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Ética das Virtudes e educação em Aristóteles

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM FILOSOFIA

INÊS DIEGUES SACALOSKI

Ética das Virtudes e educação em Aristóteles

São Paulo 2015

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Inês Diegues Sacaloski

Ética das Virtudes e educação em Aristóteles

Dissertação apresentada por Inês Diegues Sacaloski. Como parte das exigências do programa de Pós Graduação stricto sensu da Universidade São Judas Tadeu para a obtenção do título de mestre em filosofia. Orientadora: Profª. Drª Regina André Rebollo

São Paulo 2015

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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da Universidade São Judas Tadeu

Bibliotecário: Ricardo de Lima - CRB 8/7464

Sacaloski, Inês Diegues

S119e Ética das virtudes e educação em Aristóteles / Inês Diegues Sacaloski. - São Paulo, 2015.

93 p. ; 30 cm.

Orientador: Regina André Rebollo

Dissertação (mestrado) – Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, 2015.

1. Aristoteles. 2. Educação - Filosofia. 3. Ética. I. Rebollo, Regina André. II. Universidade São Judas Tadeu, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Filosofia. III. Título

CDD 22 – 101

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Dissertação “Ética das Virtudes e educação em Aristóteles” Defendida em: .../.../2015.

Nota: ...

Banca Examinadora

Profª Drª Cristina Agostini

Profº. Dr. Paulo Jonas Piva

Profº Dr. Paulo Henrique Fernandes Silveira

Profª Drª Sonia Maria Dion

_______________________________________________________________ Drª Regina André Rebollo

Universidade São Judas Tadeu, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Filosofia.

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RESUMO

A dissertação, movida por indagações, algumas delas nascidas da prática em sala de aula e enquanto coordenadora pedagógica de escola pública em São Paulo pretende sustentar o quão é valiosa a Ética das virtudes de Aristóteles na formação do caráter no homem desde a tenra idade, para que o mesmo cumpra a sua finalidade do mundo que é ser feliz. Para Aristóteles o homem é um animal político cujas noções são possuídas em comum. E sendo a sua ética eudemonista, ou seja, aquela que admite ser a felicidade (eudaimonia) o fundamento da conduta humana moral, a finalidade da vida está relacionada à aquisição de virtudes. O nosso propósito é investigar na Ética a Nicômaco, contribuições de Aristóteles e sua ética das virtudes na ação pedagógica do cotidiano escolar nas crianças, desde cedo, e nos jovens, educados para determinadas hexeis (disposições) recebendo desde a mais tenra idade uma condução correta em direção a excelência, pois Aristóteles escreve que adquirimos a hexeis na habituação. Para tanto, investigaremos como o filósofo elabora o conceito de virtude e como apresenta o sujeito moral. Exploraremos também como Aristóteles concebe a educação na aquisição de virtudes.

Palavras-chave: Ética; Educação; Virtude.

ABSTRACT

The dissertation, driven by questions, some of them born of the practice in the classroom and as educational coordinator of public school in São Paulo intends to support how valuable is the Ethics of the virtues of Aristotle in the formation of character of man at an early age, so that it fulfills its purpose in the world that is to be happy. For Aristotle man is a political animal whose notions are owned in common. And with its eudaimonista ethics, that is,the one that admits being happiness (eudaimonia) the foundation of moral human conduct, the purpose of life is related to the acquisition of virtues. Our purpose is to investigate the Nicomachean Ethics, Aristotle and his contributions virtue ethics in the pedagogical action of everyday school life in children from an early age and the young, educated for certain hexeis (provisions) receiving from an early age a correct orientation toward excellence, as Aristotle writes that we acquire hexeis in habituation. Therefore, we will investigate how the philosopher elaborates the concept of virtue and how he presents the moral subject. We will also explore how Aristotle conceives the education in the acquisition of virtues.

Keywords : Ethics; Education; Virtue.

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DEDICATÓRIA

Ao Robert, Roberta e Renata, esposo e filhas. Sem eles eu não teria ultrapassado a primeira página. Com palavras de incentivo, com amor fizeram- me acreditar que a travessia por um mar de dificuldades seria exequível, quando isto me parecia absolutamente impossível.

À minha mãe, Maria Inês, a meu pai Daniel (in memorian) que por terem existido virtuosamente em minha vida, fizeram de mim um ser humano melhor, capaz da “excelência” como filha, irmã, amiga, esposa, mãe e educadora.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, que me ilumina e me guia em todos os momentos de minha vida.

Ao Robert que pacientemente suportou o meu silêncio estendido por horas de leitura e escrita. Com ele aprendi que o amor não necessita de palavras.

Aos professores da Universidade São Judas Tadeu que muito contribuíram com suas aulas na elaboração deste trabalho:

Profº. Dr. Floriano Jonas Cesar. Profº. Dr. Hélio Gentil.

Profº. Dr. Franklin Leopoldo e Silva.

Aos professores, Profº. Dr. Paulo Jonas Piva, Profª Drª Cristina Agostini agradeço pelas críticas certeiras e edificantes; pelas sugestões e incentivo que fizeram este trabalho crescer. Suas orientações no exame de qualificação contribuíram para a superação dos problemas de escrita e melhor compreensão na leitura de vida.

Aos professores, Profº. Dr. Paulo Henrique Fernandes Silveira e Profª Drª Sonia Maria Dion, minha gratidão.

Agradeço especialmente e com muito carinho à professora Drª Regina André Rebollo, minha orientadora. Exemplo de “ser humano virtuoso” que com seriedade e rigor mostrou sua generosidade em me acolher em todos os momentos de dúvidas nesta longa caminhada da elaboração desta dissertação. Aos professores de todas as épocas agradeço do fundo de minha alma.

(8)

SUMÁRIO

Resumo...4

Abstract...4

Dedicatória...5

Agradecimento...6

Sumário...7

Epígrafe...8

Introdução...9

CAPÍTULO 1 A FINALIDADE DA VIDA HUMANA...14

1.1. Compreendendo a moral aristotélica: A Ética à Nicômaco...17

1.2. A eudaimonia...19

1.3. O ergon (função) e o kalon (nobreza) da espécie humana...27

1.4. As virtudes...28

CAPÍTULO 2 RESPONSABILIDADE MORAL, LIBERDADE DE AÇÃO...32

2.1. As virtudes morais e as virtudes dianoéticas...33

2.1.1. Hexis: disposição...35

2.1.2. Mesotes: a doutrina do meio...41

2.2. Ação voluntária, involuntária e não voluntária, ações mistas...46

A) Escolha deliberada...52

B) Phronesis – Prudência...57

CAPÍTULO 3 Acrasia...64

3.1. Traços do caráter a se evitar...69

CAPÍTULO 4 Educação e experiência na conquista das virtudes...74

CONCLUSÃO...82

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...87

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EPÍGRAFE

Virtude

Ó opulenta e explêndida virtude Palácio luculento, quão sublime! Suavidade perene que redime De ti preciso, mas muito amiúde.

Facho divino, fonte de saúde, Arroubo de poesia, fléxil vime! Dá-me forças eternas com que anime

Esta angélica crença que me ilude.

No livro divinal está escrito, Caracteres dourados, que matiz! Que Deus dará o prêmio mui infinito

Que os anjos, a cantar, dizem: feliz! E um trono nobilíssimo, bendito! Àqueles que a ti baixam a cerviz.

Daniel R. Diegues(1949). (in memorian)

São Paulo 2015

(10)

INTRODUÇÃO

Com o intuito de realizar apresentação da dissertação, tecerei algumas considerações sustentando que a ética das virtudes de Aristóteles é essencial na formação do caráter do homem.

Experiências do cotidiano escolar relativas à vida ética foram responsáveis por duas razões da escolha do tema. O resultado de exame minucioso realizado ao longo dos anos dos problemas arrostados no dia a dia, concernentes a condutas de pessoas nas situações de convívio, de escolhas no agir ético, na falta de domínio das atitudes foram a primeira razão. A segunda razão, da necessidade de encontrar soluções para estes problemas descritos. Tais razões nos impulsionaram para uma busca de respostas na ética.

Somos a favor de uma sociedade livre e justa e por esta razão defendemos que a escola tem um papel importante na formação da vida ética e do homem virtuoso. A educação ética é um procedimento para toda a vida. Por isso, falar de virtudes é dar voz a quem poderá contribuir para que sejamos mais humanos e dignos. Aristóteles em sua obra “Ética a Nicômaco”1 (E.N) aborda questões éticas centrais relacionadas ao caráter. Esta obra será o centro e a fonte de toda a produção desta pesquisa, porque Aristóteles devota boa parte de sua obra para discutir as virtudes. Ele definiu a virtude como um traço característico manifestado nas ações habituais. A obra Ética a Nicômaco de Aristóteles foi escolhida por nós, porque dentre as obras dele que a tradição nos legou é das mais importantes a respeito do assunto; diz respeito a problemas centrais na ética que giram em torno da responsabilidade moral, liberdade da ação; constitui um arcabouço conceitual importante no desenvolvimento do nosso propósito.

Pretendemos examinar na obra como Aristóteles contribui no forjamento das virtudes desde a mais tenra idade.

Como afirma Broadie (2009, p. 314): “... muito do que ele tem a dizer na E.N continua a formar o nosso pensamento sobre questões práticas”.

1 Consultamos duas obras: ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução do grego de Antonio de Castro Caeiro. Editora Atlas. São Paulo. 2009 e Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W. D. Ross. Optamos pela obra de Antonio de Castro Caeiro para as citações.

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Existem questões de relevância universal hoje que também faziam parte do pensamento de Aristóteles em sua época e para as quais muito do que ele escreveu soam como respostas atuais.

É, portanto, uma ideia considerável explorar como Aristóteles concebe a educação na aquisição de virtudes, e isso demanda aprofundamento nessa obra por meio de seus grandes intérpretes como: Marco Zingano, Ursula Wolf, Marcelo Perini, Giovanni Reale, Antoine Hourdakis, Richard Kraut, Alberto Alonso Muñoz e ainda outros que nos auxiliem no seu entendimento.

Zingano em sua obra Aristóteles: Ethica Nicomachea I 13-III8 / Tratado da Virtude Moral oferece um belo trabalho para compreendermos as éticas do filósofo. É interessante destacar que Zingano sustenta que a ética aristotélica é uma ética da virtude; uma ética que desafia o princípio da codificabilidade generalizada dos princípios práticos. Ela é avessa ao dever. Além disso, o homem se torna bom por agir frequentemente de modo correto e, portanto, as virtudes resultam das ações, das boas ações.

Wolf citando Barnes retrata no seu Prefácio que a Ética a Nicômaco:

[...] é um dos textos mais influentes e efetivos da história da filosofia. Nenhum dos outros escritos de Aristóteles teve tantos comentários, e são poucos ainda os textos antigos que continuam tão atuais em sua contribuição no que diz respeito ao conteúdo em questão. Em sua introdução à filosofia de Aristóteles, escreve Jonathan Barnes:“A Ética, pode ser lida na realidade como um documento histórico – como testemunho da situação da filosofia prática no quarto século antes de Cristo. Mas pode ser lida também como uma contribuição para o debate atual, e os filósofos modernos tratam Aristóteles sempre ainda como um brilhante colega” (Apud BARNES 1982, p. 87)2.

Os filósofos modernos estudam muitas questões acerca da virtude, como: a medida de nossa responsabilidade pelo nosso caráter e a vinculação entre o caráter e a conduta do homem. Então perguntamos: é possível trazer a Ética a Nicômaco de Aristóteles para a atualidade?

Sim, é possível. Em primeiro lugar porque Aristóteles nos diz:

[...] a sensatez diz respeito à justiça, à beleza, à bondade para o Humano, são estes mesmos os fins em vista dos quais o homem de bem deve realizar suas ações (E.N. 2009, VI, 12, 1137 a 23 – 24).

2BARNES, apud. WOLF, Úrsula. A Ética a Nicômaco de Aristóteles. Tradução Enio Paulo Giachini. Edições Loyola. São Paulo: 2010. Prefácio, p.9.

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Segundo,

Assim, também a sabedoria cria a felicidade, pois sendo parte da excelência total, torna quem a possui feliz, isto é, o acionamento da sabedoria é causa da presença da felicidade nele. Além do mais, o trabalho específico do Humano é cumprido, na medida em que é feito de acordo com a sensatez e a excelência do caráter. De fato, a excelência faz do fim um fim correto, e a sensatez abre o encaminhamento nessa direção (E.N.2009, VI, 12, 1141 a 5 – 10).

Ser virtuoso, ou pelo menos, aproximar-se de um agir virtuoso, com sabedoria e prudência torna quem o possui “feliz”.

ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO

O objeto central do capítulo 1 vem a ser a finalidade da vida humana, uma vez que a Ética a Nicômaco em seu Livro I inicia com o estabelecimento da noção de felicidade sendo, neste sentido, uma ética eudemonista. A felicidade é definida como uma certa atividade da alma segundo perfeita virtude (E.N. 2009, I, 6, 1098 a 16 - 17). Definição que requer o estudo sobre a virtude e o exame da natureza da virtude moral. Consideraremos a constelação conceitual da doutrina feita por Aristóteles na Ética a Nicômaco: o sumo bem, a eudaimonia (felicidade) e o kalon (o eticamente nobre) da espécie humana, conceitos sustentados no Livro I da E.N. de suma importância para a compreensão do modelo educativo na formação do caráter do homem, para Aristóteles, que se traduz num modelo humanitário que conduz o homem à felicidade. Além do estudo de noções-chave apresentadas por Aristóteles, recorreremos a textos de comentadores que estabelecem um diálogo com o autor.

No Capítulo 2, discorreremos sobre a responsabilidade moral, a liberdade da ação. E ainda neste capítulo, as virtudes morais e virtudes dianoéticas, a hexis (disposição), a mesotes (justa medida) explorando o papel da razão e das emoções. Exporemos a teoria da alma em Aristóteles.

Investigaremos a ação voluntária, involuntária e não voluntária; as ações mistas; a escolha deliberada e a phronesis (prudência) encontrados nos Livros III, IV, V e VI. Por ser a chave da compreensão de toda a Ética de Aristóteles

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estaremos atentos ao conceito fundamental de phronesis, excelência ou virtude de uma das partes da alma capaz de razão, que pelo exercício dela, o ser humano valoriza a vida e não qualquer vida, mas a vida boa.

No capítulo 3, a Acrasia (falta de domínio) do Livro VII; examinando essas questões referentes a traços do caráter a serem evitados.

No capítulo 4, buscaremos compreender o que Aristóteles sugere para a aquisição da responsabilidade moral e como o agente, considerando circunstâncias sempre diferentes, decide moral e corretamente.

Finalizaremos com a argumentação de que a Ética a Nicômaco de Aristóteles pode, ainda hoje, nos servir de referência no exercício de virtudes, tendo como base as teses formuladas por Aristóteles principalmente pelo que ele mesmo revelou:

Se é melhor obter assim a felicidade através de uma certa aprendizagem e preocupação do que ser feliz por sorte, é mais razoável obtê-la desse modo. Se os entes que existem de acordo com a natureza são de tal modo constituídos que existem da melhor maneira possível, e se assim também é com os produtos resultantes de uma qualquer perícia humana ou de qualquer outra proveniência, assim será, por maioria de razão, com o que é oriundo do fundamento supremo. Confiar o sublime e o mais excelente ao acaso seria completamente absurdo (E.N. 2009, I, 9. 1099 b 20 - 25).

Pelo exercício faz toda a diferença habituar, desde cedo, virtudes porque o homem se torna moralmente bom por ter agido com frequência e por um longo tempo de modo correto. E um homem virtuoso se distingue dos outros porque as suas ações demonstram total controle da razão, fundada na possibilidade de dizer sim ou não, de fazer escolhas, de agir bem e nobremente, pois a razão pode apreender o bem verdadeiro.

Portanto, no processo de formação da criança até a fase adulta ao mesmo tempo em que está sendo orientada através de situações similares às de um virtuoso vai habituando e aprendendo a agir corretamente e tomando decisões por conta própria. A educação vai tornando a razão prática correta e é a ética de Aristóteles uma ética da ação. Consideraremos em nossa pesquisa, como já foi dito, obras nucleares de Aristóteles tais como: Ética a Nicômaco, A Política. Outras referências incluem comentadores como: Zingano, Ackrill, Aubenque, Broadie, e outros.

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Vale lembrar que entendemos não ser de bom senso transportar Aristóteles em relação direta com a contemporaneidade como se tudo o que ele enunciou em seus tratados pudesse ser validado em nossa realidade. O que importa é perceber de que modo as suas reflexões sobre a formação do caráter do homem nos ajudam a compreender as possibilidades de práticas intencionais, nas escolas, similares às de um virtuoso que possam ser vividas pelos educandos no cotidiano escolar. Se Aristóteles pensou que a felicidade é uma certa atividade da alma de acordo com uma excelência completa e a aquisição da mesma se dá através do tempo, do exercício e do hábito, pode ser interessante que a escola, como um lugar onde a vida acontece, possibilite práticas intencionais, na aquisição de um agir sensato. E a escola pode contribuir para esse aperfeiçoamento, por meio do hábito, por meio de processos educativos. Sendo, portanto, possível afirmar que ética possui uma relação com a pedagogia e os processos educativos são, também, processos éticos. Cabe à escola, então, um educador que forme indivíduos capazes de decidir em cada situação particular unindo o que deseja fazer com o que deve ser feito. E para isso é necessário cultivar esse como fazer.

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CAPÍTULO 1

A FINALIDADE DA VIDA HUMANA

Os fundamentos do ser e do agir são um tema obscuro, no entanto, central para a compreensão da nossa existência. O contexto contemporâneo, no qual se vive transformações não só científico-tecnológicas, mas também nas formas de pensar a moral é, também, importante para a nossa compreensão da finalidade da vida humana.

O homem, na sociedade contemporânea, vive numa realidade de consumismo, individualismo, prazeres momentâneos. Sociedade esta centrada nos interesses do indivíduo; tudo o que é estabelecido se desfaz muito rapidamente e o comportamento das pessoas é decidido no contexto e nas circunstâncias muitas vezes afastadas da vida ética. É neste cenário que encontramos uma série de abusos, contravenções, injustiças, barbárie. A sociedade capitalista que também contribuiu para gerar diferenças sociais e econômicas excluiu pessoas, constituiu sujeitos descomprometidos, egoístas, com objetivos focados exclusivamente nos interesses pessoais que abandonaram responsabilidades morais e sociais. Pessoas, cujo ideal de felicidade é a satisfação de interesses próprios, contudo escravas de modelos de felicidade impostos e relacionados às prioridades do consumo e do lucro.

Com a realidade do século XXI, e observando o agir humano, na tentativa de encontrar respostas e caminhos que nos conduzam a uma mudança desta realidade nos coube questionar: qual é a finalidade da vida hoje?

Não estamos certos de que o homem, hoje, se preocupe ou tenha tempo para refletir sobre a finalidade da vida, uma vez que está absorto por uma sociedade de dimensões assustadoras da barbárie. Mas, certos estamos de que essas pessoas se sentem órfãs, pois as suas atitudes demonstram que estão inseguras e desorientadas. Principalmente aquelas que estão preocupadas com o futuro de seus filhos se a sociedade prosseguir com práticas que afrontam o sentido de bem comum. É assustador, todo dia, nos depararmos com as evidências nas situações reais de violência, injustiça, hipocrisia, matança, traição, corrupção, desigualdade e imoralidade de pessoas que se dizem seres humanos. Pois é esta a realidade que estamos vivendo,

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que assola a nossa vida e da qual faz parte, não só o adulto, mas as crianças, que se continuarem a viver esta realidade estarão muito longe de se tornarem homens dignos, de bem, homens virtuosos e felizes.

Embora o homem viva em função de interesses próprios ele não vive sozinho e muito menos se sente feliz sozinho. Como afirma Reale (1994.p.124):

A natureza do homem demonstra que ele é absolutamente incapaz de viver isolado e, para ser si mesmo, tem necessidade de estabelecer relações com os seus semelhantes em todo momento da sua existência.

O homem depende do outro em algum sentido e o limite de ação do seu

“eu” é a existência do “outro”. Ou seja, o homem não se basta a si mesmo necessita da família, de outras pessoas, tem necessidade de estabelecer relações com os seus semelhantes para satisfazer suas necessidades da vida em geral. O comportamento do homem e parte do seu discurso parece revelar uma preferência por uma vida significativa. Uma vida peculiar ao ser humano, diferente das plantas, dos animais. Uma vida que expresse a natureza essencial do gênero humano. A sua função específica.

Faz-se necessário um repensar sobre tudo isso.

A finalidade da vida humana emerge da ação do homem. Ação constituída de sentido, prazer, de bem estar. O fato é que o homem sempre procura um bem. E este bem, a maioria o traduz como a felicidade.

Assegurar a compreensão do sentido da vida, sua finalidade, nos parece de suma importância e nos instiga a retomar um fato extremamente importante que Aristóteles notou há muitos séculos: o homem possui uma natureza essencial, a razão; e uma finalidade essencial, o ergon (função) da espécie humana.

Portanto, propomos uma retomada sobre a finalidade da vida humana aos moldes de Aristóteles: ser bom e agir de maneira virtuosa. Em A Política, para Aristóteles, o homem é por natureza um animal feito para a sociedade civil porque ele quer viver bem, quer ser feliz e para viverem felizes os homens estabelecem a sociedade civil:

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O homem é por sua natureza, como dissemos desde o começo ao falarmos do governo doméstico e do dos escravos, um animal feito para a sociedade civil. Assim, mesmo que não tivéssemos necessidade uns dos outros, não deixaríamos de desejar viver juntos. Na verdade, o interesse comum também nos une, pois cada um aí encontra meios de viver melhor. Eis, portanto, o nosso fim principal, comum a todos e a cada um em particular (A Política. p. 53).3

Argumentamos a favor da plausibilidade da ética das virtudes de Aristóteles na formação do caráter do homem contemporâneo com base no que o próprio filósofo diz sobre a função do Humano, o viver peculiar a ele, uma vez que é o único ser capacitante de razão. E também a ideia de preparar o homem para a vida prática, para a cidadania. Entendemos que ensinando um

“certo saber viver” que permita ao homem acertar no agir correto, a ação o aproximará da felicidade. Afinal, o desejo do homem é ser feliz. É cumprir a sua função bem e eticamente nobre (kalon). É praticar ações constituídas de sentido, de prazer, de bem estar.

Há na obra de Aristóteles um ideal de beleza moral, de nobreza que está muito longe do que se pode encontrar na moral dos dias atuais. Mas é esse ideal que torna a leitura de sua obra muito valiosa e nos faz refletir a respeito da grandeza da alma. Ele nos faz refletir sobre o tipo de pessoa que devemos ter por objetivo tornar-mo-nos. Afirma que “a presença da excelência no Humano permitirá restituir-lhe a sua função específica, a de se tornar em si próprio excelente” (E.N.II, 5,1106 a 24 - 25). Afirma também: “É próprio da sabedoria, tanto a de cada homem em particular quanto a de todo o Estado em geral, dirigir suas ações e sua conduta para o melhor fim” (A Política. p. 59).

Analisar a contribuição de Aristóteles, então, implica conhecer inicialmente a ideia do filósofo sobre a finalidade da vida, o para quê viver, pois compreendemos assim, a moral aristotélica. Quando o homem reconhece a necessidade de estabelecer relações com o outro, de que necessita dele não só para garantir as condições de uma vida em geral, mas para garantir as condições de uma vida perfeita, uma vida moral, sai de seu egoísmo e vive conforme o que é verdadeiramente bom, dando assim, sentido à sua vida.

3 ARISTÓTELES. A Política. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo. Martins Fontes. 2002.

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Para Aristóteles toda a ação aspira a um bem; deve haver um fim último para o agir; e esse fim é a felicidade.

1.1. Compreendendo a moral aristotélica – a ética nicomaquéia

O objetivo do trabalho é apresentar a ética nicomaquéia e sua constelação conceitual. No desdobramento deste capítulo discorreremos sobre a eudaimonia (felicidade) o kalon (o bem ético) da espécie humana e o ergon humano.

Aristóteles escreveu quatro grandes obras dedicadas à ética: Magna Moralia (M.M), Ethica Eudemia (E.E), Etica a Nicômaco (E.N) e Sobre virtudes e vícios. Segundo Zingano (2008, p.9), a Magna Moralia parece tratar de um curso de ética proferido por Aristóteles e a sua transcrição teria sido feita após a sua morte, dado que explicaria detalhes do grego, mais próximo do demótico do que do clássico ateniense. A Ethica Eudemia é considerada uma versão da ética de Aristóteles editada por seu discípulo Eudemo de Rodes. Segundo Zingano originalmente conteria livros comuns da E.N. Como ocorreu o desaparecimento dos livros IV, V e VI da E.E por alguma desventura eles teriam sido substituídos pelos livros correspondentes da E.N. Em outros trabalhos a esse respeito, como os de Anthony Kenny, as opiniões diferem. Pensa-se que os livros comuns originariamente pertenciam à E.E e foram transpostos com algumas adaptações (ZINGANO, 2008, p.10).

Não vamos nos ocupar com a Magna Moralia ou com a Ethica Eudemia nem mesmo com a Sobre virtudes e vícios, porque a nossa investigação irá se concentrar na Etica a Nicômaco, obra representante da moral aristotélica que está em consonância com o nosso argumento de que ainda hoje a contribuição da ética das virtudes de Aristóteles se faz necessária e essencial na formação do caráter do homem.

A Etica a Nicômaco revela uma maior maturidade filosófica e mais primor na argumentação de Aristóteles. É sua obra mais conhecida desde a Antiguidade. Talvez tenha sido escrita após o seu regresso a Atenas, onde fundou o Liceu. Há controvérsias a respeito do título “Ética a Nicômaco”. Uns dizem que foi em honra ao pai de Aristóteles que se chamava Nicômaco; outros, em honra de seu filho com o mesmo nome.

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Na obra, Aristóteles inicia com a noção de eudaimonia e por isso é uma ética eudemonista, ou seja, aquela que admite ser a felicidade o fundamento da conduta ética humana. Como afirma Aristóteles em outra obra:

(...) a felicidade consiste na ação, a melhor vida, tanto para o Estado inteiro como para cada um em particular, é, sem dúvida, a vida ativa. Ademais não devemos, como alguns imaginam, restringir a vida ativa apenas às ações que terminam fora, nem aos projetos que nascem da ocasião. Ela abarca também as meditações que tratam dessas ações e desses projetos e que, além do contentamento que por si mesmos proporcionam, ainda tornam a execução mais perfeita (A Política. p.64).

Aristóteles define a felicidade como uma atividade da alma, o que nos remete diretamente às ações que o homem faz ou deixa de fazer.

Nas palavras do próprio Aristóteles:

A felicidade parece, por conseguinte, ser de uma completude plena e autossuficiente, sendo o fim último de todas as ações possíveis. Mas talvez pareça ser algo já de assente o dar-se à felicidade o sentido de

<<o melhor de tudo>>; é, por isso, desejável que seja dito de um modo mais claro qual é a sua essência. Tal pode suceder eventualmente se se captar qual é a função específica do Humano (E.N. 2009, I, 7.1097 b 20-25).

A felicidade, portanto, baseada na ideia de que o homem possui uma função própria, ligada à sua essência, a vida ativa, segundo a razão.

É que o viver parece ser comum também aos vegetais e o que é procurado é o viver peculiar do Humano. Tem, pois, de se fazer abstração da função vital de nutrição e de capacidade de crescimento. Segue-se uma certa função vital perceptiva, a qual parece ser comum ao cavalo, ao boi e a todo o ente vivo. Resta, então, uma certa forma de vida ativa inerente na dimensão da alma, que no Humano é capacitante de razão (E.N. 2009, I, 7. 1098 a 1-5).

O Estagirita louva a razão no sentido de que esta torna as ações perfeitas. E a função do homem é buscar esse bem, a felicidade, de forma excelente.

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1.2. A eudamonia

Aristóteles abre o Livro I da Ética a Nicômaco com aquilo que o ser humano almeja como fim último de todas as coisas que realiza, quer na ação prática, quer através das suas habilidades, quer pelo conhecimento ou ciência, quer na realização dos seus desejos, anseios, objetivos ou decisões tomadas, ou seja, o que ele nomeia como certo Bem. Aristóteles coloca o Bem na base do seu pensamento ético. O Bem para ele é um fim a ser atingido:

Toda perícia e todo processo de investigação, do mesmo modo todo o procedimento prático e toda a decisão, parece lançar-se para um certo bem. É por isso que tem sido dito acertadamente que o bem é aquilo por que tudo anseia (E.N. 2009, I, 1. 1094 a 1 - 2).

Há três teses aqui: a) toda ação aspira a um bem; b) deve haver um fim último para o agir, um fim ótimo; c) esse fim decisivo é a eudaimonia o bem viver humano (WOLF, 2010, p. 21).

As palavras de Aristóteles fazem distinção entre as duas modalidades da ação humana: ações que tem um fim em si mesma e as que têm como fim a produção de uma obra. Ele afirma que são diversas as ações práticas, bem como o são diversas as habilidades do homem e as ciências e que, portanto, assim também são diversos os fins.

Estabelece uma diferença entre os fins e indica dois tipos de fins para as ações humanas: uns são as atividades, os próprios exercícios ativos (ações) ou o trabalho específico de cada ser humano; outros fins são os produtos que resultam das habilidades do trabalho específico do homem. E exatamente em razão da qualidade da perícia de cada um é que Aristóteles atribui valores diferentes para os fins. Ele faz uma distinção entre os fins das habilidades que ele nomeia de “superiores” daquelas habilidades “subordinadas”. E afirma que os fins das habilidades superiores são preferíveis aos fins das perícias subordinadas porque os fins das subordinadas são perseguidos em vista dos fins superiores. Aristóteles assim exemplifica: “a fabricação de rédeas e todas as outras perícias que produzem instrumentos hípicos estão subordinadas à arte de montar cavalo” (EN, 2009,I, 1. 1094 a 10 - 14).

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Como afirma Aristóteles, há um fim último que almejamos e esse fim será, segundo ele, o Bem. Na verdade, o sumo Bem. O que ele quer sugerir é que na realidade há um bem que é o melhor de todos:

Se, por conseguinte, entre os fins das ações a serem levadas a cabo há um pelo qual ansiamos por causa de si próprio, e os outros fins são fins, mas apenas em vista desse; se, por outro lado, nem tudo é escolhido em vista de qualquer coisa (porque, desse modo, prosseguir-se-ia até o infinito, de tal sorte que tal intenção seria vazia e vã), é evidente, então, que esse fim será o bem e, na verdade, o bem supremo (E.N. 2009, I, 2. 1094 a 18 – 20).

É importante ressaltar que nas suas obras Aristóteles relaciona os temas éticos aos políticos e em virtude disto ele julga que o bem verdadeiro é o mesmo tanto para o homem como para a cidade.

(...) mesmo que haja um único bem para cada indivíduo em particular e para todos em geral num Estado, parece que obter e conservar o bem pertencente a um Estado é obter e conservar um bem maior e mais completo. O bem que cada um obtém e conserva para si é suficiente para se dar a si próprio por satisfeito; mas um bem que um povo e os Estados obtêm e conservam é mais belo e mais próximo do que é divino ( E.N. I, 2. 1094 b 8 a 12).

Aristóteles assevera ser necessário buscar um bem para o homem na sua vida ativa. Esse bem está no campo da prática. Não é algo abstrato, nem conceitual. É algo que dá sentido a existência humana no lugar próprio de ocorrência, ou seja, na sociedade. Ele aponta para a importância de um bem último, o mais excelente para a vida do homem.

Na medida em que o homem busca em tudo o que faz um bem e esse bem é assim tão importante quanto um tesouro, ele tem importância decisiva para uma vida humana boa, é o seu objetivo final. Como o próprio filósofo escreveu: “não alcançaremos mais facilmente o que é devido, se, tal como arqueiros, tivermos um alvo a apontar, a perseguir?” (E.N. 2009,I, 2. 1094 a 25). E por ser assim tão importante Aristóteles nos alerta que devemos conhecer as características essenciais do que poderá ser esse sumo Bem e assim buscá-lo eficientemente em todas as ações, ciências e perícias. Temos aqui um “princípio constitutivo da racionalidade prática”, como bem expõe

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Lawrence em “O bem humano e a função humana(KRAUT, 2009, p.42). Ou seja, conhecer as características desse bem humano é uma demonstração da racionalidade do homem que busca não apenas um bem para si, mas o maior e o melhor bem.

O que poderá ser, então, o sumo bem? Para Aristóteles parece ser a felicidade.

Quanto ao nome desse bem, parece haver acordo entre a maioria dos homens. Tanto a maioria como os mais sofisticados dizem ser a felicidade, porque supõem que ser feliz é o mesmo que viver bem e passar bem (E.N. 2009, I, 4. 1095 a 15 – 20).

Cabe notar que ele não ignora no indivíduo os seus interesses ou os bens individuais, mas acredita que é possível conquistar um bem maior que seja o fim para todos. Aristóteles pensou a vida humana como algo que se desenrola na pólis (cidade). Para ele a cidade é o ápice que encerra os valores do homem. Reconhecemos neste ponto um princípio importante da ética e da política de Aristóteles. Este princípio se refere à educação, ou seja, na formação do homem ensinando-o a querer a melhor coisa da vida que possa ser útil para todas as pessoas.

Sabemos que na sociedade atual alguns homens não se preocupam com bens que possam ser úteis para todas as pessoas. Isso ocorre em consequência do seu pensamento egoísta ético, individualista, resultante de uma total indiferença aos valores que dizem respeito à vida social. Influenciado pelas prioridades de uma sociedade consumista, pouco ou nenhum espaço atribui para uma reflexão sobre um sumo bem que possa ser útil para todas as pessoas, embora o ser humano de hoje também deseje uma vida boa e bem sucedida. Por isso é muito importante conhecermos como Aristóteles pensou a vida humana uma vez que acreditamos que a educação pelas virtudes poderá conduzir o homem à felicidade.

Ao iniciar a Ética a Nicômaco Aristóteles discorre sobre um fim último para o “agir”, que ele chama de bem. Em seguida, introduz um termo que amplia o sentido deste bem: o sumo bem.

Isso leva a uma interpretação de que Aristóteles sugere ser esse bem o melhor de todos; um bem final que caracteriza uma vida humana boa e abrange todos os bens humanos possíveis. Wolf traz elementos importantes

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para esclarecer a respeito e não podemos deixar de transcrever a citação que segue:

Suponhamos que na vida de uma pessoa haja três fins a que ela aspira por causa deles mesmos, por exemplo, honra, riqueza e formação. A fim de que sua aspiração não fique no vazio, bastaria que ela realizasse um, dois ou até os três fins sem ligação entre eles (Wolf, 2010. P. 27).

Suponhamos que o sumo bem que ela deseja realizar no todo de sua vida seja a honra; então deveria subordinar os fins da riqueza e da formação ao desejo da honra; aspirar a eles, portanto, apenas na medida em que representam meios que ajudam a alcançar o fim último (WOLF, 2010, p. 28).

É necessário entender o que seja o bem para Aristóteles:

Talvez fosse melhor examinar o sentido do bem universal e passar em revista as dificuldades levantadas acerca do modo como ele é enunciado, ainda que uma tal tarefa nos seja penosa, porque aqueles que introduziram as <<ideias>>são nossos amigos (E.N. 2009, I, 6. 1096 a 11).

Aqui fica claro que Aristóteles se refere à doutrina platônica do Bem Supremo. Ele examina criticamente essa doutrina:

Além do mais, uma vez que <<bem>> se diz de tantos modos quantos se diz <<ser>> - porque ele é dito na categoria da substância, como, por exemplo, Deus e o poder de compreensão, também, na categoria da qualidade, como, por exemplo, as excelências; na categoria da quantidade, como , por exemplo a moderação; na categoria da relação, como, por exemplo o útil; na categoria do tempo, como, por exemplo, o momento oportuno, e ainda na categoria do espaço, como, por exemplo, as estadias saudáveis etc. - , é evidente que não há nenhum bem comum, universal e uno, porque se assim fosse, não poderia ser predicado de todas aquelas diferentes categorias, mas teria que existir apenas de acordo com uma única ( E.N. 2009, I, 6. 1096 a 25 - 30).

Não é admissível, para Aristóteles, que se pense em um bem que seja uno para todas as situações e, portanto, há a necessidade de se buscar um bem para o homem na vida ativa. Essa vida ativa é a razão da existência do homem.

Aristóteles afirma que parece haver um acordo entre a maioria das pessoas quanto ao nome desse bem:

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Tanto a maioria como os mais sofisticados dizem ser a felicidade, porque supõem que ser feliz é o mesmo que viver e passar bem (E.N. 2009, I, 4. 1095 a 20).

O filósofo introduz aqui o conceito de eudaimonia, como fim último ou o melhor dos fins. Podemos afirmar que o bem último, mais desejável pelo homem é a eudaimonia. É para alcançar a felicidade que o humano realiza atos bons. Trata-se de , segundo o filósofo, “viver bem e agir bem”. As expressões não significam que as coisas vão bem para uma pessoa e que ela se sente bem no sentido passivo, mas para Aristóteles deve possuir aspectos ativos e por isso a eudaimonia tem que denotar uma vida humana ativa e durante toda a sua duração.

Segundo Wolf, o significado de eudaimonia não corresponde ao nosso conceito de felicidade hoje. “Nossa palavra “felicidade” é por demais pálida; além disso, ela pode ser empregada tanto para a felicidade interior como para a felicidade como sorte fortuita” (2010, p. 28). Nós, de certa forma, organizamos e planejamos nossas vidas almejando a felicidade, e ou, o bem viver. O significado de eudaimonia para Aristóteles é o bem viver e bem agir, bem viver e bem conter-se.

Entretanto, o sentido de eudaimonia é do mesmo modo divergente na opinião das pessoas e o filósofo percebeu isso. Para que pudéssemos compreender esse sentido ele sugere que comecemos a partir da observação atenta das formas de viver a vida.

Segundo Aristóteles, há três formas principais de viver a vida: a primeira, usando das próprias palavras do filósofo, suposta “pela maioria dos homens e os mais vulgares” de que o bem e a eudaimonia consistem no prazer e no gozo; a segunda dedicada à ação política e a terceira dedicada à atividade contemplativa:

[...] a maioria dos homens e os mais vulgares de todos supõem que o bem e a felicidade são o prazer; é por esse motivo que acolhem de bom grado uma vida dedicada à sua fruição. [...] em segundo lugar, a que é dedicada à atividade contemplativa. A maioria dos homens parece estar completamente escravizada e preferir uma vida de animais de pasto. Encontrar um sentido aparente para suas formas de vida, porque muitos dos que detêm o poder têm paixões idênticas àquelas por que passou Sardanapalo. Os que são sofisticados, contudo, e se dedicam à ação prática, supõem, antes, ser a honra (E.N. 2009, I, 5.1095 b 14 - 25).

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Ele lamenta que a maioria das pessoas se perca no caminho que lhes promete o prazer, na busca da eudaimonia e mais, lamenta que essas pessoas encontrem uma maneira aparente para as suas formas de vida, além de serem escravizadas por esse sentido aparente do bem, o que faz com que as mesmas escolham o gozo como sendo o bem. Sendo assim, parece que o erro tem origem no excesso de prazer.4 Ao iniciar a discussão acerca do prazer Aristóteles afirma:

Pensa-se que o prazer é uma das possibilidades extremas mais profundamente domiciliadas na nossa natureza. Esse é o motivo pelo qual educamos os mais novos a saberem guiar-se, quando se encontram expostos ao prazer e ao sofrimento. Por outro lado parece de uma importância extrema para a realização da excelência do caráter o sentir prazer e aversão a respeito do que é devido (E.N. 2009, X, 1. 1172 a 16 – 24).

As pessoas que escolhem apenas o prazer parecem ignorar o fato de serem racionais.

A segunda forma de viver, para os que são sofisticados e se dedicam à ação prática parece ter como fim a honra e se reconhece naqueles que se dedicam à vida política, criticada pelo próprio Aristóteles como sendo um bem superficial, exterior e não o fim último, porque parece ser incompleto. Os homens que anseiam a honra, o fazem porque querem uma prova de que são bons, de que possuem virtudes. Mas a honra pertence, segundo o filósofo, mais a quem a concede do que a quem a recebe. O filósofo critica também aqueles que dedicam sua vida a acumular riquezas:

A vida dedicada a obtenção de riqueza é de certa forma uma violência e a riqueza não será manifestamente o bem de que estamos à procura, porque é meramente útil, portanto, enquanto útil, existe apenas em vista de outra coisa diferente de si (E.N. 2009,I, 5. 1096 a 6 - 9).

Na opinião dele apenas serve para buscar coisas que valem como meios e não como fins. Ele diz não ser a riqueza o bem de que estamos à procura, porque é meramente útil, portanto, enquanto útil, existe apenas em vista de outra coisa diferente de si. Ou seja, é um meio para se chegar a um fim.

4 Aristóteles não nega a importância do prazer.

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A felicidade nem mesmo seria como indicam os platônicos, o transcendente, pois para Aristóteles não se trata de um bem transcendente e sim um bem imanente realizável pelo homem e para o homem. “Platão admite que haja apenas uma única Ideia do bem desvinculada da realidade da experiência, que apenas essa Ideia é perfeita e duradoura e que todos os outros bens são bons pela participação aproximativa nessa Ideia.” (Wolf, 2010, p. 30). Porém, Aristóteles não pensa assim. Para ele não se pode realizar uma ideia do bem desvinculada do mundo da experiência.

Em terceiro lugar, a forma de vida dedicada à atividade da contemplação pura. A atividade desta dimensão pertence a melhor parte do humano: o poder de compreensão e a suprema forma de eudaimonia.

Parece-nos que o bem, com sentido comum, não existe, afirma o filósofo. Para cada um há um fim, ou seja, há uma multiplicidade de fins e escolhemos alguns em vista de outros. Ora, há fins que são perseguidos como meios para outros fins.

Aquele fim que é escolhido por si próprio e nunca como meio é o fim absoluto, a eudaimonia, conclui Aristóteles.

Demais, entendemos ser mais completo aquele fim que nunca é escolhido por causa do outro por comparação com aqueles fins que são escolhidos simultaneamente em vista de si próprios e em vista de outros fins. Na verdade, simplesmente completo é aquele fim que é sempre escolhido segundo si próprio e nunca como meio em vista de qualquer outro. Um fim desde gênero parece ser, em absoluto, a felicidade (E.N. 2009, I, 7. 1097 a 30).

O bem absoluto é completo; basta-se a si mesmo e é o fim último de todas as ações possíveis, aquilo que por si só torna a vida digna de ser vivida, à qual nada falta. O objetivo de Aristóteles é demonstrar que a eudaimonia (felicidade) é o fim último do agir humano. Enquanto bem não pode ser meio para se alcançar outro objetivo. É o fim último.

Para Aristóteles a felicidade não é fruto de sorte e sim de esforços humanos. O bem mais excelente deve ser buscado no âmbito da prática. Ele pensa na felicidade como fruto do agir próprio do homem, de sua essência, de uma função própria do humano. A felicidade é autossuficiente, fim último de todas as ações possíveis.

Qual seria, então, a essência da eudaimonia?

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Para Aristóteles, talvez encontremos a resposta a esta pergunta se conseguirmos captar a função (ergon) específica do homem:

Ou será que haverá certas funções e procedimentos práticos específicos para o carpinteiro e para o sapateiro e nenhuma função para o Humano enquanto Humano, dando-se antes o caso de existir naturalmente inoperante? Ou não será que, tal como parece haver uma certa função própria dos olhos, das mãos e dos pés, em geral, de cada uma das partes do corpo humano, terá também de se supor que há uma certa função do Humano para além de todas elas? Qual poderá ser ela, então? É que o viver parece ser comum também aos vegetais e o que é procurado é o viver peculiar do Homem (E.N. 2009, I, 7.1097 b 30 - 35).

Esse viver peculiar do homem, segundo Aristóteles é certa forma de vida ativa inerente na dimensão da alma que no Humano é capacitante de razão.

É neste ponto que surge o horizonte teórico da eudaimonia aristotélica. O homem almeja um bem, ele busca esse bem na realidade da sua vida ativa. A felicidade é esse bem, segundo Aristóteles; a função do Humano é buscar esse bem de forma excelente. Ou seja, viver como seres humanos de forma excelente, virtuosamente. Esse modo de ser não nasce com as pessoas e por isso Aristóteles afirma ser a excelência dupla, como disposição teórica encontra no ensino a sua formação e desenvolvimento, por isso requer experiência e tempo; e como disposição ética resulta de um processo de habituação. “Daqui resulta evidente que nenhuma das excelências éticas nasce conosco por natureza” (E.N. 2009, II, 1. 1103 a 20).

O ergon pode consistir-se na própria ação.

O nosso próximo passo é entender o que seja a função específica (ergon) do homem, “caso haja uma função específica que lhe seja própria” (E.N. I. 7. 1097 b 30 - 31). Aristóteles parece conceber a essência da eudaimonia como a atividade da alma e a ação de acordo com a razão de uma maneira virtuosa. O homem busca esse bem, a eudaimonia na vida ativa e a sua função é buscá-la da melhor maneira possível, de forma excelente. Ou seja, a maneira de buscar a felicidade, o agir tem de ser nobre segundo a razão: (...) uma certa forma de vida ativa inerente na dimensão da alma que no Humano é capacitante de razão (E.N. 2009, I, 8. 1098 a 3 a 5).

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1.3 O ergon humano

O ergon humano é a maneira de estar vivo que é peculiar ao ser humano. Afinal, diz Aristóteles, viver é comum às plantas, aos animais que assim como nós, também crescem e se alimentam; bem como, assim como nós possuem sensações. O que se procura é algo peculiar ao Homem. Uma vida que seja uma expressão da natureza essencial do gênero humano, isto é a razão. Uma vida capaz de reflexão. Eis o desafio a que Aristóteles se propõe: encontrar o ergon, a função específica do homem.

A possibilidade capacitante de razão manifesta-se de duas maneiras:

“uma, através da obediência ao sentido orientador, a outra, quando já o possui, através da ativação do seu poder de compreensão” (E.N. 2009, I, VII. 1098 a 5). Esse poder faz com que o ser humano faça escolhas acertadas para o bem agir.

Então, segundo Aristóteles, a nossa função peculiar estaria relacionada com o exercício, a ação propriamente dita, de uma espécie de vida que inclui inteligência prática e virtude moral. Mais precisamente, na perfeita atuação dessa atividade. No conjunto harmonioso de todas as virtudes.

“A felicidade parece, por conseguinte, ser de uma completude plena e autossuficiente, sendo o fim último de todas as ações possíveis” (E.N. 2009, I, 7. 1097 b 22 – 30). O bem adquirido no exercício da função específica do humano. Aristóteles parece conceber, então, a essência da eudaimonia, desse bem humano, como a atividade da alma e as ações de acordo com a razão de uma maneira virtuosa. A distinção entre o homem e os outros seres vivos é exatamente que o homem vive no exercício de sua razão e na capacidade de falar e pensar.

O aprofundamento de Aristóteles na questão o leva a definir tal atividade humana em vista de uma perfeição própria do homem, uma vez que a sua função é uma atividade da essência racional, em uso de suas faculdades da alma.

E o filósofo complementa:

Se, então, a função do Humano é uma atividade da alma de acordo com o sentido ou, pelo menos, não totalmente discordante dele; se, demais, a função que um determinado indivíduo particular exerce é genericamente a mesma que exerce o virtuoso nessa atividade (como acontece com a diferença verificada entre um simples tocador de

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cítara e o executante virtuoso desse instrumento o mesmo se passando a respeito de outras atividades), apenas acrescentando à função em causa a superioridade conformada pela excelência (isto é, a função do tocador de cítara é apenas a de tocar cítara, mas a do virtuoso é a de a tocar virtuosamente), se assim é, isto é, se admitimos que a função do Humano é uma certa forma de vida, se, por sua vez, essa forma de vida é uma atividade da alma e uma realização de ações conformada pelo sentido; se, a função do homem sério é a de cumprir estas funções bem e nobremente, e se, finalmente, admitirmos que uma ação é bem realizada se for cumprida de acordo com a sua excelência específica – nessa altura, então, o bem humano é uma atividade da alma conformada por uma excelência, e se houver muitas excelências, será conformada pela melhor e mais completa (E.N. 2009, I, 7. 1098 a 9 - 19).

Aristóteles nos diz que é feliz o homem que age durante toda a sua existência no pleno exercício das suas virtudes. Esse bem é completo, perfeito e autossuficiente, porque o homem não precisará de mais nada para ser feliz. Se tornando esta maneira de viver prazerosa e digna de admiração:

(...), contudo, quem faz gosto nas coisas belas, encontra-se com a própria natureza bela que é a delas. São deste gênero as ações realizadas de acordo com a excelência, de tal sorte que estas ações são em si próprias um gosto para quem assim as leva a cabo. A sua existência não precisa de mais nenhuma forma de prazer como ornamento, pois tem o prazer em si própria. Acresce ao que foi dito que não há nenhum homem de bem que não se regozige com ações nobre; nem nenhum homem justo poderá dizer que não se regozija com o modo justo de agir, nem ninguém livre que não se rogozije com as ações realizadas livremente, e do mesmo modo para outras ações realizadas conforme às suas excelências específicas (E.N. 2009, I, 8. 1099 a 13 a 20).

A partir destas afirmações do filósofo estabelece-se a arete (virtude) humana, a excelência de sua função própria.

1.4 As virtudes

O filósofo mostra que pode haver diversas dessas virtudes e que o exercício delas deverá ocorrer durante todo o tempo da vida. “Tem ainda de ser acrescentado:<<durante todo o tempo da vida>>, porque uma andorinha não faz a Primavera, nem um só dia bonito” (E.N. 2009, I, 7. 1098 a 19 -20).

Isto significa que os que agem corretamente durante toda a vida serão aqueles que alcançarão as coisas belas e boas.

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Aristóteles parece ter afirmado que o fato de alcançarmos o que aspiramos em última instância, a eudaimonia, coincide com o fato de agirmos de acordo com a função do ser humano: ser bom. Então, ser feliz é exercitar plenamente as virtudes.

O sentido estabelecido para eudaimonia por Aristóteles é certa atividade em exercício de acordo com a virtude. Por exemplo: o médico pode gerar a saúde, mas com o mesmo saber poderia provocar a doença.

Há uma dificuldade levantada por Aristóteles, a saber: se a eudaimonia é objeto de aprendizagem ou habituação, obtida por disciplina, se chega até nós por um destino divino ou por acaso. Mas ele próprio considera esta dificuldade própria para outro tipo de investigação e assevera que:

Mesmo que não seja enviada por um deus, mas surja através da excelência e de certa aprendizagem ou disciplina,é das posses humanas mais divinas que há. De fato, o prêmio e o fim da excelência parecem ser o supremo bem – ser qualquer coisa de divino e de bem aventurado (E.N. 2009, I, 9.1099 b 15 - 20).

Salienta estar ao alcance de todos que não estejam incapacitados para a excelência através de aprendizagem e preocupação. Para ser feliz, como já foi dito, é necessário excelência completa e existência completa. Aprendemos fazendo. Faz parte da natureza humana aprender e aperfeiçoar-se.

Portanto, o autêntico sentido do sumo bem não está no acúmulo de bens exteriores, não está nos prazeres corporais, nem mesmo nos que se referem à honra, mas só nos prazeres da alma, já que é nela que consiste o verdadeiro homem. Assim afirma Aristóteles:

Os bens têm sido distribuídos por três classes, por um lado, os chamados bens exteriores, por outro, os que concernem à alma humana e, por último, os do corpo próprio. Nós dizemos que os bens que respeitam a alma humana são bens de um modo mais autêntico e de uma forma mais extrema. Mas são as ações e o exercício das atividades que dizem respeito à alma humana que dizemos ser a felicidade (E.N. 2009, I, 7. 1098 b 14 - 17)

É evidente a intenção de Aristóteles ao determinar a felicidade como bem do homem, o fim da ação do homem conforme a razão e demonstrada através de sua vida virtuosa, um cidadão que realiza ações nobres. Podemos ver que Aristóteles terá afirmado: “o fato de alcançarmos o que queremos e

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aspirarmos, em última instância , o fim final ou o melhor dos bens, a eudaimonia, é idêntico ao fato de sermos bons enquanto homens, ou de agirmos de acordo com esse ser-bom” (Wolf, 2010, p.39).

Para finalizar, a compreensão da ética do pensamento de Aristóteles depende de compreendermos a sua teoria da composição psicológica do homem, a sua Teoria da alma.

Passemos a compreender a virtude humana, não a do corpo, mas a da alma.5 Mas, que é a alma, para Aristóteles?

Reale comenta:

Para responder a esta pergunta, Aristóteles remete-se à sua concepção metafísica hilemórfica da realidade. Todas as coisas em geral são compostos de matéria e forma, sendo a matéria, potência e a forma, enteléquia ou ato. Isso vale, naturalmente, também para os seres vivos. Ora, observa o Estagirita, os corpos vivos têm vida, não são vida e, portanto, são como o substrato material e potencial do qual a alma é forma e ato (REALE, 2007, p. 78).

Para definir alma, Aristóteles nos remete para os chamados escritos exotéricos (diálogos e introduções) cujos enunciados sobre o tema podem ser aplicados agora para melhor compreensão. A alma, para os gregos, não é algo composto de partes, mas a totalidade, o princípio vital do corpo. Apenas no conceito é que a alma pode ser dividida em partes.

Uma das partes da alma é incapacitante de razão, enquanto que a outra é capacitante de razão.

A parte da alma que é incapaz de razão, Aristóteles explica que é aquela parte que o homem tem em comum com as plantas, os animais, responsável pelo crescimento e desenvolvimento nutricional destes seres.

Há outra natureza da alma que se mostra ser não racional, mas que participa de certa forma da razão. Essa parte contém os apetites, desejos sensações que funcionam como certa resistência à racionalidade. Mas que por participarem de certa forma da razão possibilitam obediência a ela. É chamada pelo filósofo de faculdade desiderativa e está bem constituída quando obedece a razão. A parte da alma incapaz de razão é, então, dupla e uma dessas partes

5 No contexto da ética nicomaquéia e não no De Anima.

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domina, por assim dizer os impulsos, desejos, sensações. A esta, Aristóteles chama de “virtude ética”.

E a parte da alma capacitante de razão Aristóteles chama de “virtude dianoética ou racional”:

A possibilidade de excelência será também dividida em conformidade com esta diferença. Dizemos que umas excelências são teóricas e outras éticas. A sabedoria, o entendimento e a sensatez são disposições teóricas; a generosidade e a temperança são disposições éticas (E.N. 2009, I, 12. 1103 a 3 - 7).

Aquela que o filósofo chama de “virtude ética” é a que justifica as inúmeras razões de nossa motivação para o desenvolvimento desta pesquisa em busca de respostas para uma educação ética de base no meio educacional e que se constitua num exercício das virtudes para a construção da excelência moral do homem.

Hoje, cada um de nós tem o desejo de se sair bem em todas as ações, de se realizar, ser bem sucedido tanto pessoalmente quanto profissionalmente. Mas, como atingir essa realização? O que é essa realização? E em que consiste esse se realizar, ser bem sucedido?

As respostas parecem não se distanciar tanto do que Aristóteles propõe na sua ética: a melhor coisa é alcançar a eudaimonia.

Não encontraremos essas respostas em Aristóteles porque ele não se preocupa em como conduzimos a nossa vida, mas orienta-nos em como atingir a felicidade. E isso inclui disposição e virtudes. Assim sendo, o presente estudo abordará agora o que o próprio Aristóteles ordena como prioridades na educação: a formação do jovem baseada no hábito, ou seja, acostumar-se a isto ou aquilo desde muito cedo pode fazer toda a diferença. Aristóteles deixa claro que os jovens precisam de algo que norteie as suas ações.

Com efeito, não é uma diferença de somenos o habituarmo-nos logo desde novos a praticar ações deste ou daquele modo. Isso faz uma grande diferença. Melhor, faz toda a diferença (E.N. 2009, II, 1. 1103 b 20).

Vimos, no capítulo I, um conjunto ético sobre o agir virtuoso fonte da eudaimonia, própria da excelência humana e que não é fruto de sorte, mas de esforços humanos. Agora, passemos a apresentação do Capítulo II.

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CAPÍTULO 2

RESPONSABILIDADE MORAL, LIBERDADE DA AÇÃO.

Aristóteles afirma que: “as atividades a que nos dedicamos fazem de nós o que somos”. E acrescenta que “o ignorar que as disposições do caráter nascem do exercício de uma atividade é próprio de alguém completamente estúpido” (E.N. 2009, III, 5. 1114 a 10).

O que significa que o homem tem plena liberdade de ação, pois está em seu poder o agir bem como também está em seu poder o agir vergonhosamente. E, portanto, é responsabilidade do homem a escolha que faz, a ação final.

Aristóteles sustenta que todas as ações resultantes da escolha do homem são voluntárias.

Segundo Aristóteles, uma ação voluntária é muito mais do que um ato voluntário porque o tipo de ações que o homem escolhe praticar é o que denota o seu caráter.

Sendo assim, o homem é responsável pela virtude e pelo vício porque pode decidir.

A ação que resulta de uma escolha pressupõe cuidado, cálculo, reflexão por parte do homem o que exige tempo e experiência. Desse modo é necessário investigar o que são ações voluntárias, em que consiste a escolha e outros conceitos desenvolvidos por Aristóteles na formação do caráter do homem.

A afirmação sobre a liberdade de ação e a responsabilidade de nosso caráter, Aristóteles deixou muito claro em E.N. 2009, III, 5. 1114 a 9 quando diz: “As atividades a que nos dedicamos fazem de nós o que somos”.

Somos responsáveis pelo nosso caráter.

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2.1 As virtudes éticas e as virtudes dianoéticas

Aristóteles inicia sua exposição afirmando que nenhuma das virtudes éticas, dado que são numerosas, nasce conosco por natureza, mas através de um processo que requer experiência e tempo. Resultam da habituação que pode ser aperfeiçoada:

Sendo a excelência dupla, como disposição teórica [do pensamento compreensivo] e como disposição ética, a primeira encontra no ensino a maior parte da sua formação e desenvolvimento, por isso que requer experiência e tempo; a disposição permanente do caráter resulta, antes, de um processo de habituação, de onde até terá recebido o seu nome,

<<hábito>>, embora se tenha desviado um pouco da sua forma original (E.N.2009, II, 1. 1103 a 14).

Ele tem uma posição muito clara sobre o problema de se as virtudes podem ou não ser ensinadas; como afirma categoricamente: virtude é objeto da prática, do exercício, e surge ou provém do hábito:

As excelências, então, não se geram em nós nem por natureza, nem contra a natureza, mas por sermos constituídos de tal modo que podemos, através de um processo de habituação, acolhê-las e aperfeiçoá-las (E.N. 2009, II, 1. 1103 a 25).

As excelências são adquiridas por nós porque temos a condição de possibilidade, ou seja, as colocamos em prática porque ao praticar as ativamos o que significa que mesmo que não as tivéssemos ativado estariam à nossa disposição. O homem possui a capacidade de receber as virtudes. Recebe-as como potência e as desenvolve como atividade, no agir. Como diz Aristóteles:

“Fazer é aprender” (E.N. 2009, II, 1. 1134 a 30). A disposição é dependente das ações. E é importante destacar que, segundo o filósofo, é a partir do exercício das mesmas atividades que a excelência é gerada ou destruída. Ou seja, é a respeito das mesmas situações que se definem comportamentos contrários.

Ele distingue as virtudes éticas das virtudes dianoéticas ou intelectuais. Com isso, enquanto que as virtudes éticas resultam de um processo de habituação, as virtudes intelectuais encontram no ensino a maior parte da sua formação e desenvolvimento.

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