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O REGIME JURÍDICO DA “LEI DE COTAS” MESTRADO EM DIREITO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

CÉSAR AUGUSTO DI NATALE NOBRE

O REGIME JURÍDICO DA “LEI DE COTAS”

MESTRADO EM DIREITO

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CÉSAR AUGUSTO DI NATALE NOBRE

O REGIME JURÍDICO DA “LEI DE COTAS”

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Administrativo no ano letivo de 2012, sob a orientação do Prof. Dr. Clovis Beznos.

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BANCA EXAMINADORA:

Prof. Clovis Beznos______________________________________________

Prof. Márcio Cammarosano ______________________________________________

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RESUMO

Esta dissertação busca identificar o papel do Estado no fomento e na indução a determinadas práticas consideradas como de interesse social. Mais especificamente, aborda a inserção social dos portadores de deficiência por meio do seu trabalho, bem como analisa a natureza jurídica da “Lei de Cotas”, se de obrigação trabalhista ou de restrição administrativa à propriedade.

A política pública acerca do tema em questão trata da imposição às empresas de contratar percentual de seu quadro fixo de empregados considerando pessoas portadoras de deficiência e reabilitadas pela Previdência Social e foi instituída pela Lei n° 8.213/91, cunhada como “Lei de Cotas” conforme acima referido.

Pretende-se discutir aqui o papel da Administração Pública neste cenário, pois se sugere que, para a efetiva concretização do direito constitucional à inclusão social que deveria ser assegurado a estas pessoas, hoje seria mais eficiente a instituição de política pública de incentivo às empresas em combinação com a Lei de Cotas, ou seja, o exercício da função pública pela Administração Fomentadora, como nomima a doutrina, e não meramente o exercício do poder de polícia clássico de fiscalização da atividade empresarial ou, ainda, exclusivamente por meio da Administração Ordenadora.

Ademais, intenciona-se discutir a Política Nacional de Inserção Social dos Portadores de Deficiência, instituída pela Lei n° 7.853/89, a fim de se compreender os papeis do Terceiro Setor e o da Administração Pública no âmbito da inclusão social desta parcela da população, com a finalidade de se propor novos rumos à concretização de tais direitos.

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ABSTRACT

This study aims to identify the role of Government in promoting and inducing certain practices considered as social interest. More specifically, it addresses the social integration of people with disabilities through their work as well as analyses the legal nature of the "Lei de Cotas", whether as labour obligation or administrative restriction to the property.

The public policy concerning the issue at hand deals with the imposition on companies to hire fixed percentage of its staff of employees considering disabled people and rehabilitated peopleby Social Security and was instituted by Law 8.213/91, titled "Lei de Cotas" as described above.

This study is intended to discussthe role of Public Administration within this context, as it suggests that for the effective implementation of the constitutional right to social inclusion, which should be provided to these people,the institution of public policy would be more efficient in encouraging this kind of hiring if in combination with the “Lei de Cotas”, which means, the exercise of public function by Induction Administration, as it is called by the doctrine, and not merely the exercise of the traditional policepower to supervising the entrepreneurial activity, or exclusively by Orderly Administration.

Moreover, it is intended to discuss the National Policy on Social Inclusion of Persons with Disabilities, established by Law 7.853/89, in order to understand the role of the Third Sector and Public Administration considering the social inclusion of this group, objectifying to propose new directions for implementation of these rights.

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SUMÁRIO

PARTE 1 – PRIMEIRAS LINHAS SOBRE O TEMA:

PRINCÍPIOS E A LEI DE COTAS 08

1. ASPECTOS INICIAIS 08

1.1A Convenção sobre o Direito das Pessoas com Deficiência da

Organização das Nações Unidas (ONU) 11

1.2 A Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas

as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência 12

1.3. Direito comparado e o cenário internacional: o que os outros paísesfizeram até hoje em matéria de inserção social de pessoas portadoras de

deficiência por meio do trabalho? 13

2. OBJETODE ESTUDO 17

3. DA PERTINÊNCIA TEMÁTICA 23

4. O INTERESSE PÚBLICO COMO FUNDAMENTO DA

POLÍTICAPÚBLICA DAS COTAS 26

5. PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES SOBREO PAPEL DO ESTADO 39

PARTE 2 – DA NATUREZA JURÍDICA DA LEI DE COTAS 43

1. A PREOCUPAÇÃO 43

2. A RAZÃO DESTA PREOCUPAÇÃO E O CAMINHO A PERCORRER 45

3. DA NATUREZA JURÍDICA DAS OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS 47

4. A LEI DE COTAS IMPÕE, PORTANTO, UMA OBRIGAÇÃO TRABALHISTA? 61

5. DAS RESTRIÇÕES ADMINISTRATIVAS AO DIREITO DE PROPRIEDADE 63

6. PROPRIEDADE DA EMPRESA E LIBERDADE DE CONTRATAR: UMA

RELAÇÃO HIERÁRQUICA 71

7. A LEI DE COTAS IMPÕE, AFINAL, UMA LIMITAÇÃO

ADMINISTRATIVA AO DIREITO DE PROPRIEDADE? 82

8. APROFUNDANDO AS LIMITAÇÕES ADMINISTRATIVAS: OS DIVERSOS

MODOS DE INTERVENÇÃO NA VIDA PRIVADA DECORRENTES

DA ADMINISTRAÇÃO ORDENADORA 86

9. AFINAL, POR QUE ORDENAÇÃO ADMINISTRATIVA E NÃO

PODER DE POLÍCIA? 96

10. LIMITES, ENCARGOS E SUJEIÇÕES ADMINISTRATIVAS 97

11. A OBRIGAÇÃO DECORRENTE DA LEI DE COTAS VIOLA O

PRINCÍPIO DA MÍNIMA INTERVENÇÃO ESTATAL NA VIDA PRIVADA? 103

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PARTE 3 – O AMBIENTE NORMATIVO ATUAL E NOSSAS CRÍTICAS 106

1. O ESFORÇO DE ENGENHARIA NORMATIVA PARA COMPREENDER

O MODELO ATUAL 106

2. O CONFLITO DE INTERESSES ENTRE A INSERÇÃO NO MERCADO DE

TRABALHO DO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA E O DIREITO AO

RECEBIMENTO DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA – BPC

OU LOAS – UM ESTUDO DENTRO DE UM ESTUDO 112

2.1 A gênese do benefício 113

2.2 A mudança trazida pela Constituição Federal de 1988 116

2.3 A sistemática assistencial do benefício 117

2.4 Os ajustes no novo benefício assistencial 119

2.5 A reforma do assistencialismo 124

2.6 Notas à reforma do BPC de 2011 128

2.7 Os períodos históricos da evolução do benefício 129

2.8 Tabulando os dados 132

2.9 Conclusões sobre o BPC (ou LOAS) de hoje e possíveis novos horizontes 134

3. CONTINUANDO O TRABALHO DE ENGENHARIA NORMATIVA 139

4. ORDENAÇÃO ADMINISTRATIVA, FOMENTO OU AMBOS? 149

PARTE 4 – AS CONSEQUÊNCIAS DA NATUREZA JURÍDICA

DA OBRIGAÇÃO DECORRENTE DA LEI DE COTAS 152

1. A AÇÃO CIVIL PÚBLICA E A COMPETÊNCIA DOMINISTÉRIO PÚBLICO 152

2. UM NOVO DESENHO INSTITUCIONAL DE ATUAÇÃO DO ESTADO 160

 

PARTE 5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS 164

REFERÊNCIAS 165

a. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 165

b. REFERÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS 170

c. REFERÊNCIAS DE SÍTIOS DE INTERNET 170

APÊNDICE A – ENTREVISTAS NA ÍNTEGRA 172

APÊNDICE B - A INCLUSÃO DE PESSOAS COM

DEFICIÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO. MINISTÉRIO

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8

PARTE 1 – PRIMEIRAS LINHAS SOBRE O TEMA: PRINCÍPIOS E A LEI DE COTAS

1. ASPECTOS INICIAIS

A Lei Ordinária Federal n° 8.213, de 24 de julho de 1991, mais especificamente em seu artigo 93, impôs às empresas que possuam a partir de 100 (cem) empregados a obrigação de preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários da Previdência Social reabilitados ou com pessoas portadoras de deficiência devidamente habilitadas.

Dessa forma, empresas que possuam de 100 (cem) até 200 (duzentos) empregados devem ter 2% (dois por cento) de sua força laboral oriunda de vínculo de emprego sob estas condições e a proporção cresce de acordo com o número de empregados.

Para empresas que tenham de 201 (duzentos e um) até 500 (quinhentos) empregados, este percentual é de 3% (três por cento); se a empresa possui de 501 (quinhentos e um) até 1.000 (um mil) empregados, o percentual vai para 4% (quatro por cento) e para empresas com mais de 1.000 (um mil) empregados, o percentual se fixa em 5% (cinco por cento).

Além disso, a lei estabelece que a dispensa de trabalhador reabilitado ou portador de deficiência habilitado só pode ocorrer após a contratação de substituto em situação semelhante.

Segundo a legislação, consideram-se beneficiários reabilitados todos os segurados vinculados ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS), submetidos ao processo de reabilitação profissional desenvolvido ou homologado pelo INSS. Já as pessoas portadoras de deficiência habilitadas são aquelas não vinculadas ao RGPS que tenham se submetido ao processo de habilitação profissional desenvolvido pelo INSS ou por entidades reconhecidas para esse fim.

(9)

9

A Lei n° 7.853, de 1989, por exemplo, já tratava sobre o tema, mas no âmbito de detalhar os direitos das pessoas portadoras de deficiência. No artigo 2°, ela atribui ao poder público a tarefa de: “[...] assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem estar pessoal, social e econômico”.

Já o inciso II, do mesmo artigo, foi uma espécie de “embrião” da Lei de Cotas, prevendo a promulgação de outra lei com o objetivo de criar e assegurar reserva de mercado em toda a economia brasileira “[...] em favor das pessoas portadoras de deficiência, nas entidades de administração pública e do setor privado”. 1

Assim, a Lei 8.213/91 tornou-se conhecida como “Lei de Cotas”, pois foi o primeiro diploma normativo posterior à publicação do texto constitucional em 1988 a regular o assunto acerca do tratamento inclusivo que deveria ser garantido aos portadores de deficiência.

Para facilitar o entendimento, visualizemos os dados em forma de tabela:

Número de Empregados da Empresa

Percentual de Empregados Reabilitados ou Portadores de Deficiência

(art. 93, Lei 8.213/91)

Até 200 2%

De 201 a 500 3%

De 501 a 1.000 4%

De 1.001 em diante 5%

A inclusão social destas pessoas é um dos problemas contemporâneos mais complexos e de difícil concretização, razão motivadora para que o legislador ordinário se preocupasse com o cenário e impusesse tal obrigação às empresas.

Na visão do legislador ordinário pátrio, seria por meio do trabalho que essas pessoas conseguiriam ser inseridas, ou reinseridas, no contexto social.

1 CLEMENTE, Carlos Aparício. Trabalho e inclusão social de portadores de deficiência. 1. ed. Osasco: Peres,

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10 Vale dizer que existe também a previsão normativa de inclusão social dos portadores de deficiência por meio da reserva de vagas em concursos públicos, no entanto, o escopo do presente estudo não abarca esse aspecto.

Este estudo concentra-se na obrigação imposta às empresas do setor privado. Não obstante, cremos que a destinação de vagas aos portadores de deficiência nos concursos públicos para o ingresso no serviço público também é importante forma de inserção social.

A Lei de Cotas foi, de fato, um divisor de águas para o tema da inclusão social, significando importante passo no caminho da isonomia material entre as pessoas portadoras de deficiência e os demais integrantes da sociedade, pois reservou oportunidades de trabalho para uma parcela da população nacional que, injustificadamente, não consegue encaixe profissional adequado.

Portanto, referida Lei pode ser vista como de extrema valia e teve enorme repercussão no cenário nacional, pois a fiscalização das autoridades laborais, promovida pelo Ministério do Trabalho e Emprego por meio de seus Auditores Fiscais do Trabalho (AFTs), tem sido atuante na promoção de estatísticas e repreensão das empresas que não cumprem com a obrigação que lhes foi imposta, chegando-se até mesmo à lavratura de autos de infração por descumprimento desta obrigação. Ainda assim, conforme veremos, a atuação dos AFTs restringe-se por questões eminentemente práticas.

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11

1.1 A Convenção sobre o Direito das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU)

O conceito de pessoa com deficiência é, hoje, internacional. O Brasil é país signatário da Convenção sobre o Direito das Pessoas com Deficiência e referida norma tornou-se parte integrante do direito pátrio por meio do Decreto Legislativo 186/08 e do Decreto 6.949/09.

Nos termos do parágrafo terceiro do artigo quinto da Constituição Federal, a referida Convenção foi integrada ao sistema interno como equivalente à emenda constitucional. Como norma posterior, revogou a lei, o decreto regulamentar, ou seja, todo e qualquer dispositivo que definia pessoa com deficiência.

Permanece, é verdade, o conceito de carência2, de pobreza, definido pela lei. Mas é o artigo primeiro da Convenção que define quem é pessoa com deficiência. Assim, para se enquadrar na norma do inciso V do artigo 203, deve-se primeiro verificar deve-se o caso concreto deve-se encontra abarcado pelo artigo primeiro da Convenção, que, combinado com o artigo 20 da Lei 8.742/93, dirá se a pessoa definida na Convenção – pessoa com deficiência – é carente, um critério econômico e social. Assim disciplina a Convenção, em seu artigo primeiro:

Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.3

Portanto, apesar de a legislação interna brasileira ainda não estar completamente alterada de forma a incorporar o conceito acima explorado para pessoa com deficiência, já se visualiza o esforço do legislador e do regulador para fazer tal adaptação. Por exemplo, a Lei Orgânica da Assistência Social, para fins da concessão do Benefício de Prestação Continuada, teve sua redação alterada em 2011, para acompanhar a evolução conceitual internacional4.

2 Exploraremos esse conceito e os conflitos gerados por essa legislação posteriormente, quando tratarmos do

Benefício de Prestação Continuada.

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1.2 A Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência

Este diploma normativo passou a fazer parte do ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto 3.956, de 8 de outubro de 2001.

A definição interamericana de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência é expressa nos seguintes termos:

[...] toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, antecedente de deficiência, conseqüência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais5.

Apesar desse conceito bem delimitado, a própria Convenção faz uma ressalva para conseguir afirmar o princípio da igualdade material, pois se reconhece que as pessoas com deficiência devem ser tuteladas por seus respectivos Estados, para que sua condição não se torne empecilho para a efetiva tutela de direitos fundamentais. Nestes termos, continua a referida Convenção, para esclarecer que “diferenciação” não é “discriminação”:

[...]

b) não constitui discriminação a diferenciação ou preferência adotada pelo Estado-Parte para promover a integração social ou o desenvolvimentopessoal dos portadores de deficiência, desde que a diferenciação ou preferência não limite em si mesma o direito à igualdade dessas pessoas e que elas não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação ou preferência.6

Assim, analisando a obrigação decorrente da Lei de Cotas brasileira e o dispositivo internacional supra citado, podemos concluir que a obrigação decorrente da Lei de Cotas é forma

5 OAS. Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as

Pessoas Portadoras de Deficiência. Artigo 1°, parágrafo 2°, alínea “a”.

6 OAS. Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as

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13 clara de diferenciação entre trabalhadores (portadores de deficiência e não portadores de deficiência) a serem contratados pelas empresas.

A reserva de mercado de trabalho privado aos portadores de deficiência é a forma que o Estado brasileiro encontrou para inseri-los socialmente, ou seja, criou-se diferenciação em função da condição de pessoa com deficiência visando o fim público – a inserção social.

1.3 Direito Comparado e o Cenário Internacional: o que os outros países fizeram até hoje em matéria de inserção social de pessoas portadoras de deficiência por meio do trabalho?

Agora que já abordamos o teor da Lei de Cotas brasileira e temos uma posição sobre o cenário internacional, vale a pena, ainda que brevemente, entender como os outros países empregam essa política pública. Por meio deste pontual estudo de Direito Comparado, conseguiremos estabelecer uma analogia entre o modelo brasileiro e os modelos utilizados globalmente7.

1. PORTUGAL: o artigo 28 da Lei nº 38/04 estabelece a cota de até 2% de trabalhadores com deficiência para a iniciativa privada e de, no mínimo, 5% para a Administração Pública.

2. ESPANHA: a Lei nº 66/97 ratificou o art. 4º do Decreto Real nº 1.451/83, o qual assegura o percentual mínimo de 2% para as empresas com mais de 50 trabalhadores fixos. Já a Lei nº 63/97 concede uma gama de incentivos fiscais, com a redução de 50% das cotas patronais da seguridade social.

3. FRANÇA: o Código do Trabalho Francês, em seu artigo L323-1, reserva postos de trabalho no percentual de 6% dos trabalhadores em empresas com mais de 20 empregados.

7 BRASIL, Ministério do Trabalho e Emprego. A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. 2.

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14 4. ITÁLIA: a Lei nº 68/99, no seu artigo 3º, estabelece que os empregadores públicos e privados devam contratar pessoas com deficiência na proporção de 7% de seus trabalhadores, no caso de empresas com mais de 50 empregados; duas pessoas com deficiência, em empresas com 36 a 50 trabalhadores; e uma pessoa com deficiência, se a empresa possuir entre 15 e 35 trabalhadores.

5. ALEMANHA: a lei alemã (Seção 71, SGB IX) estabelece para as empresas com mais de 16 empregados uma cota de 6%, incentivando uma contribuição empresarial para um fundo de formação profissional de pessoas com deficiência.

6. ÁUSTRIA: a lei federal (Disabled Employment Act - Behinderteneinstellungsgesetz), reserva 4% das vagas para trabalhadores com deficiência nas empresas que tenham mais de 25 funcionários e alternativamentea dmite a contribuição para um fundo de formação profissional.

7. BÉLGICA: há previsão de um sistema de cotas, porém não há um percentual legal para a iniciativa privada. Este é negociado por sindicatos e representantes patronais para cada ramo da economia (The 1963 Social Rehabilitation Act - “Loi de Réhabilitation Sociale”).

8. HOLANDA: o percentual varia de 3% a 7%, sendo este firmado por negociação coletiva, dependendo do ramo de atuação e do tamanho da empresa (Sickness Benefits Act, 1993).

9. IRLANDA: a cota é de 3%, sendo aplicável somente para o setor público (Seção 47, Emprego no Serviço Público; Disability Act: 2005).

10. REINO UNIDO: o Disability Dicrimination Act (DDA), de 1995, trata da questão do trabalho, vedando a discriminação de pessoas com deficiência em relação ao acesso, conservação e progresso no emprego. Estabelece, também, medidas organizacionais e físicas para possibilitar o acesso de pessoas com deficiência. O Poder Judiciário pode fixar cotas, desde que provocado e uma vez constatada falta de correspondência entre o percentual de empregados com deficiência existente na empresa e no local onde a mesma se situa.

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15 12. COLÔMBIA: a Lei nº 361/97 concede benefícios de isenções de tributos nacionais e taxas de importação para as empresas que tenham, no mínimo, 10% de seus trabalhadores com deficiência.

13. EL SALVADOR: a Lei de Equiparação de Oportunidades, o Decreto Legislativo nº 888, em seu artigo 24, estabelece que as empresas com mais de 25 empregados devam contratar uma pessoa com deficiência.

14. HONDURAS: a Lei de Promoção de Emprego de Pessoas com Deficiência, o Decreto nº 17/91, em seu artigo 2º, fixa cotas obrigatórias para contratação de pessoas com deficiência por empresas públicas e privadas na seguinte proporção: uma pessoa com deficiência, nas empresas com 20 a 40 trabalhadores; duas, nas que tenham de 50 a 74 funcionários; três, nas empresas com 75 a 99 trabalhadores; e quatro, nas empresas que tenham mais de 100 empregados.

15. NICARÁGUA: a Lei nº 185 estabelece que as empresas contratem uma pessoa com deficiência a cada 50 trabalhadores empregados.

16. PANAMÁ: a Lei nº 42/99 obriga os empregadores que possuam em seus quadros mais de 50 trabalhadores a contratar, no mínimo, 2% de trabalhadores com deficiência. O Decreto Executivo nº 88/93 estabelece incentivos em favor de empregadores que contratem pessoas com deficiência. O governo também está obrigado a empregar pessoas com deficiência em todas as suas instituições.

17. PERU: a Lei Geral da Pessoa com Deficiência (i.e. Lei nº 27.050, de 18 de dezembro de 1998), em seu capítulo VI, estabelece a concessão de benefícios tanto para as pessoas com deficiência quanto para as empresas que as contratem, como, por exemplo, a obtenção de créditos preferenciais e financiamentos de organismos financeiros nacionais e internacionais; preferência nos processos de licitação; dedução da renda bruta de uma percentagem das remunerações pagas às pessoas com deficiência.

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16 19. VENEZUELA: a Lei Orgânica do Trabalho, de 1997, fixa uma cota de uma pessoa com deficiência a cada 50 empregados.

20. ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA: inexistem cotas legalmente fixadas, uma vez que as medidas afirmativas dessa natureza decorrem de decisões judiciais, desde que provada, mesmo estatisticamente, a falta de correspondência entre o número de empregados com deficiência em determinada empresa e o total dessas pessoas na respectiva comunidade. De qualquer modo, o

The Americans with Disabilities Act (ADA), de 1990, trata do trabalho de pessoas com deficiência, detalhando as características físicas e organizacionais que devem ser adotadas obrigatoriamente por todas as empresas para receber pessoas com deficiência como empregadas.

21. JAPÃO: a Lei de Promoção do Emprego para Portadores de Deficiência, de 1998, fixa o percentual de 1,8% para as empresas com mais de 56 empregados, havendo um fundo mantido por contribuições das empresas que não cumprem a cota, fundo este que também custeia as empresas que a preenchem.

22. CHINA: a cota oscila de 1,5% a 2%, dependendo da regulamentação de cada município (Law on the Protection of Disabled Persons; 1998).

Dessa forma, podemos verificar que o Brasil encontra-se atualmente em posição de destaque no que diz respeito à legislação atinente ao tema em questão, prevendo em âmbito nacional cotas tanto no setor público como no privado.

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17 2. OBJETO DE ESTUDO

Neste cenário, após vinte anos da promulgação da Lei de Cotas, é possível fazer uma espécie de “balanço” dos avanços concretizados, para possibilitar a discussão visando ao aperfeiçoamento da legislação pátria.

Considerando os dados concretos coletados a partir de entrevistas com os os Auditores-Fiscais do Trabalho (AFTs), servidores concursados do Governo Federal vinculados ao Ministério do Trabalho e Emprego, responsáveis pela fiscalização das empresas quanto ao cumprimento da obrigação de contratar o percentual específico de trabalhadores nas condições em apreço, verifica-se uma tensão que muitos pensam não existir, mas que suscita algumas questões acerca da matéria.

Vale destacar que o sigilo das fontes entrevistadas para este estudo será mantido a pedido das mesmas. Nestas entrevistas conversamos com alguns AFTs que já se encontram no serviço público de fiscalização há muitos anos, sendo que alguns deles ocuparam cargos de chefia no Município de São Paulo e região8.

A informação unânime obtida é que, hoje, pouquíssimas empresas respeitam a Lei de Cotas:

Quando se está fiscalizando uma grande empresa, muitas vezes multinacional ou de capital aberto, tudo está nos conformes da Lei. Não existe nada fora do lugar e o departamento de recursos humanos mantém um controle de fazer inveja a muitas repartições militares. Agora não é este tipo de empresa que gera a maioria dos empregos para o Brasil. As empresas de menor porte são as responsáveis por grande parte dos empregos. E é aí que a Lei é desobedecida9.

8 Dentre estas entrevistas, realizadas no início de 2010, escolhemos a mais rica de detalhes, realizada

simultaneamente com dois Auditores Fiscais do Trabalho, transcrita em sua integralidade ao final do presente trabalho (cf. Apêndice A).

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18 A declaração acima é de um AFT, engenheiro especializado em segurança do trabalho, com vinte e cinco anos de experiência em fiscalização no Município de São Paulo.

A multa para o descumprimento é muito baixa e o custo para manter estes empregados é muito mais elevado10.

Assim diz outra AFT, lotada na mesma região do entrevistado anterior, formada em Direito pela Universidade de São Paulo e especialista em Direito do Trabalho também pela USP. Ela continua:

A reclamação é sempre a mesma. Os proprietários de empresa dizem que o gasto para adaptar as instalações físicas da empresa, treinar os profissionais do local para lidar com a diferença e encontrar profissionais reabilitados ou portadores de deficiência qualificados para o emprego é muito maior do que a multa pela infração à legislação cometida11.

Verifica-se, portanto, que o grau de eficácia social da Lei de Cotas é ainda muito baixo. Diversos fatores podem ser mencionados para fundamentar as afirmações acima como, por exemplo, o baixo grau de instrução e de consciência social dos empresários, na média, ou, ainda, o baixo rigor da legislação trabalhista infracional.

Enfim, o ponto principal é que diante de empresas ou outra entidades legais empregadoras que não têm contas a prestar para a sociedade, para um grupo de acionistas ou ainda para investidores da Bolsa de Valores, são poucas aquelas que obedecem por livre e espontânea vontade à Lei de Cotas atualmente.

O argumento recorrente é o custo. Possuir empregados no Brasil é algo extremamente oneroso. Não é por acaso que fraudes trabalhistas são freqüentes, praticadas não só por pequenos prestadores de serviços, mas por grandes executivos também.

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19 É praxe de mercado o Diretor ou integrante da Presidência de uma empresa, ou até mesmo o fotógrafo do jornal, o colunista de revista, ou seja, muitos dos profissionais liberais de hoje não possuírem contratos formais de trabalho com vínculo empregatício de pesosa física sob a égide das leis trabalhistas e, ao invés disso, constituirem pessoas jurídicas prestadoras de serviços, desvirtuando-se assim as relações formais de emprego.

Isso é feito para se evitar custos como FGTS, INSS - Empregador, direito a férias, estabilidade, licença maternidade, décimo terceiro salário e, além desses custos diretos, as contribuições sociais sobre a folha de salários (SESI, SECS, SENAT, SENAI, Salário-Educação, INCRA etc.), ou seja, fraudes para evitar os encargos trabalhistas e benefícios que a nossa legislação do trabalho impõe e atribui quando se possui empregados devidamente registrados e com anotação em carteira de trabalho.

Além de todas estas preocupações e custos, são pouquíssimos os empresários ou empresas que possuem o grau de consciência social necessário para obedecer à Lei de Cotas e proporcionar uma nova forma de inclusão social para os que necessitam.

É neste panorama que se encaixa a ideia que se pretende explorar neste trabalho, de modo a se validar a seguinte reflexão: quando o Estado transferiu a responsabilidade da inclusão social em grande parte à iniciativa privada por meio das relações de trabalho o fez de maneira adequada? E, mais importante, será que hoje, dado o tempo de vigência da legislação atinente ao tema, não poderíamos pensar o Direito de forma a aprimorar este sistema?

É importante frisar que não se está negando a importância da Lei de Cotas na História do Brasil. Este diploma normativo foi realmente um marco para o setor. Contudo, após vinte anos de sua publicação, pensamos ser imprescindível dar um passo além, visando aumentar a eficácia social da norma em questão.

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20 Ronald Coase, em 196012, já ensinava que, caso os custos de transação sejam inexistentes ou irrelevantes, o direcionamento dos direitos a priori inseridos pela lei não terá influência sobre o resultado da situação em que se encontra a externalidade, pois os agentes afetados a resolverão por si mesmos, por meio de uma negociação que atingirá a distribuição mais eficiente dos recursos. Em outras palavras, caso não houvesse custos de transação, as partes negociariam até chegar a uma solução eficiente, independentemente do direito.

Custos de transação, para Coase, neste seu artigo de 1960, podem ser especificados como os custos da coleta de informações, custos de negociação e custos de elaboração de um contrato.

De acordo com Farina, existe uma corrente de autores, como Furubotn & Richter, que define custos de transação como “[...] custos que são necessários para se colocar o mecanismo econômico e social em funcionamento[...]”13, surgidos na medida em que os agentes se relacionam entre si e em meio aos problemas que surgem frente ao caráter freqüentemente heterogêneo dessa relação.

Assim, cremos que a discussão atual deve se dar em torno das seguintes questões: qual é o papel do Estado na regulação do mercado de trabalho dos portadores de deficiência? Seria suficiente que o Estado, em suas várias esferas, oferecesse vagas específicas a estas pessoas em concursos públicos e, paralelamente, obrigasse as empresas a contratá-las num percentual de seus empregados, ainda que se constatasse a ineficácia social desta última medida?

No Estado Social de Direito basta que determinado ente federativo emane legislação a respeito de um assunto e o não cumprimento desta legislação passe a ser “questão de polícia” (sic), ou o Estado que queremos é aquele que promova o bem estar? Seria função do Estado, além de emanar esta legislação, agremiar esforços para que ela seja cumprida?

Promover o cumprimento da legislação emanada com incentivos e desincentivos seria mais inteligente para implementar uma política pública do que aumentar a penalidade pelo descumprimento ou aumentar a fiscalização?

12 COASE, R. The Problem of Social Cost. In:The Journal of Law and Economics, Chicago, n. 3, 1960.

13 FURUBOTN & RICHTER. Apud FARINA, E., AZEVEDO, P. & SAES, M. Competitividade: mercado, estado

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21 No presente trabalho não se busca esgotar o tema nem tampouco apresentar solução “mágica” e “rápida” para o debate. Busca-se, outrossim, analisar se haveria espaço para incrementar a regulação sobre este tema, para que se chegue em um ponto de equilíbrio no qual Estado e iniciativa privada dividam os custos da inclusão social de maneira equânime, respeitadas as diferenças e consideradas as similitudes entre serviço público e empresas particulares.

Em nossa visão, não basta o Estado obrigar empresas a contratarem um percentual de seus empregados dentre portadores de deficiência ou reabilitados e fiscalizá-las quanto ao cumprimento da obrigação imposta. O Estado deve ir além.

O Estado possui o que Celso Antônio Bandeira de Mello denomina como “dever-poder” (invertendo o tradicional “poder-dever”), pois na visão do autor, o “dever” fundamenta o “poder” que a Administração detém, e não o contrário. A função administrativa é o exercício de “dever” e, para exercê-lo, o Estado necessita de “poder”, daí a nomenclatura “dever-poder”.14

Celso Antônio ressente-se ao discorrer sobre boa parte da doutrina que explora o tema “poderes da Administração” dando uma ênfase tida por ele como não salutar, pois se ressalta o caráter impositivo e absolutista da relação vertical entre Estado e jurisdicionado, quando na verdade deveria se ressaltar o caráter de “poder-dever” do Estado em perseguir o interesse público por meio dos instrumentos próprios.

Sugere, por fim, que sequer se chame este tema de “poder-dever” da Administração, em função de ainda possuir um viés inapropriado, mas sim de “deveres-poderes” da Administração.

Tendo em vista este caráter de assujeitamento do poder a uma finalidade instituída no interesse de todos – e não da pessoa exercente do poder -, as prerrogativas da Administração não devem ser vistas ou denominadas como “poderes” ou como “poderes-deveres”. Antes se qualificam e melhor se designam como “deveres-poderes”, pois nisto se ressalta sua índole própria e se atrai atenção para o aspecto subordinado do poder em relação ao dever, sobressaindo, então, o aspecto finalístico que as informa, do que decorrerão suas inerentes limitações.15

14 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010,

pp. 45-46.

(22)

22 Portanto, o Estado deve incentivar e facilitar a prática da inclusão social, e não meramente alocar os custos decorrentes de tal política em boa medida na iniciativa privada. O Estado deve trabalhar em conjunto com a iniciativa privada na promoção da inclusão social.

O legislador ordinário pátrio idealizou uma política pública de extrema coerência sistêmica, consistente em utilizar o trabalho, o possível vínculo de emprego das pessoas reabilitadas ou portadoras de deficiência, como forma de incluí-las no tecido social do qual todos fazemos parte. O próprio Ministério do Trabalho e Emprego assume a importância da inserção social da pessoa com deficiência por meio de tal política pública como ação afirmativa16.

Impõe-se aprimorar esta política pública. Torná-la algo do cotidiano. Aumentar sua eficácia social. Deve haver mecanismo para facilitar a inclusão social dos reabilitados e portadores de deficiência pelo seu trabalho, mecanismo que estimule estas contratações otimizando o custo que implicam.

16 Cf. no Apêndice B deste estudo os Capítulos ‘1.3 Ação Afirmativa – Igualdade de Oportunidades’ e ‘1.4 Diretrizes

(23)

23 3. DA PERTINÊNCIA TEMÁTICA

O primeiro passo deste trabalho será delimitar o foco. Entendemos que a análise a que nos propomos a fazer poderia ser realizada sob a perspectiva do Direito do Trabalho, do Direito Previdenciário, do Direito Constitucional, enfim, diversos segmentos do mundo jurídico poderiam ser ressaltados como fundamento do que se propõe. Contudo, nossa opção por adentrarmos nesta discussão por meio do Direito Administrativo se deu por motivos específicos que devem ser, ainda que brevemente, explorados.

Um dos principais desafios deste trabalho é demonstrar que o Estado deve ter um papel mais atuante na regulação em pauta. Nossa preocupação é refletir sobre como deve ser a relação Estado-Particular para, da melhor forma possível, promover a inclusão social.

O Direito Administrativo brasileiro é intrinsecamente vinculado ao Direito Constitucional. A opção brasileira por uma Constituição extensa, até exaustiva em certos pontos, torna o Estado Social demasiadamente patente ao intérprete, trazendo à baila princípios muito relevantes a serem promovidos pelo Estado em conjunto com a sociedade, cada um arcando com o que é de sua competência suportar.

A Constituição Federal de 1988, logo em seu artigo 1°, elenca como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil “[...] IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa [...]”. Pois bem. A partir da leitura dos objetivos fundamentais da República listados no artigo 3° da Carta Constitucional, e tendo em vista o dispositivo acima mencionado, é possível verificar que o legislador pátrio, na elaboração da Lei de Cotas, foi muito coerente quando realizou a previsão da utilização do trabalho destas pessoas como forma de inclusão social. Vejamos:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

(24)

24

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

O Direito Constitucional preocupa-se com a organização jurídica do Estado, estrutura-o e delimita quando deve agir para criar e promover a utilidade pública. É por isso que nossa análise escapa do âmbito de atuação do Direito Constitucional e se alinha mais com a seara do Direito Administrativo. Nossa ideia é a concretização dos princípios constitucionalmente tutelados por meio de política pública, ou seja, o desenho institucional realizado pela Carta Cidadã demonstra o Norte da política pública que o legislador elege como necessária à concretização do fim público que o Estado deve ter. Entretanto, nossa preocupação neste trabalho é justamente o ambiente essencialmente micro, o desta política pública.

O papel do Estado nesta política de inclusão social não deve se restringir a obrigar empresas a contratar aqueles tidos como socialmente excluídos, o Estado tem o dever de ir além, e isso será explorado no decorrer do trabalho.

Neste ponto inicial ainda queremos demonstrar que o foco do Direito Constitucional é outro; é justamente a imposição deste desenho institucional e dos princípios que o regerão e que, posteriormente, o Direito Administrativo regulará.

Na mesma linha de raciocínio, o Direito do Trabalho também não nos serve para esgotar o tema. O Direito do Trabalho é importante para fundamentar e explicar a relação de emprego existente entre o reabilitado ou portador de deficiência e a empresa contratante; ou ainda, será substancialmente aplicado na fiscalização trabalhista que verificará o cumprimento da lei e, eventualmente, imporá alguma sanção à empresa que a descumprir.

Contudo, a fiscalização propriamente dita exercida pelo Ministério do Trabalho e Emprego por meio dos Auditores Fiscais do Trabalho nada mais é do que uma forma de polícia administrativa, que verifica se a regulamentação estatal dos temas trabalhistas e de Segurança e Saúde do Trabalho estão sendo cumpridos no âmbito das relações laborais.

(25)

25 O foco do presente trabalho é outro. A preocupação aqui é a análise da relação jurídica existente entre Estado-poder e administrados, mas não só administrados portadores de deficiência ou reabilitados, nosso foco é examinar a função administrativa na concretização dos princípios constitucionais. Vale a pena breve citação do clássico, porém expoente de entendimento muito atual, livro de Héctor Jorge Escola sobre interesse público:

Por eso se ha dicho, con toda razón, que si al jurista le cabe, de alguna manera, modelar la sociedad del futuro, es al derecho administrativo al que le corresponde la mayor parte del desafío que implica hacer posible el proceso de las transformaciones pacíficas que son necesarias a ese fin (Caio Tácito).17

A política pública para a inclusão social aludida deve ser mais atuante do que o Estado delegar à iniciativa privada a contratação de percentual de seus trabalhadores dentre esta classe excluída socialmente. A responsabilidade do Estado não se limita a isso, sendo justamente nosso trabalho utilizar o pensamento administrativista para fundamentar esta responsabilidade do Estado em promover a inclusão social destas pessoas, ou seja, o Estado deve fazer mais do que a mera fiscalização do cumprimento da lei, impondo sanção contra eventual descumprimento. O Estado deve incentivar o comportamento dos agentes do setor para promover o fim público a que se destina.

17 ESCOLA, Héctor Jorge. El interes público como fundamento del derecho administrativo. Buenos Aires:

(26)

26 4. O INTERESSE PÚBLICO COMO FUNDAMENTO DA POLÍTICA PÚBLICA DAS COTAS

A política pública da inclusão social dos reabilitados e portadores de deficiência por meio da Lei de Cotas é típico exemplo de atuação intervencionista do Estado. A empresa possui a prerrogativa da livre iniciativa e o direito de propriedade sobre seus bens de produção (lembrando que o princípio da livre iniciativa é expressamente citado como fundamento da República no artigo 1°, inciso IV, do texto constitucional, bem como garantia fundamental expressa no artigo 5° da Carta Magna de 1988. Logo, numa concepção liberal de Estado como a que prevalecia até o século XIX, seria inaceitável uma imposição do Estado tal qual ocorre com a Lei de Cotas.

Assim, no Estado do laissez-faire, laissez-passer era totalmente inconcebível que o Estado obrigasse as empresas a contratarem uma determinada classe de pessoas como política pública para inclusão social destas. De acordo com Escola:

El Estado de derecho, el Estado liberal de los siglos XVIII y XIX, es así reemplazado por el Estado social de derecho, que admite y preconiza una amplia gama de actividades administrativas y de servicios, produciéndose paralelamente un paulatino desplazamiento del derecho constitucional, en sus clásicas formulaciones, por el surgimiento de un derecho administrativo que acompaña y regula ese nuevo concepto de un Estado-intervencionista, que tomo al hombre, no ya como individuo aislado, sino como un ser que vive en comunidad, en sociedad, y que busca, por medio del reconocimiento y afirmación de sus derechos sociales, convalidar y hacer realmente posibles su libertad y sus derechos personales.

El Estado que en el pasado se concentraba en garantizar al hombre su derecho de existir, mediante las libertades civiles y políticas, y su derecho a poseer, mediante la formulación de su derecho a la propiedad, debe ahora garantizarle la afirmación de su personalidad, mediante el reconocimiento y goce de su derecho a ser feliz, su derecho a ser, en su condición plena de hombre, con todo lo que ello significa (Caio Tácito).

(27)

27

Constitución nacional, es decir, ese bienestar general que es suma y resumen del bienestar de cada uno de ellos.18

Conforme se pode perceber, o autor é enfático em afirmar que o Estado deve garantir a “afirmação de sua personalidade”, ou seja, não basta fornecer ao homem liberdades civis, políticas e o direito de propriedade, deve fazer com que o homem chegue a seu máximo expoente em sua própria humanidade intrínseca, numa afirmação com forte viés filosófico. E prossegue:

Los grandes fines declarados en el preámbulo de nuestra Constitución nacional – la unión nacional, el afianzamiento de la justicia, la paz interior, la defensa común, la promoción del bienestar general, y la garantía de los beneficios de la libertad – son metas deseables de las que nunca queremos abdicar, y a las que si el derecho constitucional procura preservar por múltiples mecanismos arbitrados para ello, el derecho administrativo quiere arribar por medios inmediatos y directos, prácticos y materiales, efectivos y reales, confirmándose de este modo aquello de que el derecho administrativo es el derecho procesal del derecho constitucional.

Por ello, el derecho administrativo tiene que procurar los medios y las estructuras que aseguren un intervencionismo estatal de esa forma aceptable, porque sirve y hace a nuestras libertades y derechos; y facilitar sistemas para evitar el intervencionismo injustificado – y por ello mismo peligroso para esas libertades y derechos – brindándonos, asimismo, las defensas indispensables para preservarnos de tal riesgo.

De tal modo, el derecho administrativo, al que muchos llaman el derecho de la restricción y de la limitación, no dejará por esa condición de ser, al mismo tiempo, el derecho de la libertad verdaderamente lograda.19

A citação contribui para entendermos o papel do Direito Administrativo no intervencionismo estatal. O Direito Administrativo será o responsável pelas estruturas jurídicas e, logo, pelos meios para que o intervencionismo seja justificável, portanto, aceitável pela comunidade.

18 ESCOLA, Héctor Jorge. El interes público como fundamento del derecho administrativo. Buenos Aires:

Depalma, 1989, pp. 24-25.

(28)

28 É neste cenário que Jorge Escola, no mencionado estudo, começa a delinear a ideia de que a Administração deve buscar atender aos objetivos que lhe foram impostos pelo texto constitucional para atingir o interesse público. Vejamos:

Planteadas así las cosas, se comprende de inmediato que si el derecho administrativo está concebido para posibilitar y asegurar que la administración pública logre de manera concreta los objetivos que le han sido fijados, satisfaciendo las necesidades de la comunidad y de los individuos que la integran, alcanzando el bienestar general que es sustento de nuestras libertades y derechos, oponiendo vallas eficaces a un intervencionismo estatal que si reconoce necesario, sólo resulta admisible cuando concurre al logro de ese bienestar general, toda su estructuración está presidida, orientada e iluminada por la existencia de esas finalidades que deben lograrse, las cuales tienen que ser reducidas a una idea que, como tal, careciendo de un contenido concreto propio o necesario, pueda admitir cualquiera que se desee insertar, desde fuera del campo jurídico, a esa noción que así aparecerá como jurídica.

La noción del bienestar general, no sólo declarada en el preámbulo, sino efectivizada a través de todo lo largo de nuestra Constitución nacional, encuentra su correlato jurídico en la idea de “interés público”, la cual puede ser concretada, por ahora, sobre la base de que existe el interés público cuando en él, una mayoría de individuos y en definitiva cada uno, puede reconocer y escindir del mismo su interés individual (Gordillo), personal, directo y actual o potencial. El interés público, así entendido, es no sólo la suma de una mayoría de intereses individuales coincidentes, personales, directos, actuales o eventuales, sino también el resultado de un interés emergente de la existencia de la vida en comunidad, en el cual la mayoría de los individuos reconocen, también, un interés propio y directo.20

Assim nascem as primeiras linhas em que Jorge Escola ensina seu conceito de “interesse público”. Para este autor, o interesse público não é somente a finalidade dos atos administrativos e, logo, da Administração; para ele o interesse público seria o próprio fundamento do Direito Administrativo.

Sendo assim, é dever do Estado prezar pela inserção social daqueles que a Lei de Cotas tutela, mas este dever não se limita a isso. O Estado, além de instituir a obrigação às

20 ESCOLA, Héctor Jorge. El interes público como fundamento del derecho administrativo. Buenos Aires:

(29)

29 empresas ora discutida e fiscalizar seu cumprimento, deve fomentar esta conduta para que a inserção social desta classe de pessoas por meio do trabalho seja de fato concretizada. O interesse público é de que o trabalho tenha seu valor social, e isto está expresso na Carta Cidadã de 1988 no próprio artigo 1°, inciso IV, como fundamento da República, e diga-se, ao lado do princípio da livre iniciativa. É trabalho da Administração, portanto, promover por meio de políticas públicas a efetiva conciliação destes princípios, visando ao interesse público.

Pensamos que hoje nos encontramos em situação em que a mera imposição das cotas não é suficiente e, logo, para a efetiva concretização desta inserção social que se pleiteia, o Estado deve chamar para si parte desta responsabilidade, trabalhando em conjunto com a iniciativa privada, e não simplesmente aumentando a pena pelo descumprimento da norma em questão. A responsabilidade pela inserção social é de interesse público e deve ser assim tratada, buscando-se a eficácia social da norma, e não a mera fuga das obrigações e deveres que o Estado Social de Direito impõe à Administração que acabou, de certo modo e em alguma medida, delegando sua função administrativa e, logo, pública.

Longe de se sustentar que tão-somente à Administração incumbiria o dever da contratação de pessoas portadoras de deficiência ou reabilitadas, e, seguindo este raciocínio simplista, defender que o remanescente deste grupo deveria ser realocado por programas assistencialistas. Defendemos que o Estado, hoje, deve dar um passo além da Lei de Cotas,datada de 1991, frise-se, para a concretização desta bela ideia que é a inclusão social por meio do trabalho.

Além da obrigação de oferecer percentual das vagas oriundas de concursos públicos a estas pessoas, cabe ao Estado incentivar as empresas privadas no cumprimento da Lei de Cotas, tornando a obrigação de contratar imposta pelo referido diploma normativo uma efetiva política pública, algo que não ocorre no cotidiano.

Celso Antônio Bandeira de Mello afirmou diversas vezes que “política pública” nada mais é do que uma série de atos administrativos visando um fim público.21 Ora, a imposição legal de contratar um percentual de pessoas dentro de uma determinada classe não consubstancia política pública; somente mais uma obrigação legal.

21 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Princípio da moralidade. In Revista de Direito Tributário, São Paulo,

(30)

30 O interesse público foi conceituado por diversos doutrinadores e cada um deles explorou uma faceta deste princípio fundamental do Direito Público. Celso Antônio Bandeira de Mello considera-o uma das “pedras de toque” do Direito Administrativo.22

Vale a pena citar o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello, quando inaugura sua discussão sobre os princípios no Direito Administrativo, e sua importância basilar no sistema jurídico-administrativo e no próprio regime administrativo:

Cumpre, pois, inicialmente, indicar em que sentido estamos a tomar o termo princípio, tal como vimos fazendo desde 1971, quando pela primeira vez enunciamos a acepção que lhe estávamos a atribuir. À época dissemos: “Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico”. Eis porque: “violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.23

Para o autor, dois são os princípios mais importantes no Direito Administrativo pátrio, ou suas “pedras de toque”, quais sejam: (i) a supremacia do interesse público sobre o privado e (ii) a indisponibilidade, pela Administração, dos interesses públicos.24

Celso Antônio ainda expõe o seu conceito de interesse público como o de interesse do todo, do conjunto social, mas ao mesmo tempo como também o somatório dos interesses individuais. Entretanto, sua concepção não se limita a isso.

Sob seu entendimento, não pode haver interesse público conflituoso com os interesses de cada membro da sociedade. Pode haver choque entre o interesse público e o interesse de um indivíduo, por óbvio, prevalecendo aquele, mas a partir do momento em que se confunde o

22 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010,

p. 55.

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31 interesse público com o interesse do Estado, entra-se em um Estado absolutista, que não se confunde com Estado de Direito.25

É que, na verdade, o interesse público, o interesse do todo, do conjunto social, nada mais é que a dimensão pública dos interesses individuais, ou seja, dos interesses de cada indivíduo enquanto partícipe da Sociedade (entificada juridicamente no Estado), nisto se abrigando também o depósito intertemporal destes mesmos interesses, vale dizer, já agora, encarados eles em sua continuidade histórica, tendo em vista a sucessividade das gerações de seus nacionais.26

Deve-se lembrar que, para Celso Antônio Bandeira de Mello, não é em toda e qualquer situação que o interesse privado será preterido ao público, pois: “[...] De outro lado, é evidente, e de evidência solar, que a proteção do interesse privado nos termos do que estiver disposto na Constituição, é, também ela, um interesse público, tal como qualquer outro, a ser fielmente resguardado [...].”27

É importante esta lição porque o intérprete afoito poderia se equivocar e concluir que o interesse privado nunca deveria ser resguardado, o que poderia trazer, inexoravelmente, uma espécie de socialismo utópico à tona.

Celso Antônio Bandeira de Mello trabalha o conceito de interesse público de maneira interessante, afirmando consistir na “dimensão pública dos interesses individuais”, ou seja, deve-se analisar o caso concreto para que deve-seja aferido qual interesdeve-se deve preponderar na situação fática específica.

Exemplificando, o direito de determinada pessoa à propriedade deve prevalecer se a propriedade cumpre com sua função social, contudo, se esta mesma propriedade não a cumpre, poderá ser objeto de desapropriação em certos casos previstos por lei.

Ademais, a própria Constituição Federal de 1988 prevê, em seu artigo 243, que mesmo respeitada a função social da propriedade, se esta é utilizada para a cultura ilegal de plantas psicotrópicas, o Estado deverá expropriá-la.

25 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010,

pp. 58-59.

(32)

32 Em todos estes casos é o interesse público o que se tutela, mas ora se ressalta o direito à propriedade do indivíduo e ora se ressalta o caráter sócio-funcional do mesmo direito em nossa ordem jurídica.

A denominada “função administrativa” é justamente este dever já mencionado do Estado de satisfazer o interesse público. O titular do poder é o povo e o Estado o exerce em nome dele; não o contrário.

Quem exerce “função administrativa” está adstrito a satisfazer interesses públicos, ou seja, interesses de outrem: a coletividade. Por isso, o uso das prerrogativas da Administração é legítimo se quando e na medida indispensável ao atendimento dos interesses públicos; vale dizer, do povo, porquanto nos Estados Democráticos o poder emana no povo e em seu proveito terá de ser exercido.28

Com estas considerações sobre princípios, supremacia do interesse público sobre o privado e função administrativa, afirmamos que faz parte desta função, logo, é “dever-poder”, do Estado fornecer plenas condições para o exercício profissional pelos reabilitados e portadores de deficiência e, com isso, promover sua inserção social pelo trabalho.

O Estado não deve, somente, obrigar empresas a contratação, deve promover a qualificação profissional dessas pessoas, deve incentivar a prática de sua contratação para além das cotas; algo que motivado apenas pela obrigação legal não se verifica suficiente.

Se a grande maioria das empresas médias sequer obedece à Lei de Cotas, conforme constatamos em pesquisa empírica, quem dirá ultrapassar este limite. É então que deve atuar o Estado.

No cenário atual, não basta a imposição de contratar o percentual estipulado em Lei referente às pessoas reabilitadas ou portadoras de deficiência, o Estado deve se preocupar efetivamente em melhorar a qualidade de vida destas pessoas, almejando a isonomia material. Voltando ao pensamento do espanhol Héctor Jorge Escola:

28 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010,

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33

Lo expuesto significa reconocer que el hombre de nuestra época no se conforma ya con la existencia de una administración pública que no oponga trabas ni barreras al libre ejercicio de los derechos de cada uno, sino que postula una actividad administrativa que de manera positiva asegure el goce de tales libertades. Además de que la administración pública no estorbe ni restrinja o coarte los derechos individuales, es menester que, por medio de hechos y actos positivos, coadyuve al mejor logro de ellos.

[...]

Es innegable que este problema existe, y que debe ser afrontado sobre una base realista, que sin dejar de reconocer la necesidad irreductible de los derechos y libertades legalmente protegidos, admita la necesidad de una mayor y ya inexcusable intervención de la administración pública y del Estado en general, pero precisamente para que esos derechos y libertades no sean algo puramente declamado, sino efectiva y plenamente gozado.

La fundamentación de las naciones de actividad administrativa, y de administración pública, a partir de la idea de la existencia de un interés público, en el cual cada uno de nosotros puede escindir su propio interés personal y directo, actual o eventual, sirve a ese propósito, y habrá de servir a ese objeto, haciendo que cada individuo conserve en plenitud su pretensión de gozar efectivamente de derechos y libertades reconocidos por el orden normativo, solicitando para ello una intervención de la administración pública que sólo será viable y admisible, cuando adopte los modos y procedimientos que la hagan concurrir, en definitiva, al logro de esos mismos derechos y libertades. Bajo el viejo principio de “dar para recibir”, cada uno consentirá en una merma de ciertos derechos y de parte de sus libertades, sólo en tanto y en cuanto esa merma sirva para el mejor goce de todas ellas.29

Fica claro que, para o autor, uma Administração que imponha barreiras ou travas para o livre exercício de direitos já não se comporta em conformidade com o conceito de interesse público.

A atividade administrativa deve necessariamente ser positiva, prestacional, ou seja, não pode a Administração limitar-se a destinar poucas vagas para reabilitados e portadores de deficiência em concursos públicos e obrigar empresas que contratem outros poucos oriundos desta classe. A Adminitração deve promover a inserção social sem este limite, sem esta trava.

É dever do Estado aperfeiçoar a atual Lei de Cotas, passados hoje vinte anos de sua edição, de forma a de fato incentivar as empresas a contratarem estas pessoas, oferecendo mais oportunidades do que a obrigação legal atual determina. A isonomia seria algo muito mais

29 ESCOLA, Héctor Jorge. El interes público como fundamento del derecho administrativo. Buenos Aires:

(34)

34 próximo da realidade social do que é na atualidade, implicando, consequentemente, o próximo passo rumo à igualdade.

Não estamos discutindo de quem seria a competência para a iniciativa da lei, até porque o tipo de incentivo que se sugere ainda não está em discussão neste ponto do trabalho. O que ora se discute é a responsabilidade social do Estado frente à pouca eficácia social desta legislação e frente à necessidade de se retirar esta efetiva “barreira legal” às empresas, ou seja, fomentar a contratação destas pessoas socialmente excluídas para promover a devida inclusão por meio do labor, como já discutido.

Diz-se “barreira legal” porque as empresas que efetivamente obedecem à Lei de Cotas na grande maioria das vezes são empresas de grande porte, empresas que prestam contas a acionistas, ou seja, empresas que já possuem o nível necessário de responsabilidade social e governança corporativa que lhes permitam adequar seu quadro de funcionários à sustentabilidade social e aos valores sociais do trabalho, nos termos da Constituição de 198830.

Para estas empresas, a Lei de Cotas funciona hoje como um entrave, pois existe a consciência social na empresa que a contratação destes trabalhadores exige, mas não há incentivo para a contratação além do número exigido por lei. Explica-se.

É fato que a adaptação das instalações físicas para a inclusão de portadores de deficiências físicas no quadro de funcionários custa caro. Acessos exclusivos por escadas devem ser adaptados com rampas ou elevadores; mesas e locais de trabalho devem ser adaptados às cadeiras de rodas, enfim, as inúmeras adaptações para receber pessoas com deficiência fazem com que a empresa tenha custos adicionais ao seu ativo imobilizado.

E não é só isso. A boa convivência entre trabalhadores contratados pelo regime de cotas e trabalhadores não contratados por este regime deve ser objeto de treinamento específico, para que as diferenças sejam bem aceitas no ambiente organizacional. Portanto, deve haver treinamento das pessoas envolvidas, o que gera mais custos à empresa.

Acrescente-se os centros de qualificação profissional que muitas empresas possuem para tão somente atender à oferta de trabalho de pessoas que seriam potenciais beneficiárias da Lei de Cotas, mas que, na prática, não possuem experiência profissional e nem tampouco

(35)

35 qualificação técnica para o exercício da função específica. As empresas arcam com os custos envolvidos para tanto sem incentivo governamental algum. Esses centros derivam da demanda de contratação imposta pela Lei de Cotas ou do elevado nível de consciência social das organizações em pauta.

Para todos os efeitos, se o Estado de fato promovesse a inclusão social incentivando as empresas contratantes neste caso, a Lei de Cotas não seria mais um entrave, seria tão somente um começo.

Se o Estado fomentasse a criação de centros educacionais e de qualificação técnica para estas pessoas, financiados pelas corporações ou não, a inclusão tomaria proporções mais condizentes com aquilo que a Constituição deseja, diferente da realidade presenciada31.

Haveria, portanto, o gozo efetivo da parcela dos cidadãos sob enfoque de seu direito à personalidade e inclusão via trabalho, e não o gozo em potencial que a Lei de Cotas hoje garante. Atender-se-ia, assim, ao interesse público.

El interés público, de tal modo, es la verdadera razón de ser y la verdadera explicación del derecho administrativo, su real fundamento, lo que permite superar la afirmación de que el derecho administrativo es el derecho de la administración pública, para remplazarla por la más exacta y general, a nuestro juicio, de que el derecho administrativo es el derecho del interés público, pretendido a través de la actividad administrativa.

[...]

Tal interés, entendido de este modo, pasa a ser público cuando no es exclusivo o propio de una o pocas personas, sino cuando participan o coinciden en el mismo un número tal de personas, componentes de una comunidad determinada, que puede llegar a identificárselo como de todo el grupo, inclusive respecto de aquellos que, individualmente, puedan o no compartirlo.

Para que exista un interés debe darse, imprescindiblemente, una valoración consciente y libre, que haga aparecer como importante la cosa o el bien sobre el cual recaiga, y una volición razonada que haga deseable o pretendible esa cosa importante.32

31 Trataremos deste ponto tangencialmente mais adiante, ainda que ligeiramente, por transbordar do escopo do

presente estudo.

32 ESCOLA, Héctor Jorge. El interes público como fundamento del derecho administrativo. Buenos Aires:

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36 Desta passagem de Jorge Escola, pode-se aferir que o interesse público, em sua concepção, deve decorrer da valoração consciente e livre sobre bem jurídico reputado importante pela coletividade daquela sociedade.

Ora, que melhor maneira uma determinada comunidade pode valorar um bem jurídico do que colocá-lo sob a tutela do texto constitucional que rege suas relações jurídicas?

Assim, a Constituição Federal de 1988 torna-se de extrema valia ao intérprete, posto que abarca diversas normas garantidoras de direitos e impositivas de princípios a que devem se submeter tanto os administrados como a Administração33.

Visando concretizar alguns destes dispositivos constitucionais referentes à inclusão social, a responsabilidade do Estado terminaria quando este ente delega à iniciativa privada a contratação de 2%, 3%, 4% ou até 5% de pessoas reabilitadas ou portadoras de deficiência? Pensamos que não.

El interés público no es un concepto carente de contenido concreto; por el contrario, tal contenido debe ser reconocible y determinable, consistiendo en una cosa o un bien que es perceptible para cualquier componente de la sociedad.34

Esta preocupação do autor acima citado, em demonstrar que o interesse público deve possuir conteúdo concreto é de suma relevância, pois interesse público que se verifica demasiadamente abstrato pode ensejar ditaduras e governos autoritários, que mentem para o povo sustentando seus atos arbitrários em palavras desprovidas de sentido delimitado, ou seja, termos genéricos e abstratos como “segurança nacional” ou ainda “espírito do povo”, para exemplificar com um caso brasileiro e outro alemão.

Outra exigência para a averiguação da consistência do interesse público vigente é a atualidade do mesmo. Sobre o tema, Héctor Jorge Escola também se manifesta, mas no seguinte sentido:

33 Cf. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, artigos: 1º; 3º; 5º; 7º, XXXI; 23, II; 24, XIV; 37, VIII;

40, §4º, I; 203, IV e V; 208, III; 227, § 1º e 2º e 244.

34 ESCOLA, Héctor Jorge. El interes público como fundamento del derecho administrativo. Buenos Aires:

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37

Otra importante condición de todo interés público es la de que su contenido concreto debe ser, al mismo tiempo, actual.

Esto significa que el contenido de cualquier interés público debe consistir en un valor, espiritual o material, que es querido realmente por la mayoría de los componentes de la comunidad en el momento en que se manifiesta, quedando así reconocido, pudiendo escindir del mismo cada individuo su interés individual componente.

Esa exigencia de actualidad es la que da verdadera vigencia al interés público, que es algo querido ahora por la mayoría del conjunto social, y no algo querido en el pasado, pero que ya puede no serlo, o algo que se supone que habrá de ser querido en el futuro.35

Ainda que seja uma definição controvertida, vale a pena citar o autor em referência quanto ao seu conceito de interesse público:

El interés público – de tal modo – es el resultado de un conjunto de intereses individuales compartidos y coincidentes de un grupo mayoritario de individuos, que se asigna a toda la comunidad como consecuencia de esa mayoría, y que encuentra su origen en el querer axiológico de esos individuos, apareciendo con un contenido concreto e determinado, actual, eventual o potencial, personal y directo respecto de ellos, que pueden reconocer en él su propio querer y su propia valoración, prevaleciendo sobre los intereses individuales que se le opongan o lo afecten, a los que desplaza o sustituye, sin aniquilarlos.36

O direito positivo é a forma que dispomos para alterar as regras de convívio social, visando melhorar a sociedade, para que cada vez mais seja voltada à igualdade entre as pessoas. Jorge Escola vai além e disserta sobre um “direito a ser feliz” que o homem possuiria. Ainda que utópico e com forte viés filosófico, não teria o intrépido autor certa razão em sua colocação?

Buscamos a transformação social via elaboração legislativa e o conceito de justiça é um axioma que nunca seria passível de ponderação, posto que não poderia ser afastado em caso algum. Pois bem, se o Estado por meio de incentivos à iniciativa privada tornasse a existência dos

35 ESCOLA, Héctor Jorge. El interes público como fundamento del derecho administrativo. Buenos Aires:

Depalma, 1989, p. 247.

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Figura 1 - Os períodos históricos do assistencialismo aos portadores de deficiência no Brasil
Tabela 2 - Análise dos diplomas normativos a partir da acessibilidade a direitos

Referências

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