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Mestrado em Direito Penal

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

André Renato Servidoni

Delineamentos da Responsabilidade Penal Individual na direção de Empresas

Mestrado em Direito Penal

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

André Renato Servidoni

Delineamentos da Responsabilidade Penal Individual na direção de Empresas

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito Penal, sob a orientação do Professor Doutor Dirceu de Mello.

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Comissão Julgadora

______________________________________

______________________________________

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13

Dedico este trabalho primeiramente a meus pais Agostinho e Marlene

que,

embora junto de Deus, me

acompanham espiritualmente.

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"Para encontrar a justiça, é necessário ser-lhe fiel. Ela, como todas as divindades, só se manifesta a quem nela crê"

(6)

15

SINOPSE

O direito penal evoluiu muito com o passar dos anos.

Calcado inicialmente na responsabilidade objetiva, prescindia da

discussão da devida culpa para punir o agente criminoso. Porém,

percebeu que esta responsabilização era inconsistente e, assim,

iniciou o estudo da responsabilidade subjetiva, atualmente presente

em nossa legislação, inclusive no âmbito constitucional.

Sendo assim, o objetivo deste trabalho foi abordar a

evolução da culpabilidade, inicialmente pela doutrina estrangeira e,

posteriormente, na nacional, inclusive com conotação da legislação

pertinente.

Este estudo tem fundamental importância para o deslinde

dos processos em julgamento, principalmente nos casos que

envolvam a punição dos responsáveis por empresas, quando estas

são acusadas de alguma infração penal, isto porque o Poder

Judiciário, em algumas oportunidades, dispensa o estudo sobre a

culpabilidade de cada agente na condução destas pessoas jurídicas,

imputando a responsabilidade sobre eles de forma generalizada,

ferindo, conseqüentemente, o princípio da culpabilidade.

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ABSTRACT

Penal law had a great evolution with the years.First

basedon the objective responsibility, it did without the guilt to punish

the criminal agent. However, this responsibility was not consistent and

therefore, it starts the subjective responsibility study, present in our

legislation currently, including the constitional sphere.

Therefore, the purpose of this work was to broach the guilt

evolution, first through the foreign doctrine legislation connotation.

This study is important for the lawsuit under process

conclusion, mainly in the cases wich the responsible for companies

punishment when they are charged with some penal lawsuit because

the judicial power, disenses the study about the guilt of each agent in

some opportunities attributing the responsibility for them in a

widespread way, injuring the culpability principle.

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Agradeço a toda a minha família, notadamente a minha avó Doracy, irmã Mônica, meu sogro José Mauro

e sogra Regina pelo apoio

incondicional.

Não poderia deixar de registrar meu agradecimento eterno ao meu orientador Prof. Dr. Dirceu de Mello pela atenção e oportunidade.

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18

SUMÁRIO

Resumo

Introdução... 10

Problemática e Objetivos-... 13

Metodologia - ... 14

Capítulo I – Culpabilidade – Histórico e Evolução Doutrinária 1.1 – Noção histórica... 15

1.2 - A culpabilidade pela doutrina estrangeira... 20

1. 2.1– Das concepções: normativa e psicológica... 26

1. 2.2 – Da culpabilidade: pelo fato singular e pela conduta na vida.... 32

1.2.3 - Da culpabilidade: personalidade e capacidade para delinqüir... 35

1.2.4- Culpabilidade e periculosidade... 37

1.2.5 – Concepção da culpabilidade na doutrina finalista... 39

1.2.5.1 – Elementos da culpabilidade, segundo a doutrina finalista. 46 Capítulo II - A Culpabilidade no Brasil 2.1-Evolução doutrinária... 53

2.2 – Evolução legislativa... 58

2.2.1.– Do fundamento constitucional... 58

2.2.2 – Apontamentos relativos às teorias constitucionalistas do Direito penal... 61

2.2.3 – Dos princípios constitucionais do direito penal... 62

2.2.4 – Da culpabilidade nas Constituições Brasileiras... 71

2.2.5 – Análise da culpabilidade nos Códigos Penais Brasileiros... 74

Capítulo III – Culpabilidade e Responsabilidade Penal 3.1 – Delineamento da culpabilidade e responsabilidade penal... 87

3.2 – Responsabilidade penal da e na empresa... 90

3.3 – A individualização da responsabilidade penal nos crimes cometidos por meio da empresa... 93

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3.5 – Questões processuais... 99

3.5.1 – Denúncia genérica... ...100

3.5.2 – Individualização da pena... 104

3.5.3 – Responsabilidade penal da pessoa jurídica... 107

Considerações Finais... 111

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INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como finalidade tecer algumas considerações sobre a teoria da culpabilidade aplicada nos “crimes empresariais”, com reflexos nas obrigações e responsabilidades empresariais.

O direito penal, de cunho eminentemente individual, tem se alterado com o passar do tempo. Observa-se especificamente que a partir da Revolução Industrial, houve um avanço nos novos centros de mão-de-obra – a empresa – e, com ela, seu estudo dentro do seio jurídico. A empresa sendo uma das fontes essenciais do modo de ser das comunidades das atuais sociedades pós-industriais é o lugar onde ou por onde a criminalidade econômica pode advir.

Conseqüentemente, cresce a importância do, assim chamado, Direito Penal Econômico, hoje, um fenômeno notório e de escala mundial. Neste sentido, há uma ampliação da intervenção do direito penal sobre novas áreas das atividades econômicas desenvolvidas, notadamente, pelas empresas.

Assim, os delitos econômicos estão se alterando e criminalizando cada vez mais as condutas sociais, com vários propósitos, entre eles, a ânsia de o Poder Público em angariar mais recursos para seus cofres, ou até com o propósito ilusório de manter a “paz social”, esquecendo-se de que cada conduta criminalizada significa uma liberdade a menos para os cidadãos.

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Recentes alterações legislativas dão mostras deste intuito, por exemplo, as Leis 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), 8.137/90 (Crimes contra a Ordem Tributária), 9.605/98 (Crimes contra o meio-ambiente) e 9.983/00, que acrescentou os artigos 168-A e 337-A no Código Penal.

Por outro lado, a pessoa jurídica, em algumas circunstâncias, é instituída e utilizada para a prática de crimes, utilizando-se os agentes da dificuldade de identificação da responsabilidade na condução da empresa.

Neste aspecto, deve ser lembrado que a globalização possibilitou a criação e surgimento de grandes empresas multinacionais dentro de nosso território, sendo certo que as dificuldades operacionais de punição a condutas transnacionais são evidentes, o que pode ser um caminho para a impunidade.

Entretanto, em quaisquer dos casos, a responsabilidade penal deve ser altamente discutida para se evitar equívocos indesejáveis, assim, na instauração do inquérito policial, durante o processo e no julgamento da causa, a discussão sobre a culpabilidade deve ser evidenciada, até para que pessoas não participantes do ilícito penal não sejam processadas ou condenadas sem a necessária responsabilidade.

Desta forma, neste trabalho, abordaremos as questões mais importantes para o deslinde da culpabilidade, passando por uma análise na visão da doutrina estrangeira, nacional e, em seguida, delimitando a responsabilidade penal na atuação da empresa, dentro dos critérios exigidos pelo direito penal.

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13

PROBLEMÁTICA E OBJETIVOS

Embora admitida pela legislação e, muitas vezes, necessária, a

intervenção penal vem sendo aplicada, na maior parte das vezes, como a

prima ratio ao invés da ultima ratio, desrespeitando o princípio da intervenção mínima, propalado pela doutrina como um dos pilares do direito penal.

Assim, há por parte do Estado uma vontade desenfreada de criminalizar condutas com o objetivo de supostamente pacificar a sociedade.

Todavia, várias dessas condutas criminosas estão voltadas para a atuação empresarial, com objetivos arrecadadores, esquecendo-se o Estado de que possui os meios legais para a fiscalização e cobrança dos tributos devidos decorrentes desta atividade empresarial.

Além disso, os responsáveis por essas empresas, após incidirem em crime, são considerados co-autores e punidos de uma mesma forma, sem que o Poder Judiciário tenha prescindido da devida discussão a respeito dessa responsabilidade, pois cada sócio tem, normalmente, uma participação diferenciada no gerenciamento da empresa.

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METODOLOGIA

O método a ser empregado na elaboração do presente projeto foi escolhido de maneira a preencher os requisitos necessários para sua perfeita elaboração.

No que tange à coleta de dados, foi utilizado como material de pesquisa as legislações vigentes, revistas especializadas, jurisprudência, bem como a doutrina referente ao assunto.

Foram, ainda, adotados os seguintes procedimentos: levantamento dos pontos importantes do trabalho, análise do material coletado, desenvolvimento do texto e conclusões acerca dos problemas detectados.

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Capítulo I

Culpabilidade – Histórico e evolução doutrinária

1.1- Noção histórica

A história da culpabilidade sofreu considerável evolução no decorrer da história da humanidade. Por culpabilidade, no aspecto histórico, devemos analisar a responsabilidade penal, uma vez que o conceito técnico de culpabilidade é bem recente, com implicações diretas na justificação do próprio direito de punir do Estado e na finalidade da pena.

Como assevera Francisco Assis de Toledo, o direito penal, em sua origem, foi de cunho eminentemente intimidativo1.

A pena criminal assim entendida como instrumento de intimidação e de prevenção geral só adquire algum sentido se estiver presente a noção de evitabilidade do fato praticado.

Nos tempos primitivos, a responsabilidade penal estava ligada tão somente a uma relação de causalidade com o fato, isto é, a responsabilidade penal era objetiva, onde desconsiderava-se a existência de alguma ligação, além da simples causalidade física, entre o fato causado e o agente.

Na fase arcaica e jusprivatista do direito penal, quando a pena era considerada “vingança de sangue”, encomendada como direito-dever à parte ofendida e ao seu grupo familiar, a responsabilidade penal equiparava, solidariamente, o ofensor e seus parentes, como conseqüência quase

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exclusiva do elemento objetivo da lesão, e não da imputação direta a seu

autor, nem sequer das suas intenções. 2

Na verdade, acreditava-se que a paz era uma dádiva assegurada pela vontade dos deuses e que o infrator deveria ser punido para satisfação da vingança divina, pouco importando se teve culpa ou não.

Em um momento posterior, surgiu a Lei de Talião, que acabou sendo adotada no Código de Hamurabi e pelos hebreus, bem como a Lei das XII Tábuas, que podem ter representado, a seu tempo, uma certa evolução nos costumes, posto que, embora expressão de vingança, o castigo estava limitado à ofensa praticada e era disciplinado pelo poder público.

Na Idade Média, fortemente influenciada pela filosofia cristã, a justiça passou a ter como base o livre-arbítrio, onde todo homem era livre para decidir entre o bem e o mal, sendo o crime um pecado derivado da vontade humana, assim, não se justificava uma punição a quem não agia com dolo ou culpa, nem de modo reprovável na causação de um resultado, portanto, o nexo meramente causal entre a ação e dano já não era mais suficiente.

Essa concepção da culpabilidade atrelada à intencionalidade da ação, desenvolvida pelo pensamento iluminista, onde a vontade humana era a base do direito penal, foi integralmente acolhida pela Escola Clássica, que, como se sabe, especialmente em Carrara, fundava a responsabilidade penal no livre arbítrio e entendia a pena com caráter meramente retributivo, ao contrário da Escola Positiva, criada por Lombroso, que defendia que a criminalidade derivava de fatores biológicos, contra os quais era inútil o homem lutar.

2

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É claro que esta evolução histórica da culpabilidade contém algumas concepções extravagantes que vicejaram em determinadas épocas e locais, como por exemplo, a responsabilização de animais e coisas. Neste sentido, FERRAJOLI explica que:

“a igualdade e a identidade subjetiva de todos os seres humanos no âmbito penal é uma conquista relativamente recente. Assim, por exemplo, e deixando de lado os diferentes privilégios e imunidades penais que abundam no direito pré-moderno, as mulheres têm sido, por muito tempo,

consideradas inferiores, sujeitas à

responsabilidade atenuada “quia minus rationis habent, quam masculi”.3

Assim, com o passar do tempo e com o aprimoramento da cultura, começou-se a perceber a diferença existente entre a evitabilidade e a inevitabilidade de um dano, bem como que este fato residia no interior do ser humano.

Este descobrimento deu origem à previsibilidade e à voluntariedade do resultado danoso e, a partir de então, foram iniciados os estudos sobre a culpabilidade, dentro do chamado “elemento subjetivo”.

Na verdade, não se pode apontar com exatidão o momento histórico em que tal fenômeno ocorreu. Fora de dúvida, porém, é que, deste fato, é que começou a ser construída a noção de culpabilidade, com a introdução, na idéia do crime, de alguns elementos psíquicos, ou anímicos – a previsibilidade e a voluntariedade – como condição da aplicação da pena criminal – nullum crimem sine culpa.4

Por outro lado, não se pode olvidar que, concebida normativamente como reprovabilidade pelo fato cometido, a culpabilidade

3 Ibidem, p. 390 4

(19)

18

carregou e carrega evidentes conotações éticas, mesmo porque a culpa é um juízo indicativo de desvalor ou demérito moral e social.

Neste diapasão, BETTIOL assevera que:

“na concepção teleológica do direito penal é sempre lesão do bem jurídico que assume relevo e função de critério diretivo, porque a culpabilidade adquire também um conteúdo e um significado somente quando posta em contato com o mundo dos valores tutelados. Não há culpabilidade vazia de conteúdo, mas há uma culpabilidade em razão do que foi realizado. A culpabilidade, como juízo de reprovação, postula sempre uma coisa qualquer em relação à qual se endereçava a vontade que se considera reprovável.”5

Porém, essa maior ou menor conotação moral está ligada à missão e modelo do direito penal, que, numa primeira posição, apregoa uma intervenção ampla do Estado na vida social, até para uma conformação

moral dos cidadãos, ou uma função estritamente protetiva, como ultima ratio,

sem qualquer pretensão de transformação moral do homem.

É certo, ainda, que toda a teoria do delito evoluiu durante o passar dos tempos, sendo esta o fundamento básico para o direito penal e, conseqüentemente, da aplicação da pena.

Entretanto, a culpabilidade é um dos temas mais importantes dentro desta teoria, sendo muito questionada e debatida, ou nas palavras de

ZAFFARONI e PIERANGELI: “quando os alicerces de um edifício são mal

construídos, o problema mais árduo é conseguir que suporte os últimos andares da obra. Por essas razões, a culpabilidade é o mais apaixonante estrato da teoria do delito.”6

5 BETTIOL, Giuseppe.

Direito Penal, p. 320 6

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É claro que não é uníssono o entendimento acerca da culpabilidade, principalmente no que diz respeito ao seu conceito e posição jurídica, como poderá ser verificado durante este trabalho, mas é inegável a sua vital importância nos dias atuais, ou nas palavras do mestre ROXIN:

“Nenhuma categoria do direito penal é tão controvertida quanto a culpabilidade, e nenhuma é tão indispensável. Ela é controvertida, por uma série de mal-entendidos; indispensável, por constituir o critério central de toda imputação. Essa imputação de um acontecimento exterior a um homem determinado – e, no futuro, talvez a pessoas jurídicas – é o objeto único da dogmática jurídico-penal. É por isso que não pode existir direito penal sem princípio da culpabilidade; é possível conferir a este outra denominação, mas não se pode eliminá-lo.”7

Outrossim, a culpabilidade é o pressuposto necessário para a punição pelo Estado, ou melhor, “el principio de culpabilidad significa que la culpabilidad es um presupuesto necesario de la legitimidad de la pena estatal. A su vez, la culpabilidad es el resultado de uma imputación reprobatoria, en el sentido de que la defraudación que se ha producido viene motivada por la voluntad defectuosa de una persona.”8

Portanto, a culpabilidade evoluiu com o passar do tempo, sendo, atualmente, um dos pilares do direito penal e pressuposto para aplicação da pena, calcada no princípio nullum crimem sine culpa, onde a punibilidade está direcionada apenas nos atos intencionais, considerando injusta qualquer forma de responsabilidade objetiva ou sem culpa.

7 ROXIN, Claus.

A culpabilidade e sua exclusão no direito penal, Revista Brasileira de Ciências

Criminais, n. 46, p. 46

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1.2 – A culpabilidade na doutrina estrangeira

Será abordada a culpabilidade na visão da doutrina estrangeira, somente através de alguns doutrinadores, ante a complexidade do tema e a vastidão de posições doutrinárias.

Para a doutrina italiana, nos dizeres de BETTIOL, o princípio da

culpabilidade está ligado, a partir da Revolução Francesa, com as garantias fundamentais, embasando a constitucionalidade do Direito Penal com o brocardo latino nullum crimen sine culpa. Explica que “para que um fato constitua crime não basta que o sujeito-agente o tenha realizado materialmente, enquanto lesivo do bem juridicamente protegido, mas é necessário que o tenha realizado também culpavelmente. Em outras palavras, não há crime sem culpabilidade”9.

Assim, a culpabilidade é o principal elemento constitutivo do crime, onde se tem construído a idéia humana e moral da noção de delito. Na verdade, nem sempre fôra assim, pois em tempos remotos o direito penal

utilizou-se da premissa de um simples nexo objetivo de causalidade,

buscando estabelecer uma relação entre a ação humana e o evento, sem fornecer a menor importância à possível existência de um liame de caráter subjetivo-psicológico, que pudesse ligar o evento ou fato ao agente.

Desta forma, era aplicada a responsabilidade penal objetiva.

Buscava-se, assim, uma supremacia dos conceitos de lesão e dano

ocorrido, sem nenhuma análise das condições psicológicas da atuação do

agente. BETTIOL explica que “com o burilar do espírito humano, o legislador

percebeu que era errado colocar, no mesmo plano, o dano ocasionado pelo raio ou pelo animal e o produzido pela ação do homem. Enquanto os dois primeiros devem ser considerados inevitáveis, o último, pelo contrário, é evitável porque o homem pode prever as conseqüências do seu atuar e abster-se assim de agir em face delas”10.

9 Idem

, p. 317. 10

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21

Conseqüentemente, a argumentação feita por BETTIOL fez surgir a doutrina da imprescindibilidade de divisão entre um dano ocorrido mediante ação humana, de um elemento de formação psicológica e de um aspecto voluntário do fato ocorrido.

Nascem, portanto, às concepções psicológica e normativa da

culpabilidade, pois, até então, o direito penal prescindia do caráter culpável do delito, inclusive, no seu anseio de exercício do ius puniendi, considerava suficiente a vontade delituosa, sem a devida prestação ao evento lesivo. BETTIOL, então, leciona que o direito penal ficou dividido entre a doutrina da

concepção do evento e do resultado da ação, e a doutrina da concepção da

vontade delituosa. O que fez com que tal divisão ficasse conhecida como sendo “direito penal de fundo objetivo, o primeiro; de fundo subjetivo, o segundo”11.

A questão que surge de tal definição é que mesmo antes de uma análise do princípio da antijuridicidade, aufere-se o conceito e a existência da culpabilidade, desprezando-se o aspecto material do acontecimento, do fato.

Destarte, a idéia de auferir a culpabilidade ficou dividida entre a atuação estatal se efetivar seja diante da figura do delito de resultado ou de vontade. Podendo-se afirmar que uma atuação estatal em função da prática de um delito de resultado é bem mais democrática, é legitimante para o

sistema penal, já que se ausenta de uma atuação intempestiva, não

determinando uma limitação à liberdade de ação do agente. A essa

concepção BETTIOL chamou de concepção liberal.

Por sua vez, a atuação estatal em função da prática do delito de

vontade, que objetiva apenas a vontade delituosa do agente, desde o seu primeiro momento de exteriorização, caracteriza uma ação deslegitimada determinando o poder estatal de punição sem nenhuma preocupação com a análise de um evento lesivo. A essa concepção BETTIOL chamou de

concepção antiliberal.

Porém, para o jurista italiano, o melhor caminho a ser percorrido é o de uma idéia intermediária acolhida pela legislação. Diz ele: “o melhor

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caminho é o intermediário, que foi escolhido por nossa legislação. Nem de um lado a presença de um só evento lesivo independente da voluntariedade do próprio evento pode ser suficiente para estabelecer a responsabilidade penal, nem, de outro, a vontade que não seja exteriorizada num ato idôneo (tentativa) pode ser objeto de reprodução penal”12.

A última via, mencionada por BETTIOL, e acolhida pela legislação italiana, assim como pela brasileira, é a concepção resultante da combinação do delito de resultado com o delito de vontade delituosa. Porém, alerta BETTIOL que as legislações que adotam a concepção da vontade delituosa, independente de uma ação idônea, ou os chamados crimes de consumação antecipada, não significa uma substituição da concepção de lesão do bem jurídico pela da culpabilidade.

Já BATTAGLINI, entende a culpabilidade ou a culpa em sentido

lato, como sendo o segundo elemento do delito, diante de uma relação psíquica existente entre o agente e o fato, apontando sua previsão no Código Penal italiano. Na sua doutrina, busca por um entrelaçamento,

colocando a imputabilidade como pressuposto da culpabilidade. Assim como

BETTIOL identifica na legislação a adoção de um caminho intermediário, na

teoria do delito, entre crime de resultado e de vontade delituosa.

Leciona BATTAGLINI que “analisando-se o fato considerado pela

lei penal, verifica-se ser o mesmo constituído pela ação e pelo evento, que é o produto da ação. Se o agente tiver vontade consciente tanto da ação quanto do evento, haverá dolo; se, pelo contrário, o agente quiser apenas a ação, haverá culpa em sentido estrito. Dolo e culpa constituem as duas espécies fundamentais da culpabilidade”13.

Um ensinamento claro e irrefutável na doutrina de BATTAGLINI, é que não é possível discutir a culpabilidade sem antes realizar uma análise profunda da tipicidade. E, uma discussão da culpabilidade apenas é admitida mediante uma associação de análise do seu pressuposto que é a

12 Ibid., p. 319 13

Direito Penal – Parte Geral. Tradução por PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR e ADA

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imputabilidade. Portanto, só diante da constatação da imputabilidade é que se começa a discussão em torno da culpabilidade.

Para BATTAGLINI, o estudo da culpabilidade se refere a uma verificação quanto ao agente (concretamente) ter praticado uma ação em que estejam presentes os requisitos de natureza psíquica. Não se faz

necessária apenas a existência de uma causalidade material, mas também,

a presença de causas psíquica e moral.

BATTAGLINI, ao contrário de alguns outros autores, não considera a culpa como qualidade do agente. Para ele, a culpa deve estar, obrigatoriamente, relacionada com o fato. A qualidade do agente não é a culpa, mas sim, a imputabilidade. Provavelmente, o fundamento dessa afirmação de BATTAGLINI venha do ensinamento de que o importante é a ação humana. O direito penal deve se preocupar com a conduta do agente, pois é a ação que é criminosa e não o homem. É, simplesmente, a negação ao Direito Penal do autor.

Destarte, para BATTAGLINI, culpabilidade “é a relação psíquica entre o agente reconhecido (enquanto capaz

de entender e de querer) como válido destinatário da norma abstrata de conduta, e o fato por ele praticado em concreto.

Sabemos que o fato típico do delito é formado pela ação e pelo evento. Ora, a culpabilidade resulta exatamente de dois

elementos: um relativo à ação; outro, ao evento”14.

Neste sentido, CONDE explica que “a distinção entre antijuridicidade e culpabilidade, e, conseqüentemente, entre causa de justificação e causa de exclusão da culpabilidade, é uma das descobertas técnico-jurídicas mais importantes da ciência do direito penal em nosso século. Tal descoberta não é uma pura lucubração teórica, pois tem base no direito penal vigente e importantes conseqüências práticas.”15

Continuando, o jurista espanhol explica que não há

culpabilidade em si, mas culpabilidade em relação aos demais, isto é, a culpabilidade não é um fenômeno individual, mas social. Não é uma qualidade da ação, mas uma característica que se lhe atribui para poder imputá-la a alguém como seu autor e lhe fazer responder por ela. Portanto, tem um aspecto social, sendo produto da correlação de forças sociais

14 Op. cit., p. 251 15

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existentes em um determinado momento histórico, que define os limites do culpável e do não culpável, da liberdade e da não liberdade. Conseqüentemente, antes que psicológico, o conceito da culpabilidade tem fundamento social.

Por fim, a doutrina alemã, vem disciplinando a culpabilidade de uma outra forma.

WESSELS, ao elaborar seu estudo sobre a culpabilidade, parte de uma associação entre culpabilidade e censurabilidade pessoal, apontando o conceito normativo de culpabilidade, identificando os pressupostos e elementos da culpabilidade e as causas de exculpação.

Assim, diante da diferenciação entre injusto e culpabilidade

efetuada pelo Código Penal alemão, WESSELS vai dizer que, “enquanto que

no campo do injusto a ação punível é investigada em sua conformidade com as normas do dever da ordem jurídica, isto é, em sua ‘antijuridicidade’, no campo da culpabilidade trata-se da questão de se o fato antijurídico deve ser censurado pessoalmente ao autor”. Conclui: “culpabilidade é censurabilidade da formação e da manifestação da vontade”16.

Correspondendo ao aspecto humanista da Lei Fundamental, o

Direito Penal Alemão vai, então, buscar uma fundamentação no princípio da

culpabilidade e responsabilidade, sendo a pena pressuposto para a culpabilidade.

Daí, leciona WESSELS que “o fundamento do princípio da

culpabilidade e responsabilidade é constituído pela capacidade do homem, de se decidir livre e corretamente entre Direito e o Injusto. Só quando exista esta liberdade de decisão é que terá sentido se impor uma censura de culpabilidade contra o agente”17

16 WESSELS, Johannes.

Direito Penal – Parte Gera, p. 82 17

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25

Conclui o renomado autor que “culpabilidade significa, assim, a censurabilidade do fato com consideração sobre o ânimo ativo juridicamente repreensível”.18

A propósito, JESCHECK explica que “El principio de culpabilidad tiene em Alemania la consideración de pensamiento rector de la Justicia penal; la pena criminal solo puede basarse em la constatación de que cabe reprochar al autor la formación de voluntad conducente a la decisión del hecho, y tampoco puede superar nunca a la que el autor merezca según su culpabilidad..”

Continua o emérito jurista, “El principio de culpabilidad tiene como presupuesto lógico la libertad de decisión del hombre, pues solo cuando existe basicamente la capacidad de dejarse determinar por las normas jurídicas puede el autor ser hecho responsable de haber llegado al hecho antijurídico em lugar de dominar los impulsos criminales. Si toda actuación activa o pasiva se hallara definitivamente determinada, a semejanza de los sucesos naturales, por el efecto causal de fuerzas objetivas y sustraídas a la influencia de la voluntad, tendría tan poço sentido reprochar al hombre sus hechos como hacerle responsable de sus enfermedades. Pero, incluso si todas lãs acciones humanas, aunque no naturalísticamente, estuvieram psicologicamente fijadas de modo inevitable por las peculiaridades del carácter, la prevalência de los motivos concurrentes y los estímulos del mundo exterior, la pena no podría ser concebida como juicio de desvalor éticosocial, antes al contrario, debería recibir um significado neutral.”19

Por fim, WELZEL assevera que culpabilidade “é a

reprovabilidade da resolução de vontade. O autor podia adotar no lugar da resolução de vontade antijurídica – tanto se esta se dirige à realização dolosa do tipo como se não se aplica à direção final mínima exigida – uma resolução de vontade conforme a norma. Toda culpabilidade é, pois,

18 Idem, p. 84 19

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26

culpabilidade de vontade. Apenas aquilo que depende da vontade do homem pode ser-lhe reprovado como culpável.”20

Em apertada síntese, o exposto acima retrata a doutrina a respeito da culpabilidade na visão de renomados juristas estrangeiros.

1.2.1 - Das concepções: psicológica e normativa

A divisão clássica da culpabilidade – efetuada pela doutrina – é a

das concepções: psicológica e normativa.

A primeira concepção surge com Liszt e Beling quando a

doutrina volta seus estudos para o campo subjetivo da ciência penal, numa

análise dúplice de dolo e culpa. É a visão de buscar uma ligação existente

entre o fato ocorrido e o agente, é a chamada verificação do previsto ou do

querido, ou ainda, do não querido podendo ser previsto ou previsível,

apresentando-se como querido apenas a conduta praticada pelo agente.

Daí o magistério de BETTIOL acerca da concepção psicológica

da culpabilidade, “(...) se Fulano previu e quis a morte de Beltrano como conseqüência da própria ação ou omissão, afirma-se que há dolo; ao passo que se Fulano quis apenas a conduta da qual derivou a morte de Beltrano, prevista ou previsível, diz-se que há culpa. Portanto, o liame psicológico que une um evento ao sujeito agente pode ser doloso ou culposo: doloso quando foi previsto e querido; culposo quando o evento, não querido, é previsto ou ao menos era previsível. A concepção psicológica da culpabilidade fundamenta-se pois sobre um vinculo de caráter subjetivo que relaciona o fato ao seu autor, nos limites respectivos do dolo ou da culpa”21

Assim, o importante era o liame subjetivo que unia o autor ao fato típico e antijurídico, por meio do dolo ou culpa. Daí a afirmação, até os dias atuais, que a culpabilidade constitui o momento subjetivo do crime.

Na verdade, como explica Luiz Regis Prado, a teoria psicológica ou subjetiva reunia os elementos subjetivos do delito na culpabilidade, conforme uma orientação naturalista e considerava a imputabilidade como seu pressuposto, enquanto não afetava a relação psíquica entre autor e fato. Era característica determinante da noção de

20 WELZEL, Hans.

O Novo Sistema Jurídico-Penal, Tradução de Luiz Regis Prado, p. 88. 21

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27

culpabilidade, como elemento do crime, a rígida separação entre o objetivo e o subjetivo, sendo aquele equiparado à ilicitude e este último à culpabilidade propriamente dita. Era assim definida como o nexo subjetivo (psicológico ou psíquico) entre a vontade do agente e o resultado, apresentando como suas formas o dolo e a culpa. Essa orientação sofreu com o passar dos anos severas críticas. Em primeiro lugar, não ordenava sistematicamente a imputabilidade, que ora era pressuposto do dolo e da culpa, ora era pressuposto da pena; não explicava convincentemente a culpa inconsciente, onde era inexistente a relação psicológica; não era tampouco capaz de explicar adequadamente o estado de necessidade exculpante, visto que mesmo presente o dolo, não havia culpabilidade; não compreendia a culpabilidade como um conceito graduável e, por fim, agasalhava uma metodologia científica positivista naturalista e jurídica, já superada pela dimensão axiológica de cunho neokantiano22

.

No entanto, surge a concepção normativa da culpabilidade, que objetiva uma análise recheada por outros elementos que não apenas o do liame psicológico.

Segundo WELZEL, “o primeiro passo para a compreensão do

caráter normativo da culpabilidade foi dado por Frank (Aufbau dês Schuldbergriffs, 1907) e seguiram-no de pronto Beling (Unschuld, Schuldproblem, 1913), Freudenthal (Schuld und Vorwurf, 1922) e a doutrina majoritária”23

Na verdade, Reinhard Frank, ao analisar o dolo no caso do estado de necessidade exculpante, salientou que a culpabilidade não se esgotava no nexo psicológico entre o agente e o resultado. Desta forma, acrescenta à imputabilidade, ao dolo e à culpa, a normalidade e concomitância das circunstâncias nas quais o agente praticou conduta delitiva. Assim, a culpabilidade é reprovabilidade, como juízo de valor sobre o fato em relação ao seu autor, diante das circunstâncias reais em que agiu.

De seu lado, Freudenthal contribui para aperfeiçoar essa idéia, dizendo que a reprovabilidade da conduta depende da possibilidade de exigir-se do agente comportamento diverso do previsto na norma, o poder atuar de outro modo, assim, a inexigibilidade de outra conduta exclui a reprovação, servindo de base para exclusão de toda culpabilidade.

Essa concepção de culpabilidade, entretanto, ainda não havia determinado a exclusão do dolo e da culpa, que haviam deixado de ser entendidos como suas formas, para serem apenas seus elementos. Assim,

22

Curso de Direito Penal Brasileiro, p. 397. 23

(29)

28

poderia concorrer o dolo e faltar a culpabilidade quando existisse uma causa de exculpação, ou na culpa inconsciente.

Na verdade, a concepção normativa não se divorcia do vínculo psicológico como alguns autores – buscando sua eliminação – procuram dar a entender em seus escritos. Não quer também significar que a concepção normativa procure efetivar uma associação entre o liame psicológico com o caráter normativo de exigência da norma penal. A norma penal tem a sua exigência de valoração por essência, pois o direito penal é um sistema de

proteção de bens valorados. O que ocorre na concepção normativa da

culpabilidade, é que o vinculo psicológico continua a existir e de forma objetiva, no entanto, sua valoração vai ser determinada pela norma penal, no âmbito de uma hierarquia presente nesse sistema de valores.

O que a concepção normativa da culpabilidade descobriu é que

a culpabilidade é um juízo de reprovação, é uma situação de antítese entre vontade do agente e o preceito determinado pela norma penal. “Ela é o resultado da filosofia dos valores no campo do direito penal, daquela filosofia que, contrapondo o fato ao valor, não podia, numa ciência valorativa como a jurídico-penal, manter-se, a propósito da culpabilidade, atada a uma concepção psicológica e, portanto, naturalística. Não é o nexo psicológico como tal, mas a valoração deste nexo em relação às exigências de uma norma que dá significado à doutrina da culpabilidade”24.

O conceito normativo de culpabilidade fornecido por BETTIOL é no sentido de que “podemos, pois, definir a culpabilidade, sob o prisma normativo, como ‘um juízo de reprovação pessoal pela prática de um fato lesivo a um interesse penalmente protegido’. Os elementos sobre os quais o juízo se baseia são a capacidade de entender e de querer, a voluntariedade do fato nos limites respectivos do dolo e da culpa e a possibilidade de uma motivação normal da vontade”25.

O que não pode ser esquecido é que a origem remota da culpabilidade e responsabilidade pressupõe o homem como ente livre e

24 BETTIOL, op. cit., p. 25

(30)

29

auto-determinável para o exercício de suas ações, é vislumbrar que o “objeto

da censura de culpabilidade é a defeituosa posição do autor para com as exigências de conduta da ordem jurídica, manifestada no fato antijurídico”26.

WESSELS procura efetuar uma purificação na sua elaboração de conceito normativo da culpabilidade, afirmando que não existe uma reprovação de caráter moral ou social, as reprovações existentes não

determinadas pela norma penal. Diz ele que “culpabilidade em sentido

jurídico-penal, por outro lado, é culpabilidade jurídica, não culpabilidade moral ou social. Decisivas para a censura de culpabilidade são apenas as representações de valor da ordem jurídica (...) A teoria normativa, fundada por FRANK, vê a essência da culpabilidade na censurabilidade da formação da vontade, portanto, na valoração normativa de uma relação de fato psíquica”27.

Destarte, como decorrência natural da adoção da concepção psicológica, sérias dificuldades se evidenciaram no plano da culpabilidade, gerando mais tarde o abandono de sobredita concepção. Por outro lado, o normativismo não passou ileso de críticas, notadamente pelos defensores da teoria finalista, adotada pelo Código Penal Brasileiro, onde a estrutura analítica é modificada para extrair os elementos subjetivos da culpabilidade.

Com efeito, a manutenção do dolo na culpabilidade é insustentável na medida em que ele é afastado dos elementos subjetivos do tipo ou do injusto. Não há, desta forma, razão para o dolo e para os demais elementos subjetivos caracterizadores da conduta serem tratados em setores diversos.

Finalmente, fruto da doutrina finalista da ação, criada por

Welzel e seguida por tantos outros, nasce a teoria normativa pura ou

finalista, entendendo que a culpabilidade é juízo de censura pela realização do injusto típico, quando podia o autor ter atuado de outro modo.

26 WESSELS, op. cit., p. 84 27

(31)

30

Exatamente nesse poder de agir de outro modo é que reside a essência da culpabilidade.

Assim, excluem-se do conceito de culpabilidade a maioria dos elementos subjetivos, anímicos ou psicológicos, integrantes do tipo do injusto, conservando-se essencialmente o critério da censurabilidade ou reprovabilidade (elemento valorativo), conseqüentemente, este juízo de reprovação vai se fundamentar sobre a imputabilidade, a consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa, que serão abordadas mais adiante.

Na verdade, ao transferir o dolo e a culpa stricto sensu para o

tipo, a culpabilidade fica sem alguns corpos estranhos, sem todavia perdê-los, visto que são apenas transferidos de localização. Com isso, foi permitido que o juízo de culpabilidade possa, retornando a suas autênticas origens, ocupar-se verdadeiramente com a evitabilidade ou a inevitabilidade do fato praticado28.

Portanto, toda culpabilidade, na doutrina finalista, é culpabilidade de vontade. Somente se pode reprovar o sujeito como culpável quando pode realizar algo voluntariamente.

Vê-se, pelo exposto, que WELZEL ao limitar-se a apanhar os resultados da teoria psicológica e da teoria normativa e, a partir da arrumação de um novo quadro do sistema do direito penal, dar uma nova

redistribuição sistemática aos elementos estruturais do crime,

conseqüentemente, possibilitou uma superação de impasses a que haviam chegado penalistas anteriores.

Hodiernamente, aponta-se a evolução da teoria normativa pura para a extremada e limitada da culpabilidade, calcadas nos mesmos fundamentos jurídicos, mas com algumas diferenças entre elas, notadamente para as causas de justificação, sendo para a primeira erro de proibição, para a segunda, uma espécie anômala de erro que produz os

28

(32)

31

mesmos efeitos do erro sobre elemento do tipo, ensejando, portanto, o aparecimento da modalidade culposa.

Em síntese, estas são as principais correntes a respeito da culpabilidade, sendo certo que será abordada em tópico próprio e, com mais ênfase, a teoria finalista da ação.

1.2.2- Da culpabilidade: pelo fato singular e pela conduta na vida

Aqui se encontra presente uma enorme problemática do Direito

Penal enquanto ciência humana, que é auferir a culpabilidade levando-se em consideração o fato ocorrido, a conduta praticada pelo agente, e, não, a sua personalidade, o seu caráter, enfim, a sua conduta de vida.

Um direito penal de índole democrática, de obediência à

legalidade é direcionado para uma apuração do fato, do acontecimento como fenômeno social. A lição de BETTIOL, pautada nos ensinamentos de BINDING, é no sentido de que “é um fragmento, um segmento da vida de um homem que é objeto de censura (...) um acontecimento singular da vida, uma ação instantânea – talvez de todo excepcional no teor de vida mantido até então pelo agente – torna-o culpável e somente por isto torna-o penalmente responsável, não pelo seu caráter, não pelo seu temperamento permanente, não pela sua conduta antecedente ou subseqüente à ação”29.

O que não quer significar a existência de uma culpabilidade reduzida ou simplificada ao fato, a proclamação do divórcio entre ação e agente, mas sim, uma análise da culpabilidade – como regra – que leva a uma maior consideração os fenômenos que envolvem o fato, e uma menor envolvendo o agente. O que se quer afirmar é que a maioria dos acontecimentos no campo do direito penal se refere ao fato, enquanto, que uma minoria se refere ao agente. Tal concepção não se furta ao

29

(33)

32

reconhecimento de que há alguns casos ligados à figura do homem, enquanto ser.

A lição de WESSELS é no sentido de que “o ponto de

referência para o juízo de culpabilidade é constituído pela ação do injusto. A culpabilidade do direito penal é culpabilidade do fato isolado, não ‘culpabilidade de caráter’ e só indiretamente ‘culpabilidade pela conduta de vida”30. A doutrina considera o conceito (indiretamente) dado por WESSELS, questionável.

MEZGER foi o primeiro a conceituar a culpabilidade direcionando uma análise única e total sobre o agente, em desprezo à ação

singular, como sendo culpabilidade pela conduta de vida “a reprovação

atém-se a toda personalidade. E é por isto que na doutrina mais recente se acentuou que nem sempre a ‘culpa do autor’ é uma culpa ‘pela conduta’ de vida, podendo-se perfeitamente admitir esta figura também na hipótese em que, independentemente de uma série mais ou menos ampla de ações delituosas, o agente tenha, num determinado momento, decidido dar orientação determinada à sua vida”31.

Na verdade, direito penal do fato é o sistema jurídico-penal que leva em consideração a ação concreta realizada pelo autor como requisito da punibilidade, isto é, a punição recai sobre o fato individual e não sobre modo de vida do autor.

Contrariamente, no direito penal do autor, a punibilidade está vinculada à personalidade do autor ou ao seu modo de vida, ou seja, a sanção penal representa uma resposta não a um determinado fato praticado, mas a toda uma forma de ser do autor.

Em outras palavras, para a primeira posição, censura-se o autor em face de seu ato típico e antijurídico na medida de sua culpabilidade de determinar-se no caso concreto, enquanto para a segunda, o seu ato

30 Op., cit., p. 84 31

(34)

33

exsurge como manifestação de sua personalidade, não pelo que fez, mais sim pelo que é.

O certo, porém, é que a opção por um sistema penal do fato ou do autor é uma opção política criminal, cabendo observar que o Estado mais liberal tende à criminalização do fato, até mesmo em respeito ao princípio da legalidade que estipulará o ato ilícito criminal com maior precisão em relação à proibição de determinada forma de ser, necessariamente mais genérica que fatos verificáveis.

Por outro lado, um direito penal do autor contém maiores possibilidades preventivas na medida em que se pode prever melhor a ocorrência de futuros delitos com base na personalidade dos delinqüentes.

Entretanto, o ideal é a fusão das duas correntes, como

assevera JESCHECK32 ao explicar a reforma penal no Código Alemão.

Desta forma, nenhum sistema é totalmente puro, ou seja, mesmo um direito penal calcado no fato, por vezes também criminaliza condutas de vida, como acontece no Código Penal Brasileiro quando tipifica

os crimes de rufianismo e vadiagem, ou como explica TOLEDO33:

“Entre essas duas posições opostas, situam-se as correntes moderadas em prol de um direito penal do fato que considere também o autor. Esta é a posição do moderno direito

penal, predominantemente um

moderado direito penal do fato. Assim é na Alemanha, na Itália, no

Brasil e em outros países

civilizados.”

1.2.3 - Da culpabilidade: personalidade do réu e capacidade de delinqüir

A questão da culpabilidade se torna de difícil resolução para o

direito penal quando se chega na problemática da personalidade do réu. Geralmente o que se nota é uma confusão rotineira na apuração da culpa em função de uma interpretação da pessoa em particular do réu. O fator fundamental reside no empreendimento ilimitado que o direito penal dispensa para relacionar a ação ao agente, objetiva um enquadramento da culpabilidade na personalidade do agente de forma a descobrir a sua face criminológica.

32

Tratado de Derecho Penal – Parte General, p. 382 33

(35)

34

Daí BETTIOL realizar uma diferenciação fundamental no que

concerne à problemática da culpabilidade do agente e à personalidade do

réu, dizendo que “as finalidades das duas questões são diversas: na

primeira a personalidade é considerada enquanto objeto de censura, na segunda, é sempre a ação que é objeto da reprovação; mas a culpabilidade pela ação é compreendida apenas com referência à personalidade do réu”34.

Diante da diferenciação mencionada por BETTIOL, passa-se a enxergar a capacidade limitada da concepção psicológica da culpabilidade para o direito penal, principalmente, por ser este pautado no princípio constitucional da individualização na aplicação da pena. “De que serve estabelecer um nexo psicológico entre a mens de um indivíduo e um evento lesivo a fim de determinar a culpabilidade, se não pode ser negado que esta varia de indivíduo para indivíduo conforme a sua personalidade naturalística e ética, ou conforme o caráter das condições que podem ter influído na sua ação”35.

Nessa relação da forma de culpabilidade e da personalidade do réu – para alguns autores – a solução encontra-se no conteúdo dos seus elementos de composição, um fato punível e punível de forma mais ou menos gravosa conforme a conduta praticada. Basta se analisar os crimes nas suas formas: culposa e dolosa.

A lição de WESSELS parte da premissa de que “assim como ‘injusto’ e ‘culpabilidade’ se correspondem um ao outro, subsiste uma relação de trocas entre a forma de conduta e a forma de culpabilidade do acontecimento punível. A realização dolosa ou negligente do tipo de injusto constitui, como forma de conduta, o correlato para a forma de culpabilidade estampada pelas ponderações da censurabilidade (= estágios da culpabilidade); à forma de comissão dolosa ou negligente corresponde o tipo de culpabilidade dolosa ou negligente”36.

34 Op. cit., p. 27 35 Idem, Ibidem, p. 27 36

(36)

35

Outro problema, no campo da culpabilidade, é a capacidade de

delinqüir, já que o direito penal insiste em afirmar que é possuidor de mecanismos capazes de identificar tal capacidade. A capacidade de delinqüir, necessariamente, deve ser analisada à luz da correlação existente entre culpabilidade e personalidade do réu, ou seja, essa capacidade de delinqüir não poderá ser auferida de maneira divorciada da ação.

Entretanto, aparentemente o direito penal insiste em fornecer os instrumentos necessários para a identificação dessa capacidade de delinqüir. Neste diapasão, o direito pátrio no artigo 59, do Código Penal, primeira parte (fixação da pena privativa de liberdade), abre um leque de instrumentos que devem ser utilizados pelo magistrado, na busca da chamada capacidade de delinqüir.

A lição de BETTIOL, portanto, é que “a capacidade de delinqüir

não pode ser apreciada independentemente da ação, como se pudesse constituir por si o objeto de uma censura: ela é sim, uma qualificação subjetiva, mas deve ser relacionada com uma ação a fim de interpretar de forma retributiva a própria ação (...). Ora, capacidade de delinqüir não é senão um sinônimo da personalidade moral do réu, no sentido de que a culpabilidade pela ação assume grau mais ou menos intenso desde que maior ou menor a ‘perversidade’ moral do sujeito agente”37.

1.2.4 - Culpabilidade e periculosidade

Há de ser identificado um aspecto de conflito ou contrariedade

entre culpabilidade e periculosidade, principalmente, quando diante da concepção normativa da culpabilidade. Mas onde se encontra, exatamente, este conflito? Pode-se afirmar que, em função do aspecto de valoração (FRANK) atribuído à culpabilidade normativa, é que surge a contrariedade com a periculosidade, pois, esta tem finalidades diversas da primeira, podendo-se vislumbrar o caso concreto de se constatar um vínculo efetivo e

37

(37)

36

real na personalidade criminológica do agente que o leve de forma irrefutável à ação.

Diante deste aspecto valorativo fornecido à culpabilidade

normativa, com um elemento ético e social como imperativo para uma reprovação, requerendo a presença de um elemento subjetivo, seja de cunho perverso ou anti-social, para se falar em culpabilidade do agente, é que se diz “entre culpa normativa e periculosidade não há portanto nexo algum, mas antes contradição: uma coisa é julgar um fato merecedor de censura porque fruto de uma motivação que podia ser evitada, outra coisa é dizer que um individuo poderá no futuro vir a cometer crimes ulteriores. Se os dois juízos devem ser igualmente circunstanciados, para aderir à realidade ética e naturalística, a individualização é para fins tolo coelo diversos: num a ‘reprovação’ importa em retribuição e portanto em pena, no outro a ‘previsão’ do dano postula uma medida preventiva. Também a capacidade de delinqüir, como critério de medida de culpabilidade, não tem a ver com a periculosidade: uma é um juízo ético, a outra um juízo naturalístico. A primeira diagnostica para fins retributivos, a segunda prognostica para fins preventivo”38

Portanto, vislumbra-se na lição de BETTIOL, o núcleo de conflito e contrariedade entre culpabilidade e periculosidade, pois, enquanto uma se trata de juízo ético a outra se refere a um juízo naturalístico. Daí o autor

elaborar sua diferenciação definitiva no campo da possibilidade e da

probabilidade. A primeira dirigida a todos, e a segunda, apenas a alguns.

No entanto, se a periculosidade não enseja uma desaprovação ou reprovação por parte da ordem jurídica, pois, não chega a ofender o elemento ético e social, o que é a periculosidade? Utilizando-se dos ensinamentos PETROCELLI para a construção de um conceito de

periculosidade, BETTIOL vai dizer que é considerada como “o complexo de

condições, subjetivas e objetivas, sob cuja ação é provável que um indivíduo cometa um fato socialmente lesivo ou perigoso” Continua o autor “a periculosidade é destarte uma qualidade pessoal de um indivíduo enquanto

38

(38)

37

causa provável de crimes e a providência que se deve aplicar para eliminá-la é a medida de segurança”39.

Daí a discussão em torno da sua antijuridicidade. Porque (a priori) não estar diante de uma violação da norma jurídica, provocaria a dispensabilidade de um exame do direito objeto, uma vez que a constatação da ilicitude é apontada quando do cometimento de uma ação que colida com os ditames da norma jurídica, portanto, só através da ação é que o homem realiza o vínculo de conflito existente entre a sua vontade de ação e as determinações da norma jurídica, surgindo então o juízo de desaprovação

pelo ato lesivo e de reprovação pela ação culposa.

A solução é encontrada no momento tanto da culpabilidade quanto da periculosidade, que são totalmente distintos. Pois, enquanto a primeira enseja a retribuição, a segunda obriga a prevenção. “Logicamente tudo que é predisposto por medidas de caráter preventivo não pode ser suscetível de um juízo de antijuridicidade, porque a antijuridicidade reivindica necessariamente a idéia de reação peculiar a qual medida repressiva”40.

São estas, portanto, algumas ponderações a respeito da culpabilidade.

1.2.5 – Concepção da culpabilidade na doutrina finalista

No sistema da teoria finalista, criada por WELZEL, o crime é compreendido, assim como nos demais sistemas, como uma ação típica, antijurídica ou ilícita e culpável, todavia, analiticamente esta estrutura foi modificada pelo finalismo.

WELZEL inicia seu estudo asseverando que a ação humana é exercício de uma atividade final, isto é, “a atividade final é uma atividade dirigida conscientemente em razão de um fim, enquanto o acontecer causal

39 Idem, p. 38 40

(39)

38

não está dirigido em razão de um fim, mas é a resultante causal da constelação de causas existentes em cada momento. A finalidade é, por isso – dito de forma gráfica – “vidente”, e a causalidade, “cega”.41

Mais à frente, o jurista alemão explica que uma ação converte-se em delito se infringe a ordem da comunidade de um modo previsto em um dos tipos legais e pode ser reprovável ao autor no conceito de culpabilidade. A ação tem que infringir, por conseguinte, de um modo determinado a ordem da comunidade, isto é, tem que ser típica e antijurídica, além disso, reprovável ao autor como pessoa responsável, portanto, tem que ser culpável.

Desta forma, no entendimento deste doutrinador, a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade são os três elementos que convertem a ação em delito. A culpabilidade – a responsabilidade pessoal pelo fato antijurídico – pressupõe a antijuridicidade do fato, do mesmo modo que a antijuridicidade tem que estar, por sua vez, concretizada nos tipos legais. A tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade estão vinculadas logicamente de tal modo que cada elemento posterior do delito pressupõe o anterior.42

Assim, o tipo – tanto quando está descrito na lei de modo exaustivo, como quando deve ser complementado pelo juiz nos tipos abertos – é o conteúdo das normas proibitivas do Direito Penal, sendo uma figura conceitual que descreve formas possíveis de conduta humana.

Entretanto, toda realização do tipo de uma norma proibitiva é contrária à norma, mas não é sempre antijurídico, pois o ordenamento jurídico não se compõe apenas de normas, mas também, de preceitos permissivos. Nesse caso a realização do tipo de uma norma proibitiva é

jurídica. Antijuridicidade é, pois, no entendimento de WELZEL, ”a

contradição da realização de um tipo com o ordenamento jurídico em seu conjunto, não apenas com uma norma isolada”43.

41 Idem, p. 27 42 Ibidem, p. 47 43

(40)

39

Desta forma, a antijuridicidade é sempre a contradição entre uma conduta real e o ordenamento jurídico. Não o tipo como figura conceitual, mas tão somente sua realização antijurídica. Não há tipos antijurídicos, mas apenas realizações antijurídicas do tipo.

Já culpabilidade é a reprovabilidade da resolução de vontade. O autor teria podido adotar, em vez da resolução de vontade antijurídica, uma resolução de vontade conforme a norma. Toda culpabilidade é, portanto, culpabilidade de vontade, pressupondo que o autor tenha podido adotar uma resolução de vontade antijurídica de modo mais correto, ou seja,

conforme a norma, e isso não no sentido abstrato de um homem qualquer no

lugar do autor, mas no sentido concreto de que esse homem, nessa

situação, teria podido adotar uma resolução de vontade de acordo com a norma.44

Portanto, o pressuposto existencial do juízo de reprovação é a possibilidade de autodeterminação do agente no sentido de poder atender ao dever jurídico imposto pela norma, onde essa possibilidade é representada pela capacidade abstrata de culpabilidade, isto é, a imputabilidade.

Conseqüentemente, a principal atitude da teoria finalista foi a transformação do conceito de dolo, que perdeu um de seus elementos constitutivos, qual seja, a consciência da antijuridicidade do fato e foi deslocado para o tipo penal, causando, de um lado, a subjetivização do injusto e, de outro, a dessubjetivização e normatização da culpabilidade.

Despida do elemento subjetivo e psicológico do delito, a culpabilidade aparece constituída por três elementos ou pressupostos, segundo a teoria finalista:

a) imputabilidade;

b) possibilidade de conhecimento da antijuridicidade; c) exigibilidade de uma conduta conforme a norma.

Como dito, para WELZEL, a culpabilidade fundamenta a reprovação social contra o autor, no sentido de que não omite a ação antijurídica quando podia fazê-lo. A conduta do autor não é conforme as exigências do dever-ser do direito, apesar de ter ele podido observar tais exigências, ou seja, motivar-se conforme a norma. WELZEL coloca ainda, que o objeto primário da reprovação da culpabilidade é a vontade, justamente porque é por meio da vontade que o autor pode dirigir sua conduta conforme a norma. Culpável é portanto não só a ação, mas também a vontade de ação. Somente pode ser reprovável aquilo que o homem pode fazer voluntariamente. Por fundar a culpabilidade na vontade individual WELZEL entende que a pessoa jurídica não pode ser considerada culpada, por não ter vontade.45

44 WELZEL, p. 93 45

(41)

40

Entretanto, a teoria finalista da ação não passou imune a críticas e sugestões.

ROXIN46, sustenta que a dogmática penal somente trata de estabelecer em quais condições e em que medida alguém pode ser considerado responsável por um ato socialmente danoso, de modo a dar lugar a alguma das sanções deste âmbito jurídico.

Nas palavras do mestre alemão:

“A conhecida controvérsia, sobre se o dolo “pertence” ao tipo ou à culpabilidade, é, portanto, um problema aparente. O dolo é essencial para o tipo, pois sem ele a descrição legal do delito não poderia ser determinada como exige o Estado de Direito; mas ele também é relevante sob o aspecto da culpabilidade, porque tem a função de distinguir a forma mais grave de culpabilidade da mais leve (a negligência), devendo ser formulado também levando-se em conta os princípios valorativos desta categoria do delito.”47

Assim, a culpabilidade no sentido do direito penal é a realização do injusto apesar da capacidade de reação normativa e da faculdade de conduzir-se dali derivada, sendo certo que a concessão recíproca de liberdade de decisão domina não somente o ordenamento jurídico, mas também a vida social e privada das pessoas.

Na tentativa de superação da polêmica dogmática, ROXIN reformula o conceito analítico de delito, particularmente na culpabilidade, isto porque introduz a responsabilidade como conceito reitor, dele fazendo parte a culpabilidade e a necessidade preventiva de pena.

Conclui ROXIN dizendo que as transformações da política criminal e de nossa consciência metodológica ocorridas nos últimos anos precisam transformar consigo o sistema penal, se ele quiser manter sua capacidade de rendimento, de forma que, neste campo, estamos sempre outra vez no começo.48

Por sua vez, CONDE49 descarta o conceito tradicional de culpabilidade, como produto de uma ideologia individualista predominante.

Continuando, o jurista espanhol explica que não há culpabilidade em si, mas culpabilidade em relação aos demais, isto é, a culpabilidade não é um fenômeno individual, mas social. Não é uma qualidade da ação, mas uma característica que se lhe atribui para poder imputá-la a alguém como seu autor e lhe fazer responder por ela. Portanto, tem um aspecto social, sendo produto da correlação de forças sociais existentes em um determinado momento histórico, que define os limites do culpável e do não culpável, da liberdade e da não liberdade. Conseqüentemente, antes que psicológico, o conceito da culpabilidade tem fundamento social.

46

Política Criminal e Sistema Jurídico-Penal, p. 67 47 Ibidem, p. 87

48 Ibidem, p. 88 49

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