteligência humana.” (EPSTEIN, in

XAVIER, 2008, p.108) Jean Epstein defende um cinema que supere o registro da realidade, um cinema poético, puro, capaz de dar vazão às realidades

12 De acordo com a teoria de semiótica de Peirce: “as fotografias e, em particular, as instantâneas (...) são

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imaginárias. Essa proposta está associada ao cinema de vanguarda e suas conexões com dadaísmo, surrealismo e outras artes plásticas. 13

Buscando aliar a força da imagem fotográfica em movimento com histórias verossímeis, o cinema narrativo começa a tomar forma através de algumas regras que formarão uma estética narrativa própria, a linguagem cinematográfica. Em um primeiro momento essa estética narrativa realista buscará uma forma de linguagem transparente capaz de dar ao espectador a sensação de que a tela de cinema não passa de uma janela para o mundo. Esse cinema transparente será a proposta primordial do cinema Hollywoodiano. Posteriormente novas propostas cinematográficas, principalmente a partir da

Nouvelle Vague, desmontarão essa estética transparente chamando a atenção para o próprio dispositivo cinematográfico, resultando em um cinema mais

opaco.14

O modelo de cinema transparente, também chamado de representação naturalista, apresenta três características básicas: a decupagem clássica15 que produz o ilusionismo e deflagra o mecanismo de identificação; a interpretação dos atores seguindo os princípios naturalistas; e a elaboração de histórias pertencentes a gêneros narrativos estratificados em sua convenção. Essas características eram necessárias para dar a impressão de invisibilidade dos meios de produção desta realidade montada. Tudo deve parecer verdadeiro, uma “imitação da vida”.

O naturalismo do método cumpre a função de projetar sobre a situação ficcional um coeficiente de verdade tendente a diluir tudo o que a história tem de convencional, de simplificação e de falsa representação. A mesma equação, afirma-se: discurso=verdade. O

método torna “palpável” uma visão abstrata e, deste modo sanciona

a mentira (XAVIER, 2008, p.42.)

13 Embora acreditemos que a questão que separa as propostas de um cinema mais plástico de um cinema

realista/narrativo seja muito produtiva, nosso foco será em debater e analisar mais precisamente as propostas cinematográficas realistas, entendendo que mesmo no chamado cinema poético, essa busca pelo real está presente. “A dicotomia entre formativos/realistas – Lumière x Méliès, mimese x discurso – é frequentemente exagerada, obscurecendo o que as duas correntes têm em comum. “ (STAM, 2003, p.93)

14 Para uma melhor apreciação desse debate, é fundamental a leitura do livro “O discurso

cinematográfico: Transparência e Opacidade.” de Ismail Xavier.

15 A decupagem clássica pode ser entendida, essencialmente como a montagem paralela e a mudança de

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A mentira sancionada, base do cinema ilusório clássico hollywoodiano, que pode ser entendida somente como um método estilístico de representação, adquire sua problemática conceitual quando pensamos a relação representação/verdade/ideologia.

O problema básico em torno da produção de Hollywood não está no fato de existir uma fabricação (da realidade); mas está no método desta fabricação e na articulação deste método com os interesses dos donos da indústria (ou com os imperativos da ideologia burguesa). (XAVIER, 2008, p.43)

Essa relação está presente no processo hollywoodiano, sobretudo por seu aspecto de “linha de produção”. O sistema industrial de produção, capaz de sustentar uma elevada quantidade de filmes da época, era baseado em formas de trabalho que minavam a manifestação da individualidade fundamental para a criação artística. A padronização e a impessoalidade dos filmes foram muito criticadas por vários teóricos que consideravam essas obras, e todo esse sistema, como uma manifestação antiartística.

Tal modelo representa uma convergência radical entre a construção de um discurso que se quer transparente (efeito de janela/fluência narrativa) e a modelagem precisa de uma dupla máscara: para propor uma ideologia como verdade, tal máscara insinua-se na superfície da tela (produzindo os efeitos ilusionistas) e insinua-se, na profundidade e na duração produzidas por estes efeitos (produzindo as convenções do universo imaginário no qual o espectador mergulha). (XAVIER, 2008, p.46)

Porém essa visão em bloco, que entende toda a produção hollywoodiana como uma indústria impessoal, sofrerá uma forte crítica, quando teóricos de cinema chamarão a atenção para obras e cineastas capazes de criarem uma fissura na relação entre representação/verdade/ideologia. Segundo esses estudos, cuja maior expressão são os artigos publicados na década de 1950 no Cahiers du cinéma, as obras de cineastas como Orson Welles, John Ford e Alfred Hitchcock, entre outros, demonstram a capacidade de se criar filmes fiéis às regras cinematográficas sem serem burgueses, ou até mesmo filmes capazes de desrespeitarem os métodos clássicos e manterem sua transparência. Esses estudos formaram a chamada Politique des Auteurs

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demonstração, podendo também gerar uma significação da realidade.16 Portanto a questão ideológica não está apenas na forma de produção, mas nas escolhas estéticas e em seu uso por seus autores.

Por trás de qualquer realismo ou anti-realismo (em suma, de qualquer estética) está sempre uma posição ideológica, e o problema essencial não está no dilema ideologia/não-ideologia, mas na forma como cada ideologia (e cada estética) particular estabelece seus vínculos e define os interesses com os quais ela assume compromisso. (XAVIER, 2008, p.67)

Essa política dos autores resultou diretamente na formação dos cineastas da Novelle Vague, dispostos a desmontar as regras do cinema transparente, trazendo reflexões não somente sobre o tema e a narrativa fílmica, mas também sobre a linguagem utilizada. Trata-se de um cinema que explicita sua preocupação com a realidade e, sobretudo, com a representação fílmica dessa realidade. Esse cinema será mais opaco, um denunciador das regras e métodos utilizados pelo cinema naturalista.

Anteriormente ao desenvolvimento da Novelle Vague outro novo-cinema surge na Europa da década de 1940: o neorealismo italiano. Em uma Itália devastada pela Segunda-Guerra surge a urgência de se (re)pensar a realidade.17 Os teóricos-cineastas italianos assumem, logo após o fim da

guerra, a tarefa de repensar a reconstrução do cinema italiano, e como essa reconstrução estaria articulada com uma nova proposta realista. “A guerra e a liberação, sustentou o teórico-cineasta Cesare Zavattini, ensinaram os diretores a descobrirem o valor do real. O problema não era inventar histórias que se assemelhassem a realidade, mas transformar a realidade em história.” (STAM, 2003, p.92) Se os enfants terribles da Novelle Vague resgataram os autores americanos e reinventaram a linguagem cinematográfica, os italianos

16 É importante citar que esses artigos da

Cahiers que tratam da questão de significação da linguagem

cinematográfica remetem aos escritos de Dziga Vertov e suas teorias de Kino Pravda. Embora

consideremos os escritos de Vertov como fundamentais na discussão cinematográfica, neste trabalho acreditamos que não exista espaço para um maior aprofundamento sobre o autor soviético.

17 É importante notar que Hollywood na crise de 1929 adotou uma postura semelhante, porém de

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mergulharam na estética da representação, buscando não somente a tela transparente, mas até mesmo a ausência da tela. “O objetivo era um cinema sem mediação aparente, no qual os fatos ditassem a forma e os acontecimentos parecessem contar a si próprios.” (STAM, 2003, p.92)

O cinema não é visto somente como um veículo de registro da realidade, mas uma arte capaz de sentir e transformar a vida do homem comum. “Captar a duração real da dor do homem e de sua presença diária, não como homem metafísico, mas como o homem que encontramos na esquina, e para o qual esta duração real deve corresponder a um esforço real de nossa

solidariedade” (ZAVATTINI in XAVIER, 2008, p.72) Observar e significar cada

minuto da vida, confiando na própria dinâmica inerente ao drama diário. Como dizia Roberto Rosselini: Aquilo que me interessa no mundo são o homem e essa aventura única, para cada um, da vida!

De acordo com essa proposta, todos os detalhes da vida são relevantes e devem ser registrados de forma integral, juntando todos os “pedaços” da realidade para que ela possa ser compreendida em sua totalidade. Essa visão fragmentada da realidade proposta pelos neorrealistas resulta em seu afastamento em relação ao chamado realismo crítico - o lugar da racionalidade e da visão totalizadora da experiência humana em oposição à visão fragmentária característica aos outros métodos.18

O afastamento do neorrealismo do modelo realista crítico resultará em uma nova forma de abordagem realista denominada realismo revelatório, que ao mesmo tempo em que se afasta do realismo crítico também mantêm distância do cinema naturalista produzido por Hollywood. O neorrealismo praticamente subverte as três regras do cinema naturalista ao fazer uso de não-atores, tendo roteiros baseados em situações cotidianas e rompendo com as definições da montagem clássica. A montagem proposta pelos neorrealistas não utiliza muitos cortes. Na verdade uma das obsessões de alguns cineastas do movimento seria a realização de um filme todo rodado em um único plano.

18 A teoria de realismo crítico foi desenvolvida na antiga União Soviética, nas décadas de 1920 e 1930,

(21)

Rosselini dirá: A montagem não é mais essencial. As coisas estão aí. Por que manipulá-las?

A crítica à decupagem clássica faz-se pelo aspecto manipulador e pela sua articulação com a criação de um mundo imaginário que aliena o espectador de sua realidade. Se a decupagem clássica constitui uma base eficiente para um trabalho de construção do falso

que “parece real”, o neo-realismo propõe-se a substituir tal artifício pelo trabalho de obtenção da imagem que, além de parecer, procura

“ser real”. Há uma ética da“confiança na realidade”, a da sinceridade,

que implica na minimização do sujeito do discurso, de modo a deixar o mundo visível captado transparecer o seu significado. (XAVIER, 2008, p.75)

Essas regras do neorrealismo o aproximam muito do documentário, porém é importante notar que ele ainda mantém sua base na ficção. O realismo revelatório compreende que a ficção, articulada com as propostas de ruptura do cinema naturalista, resulta em uma representação da realidade real: incompleta, incoerente e ambígua. Na perspectiva neorrealista a representação não deve significar a realidade, mas permitir que a própria realidade se deixe significar. De uma forma paradoxal, o neorrealismo se aproxima do cinema hollywoodiano, pois ele propõe um mergulho na transparência, tentado levar ao extremo o sentido de janela para o mundo, através de uma metodologia que permita a ação do espontâneo e do instintivo.

Embora muitos cineastas do neorrealismo também sejam teóricos, o caso mais exemplar de formulação teórica capaz articular os vários aspectos envolvidos nessa representação da realidade, é o escritor francês André Bazin. Para ele o neorrealismo era a realização daquilo que ele chamava de “mito do cinema total”, ou seja, a representação total e completa da realidade. 19 Para

Bazin existiam os cineastas da “imagem” e os cineastas da “realidade”

Os cineastas da “imagem”, especialmente os expressionistas

alemães e os diretores soviéticos da montagem, dissecaram a integralidade do continuum espaço-temporal do mundo, segmentando-o em fragmentos. Os cineastas “da realidade”, em

contraste, utilizaram a duração do plano-sequência em conjunto com a encenação em profundidade para criar uma sensação em múltiplos planos da realidade em relevo. (STAM, 2003, p.94)

19 É importante notar que as considerações apontadas por Bazin estão contextualizadas para o movimento

(22)

Ressaltamos que a crença no realismo apresentada por Bazin está articulada pela questão estética proposta. Bazin não recusa o ilusionismo, pelo contrário, ele acredita no ilusionismo legítimo que só o cinema é capaz de realizar. O realismo não é a expressão de um pensamento, mas exercício visual. Esse pensamento de Bazin, compartilhado por diversos representantes do neorrealismo, demonstra uma inversão do pensamento mais tradicional que por um lado remetia imagem à ilusão, e por outro ligava o pensamento articulado em palavras como lugar do discurso racional e dos conceitos verdadeiros. Dentro dessa inversão “a imagem torna-se lugar da revelação verdadeira e a linguagem articulada torna-se obstáculo, convenção, ideologia.” (XAVIER, 2008, p.77)

Essa inversão proposta por Bazin só é possível quando se entende que o realismo revelatório contempla a essência de um mundo dado a priori. Para o francês Jean Mitry o cinema, acima de tudo, é a produção de novos significados, ou seja, a ideia de cinema para Mitry,

fica a meio caminho entre o realismo revelatório de Bazin (cinema amarrado ao real que ele duplica) e o cinema-discurso do semiólogo (cinema francamente irreal porque discurso inscrito nas convenções das várias linguagens nele presentes). A fórmula de Mitry será: no cinema o real se organiza em discurso. (XAVIER, 2008, p.92)

Embora Mitry compartilhe com Bazin a ideia de imanência da imagem (refutando o uso do simbolismo), assim como a noção de contingência e ambiguidade do real, para ele a imagem cinematográfica não consegue revelar o real, mas organiza-o através da intencionalidade do cineasta, mostrando um aspecto do mundo. A realidade da tela, diferentemente do mundo real, é uma realidade orientada.

Mitry admite que algo se acrescenta (uma intencionalidade) e algo se perde na transformação do real em discurso cinematográfico, o que afasta e distingue o mundo imaginário da tela do mundo cotidiano que nos cerca. Por outro lado; continua a usar a expressão

“cinema = arte do real”, admitindo a presença de uma ponte

essencial que liga tal imaginário à realidade. (XAVIER, 2008, p.93)

(23)

Trabalhando a partir desta suposta transparência (imagem = real), que é também uma das chaves do projeto ilusionista de Hollywood, algumas tendências do chamado cinema moderno reelaboram a herança neorrealista. E o trinômio cinema de rua/mise-en-scène improvisada/representação da existência cotidiana não ideológica, o aqui e agora entendido literalmente, constituem base também de um

certo realismo “existencial” que muitos críticos vão celebrar como

grande modelo do cinema dos anos 1960. (XAVIER, 2008, p.75)

Claramente não pretendemos esgotar as definições do cinema moderno dentro dos parâmetros da representação do real, porém para a proposta do nosso estudo, acreditamos ser de fundamental importância entender como a realidade (e sua representação) se tornou o centro de debate e realização do cinema realizado no pós-guerra. Outros movimentos cinematográficos no mundo, influenciados pelo neorrealismo de forma direta ou indireta (favoráveis ou contrários), como a Novelle Vague, o cinema novo brasileiro, o cinema novo alemão e o chamado American Art Film 20, também se depararam com a

questão da representação da realidade. A postura adotada neste projeto é que, para a devida compreensão do falso documentário, devemos entender como o cinema migrou de uma representação naturalista para uma proposta realista. Uma das diretrizes básicas de qualquer projeto cinematográfico moderno durante o século XX foi a busca por uma representação da realidade capaz de superar as ilusões ideológicas burguesas. Entre esses projetos está o próprio documentário, gênero que de forma involuntária assumiu o papel de principal registro cinematográfico verossímil da realidade.

20 Esse termo se refere ao cinema norte-americano realizado nos anos 1960 e 1970, tendo alguns diretores

chave: Martins Scorsese, Francis Ford Coppola, Brian de Palma, entre outros. Também chamado de Nova Hollywood, esse conjunto de filmes e diretores, marcam uma guinada do cinema hollywoodiano no sentido de filmes que, de forma análoga ao neorrealismo, irão retratar temas realistas, gravações em locações e técnica de filmagens mais livres, como câmera na mão, luz natural, e outras propostas já utilizadas pelo cinema moderno europeu. Para uma melhor compreensão do uso desses termos: Cinema Hollywood Contemporâneo de Fernando Mascarello. (in História do Cinema Mundial. MASCARELLO

(24)

1.2 - No documentário

Godard dizia que “todos os grandes filmes de ficção tendem ao

documentário, assim como todos os grandes documentários tendem à ficção. E

o que opta a fundo por um encontra o outro no fim do caminho”. (DA-RIN, 2006,

p.30) Essa frase não é somente um jogo de palavras, mas um pensamento condizente com as ideias dos realizadores modernistas. Tanto o documentário quanto a ficção tem por fim último, quando bem realizado, representar a realidade

De acordo com Nichols, o documentário engaja-se no mundo da representação, fazendo isso de três maneiras: a) os documentários oferecem-nos um retrato ou uma representação reconhecível do mundo, pela capacidade que o filme têm em registrar situações e acontecimentos com notável fidelidade; b) os documentários significam ou representam os interesses de outros, assumindo o papel de representantes públicos; c) os documentários podem representar o mundo da mesma forma que um advogado representa os interesses de um cliente – colocam diante de nós a defesa de um determinado ponto de vista ou uma determinada interpretação das provas. Os métodos podem ser diferentes, e são, mas o ideal em comum se mantém.

Para Silvio Da-Rin o documentário se enquadra entre os grandes regimes cinematográficos 21 . Apesar da classificação do documentário apresentar indefinições e fronteiras incertas, incapazes de esgotar todas as ocorrências,

isto não nos impede de reconhecer a existência concreta deste grande regime cinematográfico – que preferimos chamar de um domínio, entendido como âmbito de uma arte [...] não há como negar a persistência de uma tradição – uma espécie de instituição virtual constituída por diretores, produtores e técnicos que se autodenominam documentaristas, seus filmes, associações, agencias financiadoras, espaços de exibição, distribuidores, mostras especializadas, publicações, críticos e um público fiel. (DA-RIN, 2006, p.18)

21 A definição de regime cinematográfico utilizado por Da-Rin corresponde ao conceito estabelecido por

(25)

As configurações do documentário não obedecem a uma estrutura imutável, pois é na movimentação das propostas articuladas pela comunidade do cinema documentário que o documentário se estabelece. Bill Nichols, teórico contemporâneo do documentário, também se utiliza de um método capaz de classificar o documentário sem recorrer às regras e limitações acadêmicas. Seus estudos de documentário o aproximam da abordagem histórica proposta por Michel Foucault, pois ao invés de aceitar uma proposta totalizante, Nichols procura “reconhecer em que medida nosso objeto de estudo é construído e reconstruído por uma diversidade de agentes discursivos e comunidades interpretativas” (NICHOLS, 1991, p.17)

O próprio sentido do termo documentário, estabelecido por John Grierson em 1926, foi norteado por motivos institucionais e de interesses governamentais. 22 A efetiva realização dos primeiros documentários, entendidos já sob esse termo, está veiculada à estrutura institucional inglesa nas décadas de 1930 e 1940, em que vários documentaristas como Robert Flaherty, Alberto Cavalcanti e Paul Rotha, produziram diversos documentários para o governo inglês, tendo a supervisão e o estabelecimento de uma estética documentária definida por John Grierson. 23 A definição estética do documentário feita por Grierson começa pela separação do material fílmico. Na “categoria inferior” estariam os materiais que meramente descrevem a realidade, como os newsreels, os filmes educativos ou científicos e os filmes etnográficos. Na “categoria superior” estariam os filmes que poderiam ser classificados de documentários, capazes de superar a mera descrição, realizando um arranjo e uma formalização criativa. Grierson formaliza três princípios básicos:

22 O cineasta brasileiro Alberto Cavalcanti, que trabalhou diretamente com John Grierson, relata: “A

única diferença fundamental é que eu persistia em achar idiota a denominação de documentário. Grierson só sabia responder a isso – lembro-me muito bem – rindo e dizendo: „Você é realmente ingênuo. Dê minha parte, devo tratar com o governo, e a palavra documentário os impressiona. Têm a sensação de que

é algo sério.‟” (SUSSEX in DA-RIN, 2006, p.91)

23 Dentre as produções mais importantes realizadas nessa época: Alberto Cavalcanti

: We live in two worlds (1937) e Coal face (1935); Robert Flaherty: Industrial Britain (1931) e Man of Aran (1934); Paul

(26)

(1) Nós acreditamos que a capacidade do cinema de circular, de observar e selecionar a partir da própria vida pode ser explorada em uma nova e vital forma de arte. O documentário deve fotografar a cena viva e a história viva. (2) Nós acreditamos que o ator original (ou nativo), e a cena original (ou natural) são os melhores guias para uma interpretação cinematográfica do mundo moderno. Eles lhe proporcionam uma capacidade de interpretação sobre eventos no mundo real mais complexos e surpreendentes do que a imaginação do estúdio pode evocar ou o perito do estúdio recriar. (3) Nós acreditamos que os materiais e as histórias assim cruamente extraídas podem ser melhores (mais reais no sentido filosófico) do que o material atuado. (GRIERSON in DA-RIN, 2006, p.73)

Quando Grierson se utiliza do termo sentido filosófico, está se remetendo justamente à proposta modernista de conhecimento do mundo através da arte.

Grierson estabelece uma separação entre o real - geral e abstrato –

e o fenomenal – empírico e particular. O “real” para ele não é o

conjunto dos aspectos superficiais do mundo empírico, mas uma realidade subjacente e determinante. Este real, fundamental, não é imediatamente perceptível, mas pode resultar de um processo interpretativo que a filosofia, a religião e a arte são especialmente capazes de proporcionar. (DA-RIN, 2006, p.73)

Podemos notar a semelhança de propostas e métodos entre a formação do documentário clássico e do cinema moderno, principalmente o neorrealismo italiano. Ambas as propostas acreditam em uma dupla ação: por um lado a crença de que existe um real determinante, imperceptível de forma autônoma; e por outro, a formulação de regras nas formas de captação fílmica da realidade, ou melhor, de uma superfície de realidade.

Dramatização, interpretação e intervenção social – estes são os atributos do documentário para seus fundadores. Em nenhum deles se nota o menor traço de documento ou prova. Ao contrário de um espelho que reflete a natureza e a sociedade, é como uma ferramenta para transformá-la que o documentário é assumido por aqueles que lançam as bases de sua tradição. (DA-RIN, 2006, p.93)

(27)

Essa nova vertente documentária tinha como principal núcleo a produtora norte-americana Drew Associates, formada principalmente por profissionais ligados ao jornalismo24. Seus membros não consideravam seus trabalhos como documentários, mas como “cine-reportagem” ou “jornalismo filmado”, justamente pela discordância em relação à interpretação dada no documentário inglês. Os novos meios técnicos permitiam que a captação da realidade não sofresse mais interferências. “É a vida observada pela câmera e não, como no caso de muitos documentaristas, a vida recriada para a câmera” (REYNOLDS in DA-RIN, 2006, p.138). Nesta proposta o documentarista deve ser “invisível”, não ser notado pelas pessoas presentes no evento, garantindo a isenção de todos aqueles que estão sendo filmados, pois sem perceber estarão agindo da maneira mais espontânea possível. Essa proposta documentária ficou conhecida como cinema-direto.

Divergindo das propostas modernistas que entendem a função do artista como o agente revelador da realidade, os autores desse cinema direto puro acreditavam na legitimação cientifica, ou seja, retomavam a postura dos primeiros entusiastas da história do cinema: “Eu não acho que filmes devem proporcionar informação. Filmes devem ser antes de tudo algo que você não duvide. Você confia naquilo que você vê.” (PENNEBAKER in DA-RIN, 2006, p.140) Porém, a tentativa de associar os filmes realizados por esse cinema ao

real verdadeiro aproxima-os da forma do documento, tornando-os uma prova

de uma realidade.

O que esta sacralização do real visível não reconhecia era o fato de que os cenários do real não são brutos como um mineral, mas já organizados por relações sociais que o visível não é capaz de apreender. O modo observacional levado às últimas consequências, na sua utopia da duplicação perceptiva, sobrevalorizando a visibilidade e recusando a intervenção do cineasta por considerá-la impura, por vezes impedia a compreensão daquilo que mostrava. [...] Para tornar visível o invisível, o cineasta deve abdicar da utopia de um reflexo especular do real e assumir o seu papel mediador. (DA-RIN, 2006, p.146)

Se a primeira vertente acreditava em seu aspecto “invisível” e observacional, a segunda vertente apostava no oposto: a participação direta do documentarista nos eventos e no próprio filme, através de um modo

24 Tendo como membros mais ativos Robert Drew e Richard Leacock, a Drew Associates durou de 1959

(28)

participativo. Jean Rouch foi um dos fundadores desse modelo documentário, junto com Edgar Morin, que, em 1960, co-dirigiu o documentário Chronique

d’un Été (Crônica de um verão). Logo na abertura do filme ouvimos a voz off de Rouch: “Este filme não foi representado por atores, mas vivido pelos homens e mulheres que dedicaram momentos de suas vidas a uma experiência nova de cinema-verdade.” O termo “cinema-verdade”, título de um artigo publicado meses antes por Morin, acabou se tornando uma espécie de nomenclatura para este tipo de documentário. No caso de Chronique a proposta foi criar várias situações e mostrar como cada pessoa se portava diante delas, incluindo os próprios diretores.

A interação entre os diretores e as pessoas “comuns” fazia parte de um método, diametralmente oposto ao proposto pelo modo observacional: “Não se tratava de evitar intervir, para que a “verdade dos eventos” fosse preservada; tratava-se de fazer da intervenção a condição de possibilidade da revelação, pela palavra, daquilo que estivesse latente, contido ou secreto.” (DA-RIN, 2006, p.153) Novamente percebemos a crença de uma realidade escondida que pode ser alcançada através do trabalho do artista, porém, notamos uma nítida mudança, quando o diretor deixa de ser o responsável por interpretar a realidade, e passa a vivê-la junto ao seu objeto fílmico, abrindo perspectivas inusitadas para o documentário e, além disso, mudando a forma vertical de interpretação artística da arte.

Agora eu percebo que se nós chegamos a algo foi em colocar o problema da verdade. Nós quisemos fugir da comédia, do espetáculo, para entrar em tomada direta com a vida. Mas a própria vida também é comédia, espetáculo. Melhor (ou pior): cada um só pode se exprimir através de uma máscara e a máscara, como na tragédia grega, dissimula ao mesmo tempo em que revela, amplifica. Ao longo dos diálogos, cada um pode ser ao mesmo tempo mais verdadeiro que na vida cotidiana e, ao mesmo tempo, mais falso. (ROUCH e MORIN in DA-RIN, 2006, p.154)

A proposta do cinema verdade entendia que o próprio conceito de documento era uma fabricação. Produzir um evento e registrá-lo é produzir uma realidade fílmica. “Quer se respeitar o documento, mas não se pode evitar fabricá-lo. Ele não preexiste à reportagem, mas é o seu produto”. (COMOLLI, in

(29)

1.3 O cinema e a pós-modernidade

Os trabalhos de Jean Rouch vão indicar algumas novas perspectivas que se distanciam das ideias de representação da realidade.25 Existe um desligamento ou até mesmo a superação dessa problemática: “O mundo não é tomado como modelo do filme e, por conseguinte, o filme não se pretende espelho do mundo.” (DA-RIN, 2006, p.167) O ideário modernista sofrerá um forte abalo nas décadas de 1970 e 1980 devido às questões ligadas ao pós-modernismo, tais como a descrença no próprio conceito de realidade (sobretudo nos meios de comunicação) e a queda das grandes explicações totalizadoras dos processos históricos, como as teorias marxistas.

Em substituição à crença em grandes esquemas interpretativos, implantava-se a performance como critério da legitimação do saber e dos comportamentos. Já não prevalecia a noção de que a verdade estaria em tal ou qual discurso, incluindo o científico; tornava-se corriqueira a ideia de que a verdade seria inalcançável e de que os jogos de linguagem definiriam o que prevaleceria ou não. (PUCCI, 2006. p.366)

O cinema está inserido em um contexto maior de grande ceticismo (para alguns, um grande cinismo) que define uma forma menos polarizada de compreensão mundo. Se o cinema de representação naturalista obscurecia a linguagem e as contradições sociais, as propostas modernistas, cada uma de uma forma própria - a montagem soviética, o neorrealismo, a Novelle Vague - tentavam desconstruir (ou reconstruir) o discurso cinematográfico, capacitando-o para uma crítica scapacitando-ocial nãcapacitando-o-alienante. Pcapacitando-orém ccapacitando-om a ccapacitando-onfiguraçãcapacitando-o pcapacitando-olítica que se forma no fim do século XX, negando as polarizações políticas e afirmando até mesmo o fim da história, as orientações artísticas sofrem um aparente esvaziamento político. De acordo com Jameson:

O modernismo se caracterizava pelo caráter explosivo, anticonvencional, subversivo em relação à ordem estabelecida, ao passo que o pós-modernismo manteria os traços formais de seu antecessor, mas se definiria como uma arte inofensiva. (JAMESON, 1995, p.124)

25 Outros trabalhos de Jean Rouch colocam essa problemática como tema central:

A pirâmide humana

(30)

As grandes polarizações deram lugar às lutas políticas “menores”.

Conceitos substantivos como “revolução” e “liberação” transmutaram -se em uma oposição fundamentalmente adjetiva: “contra hegemônico”, “subversivo”, “antagonista”. Em lugar de uma

macronarrativa da revolução, existe agora uma multiplicidade

descentralizada das lutas “micropolíticas” localizadas. (STAM, 2003, p.328)

Para a autora canadense Linda Hutcheon o pós-modernismo deve ser considerado como uma ampla formação cultural paradoxalmente ligada ao modernismo. Contrariando a visão daqueles que indicam o pós-modernismo como sendo apolítico, passivo ou mesmo reacionário, para Hutcheon o pós-modernismo tem sua origem exatamente nos controversos anos 1960, cuja tendência à contestação seria a semente de seu aspecto subversivo. O pós-modernismo é intrinsicamente paradoxal, constituindo-se por características opostas. Ao invés das oposições modernistas como; “novo versus antigo” ou “arte versus cultura de massas”, o pós-modernismo faria uma junção entre opostos, assumindo um caráter híbrido, plural e contraditório.

Os filmes pós-modernos seriam, portanto, híbridos de ilusionismo clássico e distanciamento modernista [...] recursos não-clássicos se articulam a fim de romper o que o senso comum admite como semelhante ao real, mas sem impedir espectadores comuns de acompanhar a narrativa. (PUCCI, 2003, p.373)

A aceitação da cultura de massas como arte legítima talvez seja um dos traços mais fortes do pós-modernismo.

O abismo entre modernismo e cultura de massas constituiria a grande divisão da cultura contemporânea, que estaria em vias de ser superada pelo pós-modernismo. É por isso que o filme pós-moderno evita destruir a relação com o grande público, ao contrário do que ocorre em Antonioni, Godard, Tarkovski e Glauber Rocha, todos modernos e vistos como cineastas difíceis. (PUCCI, 2003, p.374)

(31)

Muitos dos procedimentos de distanciamento caracterizados como reflexivos nos filmes de Godard são hoje típicos de muitos programas de televisão: a designação dos dispositivos (câmeras, monitores); a

“ruptura” do fluxo narrativo (pelos comerciais); a justaposição de

gêneros e discursos heterogêneos; a mescla entre o documental e o ficcional. Porém, em lugar de produzir efeitos de alienação, a televisão em geral simplesmente aliena. (STAM, 2006, p.330)

Portanto, quando dizemos que o neorrealismo mesmo sendo um movimento de pouca duração e pouca visibilidade, em termos de sucesso de público, acabou servindo de base tanto para os novos cinemas políticos, quanto para o cinema naturalista hollywoodiano, entendemos que essa absorção ocorre devido ao esvaziamento e à ambiguidade própria do

pós-modernismo. “O cinema clássico permanece hegemônico, adaptado aos novos

tempos, incorporando à sua maneira recursos modernistas, como a câmera na mão, antes um escândalo, agora presente em filmes comerciais.” (PUCCI, 2003, p.376)

Se por um lado podemos dizer que o pós-modernismo se utiliza dos procedimentos modernistas em obras sem a proposta política anterior, por outro, devido ao seu caráter ambíguo, não podemos considerar que a arte pós-moderna simplesmente seja submissa à cultura de massas:

O filme pós-moderno opera com elementos do cinema de entretenimento, do videoclipe e da propaganda, mas não se trata de submissão a tudo isso. O ar respeitoso para com produtos da mídia

não deve ser confundido com “homenagens”, uma vez que se

empreende também sua subversão. O cinema pós-moderno, mesmo ao incorporar traços do noir, dos musicais e de outros gêneros, ou de qualquer mídia tido como comercial, joga com eles e faz com que a combinação com elementos distanciadores produza a quebra do ilusionismo e a revelação de que os originais constituem discursos. (PUCCI, 2003, p.374)

(32)

discriminação social, ainda que nele tudo seja mais uma questão de

performance cinematográfica que de objetividade na representação.” (PUCCI, 2003, p.376)

A contribuição mais importante do pós-modernismo é a ideia de que praticamente todas as lutas políticas contemporâneas são disputadas no campo de batalha simbólico da mídia. Em lugar do slogan dos anos 60 que afirmava que a revolução não será transmitida pela televisão, nos anos 90, tudo indica que a única revolução talvez tenha sido a televisiva (ou a cibernética). A batalha pela representação no campo dos simulacros reproduz a da esfera política, na qual os problemas de representação transformam-se em questões de voz ou de delegação. O aspecto mais negativo do pós-modernismo é sua redução da política a um esporte espectatorial passivo em que o máximo que podemos fazer é reagir a pseudo-acontecimentos (mas com efeitos sobre o mundo real), por meio de pesquisas ou programas interativos. Seu aspecto mais positivo, por outro lado, é a advertência de que novos tempos exigem novas estratégias. (STAM, 2006, p.336)

Retomando ao documentário, agora podemos ter uma melhor percepção de como as propostas do cinema-verdade de Jean Rouch e Edgar Morin serviram como uma espécie de ponte entre os modelos modernista e pós-modernista. A reflexividade, a ambiguidade, o antiilusionismo e os questionamentos sobre os limites entre ficção e documentário resultaram em filmes que deslocam a crítica à estrutura para a (des)construção dos discursos sociais. Isso não constitui uma hegemonia desse procedimento, mas talvez sua forma mais elaborada e debatida nos últimos anos. Essa forma reflexiva, trazendo o documentarista para frente da lente, também trouxe credibilidade para os documentários que não necessariamente apresentem uma posição crítica frente ao mundo.

Como sabemos a televisão transformou este recurso no dispositivo

privilegiado da reportagem, garantia da “verdade”, marca da presença do repórter na “cena viva” dos acontecimentos da atualidade. A mistificação do “documento autêntico” pelo telejornalismo tornou cada vez mais evidente a insuficiência da exibição das “condições da

experiência” para se atingir uma dimensão verdadeiramente crítica do

documentário. Tanto quanto na ficção, mostrar os aparelhos com que se faz o filme ou permitir que o realizador seja visto podem se transformar em marcas de estilo como outras quaisquer, conservando ou mesmo reforçando um modo de representação baseado no ilusionismo. (DA-RIN, 2006, p.183)

(33)

ater ao fato de que essas propostas mais contemporâneas não eliminaram os outros modos documentários. Existem diversas abordagens documentárias, e cada proposta atinge seus objetivos de acordo com seus procedimentos. De qualquer forma é importante perceber que o documentário, mesmo com todas as suas formas reflexivas mais recentes afastando-o de ser um “representante” da representação do real, ainda mantêm sua aura de “verdade”.

A alegação de que o documentário é dotado de uma “essência realista” e proporciona um acesso direto à “realidade” costuma estar

presente em filigrana nos projetos dos filmes e no discurso dos cineastas, desde a captação de recursos até a campanha de lançamento para o público. Ainda que boa parte dos realizadores reconheça teoricamente a fragilidade deste mito, só recentemente esta consciência começou a ser levada às últimas consequências. (DA-RIN, 2006, p.184)

(34)

Capítulo II

O documentário e o falso documentário

_______________________________________________________________ 2.1 - O documentário e os blocos conceituais

Podemos realizar o estudo das narrativas documentárias sob a perspectiva de uma significativa tradição reflexiva, capaz de nos fornecer um panorama das propostas de compreensão da prática documentária. De acordo com Teixeira (2004) podemos identificar três grandes blocos conceituais no referencial analítico na história do documentário:

1) O pensamento dos chamados fundadores ou do “documentário clássico”, compreendido no período entre as duas grandes guerras do século passado. Esse bloco é marcado pela falta de uma univocidade reflexiva, fazendo com que cada documentarista propusesse uma reflexão sobre sua atividade. Robert Flaherty26 considera a observação participante, através dos temas e personagens nativos; John Grierson27 concebe um documentário social como “tratamento criativo da realidade”; Alberto Cavalcanti28 dedica

pesquisas pioneiras sobre o som ambiente no documentário; Dziga Vertov29

propõe o “cine-olho/cine-verdade” como ampliação do campo perceptivo

humano; e houve outras propostas que mesmo partindo de uma base comum de significação sócio/pedagógica podiam divergir de forma radical em termos estéticos, técnicos e éticos.

2) O documentário “moderno” do pós-segunda guerra, também

conhecido como “cinema verdade” (proposto por Edgar Morin em 1963) ou

“cinema direto” (proposto pelos jornalistas da Drew Associates), propunha uma

nova técnica de captação da realidade, (câmeras leves e som sincronizado), um método de captação (filmagem ao natural, personagens reais não profissionais, abolição do tripé, roteiro mínimo ou sua ausência), e uma estética ligada a uma perspectiva ligada à “realidade” (a “estética do realidade”)

26 FLAHERTY, Robert Joseph. “La función del ´documental´”. In: Ramió, Joaquim Romaguera e Thevenet, Homero Alsina (orgs.). Fuentes y documentos del cine. La estética. Las escuelas y los movimientos.Barcelona, Fontamara, 1985.

27 GRIERSON, John. “Postulados del documental”. Idem 28 CAVALCANTI, Alberto.

Filme e realidade. Rio de Janeiro, Artenova/Embrafilme, 1976.

29VERTOV, Dziga. “Nascimento do cine-olho” In: Xavier, I. (org)

A experiência do cinema. Rio de

Referências

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