O FIM ÚLTIMO DA ÉTICA DE SANTO TOMÁS DE AQUINO (2011)
1SIQUEIRA, Grégori Lopes
2; BRIXNER, Israel
2; SIMÕES, Mauro Cardoso
31
Trabalho de Pesquisa _UNIFRA
2
Acadêmicos do Curso de Filosofia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil
3
Professor Orientador do Curso de Filosofia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil
E-mail: gregsiqueira@yahoo.com.br; israelbrixnerl@hotmail.com; mcsimoes@hotmail.com.
RESUMO
O presente artigo objetiva refletir sobre a concepção ética de Tomás de Aquino no
que diz respeito a noção de bem, perfeição e felicidade como finalidade. Demonstraremos
que a felicidade é o fim que todo homem deseja, é a virtude das virtudes e que só pode ser
obtida na prática social, ainda que imperfeita. Para Aquino, o homem conhece o fim das
coisas, mas não conhece plenamente Deus. O pecado provém de uma disposição natural
do homem, que pode ser boa em alguns momentos e mau em outros. Ademais, dois são os
objetos da ética tomista: o estudo dos atos humanos e o estudo da moralidade, que trata
sobre a bondade ou maldade humana proveniente da ação voluntária. Portanto, a ética de
Aquino basicamente tem a intenção de levar o homem, juntamente com seus atos livres, ao
bem último, felicidade última, que é Deus.
Palavras-chave: Ética; Felicidade; Moral; Virtude.
1. INTRODUÇÃO
Tomás de Aquino elaborou sua concepção de ética a partir da moral cristã revelada,
o decálogo, em conformidade com os princípios morais e a metafísica. Seus comentários
sobre o livro Ética a Nicômaco de Aristóteles embasam seu pensamento a cerca da ética. A
ética tomista difere da ética dos antigos, por esta estar mais ligada à noção de liberdade no
campo político e social, enquanto aquela considera a ética sob a noção de livre-arbítrio de
cada indivíduo, que pode optar pelo bem ou mal a partir de sua própria racionalidade.
liberdade. O sentimento da culpa originária coloca o vício como constitutivo da vontade e,
dessa maneira, a ética não pode ser apenas a conduta racional que regula a vontade e
submete as paixões, mas ainda exige a submissão da vontade humana a outra vontade,
transcendente e essencialmente boa, que define os comportamentos morais, que não é
mais da felicidade social, mas da salvação extraterrena e extratemporal. Assim, o conceito
de vontade deve ser sempre entendido com aquilo que é voltado para o sumo bem, para o
que é excelso, para Deus.
A contribuição ética de Aquino e dos medievais para o indivíduo foi: a submissão
humana à ética divina revelada pelas sagradas escrituras; a ascese humana; a criação da
ética do pecado original; o estabelecimento da premissa ética da culpa coletiva; a ética da
caridade solidariza os homens entre si; faz admitir que a miséria e a imperfeição moral são
congênitas à humanidade; converte o homem em observador da potência divina; favorece o
cultivo de uma ética de interiorização e de introspecção; e estimula a ética do conflito e das
soluções duais entre alma e corpo, justiça e injustiça, virtude e pecado, bem e mal.
2. ÉTICA TELEOLÓGICA TOMISTA
Conforme comentário de Gilson (1982, p.476) o homem, como todos os demais
seres, foi feito para um determinado fim, mas somente ele é capaz de conhecê-lo. Todo o
homem tem uma tendência natural a seu fim, assim como toda forma traz em si uma
tendência final, como o fogo tende para o alto naturalmente.
Segundo Bittar (2007, p.269) “a ética tomista é uma ética teleológica, na medida em
que deposita a finalidade do obrar ético na noção de Bem Comum, com base na escolha do
bem e do que é melhor”. Este fim último ou finalidade do agir humano, que está ligado à
vontade livre do indivíduo é a felicidade, e é impossível pensarmos muitas finalidades neste
agir humano, pois as demais são imperfeitas e não satisfazem a prática dos atos.
Assim, a felicidade não se encontra em plenitude nos entes criados por Deus, senão
no próprio criador. Pelo conhecimento do amor de Deus e do bem agir, o homem é capaz de
conhecer a felicidade de forma parcial ainda nesta vida, e aperfeiçoar suas atitudes com
bem exteriores. Porém, a felicidade perfeita se encontra somente na vida eterna ao lado de
Deus. Por possuir conhecimento espiritual e tendência racional, o humano se insere no reino
da moralidade.
3. O CARÁTER VOLITIVO DA AÇÃO HUMANA
Ação voluntária é aquela que procede de um princípio intrínseco que tenha
conhecimento formal do fim. Segundo Bittar (2007, p.269), “a atividade ética consiste
exatamente em, pela razão prática, discernir o mal do bem e executar o escolhido através
da vontade, destinando-se atos e comportamentos para um determinado fim, que é o bem”.
Entende-se por ato voluntário tudo aquilo que é determinado pela vontade, e vontade
é tudo o que está voltado para o bem, segundo Aquino. O bem em geral é conceituado
como beatitude, sendo esta uma capacidade imperfeita para o indivíduo, que apenas
contempla a beatitude perfeita no Deus criador.
Assim como o intelecto, por sua própria essência, adere necessariamente aos primeiros princípios, assim a vontade adere necessariamente e por natureza, ao último fim, que é a beatitude [...] Entretanto, a vontade não propende necessariamente senão para o bem em geral, o “bonum secundum communem boni rationem, não, porém, para todos os bens particulares [...]” (GILSON, 1982, p.476-477)
O ato voluntário é um bem necessário, como no caso do indivíduo que
voluntariamente e pela própria razão opta por fazer o bem e evitar o mal. Porém algumas
coisas podem influenciar o ato voluntário, levando alguns a optarem irracionalmente por atos
contrários à vontade, ou seja, ao bem e a beatitude. Entre estas coisas estão as paixões da
alma, como: a concupiscência, que está relacionada ao bem prazeroso e aos apetites; o
medo, que é uma paixão causada pela eminência de um mal difícil de evitar; a violência, que
viola o uso livre do princípio intrínseco; e a ignorância, que retrai o devido conhecimento.
Por ação moral se entende a ação voluntária e livre acerca de um bem ou de um
mal, sendo o ato humano sempre individual e nunca indiferente moralmente. Bittar descreve
que
“o ato moral de escolha do bem, e de repúdio do mal (bonum faciendum et male vitandum), consiste numa atividade racional na medida em que os melhores meios se escolhem pela experiência haurida, direcionando-se para a realização do bem vislumbrado também pela razão.” (2007, p.269)
O ato humano moralmente bom e que se torne um hábito no indivíduo é chamado de
virtude, enquanto que um ato mau é chamado de pecado. O pecado é a aversão à norma
moral estabelecida e que acarreta a uma ofensa ao fim último que é Deus. O pecado pode
ser grave ou mortal, quando o indivíduo pelo ato humano se volta totalmente contra o bem
criado e por consequência a uma aversão total ao fim último que é Deus; e leve ou venial,
quando o homem se volta parcialmente contra o bem criado e a uma aversão parcial ao fim
último que é Deus.
Se o fim deste ato voluntário for bom, bom é também o respctivo ato da vontade; se for mau, também este será mau. Em suma, a bondade do ato voluntário depende da reta ordenação do ato para o fim, ou da “intenção”. “Unde cum bonitas voluntatis dependet a bonitate voliti... necesse est quod dependeat ex intentione finis”. (GILSON, 1982, p.479)
Tudo o que faz parte da natureza corresponde a um ato bom, e todo ato mau ou
pecado é um ato livre que contraria a lei da natureza e vai contra a lei inscrita por Deus.
5. A LEI MORAL
A lei na visão de Tomás de Aquino é a medida de qualquer ato a partir da concepção
racional que estabelece uma ordenação dos atos humanos voltados para o bem comum.
Gilson (1982, p.480) relata que “sendo o fim dos atos humanos a beatitude, segue-se que
também as leis, que são as normas daqueles atos, devem dizer respeito à beatitude”.
lex aeterna é o plano racional de Deus, a ordem do universo inteiro, pela qual a sabedoria divina dirige todas as coisas para seu fim [...] Entretanto, há uma parte dessa lei eterna da qual, como natureza racional, o homem é partícipe. E tal partecipatio legis aeternae in rationali creatura é denominada por Tomás com o nome de lei natural. (REALE, 2007, p.228)
Reale (2007, p.229) afirma ainda que a lei humana é a lei jurídica criada pelo homem
com o fim de dissuadir os indivíduos do mal em vista do bem comum social.
A lei pode ser essencial, quando procede de Deus como princípio e regra de todas
as ações humanas, ou participativa, quando estabelecida pelos homens. A lei participativa
pode ser positiva essencial, quando a lei civil é estritamente considerada; ou acidental,
quando está pautada nos princípios gerais da lei natural.
A nós, foi dado conhecer a lei eterna pela participação, logo a lei natural inscrita na
mente humana é a participação da lei eterna de Deus. Assim, é da lei natural na mente
humana que procede a lei civil, na qual deve manifestar uma inclinação natural a lei eterna.
E toda a lei obriga o sujeito a observá-la, sob aplicação de pena no caso de sua não
observação.
6. AS PAIXÕES DA ALMA
Faitanin descreve que as paixões, emoções ou sentimentos da alma humana são
movimentos dos apetites sensíveis causados pela imaginação no que se refere ao bem ou
ao mal.
A alma humana possui três faculdades, sendo a primeira a intelectiva, que possui as
potências da razão e da vontade, sendo a razão aquela faculdade humana que se ordena à
verdade, enquanto que a vontade é o apetite do intelecto que se ordena a um bem.
A segunda faculdade da alma é a sensitiva, que possui as potências concupiscível e
irascível, sendo a concupiscível aquela que move a alma para a busca de um bem sensível
e evitar um mal sensível, enquanto que a irascível é aquela que move a alma para a busca
de bens sensíveis difíceis de conseguir e evitar os males sensíveis difíceis de evitar.
E a terceira faculdade é a vegetativa, que move a alma humana na consecução e
realização de suas funções inferiores ligadas ao corpo, como o crescimento e a diminuição.
7. AS VIRTUDES MORAIS
Gilson (1982, p.479) define a virtude como uma disposição ou inclinação para agir
conforme a razão, sendo a virtude uma perfeição do ato humano. O homem, não sendo puro
intelecto, necessita da reta disposição, não só no pensar, como no querer. Isto faz-nos
distinguir entre a virtude intelectual e a virtude volicional.
Todo ato repetido gera um hábito e o hábito, segundo o mal gera o vício e segundo o
bem gera a virtude. Assim o que constitui um hábito bom é a execução de um ato bom
seguido de repetição, da mesma forma acontece com o hábito mau. A este conceito de
repetição e de hábito está o conceito de sinderese.
Por sua própria natureza o homem tem o livre-arbítrio: ele não se dirige para um fim. E como há nele um habitus natural de captar os princípios do conhecimento, também há sempre nele uma disposição ou habitus natural – a assim chamada sindérese – que o leva a compreender os princípios que inspiram e guiam as boas ações. (REALE, 2007, p.227)
Bittar (2007, p.270-271) descreve que a sinderese atua de modo a estabelecer o fim
da razão prática, que é o bem. Já o mal somente encontra lugar como bem aparente, como
um julgamento equivocado devido à escolha de um mal com aparência de bem. O mal, na
teoria tomista não é fim de uma ação, pois representa tão somente a privação do bem.
Segundo Gilson (1982, p.480), “enquanto as virtudes regulam nossa vida interna, as
leis visam nortear nossa vida externa”; assim a virtude uma vez gerada pelo hábito ou
sinderese, torna melhor a natureza e a pessoa que a possui a partir de seu interior que esta
voltado ao sumo bem, ao fim do indivíduo, que é Deus. Assim, é possível observar que é
mais fácil adquirir um hábito bom originado das virtudes, do que remover um hábito mau
gerado pelo vício.
As virtudes possuem as propriedades de ser o justo meio termo, entre o excesso e a
deficiência, tornar a ação fácil e deleitável, relacionar-se com outras virtudes e com o fim
último, e não se verter ao mal.
causas; e a prudência, que é a reta razão no agir.
Da mesma forma Gilson (1982, p.480) descreve que há três virtudes morais, a saber:
a justiça, embasada na sentença ‘dar a cada um o que lhe convém’; a temperança, que se
trata da virtude da reta razão que põe moderação na vontade frente ao apetite sensitivo
concupiscível; e a fortaleza, que se trata da virtude da reta razão que põe firmeza na
vontade frente ao apetite sensitivo irascível.
8. VÍCIOS
Em oposição à virtude encontra-se o pecado, que se opõe ao fim bom que a virtude
se ordena; a malícia, que se opõe à bondade que é própria da virtude; e o vício, que se
opõe à disposição ao bem que é próprio da virtude e que se caracteriza por uma desordem
do intelecto e das potencias apetitivas.
Faitanin relata que vício é a privação da perfeição da natureza por disposição
habitual, contrária ao bem comum, e em oposição às virtudes estão os sete pecados
capitais: a soberba, que é o apetite desordenado da própria excelência e início de todos os
vícios; a avareza, que é o apetite desordenado das riquezas, de qualquer bem temporal e
corruptíveis; a inveja, que é o apetite desordenado dos bens alheios que se caracterizam
como uma tristeza em que considera que o bem do outro é um mal pessoal; a preguiça, que
é o apetite desordenado que se configura como uma tristeza profunda que produz no
espírito do homem tal depressão que este não tem vontade ou ânimo de fazer mais nada, e
se manifesta como um torpor do espírito que não pode empreender o bem; a ira, que é o
apetite desordenado que se configura como tristeza e se conflagra no desejo e na
esperança de vingança; a gula, que é o apetite desordenado do desejo e do deleite de
alimentos; e a luxúria, que o apetite desordenado do desejo e dos prazeres sexuais.
9. VIRTUDES SOCIAIS
A noção de virtude de Tomás de Aquino, ligado ao conceito de justiça, segue a
mesma linha dos antigos, conforme Bittar.
se a discussão sobre o justo e o injusto se situa no âmbito dos conceitos éticos, é possível dizer que a justiça é uma virtude. (2007, p.272)
Bittar (2007, p.273) ainda comenta que a justiça é uma atividade da razão prática e
não de paixões interiores, sendo a justiça um meio para se chegar às virtudes. A virtude é
dita por Aquino como social por se tratar de humanos, sendo a relação de convívio entre os
homens uma relação social, e dentre estas relações existem as virtudes sociais, que se
tratam de qualidades.
As virtudes sociais, conforme Faitanin, são: a piedade, que se trata da virtude pela
qual se dá o devido respeito que se deve aos pais, parentes, amigos e à pátria; o respeito,
que se trata da virtude pela qual se reconhece a excelência e dignidade de outrem e o dever
de prestar-lhe honras; a honra, que se trata da virtude pela qual ao se reconhecer a
excelência e dignidade de outrem manifesta tal reconhecimento pelo testemunho das
palavras, gestos, saudações, ou com oferendas, brindes, estátuas; a obediência, que se
trata da virtude pela qual se reconhece pela ordem do direito natural e do divino, a retidão e
a excelência do mando de uma autoridade superior; a gratidão, que se trata da virtude pela
qual se reconhece a generosidade dos benfeitores; a verdade, que se trata da virtude pela
qual alguém diz a verdade e nesta acepção se diz verdadeiramente e é a virtude que torna
bom àquele que a possui e faz com que a sua obra seja boa; a amizade, que se trata da
virtude pela qual se mantém a harmonia da ordem entre as relações humanas em vistas ao
bem comum e do convívio; a liberalidade, que se trata da virtude pela qual se faz bom uso
daquelas coisas que poderíamos usar mal; e equidade, que se trata da virtude parte
essencial da justiça pela qual se realiza a justiça legal, por isso é a justiça com propriedade.
10. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ética medieval de Santo Tomás de Aquino, como foi visto, está totalmente voltada
à noção de livre-arbítrio, podendo o homem optar pelo bem ou pelo mal, pela justiça ou
injustiça, pelo certo ou pelo errado. O livre-arbítrio ao seguir a ordem natural das coisas age
por vontade, como uma inclinação e busca do indivíduo contemplar o fim último das coisas,
que é Deus. Pela vontade o indivíduo age virtuosamente. Porém se o indivíduo seguir suas
próprias paixões, ele acaba cometendo pecado, que pode gerar o vício, que o levará a se
afastar de Deus, que é o fim de todas as coisas.
Todo o bem praticado por meio de atos é consequência da fé e do conhecimento de Deus, e
o indivíduo, pelo livre-arbítrio deve escolher o bem e repudiar o mal para agir eticamente e
chegar à felicidade plena, que é Deus.
REFERÊNCIAS
BITTAR, Eduardo C. B. Curso de ética jurídica: ética geral e profissional. 5.ed.rev. São Paulo: Saraiva, 2007.
FAITANIN, Paulo. A ética tomista. Disponível em :
<http://www.aquinate.net/portal/Tomismo/Filosofia/tomismo-filosofia-a-etica-tomista.html>. Acesso em : 26 mai. 2011.
GILSON, Etienne. El Tomismo: Introducción a La Filosofía de Santo Tomás de Aquino. Trad. Alberto Oteiza Quirno. Buenos Aires: Ediciones Desclée de Brouwer, 1951.
GILSON, Etienne; BOEHNER, Philotheus. História da Filosofia Cristã. 2.ed. Trad. Raimundo Vier. Petrópolis: Vozes, 1982.