Prof. Dr. Adriane Roso
2009/
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA – UFSM
Centro de Ciências Sociais e Humanas Departamento de Psicologia
Psicologia da Saúde
modelo clínico de intervenção
falta de autonomia
subordinação ao saber médico
conceito de saúde = uma extensão das
definições propostas pela medicina; práticas
da psicologia sustentavam-se no modelo
“O que nos pode dizer a psicologia quanto à
responsabilidade frente à saúde coletiva?”.
responsabilidade = não estou sozinho no
mundo e que tenho que prestar contas dos
meus atos; tenho que cumprir meus
compromissos assumidos frente à sociedade
O que vamos discutir hoje...
(1) Contextualização histórica: “O mundo em que vivemos:
situando historicamente a problemática”.
(2) “Cosmovisões e Práticas Diferenciadas”: individualista
liberal e a comunitário-solitária - influenciam o modo de pensar e definir saúde/doença e o próprio cotidiano do psicólogo
como diferentes formas de se ver o mundo implicam práticas psicológicas e modos de conceituar saúde/doença distintos
(3)“Tipos de psicologia social: desdobramentos para o
cotidiano da psicologia da saúde”: psicologia social psicológica e psicologia social sociológica.
(4) “Ciência utópica e crítica: uma proposta de ação em
psicologia da saúde” - modelo de psicologia social da saúde que se sustenta na forma sociológica = traz na centralidade de seu método a análise das relações de poder imbricadas no campo da saúde e o estímulo da ética do cuidado.
Política x Modelo Predominante na
Psicologia
Mundo ocidental a democracia liberal Brasil (1964) -ditadura militar.
Psicologia – modelo importado da EUA e Europa Crise econômica (anos 70) - psicólogos clínicos
postos de saúde, comunidades
Conscientização de que o trabalho clínico era limitado - não produzia
modificações numa sociedade cada vez mais carente e empobrecida
Psicológico precisava ser correlacionado ao cultural, ao social e ao
político.
Crítica ao modelo assistencial-privativista
Crítica ao modelo asilar = desospitalização da assistência
psiquiátrica e desenvolvimento de redes de serviços substitutivos que fossem mais eficazes e de menor custo social (Movimento Sanitarista)
Não é exclusivamente o locus de ação que determina o modus
operandi das pessoas, mas sua visão de ser humano e mundo
Visão de Mundo
como alguém enxerga, percebe, e interpreta as
pessoas e as coisas que o rodeiam, ou seja, é
como alguém dá sentido e significado àquilo que
o cerca.
construída a partir de uma prática, de um
“colocar-se” no mundo; é uma construção
dialética entre enxergar, perceber e agir.
pessoal, intransferível e subjetiva, mas passa, ao
mesmo tempo, pela subjetividade social.
pessoa = resultado de uma série de elementos
biológicos, genéticos + resultado das milhares
de relações que ela estabelece com o mundo
“Ao buscar um sentido para o meu mundo vivido,
para o meu cotidiano, vou construindo modos de
conceber e de interagir com o outro; vou construindo uma filosofia de vida que sustenta e justifica a
concepção adotada. Vou adquirindo convicções no meu modo de agir e defendendo-as, consciente ou
inconscientemente. Assim, o modo como compreendo o mundo vai delineando o modo como vou tratar as pessoas, como vou me comportar, como serão
minhas atitudes. O meu "eu" (as minhas decisões, o meu posicionamento diante de outros ethos) vai ter como colchão o social, isto é, ele está sempre
inserido em um contexto que é construído histórico-culturalmente. É algo que está colado ao social, às representações sociais” (Roso, p. 122).
Desafios/Problemas
Como devo agir em dada situação?
Devo falar sempre a verdade?
Preciso respeitar aquelas pessoas que não me
respeitam?
É certo negar atendimento àquelas pessoas
que não podem pagar? É certo sugerir o
aborto? É certo uma análise interminável?
Respondendo...
devo-ou-não-devo, certo x errado - sentido prático da
vida e temos que resolvê-las.
necessidade de pautar comportamento por normas,
regras, juízos de valor viver em sociedade, busca da felicidade.
Normas/ juízos de valores as pessoas compreendam
que têm o dever de agir desta ou daquela maneira e são aceitas no nível da subjetividade individual e
social ação moral.
refletir sobre a prática moral (campo de expressão
“teórica”:
ocorre a passagem do plano da prática moral para o da teoria moral, da moral efetiva, vivida, para a moral reflexa. Quando se verifica essa passagem, já estamos na esfera dos problemas éticos (Vázquez, 1999).
Ética
Ethos = “modo de ser”, “costume” ou “caráter”. adquiridas pelo hábito, costume: Uma pessoa não
nasce com uma moral ou com uma ética; ambas são construídas. Então, uma pessoa não nasce
preconceituosa, não nasce virtuosa, pois preconceitos e virtudes originam-se do conviver em sociedade
ética não se define pelo individual, pelo meu agir; ela
geral, ampla: Os problemas éticos caracterizam-se pela sua generalidade e os problemas morais são os que se apresentam nas situações concretas, no
cotidiano. A função fundamental da ética é explicar, esclarecer ou investigar determinada realidade
Consciência
o tipo de consciência desenvolvido permite o florescimento de
determinado tipo de ética, e tudo o que uma pessoa faz, passa pela consciência, que está em constante construção, e essa não é
descolada do ethos; a consciência e o ethos ocorrem simultaneamente; assim, por essência, o mundo é relativo à consciência.
Se o mundo é relativo à consciência, podemos assumir que somos
todos responsáveis pelas nossas ações, quer dizer, todos temos que responder às nossas ações.
Só que as respostas não são todas iguais, já que a consciência tem
níveis diversos
pode ser transformada e manipulada de acordo com os interesses de
algumas pessoas, ou grupo de pessoas (apropriação de capitais, dominação)
certos tipos de consciência – que vão gerar posturas éticas – são mais
estimulados e reforçados do que outros e estão relacionados a uma determinada visão de mundo.
instituição de práticas comuns e o incentivo de padrões de massa:
“quais são os fundamentos que estão por trás disso? Quais os fundamentos que constroem o mundo dessa ou daquela maneira?
Cosmovisões
cosmovisão coletivista-totalitária
cosmovisão individualista-liberal
Cosmovisão individualista-liberal
liberdade do indivíduo está acima da liberdade da comunidade, Lebenswelt deixa de ter força e importância, e as subjetividades
características de cada comunidade foram engolidas por uma teoria política liberal e transformadas em uma subjetividade individual e individualizante.
“indivisum in se” (indivíduo em si mesmo), isto é, alguém é um, único,
mas não apenas isso: é também o “divisum a quolibet alio” (separado de qualquer outra coisa), isto é, alguém que não tem nada a ver com os outros, está isolado de todo o resto.
liberalismo individualista
Relações guiadas pelo individualismo, egocentrismo e competitividade
solidariedade liberal, mascaramento nas relações ao invés de compreensão
e autocompreensão das diferenças, e legalização ao invés de participação
A ética, ao invés de libertar, fica limitada à natureza do individual e o modo
de viver foi construindo uma moral repleta de discriminações e moldando um mundo cada vez mais injusto.
democracia = delegação de poderes: o outro se vê no direito de decidir por
mim; normatização, leis que garantam a vida em sociedade,
Tipologias
Psicologia social
psicológica
Psicologia social
Psicologia Social Psicológica
Segue a linha de pensamento de uma sociedade
excludente e apoiada em uma ética liberal
Fascismo e a Segunda Guerra Mundial
pesquisas na psicologia social estimuladas
pelas necessidades do mercado - motivação, o
indivíduo, resolução de conflitos
Perspectiva cartesiana
modelo biomédico
O que se quer da psicologia social é que ela dê
conta disso e, dessa maneira, possa servir aos
interesses da sociedade capitalista.
Modelo Biomédico
Corpo como uma máquina, composto por
partes separadas e substituíveis, controladas
pela fisiologia e capaz de ser “persuadido”
por agentes externos. Sob essa ideologia o
indivíduo tem sido isolado da sua esfera
social e dissecado em partes individuais. Esse
paradigma define a doença como um ataque
ao corpo físico (Petersen, Heesacker, &
Schwartz, 2001) e aos seus subcomponentes
(Martin, 1990).
Visão atenção secundária
(tratamento)
prevenção não leva em conta
a subjetividade enquanto uma fabricação, uma
construção social, e objetiva a diminuição e erradicação de algo específico: a doença
hierarquização entre
profissional da saúde e
paciente, onde o primeiro é o detentor do saber (ou aquele que ensina) e o segundo o doente (aquele que aprende).
O investimento em novas
tecnologias e novos medicamentos.
Nada errado por enquanto… mas eu tenho certeza de que se nós
Psicologia Social Sociológica (Características 1)
desvinculada da perspectiva cartesiana
sugere a construção de um espaço de
intersecção onde o indivíduo e a sociedade
são vistos como relacionais e
Empório Celestial de
Conhecimentos Benevolentes
O Idioma Analítico de John
Wilkins – Um ensaio de Jorge Luis Borges, publicado pela primeira vez na coleção “Otras
Inquisiciones”. Recorte de uma enciclopédia chinesa: Empório Celestial de Conhecimentos Benevolentes. Citado por
MANUAL DE FONOAUDIOLOGIA
CRITÉRIOS DE RISCO PARA ALTERAÇÃO NO DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES ORAIS:
AFECÇÕES NEUROLÓGICAS:
– Alterações nas funções de mastigação, deglutição, fonação e comunicação associados a acidentes cerebrovasculares, traumatismo cranioencefálico, distúrbios degenerativos (Alzheimer, Parkinson, Esclerose Lateral Amiotrófica) e desmielinizantes (Esclerose Múltipla).
– Sinais neurológicos ou alterações dos exames laboratoriais em pacientes com exposição a produtos químicos (solventes, metais pesados, outros).
ALTERAÇÕES OROFACIAIS:
– Desvios nas funções de mastigação e deglutição, avaliadas previamente pelo especialista: buco-maxilo, otorrino.
– Alteração nas funções orofaciais em tratamento ortodôntico.
ALTERAÇÕES NA VOZ E FALA:
– Gagueira.
– Alterações de voz (hipo ou hipernasalidade, rouquidão por mais de 15 dias não associado a quadro gripal), avaliada previamente pelo otorrinolaringologista.
– Pacientes em uso de sonda (nasogástrica / orogástrica), laringectomizados (parcial ou totalmente) ou gastrostomizados.
Psicologia Social Sociológica (Características 2)
o saber é sempre obra de uma comunidade
humana e, portanto, deve ser entendido no plural.
Não há uma forma de saber apenas, mas muitas.
(…). Daí que o saber é uma forma heterogênea,
cuja racionalidade e lógica não se definem por
uma norma transcendental, mas devem ser
avaliadas em relação ao contexto psicossocial e
cultural de uma comunidade” (Jovchelovitch,
2004, p.28).
polifasia cognitiva: pessoas lançam mão de um ou
de outro saber dependendo das circunstâncias e
dos interesses particulares em que se encontram.
Saúde/Doença
construção social, que está intrinsecamente relacionada à ideologia e à
cultura de cada comunidade em específico
corpo como nos movimentamos, o que comemos, os medicamentos que
ingerimos, os rituais de autocuidado cotidianos um agente da cultura: poderosa forma simbólica, uma superfície na qual as normas centrais,
as hierarquias e os comprometimentos metafísicos de uma cultura são inscritos e, assim, reforçados através da linguagem corporal concreta. O corpo também pode funcionar como uma metáfora da cultura
( Douglas, 1982).
Doença
forma de comunicação a linguagem dos órgãos através da qual a natureza, a sociedade, e a cultura falam simultaneamente (Scheper-Hughes e Lock, 1987).
indicador da ideologia vigente sobre o adoecer e os doentes em uma determinada sociedade.
deixa de ser somente uma experiência individual = fenômeno coletivo sujeito às forças ideológicas da sociedade, possibilitando o confronto entre o significado (social) da experiência e o sentido (pessoal) que lhe
A atenção primária (promoção de saúde)
Promover saúde = objetivar a diminuição e erradicação
da doença + facilitar o desenvolvimento da ação política das pessoas, de modo que o espaço público pertença
efetivamente, também, às pessoas excluídas.
prioriza o trabalho em comunidade, a relação dialética
entre as pessoas que trabalham diretamente com saúde e aquelas que não trabalham, e ação política das
pessoas que vivem na comunidade.
Busca-se conscientizar as pessoas que vivem na
comunidade para que elas batalhem pela sua dignidade.
O investimento intra-comunitário e intercomunitário
Adeus –disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos. (...). Foi o tempo que perdeste com a tua rosa que a fez tão importante. (...). Os seres humanos esqueceram essa verdade. (...) Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável
Por uma Psicologia Social Crítica...
ser humano como pessoa-relação,
Dialogicidade (interdisciplinar)
valorização dos saberes populares,
socialmente construídos e partilhados
(representações sociais)
Utopia
análise das relações de poder
ética do cuidado
Pressupostos
1.
Utopia
Utopia
“exploração de novas possibilidades e vontades humanas,
por via da oposição da imaginação à necessidade do que existe, só porque existe, em nome de algo radicalmente melhor que a humanidade tem direito de desejar e porque merece a pena lutar. A utopia é, assim, duplamente relativa. Por um lado, é chamada a atenção para o que não existe
como (contra)parte integrante, mas silenciada, do que existe. Pertence à época pelo modo como se aparta dela. Por outro lado, a utopia é sempre desigualmente utópica, na medida em que a imaginação do novo é composta em
parte por novas combinações e novas escalas do que existe. Uma compreensão profunda da realidade é assim essencial ao exercício da utopia, condição para que a radicalidade da imaginação não colida com o seu realismo” (Santos,
1996p.323).
acreditar que o ser humano tem o desejo de viver sob a
(Novo) Paradigma das Ciências
câmbio no nível de consciência consciência crítica critica constantemente da ciência per se e alguns
conceitos estanques que estão concatenados e amalgamados no tempo
humildade frente às teorias, aos fatos e às pessoas Pensar e fazer política via abertura de espaço para
a discussão de uma nova ética (ética crítica e propositiva)
Cientista = igual mas plural, racional
Conscientizar
uma proposta dialógica no qual o psicólogo refaz,
constantemente, seus atos cognoscentes, na
cognoscibilidade da pessoas excluída. As pessoas, ao invés de serem recipiente dócil, devem ser
investigadoras críticas, em diálogo com o psicólogo, investigador crítica também (Freiriano)
tenta-se capturar sua Weltanschauung, sua visão de
mundo. É um modo de ajudar as pessoas a
engajarem-se na construção da sociedade e ser orientadas para a mudança social (Guareschiano)
humildemente podemos problematizar, compreender
e mediatizar a reflexão crítica do outro e a nossa, mostrando as contradições existentes nas falas, no cotidiano, no mundo como um todo
De “Como a categoria psicólogo e outras
categorias que trabalham com saúde podem dar
conta, ao mesmo tempo, do real e da utopia,
particularmente em um mundo onde vigora a
(in)tolerância, a falta de consciência crítica e a
liberdade calcada em uma filosofia liberal?
Dois Caminhos...
(A) Analisar as relações de poder
imbricadas no campo da saúde; e
(A) Análise das Relações de poder
A pessoa participante não apenas deve servir de fonte para
enxergarmos as desigualdades, mas ela própria deve ser a “analisadora” de seu processo, já que ela é possuidora de um saber extremamente importante.
Propiciar que as comunidades façam as perguntas
movimento duplo por parte do pesquisador: ao mesmo
tempo em que se deve respeitar o senso comum, como alerta Moscovici (1972), temos que desconfiar da
sabedoria popular.
Perguntando como determinado “corpo de conhecimento”
relacionado à saúde/doença se tornou socialmente
estabelecido como a realidade certa, verdadeira no nosso cotidiano.
análise das relações de dominação: (1) preocupação com os
Macropoderes
Micropoderes
Desvelar a ideologia por
trás das instituições de saúde, desvelando as relações de poder
“Quem fala o que para
quem?”
“Como as coisas
acontecem?”
“Como os operadores
de dominação
constituem sua fala?”)
Estudar o corpo e os
efeitos sobre ele
dissecar as relações de
poder e a produção de saberes sobre a doença e a saúde
fazer um estudo dos
poderes-saberes que se apoiam em uma
cosmovisão individualista-liberal.
PROTAGONISMO SOCIAL: só seremos capazes de realizar
uma análise crítica profunda se tomarmos para nós o
processo de gestão. Precisamos ser protagonistas/autores dos processos de gestão e não meros observadores, e
contribuir na construção das políticas públicas de saúde de
(B) Estimulo da Ética do Cuidado
relação amorosa para com a realidade, no qual as
desconfianças são anuladas e sossego e paz são conferidos a quem o recebe.
se orienta na defesa da vida e das relações solidárias
e pacíficas entre os seres humanos e com os demais seres da natureza
pressupõe uma relação, e essa relação não deve ser
de domínio sobre o outro, mas de con-vivência; se dá na "inter-ação e comunhão" ;
permite que o ser humano desenvolva a dimensão de
alteridade, de respeito, das relações de afeto (Boff, 1999).
AMOR E RESPONSABILIDADE
PROFISSIONAL
“Quando eu digo ‘amor’ nesse momento, eu não
estou falando sobre emoção afetuosa. (...). Não faz sentido instigar as pessoas, as pessoas oprimidas, a amar seus opressores em um sentido afetuoso. Eu estou falando de algo muito mais profundo. Eu estou falando sobre um tipo de entendimento,
criativo, que resgata a benevolência para todos os seres humanos” .
Martin Luther King (1963)
“Quando a gente ama é claro que a gente cuida.
Fala que me ama só da boca pra fora. Ou você me engana ou não está maduro...”.
“eu me amo (cuido), você se ama (cuida) e nós nos