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PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA INDEFERIMENTO

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Supremo Tribunal de Justiça

Processo nº 3733/20.1T8CBR.C1.S1 Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO Sessão: 29 Abril 2021

Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA

ADOÇÃO IDADE CONFIANÇA JUDICIAL DE MENORES PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA INDEFERIMENTO INDEFERIMENTO LIMINAR

Sumário

I. Na interpretação do n.º 3 do art. 1980.º do CC, conjugado com o n.º 2 do mesmo preceito, e tendo em conta que a alínea c) do art. 279.º do CC, relativa ao cômputo do tempo, determina que «o prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data», não oferece dúvidas que a previsão de «idade não superior a 15 anos» do n.º 3 corresponde à previsão de

«menos de 15 anos» do número anterior,

II. Deste modo, pode concluir-se: (i) que, em regra, a pessoa a ser adoptada deve ter menos de 15 anos à data em que o requerimento de adopção é

apresentado, o que significa que o mesmo requerimento deve dar entrada até ao dia em que o adoptando faz 15 anos; (ii) se for filho do cônjuge do

adoptante, pode o adoptando ter entre 15 e 18 anos à data da apresentação do requerimento de adopção; (iii) se, antes do dia em que fez 15 anos, foi

“confiado” aos adoptantes ou a um deles, pode o adoptando ter entre 15 e 18 anos à data de apresentação do requerimento de adopção.

III. A situação dos autos não se encontra abrangida: nem pela regra do n.º 2 do art. 1980.º do CC, uma vez que, à data do requerimento de adopção, a menor tinha mais de 15 anos; nem pelo regime do n.º 3 do mesmo artigo, uma vez que, antes de fazer 15 anos, a menor não foi confiada aos requerentes, quer a confiança seja entendida em sentido técnico-jurídico, quer seja

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entendida em sentido amplo, de forma a abranger outras situações jurídicas.

Não cabendo sequer equacionar da eventual relevância da entrega fáctica da menor aos cuidados dos requerentes, na medida em que tal entrega ocorreu quando a menor tinha já mais de 15 anos.

IV. Deste modo, devido à ultrapassagem do limite máximo de idade da menor para poder ser adoptada, é manifesta a improcedência do pedido de adopção, pelo que, nos termos do n.º 1 do art. 590.º do CPC, é de confirmar a decisão de indeferimento do requerimento inicial.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1. AA e BB, casados, requereram a adopção plena de CC, com a consequente revogação do apadrinhamento civil, homologado em 13 de Fevereiro de 2020, bem como a alteração do nome da menor para CC.

Para o efeito alegaram, em síntese, o seguinte:

1. Em 28-10-2013, o Tribunal de Família e Menores ... aplicou a medida de acolhimento institucional aos irmãos CC, nascida em 18-10-2002, DD, nascido em 17-08-2004, e EE, nascida em 8-12-2007 (processo n.º 567/13.3TMCBR);

2. Por decisão de 30-11-2015, no âmbito do processo de promoção e protecção n.º 567/13.3TMCBR, foi aplicada a medida de confiança a instituição aos três menores, com vista a futura adopção;

3. Em 29-12-2017 foi proposta pelos Serviços da Segurança Social, a alteração da medida de confiança com vista a futura adopção, aplicada à menor CC, para a medida de acolhimento residencial, o que veio a suceder em

19-01-2018;

4. Porém, em 16-10-2018, os três irmãos, CC, DD e EE, foram confiados aos requerentes num processo que culminou com a adopção do DD e da EE apenas, dada a medida formal que recaía sobre a CC na altura;

5. Não obstante a CC sempre foi assumida pelos requerentes em conjunto com os irmãos, e sempre tendo em vista a futura adopção plena, não apenas das

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duas crianças mais novas, mas sim das três;

6. Ao contrário do que sucedeu com os irmãos aquando da sua confiança aos requerentes, apesar de a CC ainda ter 15 anos, não foi formalmente confiada;

7. Os requerentes sempre mantiveram relativamente aos três irmãos, igual confiança, permanente e exclusiva, e de pleno conhecimento do tribunal, pois todos os reportes da segurança social eram actualizados relativamente às três crianças;

8. O facto de a CC não ser incluída no processo (formal) de pré-adopção foi sendo justificado pelos serviços da segurança social com o argumento de que a CC já não tinha medida de adoptabilidade;

9. Aliás, a CC foi apresentada aos requerentes na fase pré-adoptiva como a irmã mais velha do DD e da EE (crianças que foram propostas à adopção), que iria permanecer na instituição onde viviam os três, por já não ser possível adoptá-la;

10. Todo este movimento processual assentou na confiança de que, quer a segurança social, quer o próprio tribunal, estariam a garantir os aspectos formais que melhor salvaguardariam o superior interesse das crianças e, neste caso particular, da CC, pois, num processo tão exigente do ponto de vista

mental e emocional, os requerentes acabaram por delegar a questão judicial para momento ulterior;

11. Apesar de os requerentes não serem candidatos nem se encontrarem inscritos na rede nacional do apadrinhamento civil, todo o processo foi desenvolvido a partir dali, suprindo essa lacuna formal;

12. Sem prejuízo, foi-se acumulando a preocupação relativamente à situação jurídica da CC, pois se a mesma era mantida pelo tribunal em acolhimento residencial, como poderia encontrar-se confiada aos requerentes 24 horas por dia sem qualquer validação judicial, como de facto aconteceu durante oito meses (até 18-06-2019)?

13. Na escola, por exemplo, a requerente assumiu desde logo o papel de encarregada de educação da CC, todavia qualquer documento sobre a menor tinha de ser validado pela responsável do CAT, onde formalmente a menina se encontrava acolhida;

14. Ao longo do período pré-adoptivo, os requerentes foram aprofundando a situação da CC, nomeadamente junto dos serviços da segurança social que

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acompanhavam a criança neste processo, e apuraram que relativamente à alteração da medida de adoptabildiade para uma medida de acolhimento residencial, logo em Janeiro de 2018, deveu-se exclusivamente a um juízo de prognose por parte daqueles serviços;

15. Portanto, antecipadamente e contrariamente ao que veio a verificar-se de facto antes de a menor perfazer os 16 anos, aquela alteração da medida de protecção restringiu seriamente o processo adoptivo da CC e condicionou severamente o futuro da criança;

16. O que sucedeu, de facto, a par com os irmãos DD e EE, foi um verdadeiro processo de pré-adopção, sem quaisquer distinções ou limitações de qualquer espécie, quer da parte dos requerentes, quer da parte da instituição que até ali acolheu os três menores;

17. Os três irmãos passaram sempre em conjunto, por uma fase de

aproximação, seguida de pré-adopção, durante a qual permaneceram sempre na residência dos requerentes e foram assumidos em pleno como filhos;

18. A CC nunca foi limitada a visitar os irmãos ou a acompanhar a sua

integração na família adoptiva, como havia sido proposta inicial dos serviços de segurança social, mas sim integrada em todas as vertentes familiares, tal como o DD e a EE, sem distinções de qualquer tipo;

19. Saliente-se que a alteração da medida de protecção sucedeu logo após os 15 anos de CC e não na proximidade dos seus 16 anos;

20. Por esse infortúnio alheio à sua vontade, de forma precoce, inusitada e sem fundamento factual, a CC viu-se excluída do regime de adoptabilidade, quando, de facto, ainda deveria lá ter permanecido, o que possibilitaria a sua adopção plena aqui em causa;

21. Ainda para mais, estando em tempo de corrigir a situação, a segurança social olvidou um pressuposto de suprema importância que reside no facto de a CC ter sido confiada aos requerentes antes de perfazer os 16 anos, e poder ainda ser incluída no regime de adoptabilidade, acaso fosse revogada ou alterada a medida de acolhimento residencial que, repita-se, foi determinada tendo por exclusiva fundamentação um mero juízo de prognose por parte daqueles serviços;

22. Tal prognose veio a suscitar uma questão jurídica da maior importância na vida da CC: a diferença entre poder ser adoptada plenamente tal como os

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apadrinhamento civil (o que sucede neste momento por força das

circunstâncias), com todas as consequências que daí advêm, nomeadamente o agravamento da insegurança e descrença nos adultos que até aqui a tutelaram em nome do Estado;

23. O processo dependia essencialmente das medidas e do acompanhamento por parte da segurança social pelo que, até aqui, não restou aos requerentes outra forma de tutelar formalmente a CC que não através do apadrinhamento civil;

24. Sem prejuízo, os requerentes têm educado a menor como sua filha, vêm fazendo planos para o seu futuro e pretendem com a adopção conferir-lhe os mesmos direitos que aos outros filhos, seus irmãos;

25. A menor mantém com os requerentes e restantes membros da família, uma relação semelhante à da filiação, manifestando frequentemente o desejo de ser adoptada e de alterar a sua identificação, sobretudo no que concerne aos seus progenitores;

26. É tratada e considerada pelos requerentes e demais membros da família destes, bem como pelos amigos da família, como filha dos requerentes;

27. A adopção permitirá à CC adquirir uma verdadeira família substitutiva, em termos estáveis e seguros;

28. O apadrinhamento civil da CC foi homologado em 13-02-2020, porém nem os requerentes nem a própria CC se conformam com esta solução, que não se compagina com a situação de facto;

29. A CC sempre manifestou vontade de ser adoptada em condições

semelhantes à dos irmãos mais novos, o que não deixa de ser uma expectativa legítima e uma solução justa para o caso;

30. Aliás, a própria segurança social admitiu a situação, tendo solicitado pronúncia ao Tribunal de Família e Menores... sobre a viabilidade do

reconhecimento da confiança administrativa relativa à CC, como fase prévia ao processo de adopção plena;

31. Todavia, surpreendentemente, não obstante o tribunal reconhecer que “…

o caminho da adoção seria uma solução ajustada à salvaguarda do interesse da jovem e que os candidatos reúnem as necessárias competências para tal efeito, tanto mais que já são pais adotivos do DD e da EE, irmãos de CC (…) entendeu também que (…) a aplicação da lei tem como pressuposto a sua

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interpretação, balizada pela norma (…) e que a pretendida confiança administrativa contraria o superior interesse da CC, por poder criar-lhe a errada expectativa de vir a ser adotada pelo casal em questão”;

32. Em suma, o tribunal considerou que a confiança da CC aos requerentes, no período de 16-10-2018 (integração na família adoptiva) a 18-06-2019 (início da medida de apoio junto de pessoa idónea) não constitui pressuposto da

confiança administrativa com vista a futura adopção, não podendo ser

“minimamente equiparada ao exercício das responsabilidades parentais relativas à esfera pessoal da criança previamente atribuído no âmbito de

providência tutelar cível (…) e muito menos à confiança pressuposta pelo n.º 3 do artigo 1980.º do CC”;

33. Considera que não integra o âmbito substantivo da confiança

administrativa “… a integração da jovem CC, no agregado familiar do casal em 16-10-2018, e que estes, consequentemente, assumam as responsabilidades parentais a ela relativas desde idade não superior a 15 anos, pois tal só ocorre desde 13.02.2020, data em que foi homologado o compromisso de

apadrinhamento civil, uma vez que só nesta data se poderá afirmar que ao casal foi atribuído o exercício das responsabilidades em sede de providência tutelar cível);

34. Discorda-se terminantemente da posição do tribunal, porquanto em face da situação de facto por si sobejamente conhecida (a confiança da criança aos requerentes, juntamente com os irmãos, desde o dia 16.10.2018) e que

corresponde ao superior interesse da criança, deve imperar a justiça, que aqui se reclama;

35. Se já há muito que o projecto de vida deixou de passar pela família biológica, será legítimo que reunindo condições para ser adoptada – como reuniu e reúne – tenha essa expectativa em toda a sua amplitude;

36. Do disposto no Decreto-Lei n.º 164/2019, de 25-10 (que estabelece o regime de execução do acolhimento residencial, medida de promoção dos direitos e protecção das crianças e jovens em perigo), os requerentes não extraem como poderá a sua intervenção no processo da CC ser equiparada a uma “instituição” ou “casa de acolhimento”;

37. Repare-se que o (raro) contacto que a CC manteve com a irmã biológica FF na fase inicial do projecto de integração social após a determinação da medida de acolhimento residencial, foi imediatamente interrompido e inteiramente delegado à responsabilidade dos requerentes aquando da

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confiança a estes, por iniciativa da própria segurança social.

O Ministério Público teve vista dos autos e foi de parecer que não estavam reunidos os pressupostos para poder ser proferida decisão judicial constitutiva do vínculo de adopção, sendo de indeferir liminarmente o peticionado.

Por decisão de 27 de Outubro de 2020, o Tribunal da 1.ª instância indeferiu liminarmente o requerimento inicial apresentado por manifesta falta de preenchimento dos pressupostos para prosseguimento da acção.

Justificou a decisão dizendo:

1. Que CC, já maior à data da decisão, não foi confiada ao casal requerente mediante confiança administrativa, tal como o exige o artigo 36.º do Regime Jurídico do Processo de Adopção, tendo inclusivamente sido entendido, nos termos do disposto no n.º 6 do mesmo normativo que a confiança

administrativa contraria o superior interesse da CC por criar expectativas num processo de adopção que já não seria possível;

2. Que CC não foi confiada ao casal requerente mediante medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção, tendo passado a residir com o casal quando vigorava a medida aplicada de acolhimento residencial e posteriormente a medida de confiança a pessoa idónea, no caso AA e BB;

3. Que, conforme despacho datado de 14 de Abril de 2020, o facto de CC passar a integrar o agregado do casal requerente a 16 de Outubro de 2018 não podia ser considerado como consubstanciador da confiança administrativa ou judicial, sendo que, nesta data, tinha já idade superior a 15 anos, não

preenchendo de qualquer modo o circunstancialismo previsto no artigo 1980.º n.º 3 do Código Civil;

4. Que CC não tinha idade inferior a 15 anos à data do requerimento de adopção.

Os requerentes não se conformaram com a decisão e interpuseram recurso de apelação, pedindo a revogação da decisão e a sua substituição por decisão que reconhecesse que se encontravam preenchidos os requisitos estabelecidos no n.º 3 do artigo 1980.º do Código Civil, devendo o requerimento inicial ser admitido, com o prosseguindo da acção.

Por acórdão de 25 de Janeiro de 2021, o recurso foi julgado improcedente, confirmando-se, sem voto de vencido e com fundamentação circunstanciada essencialmente convergente, a decisão recorrida.

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2. Vieram os requerentes interpor recurso de revista, por via excepcional, para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

«1. Vem o presente recurso de revista excepcional interposto pelos

Recorrentes AA e BB do acórdão proferido em 25.01.2021, pelo Tribunal da Relação ….., o qual julgou improcedente a apelação, confirmando, em

consequência, a sentença recorrida (sentença proferida em 27.10.2020 pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Judicial da Comarca ….. – Juízo de Família e Menores ... - Juiz ..), que indeferiu liminarmente o requerimento inicial apresentado pelos ora Recorrentes, por manifesta falta de preenchimento dos pressupostos de prosseguimento da acção.

2. No caso concreto a revista dita "normal" (revista-regra) não é admissível por se verificar uma situação de “dupla conforme” (cfr. artigo 671.º, n.º 3 do CPC), verificando-se, contudo, os requisitos gerais que conduziriam à

admissibilidade da revista nos termos normais, no que toca, designadamente, aos requisitos do valor e da sucumbência previstos no artigo 629.º, n.º 1 do CPC e por se tratar de acórdão da Relação proferido sobre decisão da 1.ª instância que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo (cfr. artigo 671.º, n.º 1 do CPC).

3. Não obstante se verificar a existência da referida dupla conforme, verifica- se a existência de dois dos requisitos autónomos de admissibilidade da revista excepcional, que ora se invocam – questão cuja apreciação, pela sua

relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito e a existência de interesses de particular relevância social -

encontrando-se, assim, preenchidos os requisitos de admissibilidade da revista excepcional a que aludem as alíneas a) e b) do n.º 1 do citado artigo 672.º, n.º 1 do CPC.

4. No caso concreto a questão que se coloca é a de saber se a confiança a que se refere o n.º 3 do artigo 1980.º CC deve ser interpretada no sentido da confiança administrativa ou da aplicação de uma medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção, ouse, ao invés, a confiança de que se cura pode ser entendida em termos fáctico-materiais; estamos

perante uma questão – interpretação do n.º 3 do artigo 1980.º do CC – sobre a qual existem posições divergentes na nossa doutrina e jurisprudência e,

consequentemente, a existência de decisões divergentes ou mesmo contraditórias, pelo que a sua apreciação apresenta enorme relevância

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jurídica, sendo claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

5. Quanto à divergência doutrinária e em sentido oposto à decisão tomada pelo Acórdão recorrido veja-se: Ana Rita Alfaiate, in Código Civil Anotado, Livro IV, Direito da Família [15: Código Civil Anotado, Livro IV, Direito da Família, Coordenação Clara Sottomayor, Almedina, 2020] em anotação ao artigo 1980.º do CC, admitindo uma interpretação mais ampla da referida norma; Helena Bolieiro e Paulo Guerra, A Criança e a Família – uma questão de direitos [16: 2.ª edição, Coimbra Editora], aceitando a interpretação por nós sufragada em nome do supremo interesse do adoptando e da realização da justiça e ainda Guilherme de Oliveira, Manual de Direito da Família [17:

Manual de Direito da Família, com colaboração de Rui Moura Ramos, Almedina, 2020].

6. Quanto à divergência jurisprudencial, veja-se a seguinte jurisprudência também em oposição à posição tomada pelo Acórdão recorrido: Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08.06.2017, proferido no âmbito do processo n.º 4692-16.0T8VFX.L1 - o qual decidiu: A lei admite excepcionalmente que sejam adoptados menores com 15 ou mais anos e menos de 18 (não

emancipados) quando o menor tenha estado, desde idade não superior a 15 anos, confiado aos adoptantes ou a um deles; Este regime deve aplicar-se, e a adopção ser decretada, apesar de à data do requerimento de adopção, a

menor ter menos de 18 anos de idade, e só ter sido "confiada

administrativamente", ao Requerente, quando tinha mais de 15 anos de idade e, sem que lhe tivesse sido anteriormente atribuído, o exercício das

responsabilidades parentais. (destaques nossos)

7. A relevância jurídica da questão – artigo 672.º, n.º 1, al. a), do CPC –, pressuposto de admissibilidade de recurso de revista excepcional, afere-se pelo debate doutrinal e jurisprudencial acerca da mesma, que aconselha a prolação reiterada de decisões judiciais em ordem a uma melhor aplicação da justiça, cumprindo a este Supremo Tribunal de Justiça estabelecer e clarificar quais os critérios a utilizar para a correcta interpretação do n.º 3 do artigo 1980.º do CC, de forma a concluir se a confiança a que ele se refere deve ser interpretada unicamente no sentido da confiança administrativa ou da

aplicação de uma medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção, ou se, ao invés, a confiança de que se cura pode ser entendida em termos fáctico-materiais.

8. Importa decidir se se deve proceder à interpretação do referido preceito apenas de acordo com a letra e espírito da lei – ou se, por outro lado,

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deveremos também, e de forma convergente, atender ao sentido normativo do problema interpretativo, socorrendo-nos do seu elemento teleológico; a

correta interpretação do preceito força-nos a remetê-la comparativamente para o problema suscitado pela realidade concreta, interpretação que não foi levada a cabo pelo Acórdão recorrido e que impõe assim a reanálise da

decisão por este Supremo Tribunal, com vista a uma melhor aplicação do direito; estamos assim, inequivocamente, perante uma questão cuja apreciação – pela sua inegável relevância jurídica decorrente do debate doutrinal e jurisprudencial que sobre a mesma recai – se impõe para uma melhor aplicação do direito.

9. Por outro lado, estamos perante interesses de particular relevância social, relacionados com o Instituto da Adopção - principal instituição socializadora das crianças, sendo nela que se opera o segundo nascimento da criança e onde dominam os princípios constitucionais do nosso direito da família como o direito de constituir família, a atribuição aos pais do poder-dever de educação dos filhos, harmonizando-se com outros que nacional e internacionalmente visam uma atenção activa para com os jovens em geral e em especial para com os mais desprotegidos, como o da protecção à infância e do da protecção à adopção, previstos, respectivamente, nos artigos 69.º e 36.º n.º 7 da

Constituição da República Portuguesa.

10. É na convicção de que o Instituto da Adopção apresenta elevadíssima

importância em toda a nossa sociedade - reforçando que a mesma constitui um dos mais relevantes recursos na resposta à situação das crianças desprovidas de meio familiar normal e constitui um instrumento de defesa do adoptando e do interesse fundamental da protecção das crianças e das famílias,

desempenhando uma tarefa de essencial relevância no contexto do complexo processo de desenvolvimento social, emocional e psicológico que é próprio do crescimento e da formação da autonomia individual - que se conclui que

estamos perante interesses de elevada relevância social.

11. Encontram-se, assim, verificados os fundamentos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, deve ser admitida a presente revista

excepcional.

***

12. O entendimento do Acórdão recorrido, embora sufragado por alguma

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jurisprudência e doutrina, não corresponde ao melhor enquadramento do problema sub iudice, não garantindo a justeza da decisão, nemo acerto da mesma; em primeiro lugar, porque o cânone metodológico do legislador, por se tratar de matéria que é da competência do pensamento jurídico e não daquele, deve ser desconsiderado, donde a chamada à colação dos critérios

interpretativos do artigo 9.º do CC de nada vale a não ser que eles

eventualmente pudessem convergir com o sentido normativo do problema interpretativo; em segundo lugar, porque a norma deve ser encarada como uma norma-problema, donde o objetivo da interpretação não passará pela reconstituição da vontade do legislador histórico (interpretação subjetivista), ou sequer pela reconstituição do sentido objetivo incorporado pela norma (interpretação objetivista).

13. Com efeito, uma visão hermenêutica estrita da interpretação, que

considerasse a norma como um texto, apenas seria aceitável se pudéssemos, igualmente, aceitar que o sentido das palavras se mantivesse inalterado independentemente do contexto, de tal modo que comunicassem um sentido pré-jurídico, ao qual se associaria um sentido jurídico comunicado pelos

elementos do espírito; este entendimento falha, deixando de se poder aceder à norma como um texto, antes se devendo considerá-la como um problema; os objetivos da interpretação terão que passar pela complementaridade entre uma interpretação dogmática – que remete a norma para o sistema – e uma interpretação teleológica – que a remete para os seus fins, que

verdadeiramente da primeira não se distancia por ser todo o sistema um sistema-problema, predicado pelos fins que ab initio configuram a

intencionalidade da juridicidade; ou seja, significa isto que a correta

interpretação do preceito força-nos a, longe de um solipsista confronto entre as duas grandezas componentes da norma (letra e espírito), remetê-la

comparativamente para o problema suscitado pela realidade concreta; donde o apelo à intencionalidade predicativa da própria norma se afigura,

igualmente, imprescindível; dizendo o mesmo de uma outra maneira, para uma correta interpretação da norma temos de, por um lado, remetê-la para as exigências de sentido comunicadas pelo caso que a convoca, e, por outro lado, de remetê-la para os princípios em que se louva.

14. Os factos que integram o concreto problema decidendum mostram-nos que a confiança administrativa só não foi requerida (e decretada) por um erro da Segurança Social; estamos, portanto, longe de uma hipótese normal de mera confiança de facto, não controlada pelas instâncias com legitimidade para o efeito, que deixaria um menor desprotegido mesmo que entregue

anteriormente a um casal; ao invés, a situação sub iudice mostra-nos

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claramente que estavam preenchidos todos os requisitos para que tivesse sido decretada a confiança administrativa.

15. Se considerarmos o âmbito de relevância do caso e o âmbito de relevância da norma, podemos e devemos concluir que o primeiro terá que compreender- se de um modo restrito, como uma especificação relativamente à relevância material típica da norma, já que, embora não satisfaça aquela primeira relevância material todos os elementos que caracterizam a relevância da norma, nem por isso a relevância material do caso deixa de realizar o núcleo de relevância fundamentalmente justificativo do sentido problemático-

normativo da norma.

16. Atenta a teleologia da norma, teremos de incluir no âmbito de relevância da norma um caso que ela virtualmente não abrangeria, pois, de outro modo, violar-se-ia grosseiramente a intencionalidade normativa dessa mesma norma;

se aquilo que se procura salvaguardar com a imposição da confiança administrativa é, longe de um culto excessivo dos expedientes formais e burocráticos, a segurança da criança, garantindo-se o controlo das

circunstâncias que permitam tutelar o seu melhor interesse, então haveremos de considerar que tal desiderato se cumpre com a forma de confiança

verificada no caso concreto, acompanhada de perto pela Segurança Social e apenas não convolada numa efetiva confiança administrativa por um erro daquela.

17. E mais do que isso, ao não se admitir a adopção, está-se a caminhar para uma solução que atenta contra os interesses desse mesmo menor, assim

afastado da segurança que um lar proporciona, assim arredado de um vínculo de filiação que, apesar da sua idade, se afigura sempre importantíssimo;

embora não sendo absolutamente idêntica a situação da menor em causa – CC – e a dos seus irmãos, ela apresenta com estas uma semelhança bastante que permite estabelecer a concreta analogia, em que se vem a traduzir todo o processo de interpretação normativa e de realização do direito; e é nessa medida que se convoca o princípio da igualdade, base de fundamentação do juízo analógico que preside a cada decisão judicativa: não por se revelar uma igualdade de tipo matemático, mas por, em termos valorativos, as semelhanças predominarem para lá das diferenças denotáveis.

18. A compreensão da intencionalidade normativa da norma apenas se logra obter na sua remissão para os princípios; e se na base da previsão normativa está a necessidade de salvaguardar o melhor interesse do menor – desvelando- se, assim, a sua teleologia primária – não se pode ignorar que toda a disciplina

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da adopção assenta num pilar fundamentante e fundamental do ordenamento jurídico privatístico: a tutela da família, enquanto polo privilegiado de

desenvolvimento da personalidade de cada um, o que, em última instância, nos deve remeter para a consideração da pessoalidade livre e responsável, ou seja, para o princípio normativo do direito enquanto direito.

19. Significa isto que, ao remetermos a norma para os princípios

fundamentantes, como se impõe em termos metodológicos, não podemos nem devemos interpretá-la no sentido de, por meio dela, criarmos grilhões

injustificados; os critérios de acesso à adopção predispostos pelo artigo 1980.º do CC devem ser interpretados no sentido de salvaguardar as garantias do menor, na defesa do seu melhor interesse, e nunca no sentido de impedir uma concreta adopção que materialmente cumpre exactamente os requisitos

pensados pelo legislador.

20. Nesta medida, não se compreende o entendimento do Acórdão recorrido, segundo o qual o interesse da criança apenas deve ser tido em conta quando se cumpram os critérios formalmente estabelecidos pela norma citada; muito pelo contrário, esses critérios são, eles próprios, erigidos em nome da

salvaguarda do melhor interesse da criança, em abstrato identificado com o interesse de ser adoptado; pelo que, tal juízo deve ser levado a cabo não só no momento da decisão específica de adopção, mas também na interpretação dos critérios daqueles que podem aceder ao acto em questão.

21. Pelo exposto, e tal como as posições metodológicas mais recentes nos vêm mostrando, não é possível interpretar uma norma na consideração autista de duas grandezas – letra e espírito – sem qualquer conexão com a realidade; a norma só se interpreta no confronto com o caso concreto, de tal forma, que toda a interpretação é, afinal, analogia; posto isto, assumindo a específica teleologia da norma em questão e os princípios normativos em que a mesma se louva, haveremos de concluir que atenta contra a intencionalidade dessa mesma norma não permitir a assimilação do caso concreto pelo seu âmbito de relevância, ainda que para isso tenhamos de lançar mão de expedientes

adaptativos ou corretivos.

22. Nessa medida, o n.º 3 do artigo 1980.º do CC deverá ser interpretado no sentido de admitira confiança em termos fáctico-materiais, concluindo-se que a confiança verificada no caso concreto – atentas as suas especificidades – é suficiente para garantir o acesso à adopção da menor CC.

23. Por tudo o que fica exposto, o acórdão recorrido labora em erro metodológico, ignorando por completo a teleologia da norma objecto de

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interpretação e na qual baseia toda a fundamentação da sua decisão – artigo 1980.º n.º 3 do CC – e ignorando as exigências de sentido comunicadas pelo caso concreto da jovem CC,

24. pelo que a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que reconheça que se encontram preenchidos os requisitos estabelecidos no n.º 3 do artigo 1980.º do CC, admitindo-se o requerimento inicial e

prosseguindo a presente acção os seus trâmites, com vista à adopção plena da Jovem CC pelo casal constituído por AA e BB.

25. O acórdão recorrido violou a correcta interpretação e aplicação ao caso concreto da norma do artigo1980.º n.º 3 do Código Civil.»

O Ministério Público apresentou contra-alegações, concluindo nos termos seguintes:

«1.ª - Atenta a interpretação sistemática e histórica do preceito, a “confiança”

da criança a que se refere o n.º 3 do artigo 1980.º do CC, refere-se às

modalidades elencadas no seu n.º 1, de confiança administrativa [cfr. art.º 36º do RJPA - Lei nº 143/2015, de 8.9 -] ou medida de promoção e protecção, de confiança com vista a futura adopção [cfr. art.ºs 35º, nº 1, al. g) e 38º-A da LPCJP – Lei nº 147/99, de 1.9 - ], e tem necessariamente de ocorrer antes dos quinze anos idade, não sendo esta norma excepcional passível de

interpretação analógica com outras formas de confiança da criança ocorridas antes daquela idade.

2.ª - Fora do alcance do preceito, estão as situações de confiança de facto ou as situações de confiança baseadas na medida de promoção e protecção de confiança a pessoa idónea prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 35.º da LPCJP.

3.ª – Considerando que a jovem CC passou a residir com o casal quando vigorava a medida aplicada de acolhimento residencial e posteriormente medida de confiança idónea, mas não foi confiada aos Requerentes do

processo de adopção ao abrigo de nenhuma daquelas decisões, referidas na conclusão 1.ª, e se a não verificação desta condição não é susceptível de ser suprida é de concluir que o pedido é manifestamente improcedente.

4.ª Termos em que, a nosso ver e no respeito por opinião diversa, serão de improceder as conclusões do douto recurso de Revista Excecional, mantendo- se, em consequência, o douto acórdão recorrido»

(15)

3. Em 5 de Março de 2021 foi proferido, neste Supremo Tribunal, o seguinte despacho da relatora

«1. AA e BB, casados, requereram a adopção plena de CC, com a

consequente revogação do apadrinhamento civil homologado em 13.02.2020, bem como a alteração do nome da menor para CC..

O Ministério Público teve vista dos autos e deu parecer no sentido de não estarem reunidos os pressupostos para poder ser proferida decisão judicial constitutiva do vínculo da adopção, sendo de indeferir liminarmente o peticionado.

Foi proferida decisão do tribunal de 1.ª instância indeferindo liminarmente o requerimento inicial apresentado por manifesta falta de preenchimento dos pressupostos de prosseguimento da acção.

Inconformados, os requerentes interpuseram recurso para o Tribunal da Relação ….., pedindo a revogação da decisão e a sua substituição por decisão que reconhecesse que se encontravam preenchidos os requisitos estabelecidos no n.º 3 do artigo 1980.º do CC, admitindo- se o requerimento inicial e

prosseguindo a presente acção os seus trâmites.

Por acórdão de 25 de Janeiro de 2021, o recurso foi julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida. O acórdão foi proferido sem voto de vencido e com fundamentação que - ainda que mais desenvolvida do que a

fundamentação da decisão da 1.ª instância - se apresenta como essencialmente convergente com a fundamentação desta última.

Vêm os requerentes interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, por via excepcional, invocando os fundamentos de admissibilidade previstos no artigo 672.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil.

2. De acordo com o disposto no art. 31.º da Lei n.º 143/2015, de 8 de

Setembro, que regula o processo de adopção, é este um processo de jurisdição voluntária, o que implica a aplicação do n.º 2 do art. 988.º do Código de

Processo Civil, no qual se prescreve que:

«Das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça».

(16)

A respeito da interpretação deste regime, convoca-se a fundamentação do acórdão deste Supremo Tribunal de 16.03.2017 (proc. n.º 1203/12.0TMPRT- B.P1.S1), consultável em www.dgsi.pt, proferido num processo judicial de promoção e protecção de crianças e jovens em perigo, no qual a questão da admissibilidade do recurso de revista se coloca em termos idênticos aos dos presentes autos:

«Cumpre recordar que, ao incluir na competência dos tribunais o julgamento dos chamados processos de jurisdição voluntária ou graciosa, cujas regras gerais se encontram nos artigos 986º a 988º do actual Código de Processo Civil, o legislador pretendeu que a prossecução de determinados interesses, em si mesmos de natureza privada, mas cuja tutela é de interesse público, fosse fiscalizada por entidades cujas características são garantia de uma protecção adequada à sua natureza.

Com essa finalidade, conferiu-lhes os poderes necessários para o efeito,

afastando, quando conveniente, certos princípios, conformadores do processo civil em geral, que disciplinam a sua intervenção enquanto órgãos incumbidos de resolver litígios que se desenrolam entre partes iguais, perante as quais os tribunais têm de adoptar uma posição de rigorosa imparcialidade.

Assim, no domínio da jurisdição voluntária, os tribunais podem investigar livremente os factos que entendam necessários à decisão (artigo 986º, nº 2), recolher as informações e as provas que entendam pertinentes, rejeitando as demais (mesmo 986º, nº 2), decidir segundo critérios de conveniência e de oportunidade (artigo 987º), e, na generalidade dos casos, adaptar a solução definida à eventual evolução da situação de facto (artigo 988º, nº 1).

Dotado destes meios, o tribunal deve assumir (neste sentido, parcialmente) a defesa do interesse que a lei lhe confia – no caso, o “interesse superior da criança e do jovem”, como expressamente afirma a alínea a) do artigo 4º da Lei de Protecção das Crianças e dos Jovens em Perigo –, ainda que essa defesa implique fazê-lo prevalecer sobre outros interesses que eventualmente

estejam envolvidos, ou mesmo em oposição. [no processo de adopção, ver a alínea a) do art. 3.º da Lei n.º 143/2015, de 8 de Setembro]

Como ali se explicita, a intervenção do tribunal “deve atender prioritariamente aos interesses da criança e do jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto”.

(17)

Explica-se desta forma que o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal especialmente encarregado de controlar a aplicação da lei, substantiva ou adjectiva (cfr. artigo 674º do Código de Processo Civil), não possa, nos

recursos interpostos em processos de jurisdição voluntária, apreciar medidas tomadas segundo critérios de conveniência e oportunidade, ao abrigo do

disposto no artigo 987º do Código de Processo Civil. Com efeito, a escolha das soluções mais convenientes está intimamente ligada à apreciação da situação de facto em que os interessados se encontram; não tendo o Supremo Tribunal de Justiça o poder de controlar a decisão sobre tal situação (cfr. artigos 674º e 682º do Código de Processo Civil), a lei restringiu a admissibilidade de

recurso até à Relação (artigo 988º, nº 2).

A verdade, todavia, é que esta limitação não implica a total exclusão da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça nestes recursos; apenas a confina à apreciação das decisões recorridas enquanto aplicam a lei estrita. (...)» [negrito nosso]

No presente recurso, estando em causa a interpretação e aplicação do regime normativo relativo aos pressupostos da adopção, designadamente no que se refere à norma do n.º 3 do artigo 1980.º do Código Civil, o objecto do recurso cabe no âmbito dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça, não se aplicando o regime do referido n.º 2 do art. 988.º do CPC.

3. Não se verificando obstáculo à admissibilidade do recurso para além da dupla conforme entre as decisões das instâncias, determina-se a remessa dos autos à Formação prevista no n.º 3 do art. 672.º do CPC para apreciação da admissibilidade do recurso por via excepcional.»

4. O recurso foi admitido por acórdão da Formação referida no n.º 3 do art.

672.º do Código de Processo Civil, de 16 de Março de 2021, tendo a decisão transitado em julgado em 29 de Março de 2021.

Cumpre apreciar e decidir.

5. Factualidade relevante:

Na esteira do afirmado no acórdão recorrido, uma vez que está em causa uma decisão de indeferimento liminar da petição, os factos relevantes para a

(18)

decisão do recurso são aqueles factos elencados pelos requerentes no seu articulado, uma vez que é à sua luz que cabe sindicar o juízo de indeferimento liminar.

Nada impede, contudo, que se atenda igualmente aos factos seleccionados pela 1.ª instância para apreciar o pedido, bem como a todos os demais factos que resultam de documentos autênticos juntos aos autos principais e aos processos apensados (Processo de Promoção e Protecção – PPP n.º

567/13.3TMCBR (que, quando foi apensado ao processo de adopção passou a ter o n.º 3733/20.1T8CBR-A) e Processo de Apadrinhamento Civil – PAC n.º 567/13.3TMCBR-C , o qual quando foi apensado ao processo de adopção passou a ter o n.º 3733/20.1T8CBR-B) e que, no essencial, coincidem com o que foi alegado pelos requerentes.

Neste sentido, apontam-se esquematicamente os seguintes factos e

respectivas referências processuais. Adicionalmente, e face à sua relevância para a decisão, acompanha-se essa indicação com a menção da idade da adoptanda na respectiva data.

DATA FACTO REFERÊNCIA

PROCESSUAL

IDADE DA ADOPTANDA

18-10-2002Nascimento de CC, filha de GG e de HH

Assento de

Nascimento junto ao PPP

0 Anos, 0

Meses e 0 Dias

28-10-2013

Decretamento de medida de acolhimento em instituição (juntamente com dois irmãos)

Decisão Urgente e Provisória no PPP

11 Anos e 10 Dias

30-11-2015

Decretamento da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção

(juntamente com dois irmãos dos dez nascidos da mesma mãe)

Acórdão no seguimento de Debate Judicial no PPP

13 Anos, 1 Mês e 12 Dias

19-01-2018

Alteração da medida para acolhimento residencial (anteriormente denominado acolhimento institucional)

Decisão no PPP após promoção do MP nesse sentido

15 Anos, 3 Meses e 1 Dia

(19)

16-10-2018Integração no agregado familiar dos requerentes

No seguimento de iniciativa da

Segurança Social

15 Anos, 11 Meses e 28 Dias

18-06-2019Alteração da medida para confiança a pessoa idónea

Acordo

Homologado por Decisão no PPP (prazo 6 meses)

16 Anos e 8 Meses

13-02-2020

Decretamento do

Apadrinhamento Civil pelos requerentes

Homologação no PAC

17 Anos 3 Meses e 26 Dias

14-04-2020

“Indeferimento” de viabilidade de confiança administrativa

Decisão no PPP 17 Anos, 5 Meses e 27 Dias

23-09-2020

Apresentação do

requerimento inicial de Adopção

Petição –

Referência citius 5977329

17 Anos, 11 Meses e 25 Dias

27-10-2020Indeferimento liminar do requerimento inicial

Decisão –

Referência citius 83934100

18 Anos e 9 Dias

6. Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.

Assim, o presente recurso tem como objecto a questão de saber se,

contrariamente ao entendimento das instâncias, os requisitos previstos no n.º 3 do artigo 1980.º do Código Civil se encontram preenchidos, devendo o requerimento inicial de adopção ser admitido, com o prosseguimento da acção. De acordo com a alegação dos requerentes, está em causa «saber se a confiança a que se refere o n.º 3 do artigo 1980.º CC deve ser interpretada no sentido da confiança administrativa ou da aplicação de uma medida de

promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção, ou se, ao invés, a confiança de que se cura pode ser entendida em termos fáctico-materiais».

7.1. Sob a epígrafe “Quem pode ser adotado”, prescreve o art. 1980.º do Código Civil o seguinte (na redacção introduzida pela Lei n.º 143/2015, de 8

(20)

de Setembro):

«1. Podem ser adotadas as crianças:

a) Que tenham sido confiadas ao adotante mediante confiança administrativa ou medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção;

b) Filhas do cônjuge do adotante.

2. O adotando deve ter menos de 15 anos à data do requerimento de adoção.

3. Pode, no entanto, ser adotado quem, à data do requerimento, tenha menos de 18 anos e não se encontre emancipado quando, desde idade não superior a 15 anos, tenha sido confiado aos adotantes ou a um deles ou quando for filho do cônjuge do adotante.»

Antes de mais, afigura-se relevante ter presente os antecedentes do preceito em causa, os quais se encontram clara e rigorosamente sintetizados na

fundamentação do acórdão recorrido, que aqui se retoma:

«Após a reforma do Código Civil efectuada pelo Decreto-Lei n.º 496/77, a resposta à questão de saber quem podia ser adoptado plenamente era dada pelo artigo 1980.º nos seguintes termos:

1. Podem ser adoptados plenamente os menores filhos do cônjuge do adoptante ou de pais incógnitos ou falecidos, os menores judicialmente declarados abandonados e ainda os que há mais de um ano residam com o adoptante e estejam a seu cargo.

2. O adoptando deve ter menos de 14 anos de idade; poderá, no entanto, ser adoptado o menor de dezoito anos não emancipado, quando desde idade não superior a catorze tenha estado, de direito ou de facto, ao cuidado dos

adoptantes ou de um deles ou quando for filho do cônjuge do adoptante.

Como se vê pela transcrição que se acaba de fazer, a lei dava relevância à mera situação de facto estabelecida entre o adoptante e o adoptando, consentindo a adopção de menores com menos de 14 anos de idade que há mais de um ano residissem com o adoptante e estivessem a seu cargo e a adopção de menor de dezoito anos não emancipado, quando desde idade não superior a 14 tivesse estado ao cuidado de facto dos adoptantes ou de um deles.

(21)

Com a alteração do regime da adopção saída do Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de Maio, o artigo 1980.º do Código Civil, passou a ter a seguinte redacção:

1. Podem ser adoptados plenamente os menores filhos do cônjuge do adoptante e aqueles que tenham sido confiados, judicial ou

administrativamente, ao adoptante;

2. O adoptante deve ter menos de 15 anos à data da petição judicial de

adopção; poderá, no entanto, ser adoptado quem, a essa data, tenha menos de 18 anos e não se encontre emancipado, quando, desde idade não superior a 15 anos, tenha sido confiado aos adoptantes ou a um deles ou quando for filho do cônjuge do adoptante.

Como se vê também pela transcrição efectuada, a nova redacção do preceito deixou de fazer qualquer referência aos menores que tenham residido com o adoptante e estivessem a seu cargo, bem como aos menores que tenham estado ao cuidado de facto dos adoptantes ou de um deles.

E a explicação para esta omissão colhe-se com clareza na alínea b) do artigo 2.º da Lei n.º 2/93 de 6 de Janeiro, que autorizou o Governo a modificar o regime da adopção, e ao abrigo do qual foi editado o Decreto-Lei n.º 185/93. Nos termos desta alínea foi propósito do

legislador rever as condições em que se podia ser adoptado, passando a exigir-se como pressuposto necessário da adopção, excepto em

relação a filho do cônjuge do adoptante, a confiança judicial ou administrativa do menor, de modo a tornar mais seguro todo o processo.

Assim, com a alteração ao regime da adopção saída do Decreto-Lei n.º 85/93, ficou claro que, salvo nos casos em que a criança fosse filha do cônjuge do adoptante, só podia ser adoptada a criança que tivesse sido confiada ao adoptante por decisão judicial ou decisão administrativa. A mera confiança de facto não constituía situação que pudesse evoluir para a adopção. Quis-se, nas palavras da lei, “tornar mais seguro todo o processo”. Com efeito, ao exigir-se que, salvo nos casos em que a criança fosse filha do cônjuge do adoptante, só pudesse ser encaminhado para a

adopção a criança que tivesse sido confiada ao cuidado do adoptante com base em decisão dos organismos da segurança social ou do tribunal, introduzia-se inequivocamente certeza numa questão da maior importância no instituto da

(22)

adopção, que era a de saber quem podia ser adoptado.

Esta solução foi mantida pelo Decreto-Lei n.º 120/98, de 8 de Maio, editado ao abrigo da Lei de autorização legislativa n.º 9/98, de 18 de Fevereiro.

A Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto, embora tenha alterado a redacção do artigo 1980.º do Código Civil, manteve a exclusão da mera confiança de facto como situação relevante para o encaminhamento da criança para a adopção.

O sentido da alteração legislativa foi apenas a seguinte: passou a poder ser adoptado não apenas quem tivesse sido confiado ao adoptante mediante confiança administrativa e confiança judicial, mas também quem tivesse sido confiado mediante medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para a adopção, prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º, e no artigo 38.º-A, da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.

Por fim, a Lei n.º 43/2015, de 8 de Setembro de 2015, alterou a redacção do n.º 1 do artigo 1980.º do Código Civil. O sentido da alteração foi o seguinte: uma vez que a mencionada Lei eliminou a providência tutelar cível de confiança judicial com vista à adopção, deixou de se fazer referência no n.º 1 do artigo 1980.º à confiança judicial com vista à futura adopção. Em consequência, e como se assinala a exposição de motivos da proposta de Lei que esteve na origem da Lei n.º 43/2015 [proposta de Lei 340/XII], o sistema faz depender o encaminhamento para a adopção unicamente da confiança administrativa ou da medida de promoção e protecção de confiança com vista à adopção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º e no artigo 38.º-A, ambos da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.» [negritos nossos]

Temos assim que, no essencial, o actual conteúdo dos n.os 2 e 3 do art. 1980.º do CC remonta à redacção do preceito introduzida pelo Decreto-Lei n.º

185/93, de 22 de Maio. Ora, de acordo com o preâmbulo deste diploma, a reforma levada a cabo – que, recorde-se, consistiu, primus, em aumentar o limite máximo de idade do adoptando de 14 para 15 anos (regra base do n.º 2) e, secundus, quanto à excepção do n.º 3, em afastar a relevância da entrega meramente fáctica do menor aos cuidados do requerente da adopção – visava os seguintes objectivos essenciais:

(23)

«Espera-se, por um lado, possibilitar a adopção de crianças com idade mais elevada e, por outro, privilegiar a desejável precocidade da

adopção, sem prejuízo da necessária segurança. Assim, exige-se agora em todos os casos que o adoptando tenha estado ao cuidado do

adoptante durante prazo suficiente para se poder avaliar da conveniência da constituição do vínculo.» [negrito nosso]

Tendo sempre presente a evolução legislativa e a finalidade das soluções normativas instituídas, que aqui sinteticamente se explanaram, passa-se, em seguida, a considerar a interpretação e aplicação do regime do art. 1980.º ao caso sub judice, o que implica que, por um lado, se esclareça qual é o limite máximo de idade do adoptando e, por outro lado se determine qual o significado da «confiança» prevista no respectivo n.º 3.

7.2. Comecemos por considerar o problema da definição do limite máximo de idade do adoptando. Relativamente à interpretação do regime dos n.os 2 e 3 do art. 1980.º, socorremo-nos, para o efeito, das seguintes contribuições doutrinais:

- Guilherme de Oliveira (Adopção e Apadrinhamento Civil - Direito da Família, Petrony Editora, 2019, págs. 44-45)[1]:

«Relativamente ao adotando, a lei dispõe que podem ser adotados plenamente os filhos do cônjuge do adotante, e todos os que tenham sido confiados ao adotante mediante confiança administrativa ou medida de promoção e

proteção de confiança a pessoa selecionada para a adoção (art. 1980.º, n.º 1).

O n.º 2 deste artigo põe um limite máximo à idade do adotando, que em princípio deve ter menos de 15 anos à data do requerimento de adoção que inicia a fase judicial do processo de adoção (art. 52.º, n.º 1). Pode, todavia, ser adotado quem tenha menos de 18 anos a essa data e não se encontre

emancipado, quando, desde idade não superior a 15 anos, tenha sido confiado aos adotantes ou a um deles ou quando seja filho do cônjuge do adotante ou, deve entender-se, da pessoa que com ele viva em união de facto. (…)

Não pode esquecer-se que, regra geral, só podem ser adotados menores de 15 anos; a 2.ª parte do n.º 2 do art. 1980.º (hoje n.º 3) já é uma exceção a essa regra e compreende-se que o legislador não tenha querido ampliá-la,

permitindo que o pedido de adoção fosse apresentado em juízo depois do adotando ter atingido a maioridade. (...)

(24)

Assinale-se, também, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de

08.06.2017 (proc. n.º 4692-16.0T8VFX.L1-8), que decretou a adoção de uma menor com menos de 18 anos à data do requerimento de adoção e que tinha sido confiada administrativamente para adoção depois dos 15, mas que estava ao cuidado da adotante desde muito antes dessa idade, como pupila, no

âmbito da instauração de uma tutela.»

- Carla Amado Gomes («Filiação, adopção e protecção de menores – Quadro constitucional e notas de jurisprudência», Separata da Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, n.º 13, ISCAP, 2008, págs. 44-45):

«À semelhança do que sucede quanto ao estabelecimento da paternidade e maternidade, também quanto à adopção o legislador entendeu dever fixar balizas temporais: do adotptando (que deve ter menos de 15 anos à data da petição inicial de adopção plena, ou menos de 18 anos se desde antes dos 15 tiver sido confiando ao adoptante – artigo 1980.º/2 do

Código Civil); do adoptante (…). Estas condicionantes traduzem sobretudo a protecção dos interesses do menor: em ser adoptado num momento em que a sua personalidade não esteja de tal modo “formatada” que lhe seja difícil ambientar-se a um meio familiar totalmente novo, e em ter a garantia de acompanhamento, por parte do adoptante

(individualmente ou em família) durante um período de tempo

Estas condicionantes traduzem sobretudo a protecção dos interesses do menor: em ser adoptado num momento em que a sua personalidade não esteja de tal modo “formatada” que lhe seja difícil ambientar-se a um meio familiar totalmente novo, e em ter a garantia de

acompanhamento, por parte do adoptante (individualmente ou em família) durante um período de tempo razoável.» [negrito nosso]

- Paulo Guerra (A Adopção – O segundo nascimento do ser humano, Revista do CEJ, n.º 1, 2018, pág. 224):

«6.2. O artigo 1980.º, n.º 3 do Código Civil (quem pode ser adoptado) O n.° 1 do normativo em causa estatui que podem ser adoptadas as crianças que tenham sido confiadas ao adoptante mediante confiança administrativa ou medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção ou que sejam filhas do cônjuge do adoptante.

Os n.ºs 2 e 3 adiantam que o adoptando deve ter menos de 15 anos à data do requerimento de adopção, podendo, contudo, ser adoptado quem, à data do

(25)

requerimento, tenha menos de 18 anos e não se encontre emancipado quando, desde idade não superior a 15 anos, tenha sido confiado aos adop-tantes ou a um deles ou quando for filho do cônjuge do adoptante.

Admite-se excepcionalmente que sejam adoptados crianças com 15 ou mais anos e menos de 18 (não emancipados) quando:

1.º - a criança tenha estado, desde idade não superior a 15 anos, confiado aos adoptantes ou a um deles;

2.º - se trate de filho do cônjuge do adoptante (ou filho do companheiro do adoptante, por força do artigo 7.º da Lei n.º 2/2016, de 29 de Fevereiro)»

[negritos nossos]

- Ana Rita Alfaiate (Anotação ao artigo 1980.º do CC, in Código Civil, Livro IV – Direito da Família - Anotado, coordenação de Clara Sottomayor, Almedina, 2019, nota 8, pág. 1020):

«Procurando-se, acima de tudo, alguém que assuma as responsabilidades parentais relativamente à criança, o seu cuidado e educação, as funções

tradicional e naturalmente associadas aos pais de filhos menores, a adoção em Portugal não consagra a possibilidade adoção de adultos. Aliás, a regra entre nós é a de que o adotando tenha de ter mais de 15 anos à data do

requerimento de adoção, regra que só cede, permitindo a adoção de crianças mais velhas, se estas tendo menos de 18 anos à data daquele requerimento e não sendo emancipadas, se encontrarem confiadas aos candidatos desde um momento anterior àquele em que completaram 15 anos. Parece, ainda assim, dever considerar-se que o legislador português admite, sem restrições, a adoção de filho do cônjuge até aos 18 anos do

adotando. Na realidade, é precisamente isso que resulta da leitura da parte final do nº 3 do preceito em anotação, que exclui a necessidade de verificação da confiança anterior aos 15 anos no caso de filho do cônjuge.

Entende-se que a confiança de que se fala a este propósito, da adoção de crianças entre os 15 e os 18 anos, confiadas antes dos 15, é a confiança administrativa ou a confiança com vista a futura adoção. Ou seja, ainda que se esteja perante o excecional caso de uma adoção de uma criança com mais de 15 anos, parece que é exigência legal que o seu projeto de vida passe por essa mesma adoção desde antes dessa idade (...)» [negritos nossos]

Importa também ter presente aquilo que, a respeito do limite máximo de idade do adoptando, se afirma no recente acórdão deste Supremo Tribunal, de 9 de

(26)

Fevereiro de 2021 (proc. n.º 211/20.2T8STC.E1.S1)[2], consultável em www.dgsi.pt, no qual estava também em causa, ainda que em relação a uma situação de contornos distintos[3], a interpretação do n.º 3 do art. 1980.º do Código Civil:

«(...) A lei portuguesa não admite a adoção de pessoas maiores de idade. Todavia, admite exceções em relação à idade máxima de quinze anos, nos casos em que apesar de a adoção ser requerida depois desta idade, o adotando tenha sido “confiado” aos requerentes ou a um

deles, antes dos 15 anos; ou o adotando seja filho do cônjuge do adotante ou da pessoa que com ele viva em união de facto.

Cabe, pois, indagar se no caso concreto (não se tratando de uma adoção do filho do cônjuge do adotante) seria ou não aplicável a exceção prevista pelo legislador no n.º 3 do referido preceito, na parte em que permite a adoção de jovens com idade compreendida entre os 15 e os 18 anos, quando se verifique a confiança do adotando aos requerentes ou a um deles, antes de aquele perfazer quinze anos de idade.

(...)

2. Compreende-se que a lei não admita a adoção de maiores de idade e que estabeleça requisitos especiais para a adoção de adolescentes com idade próxima da maioridade, com base no paradigma de que a adoção de crianças mais novas apresenta maior potencialidade para a criação de laços afetivos semelhantes à filiação. O objetivo da lei é fornecer ao adotando um

enquadramento familiar idêntico, nos vínculos de afeto, àquele que

normalmente existe nas famílias biológicas em cujo seio ocorre o nascimento.

Julga-se assim, que, se o adotando tiver mais de 15 anos, será mais difícil a criação de laços semelhantes à filiação, por ter já o desenvolvimento da sua personalidade atingido uma fase avançada de maturação. Como explicava Antunes Varela (Direito da Família, 5.ª ed., p.131), a razão de ser da regra consiste em se ter entendido “que só assim, abrangendo o período da infância e começo da adolescência em que o menor mais necessita de um ambiente familiar são no desenvolvimento da sua personalidade, a adopção assume real interesse social’’.

Todavia, este raciocínio não é válido se o/a jovem em causa tiver sido confiado/

a antes dos 15 anos aos requerentes ou a um deles, sobretudo se esta confiança ocorreu logo após o nascimento, tendo-se formado um vínculo afetivo semelhante à filiação entre a criança e os seus cuidadores (...)».

(27)

Temos assim que, na interpretação do n.º 3 do art. 1980.º do CC, conjugado com o n.º 2 do mesmo preceito – e tendo em conta que a alínea c) do art. 279.º do CC, relativa ao cômputo do tempo, determina que «[o] prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data» – não oferece dúvidas que a previsão de «idade não superior a 15 anos» do n.º 3 corresponde à previsão de «menos de 15 anos» do número anterior. Cfr., neste sentido, o acórdão deste Supremo Tribunal de 14 de Dezembro de 2006 (proc.

n.º 3018/06), cujo sumário se encontra disponível em www.stj.pt.

Deste modo, e tal como entendeu o acórdão recorrido, pode concluir-se:

(i) Que, em regra, a pessoa a ser adoptada deve ter menos de 15 anos à data em que o requerimento de adopção é apresentado, o que significa que o mesmo requerimento deve dar entrada até ao dia em que o adoptando faz 15 anos;

(ii) Se for filho do cônjuge do adoptante, pode o adoptando ter entre 15 e 18 anos à data da apresentação do requerimento de adopção;

(iii) Se, antes do dia em que fez 15 anos, foi «confiado» aos adoptantes ou a um deles, pode o adoptando ter entre 15 e 18 anos à data de apresentação do requerimento de adopção.

Com o intuito de aplicar tais conclusões, na parte que importa, ao caso dos autos, consideremos a sucessão cronológica da factualidade relevante:

- CC nasceu a 18 Outubro de 2002;

- A 18 de Outubro de 2015, CC perfez 13 anos de idade;

- Por acórdão, proferido no Processo de Promoção e Protecção n.º

567/13.3TMCBR, a 30 de Novembro de 2015, foi aplicada à CC medida de confiança a instituição com vista a futura adopção;

- A 18 de Outubro de 2017, CC perfez 15 anos de idade;

- A 19 de Janeiro de 2018, a medida de confiança a instituição com vista a adopção foi alterada para medida de acolhimento residencial;

- A 16 de Outubro de 2018, CC integrou o agregado do casal composto por AA e BB;

(28)

- A 18 de Outubro de 2018, CC perfez 16 anos de idade;

- A 18 de Junho de 2019, foi aplicada medida de confiança a pessoa idónea, no caso AA e BB;

- A 18 de Outubro de 2019, CC perfez 17 anos de idade;

- A 13 de Fevereiro de 2020, foi homologado compromisso de apadrinhamento civil da CC, sendo padrinhos AA e BB;

- A 23 de Setembro de 2020, AA e BB apresentaram requerimento para adopção da CC;

- A 18 de Outubro de 2020, CC perfez 18 anos de idade.

Verifica-se, pois, que, à data do requerimento de adopção (23 de Setembro de 2020), a menor CC tinha já 17 anos, pelo que, de acordo com o regime regra do n.º 2 do art. 1980.º do CC, excedia já o limite máximo de idade para poder ser adoptada.

Significa isto que a alteração da medida de confiança a instituição com vista a adopção para medida de acolhimento residencial, alteração decidida em 19 de Janeiro de 2018, não resultou - contrariamente ao alegado pelos requerentes - de um qualquer erro da segurança social, mas antes do reconhecimento da inviabilidade legal da adopção por, meses antes, ter a menor ultrapassado a idade máxima para o efeito.

Na verdade, resulta da promoção do Ministério Público (de 16-01-2018) e da decisão judicial (de 19-01-2018), proferidas no Processo de Promoção e Protecção apenso, que, em relação à menor CC, a medida de confiança a instituição com vista à adopção foi alterada para a medida de acolhimento residencial, nos termos do art. 35.º, alínea f), da Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP) - na redacção vigente tanto à data como

actualmente - com fundamento no facto de aquela ter atingido os 15 anos de idade e já não poder ser adoptada, de acordo com o n.º 2 do art. 1980.º do CC.

De referir que, à data dessa decisão, já se encontrava em vigor a actual redacção do art. 62.º-A, n.º 2, da referida Lei, que veio resolver as dúvidas surgidas a respeito da falta de previsão da possibilidade de revisão da medida de confiança a instituição com vista à adopção, permitindo que:

«A título excecional a medida é revista, nos casos em que a sua execução se revele manifestamente inviável, designadamente quando a criança

(29)

atinja a idade limite para a adoção sem que o projeto adotivo tenha sido concretizado».

Forçoso é concluir que, quando, a 16 de Outubro de 2018, com 15 anos, 11 meses e 28 dias, a CC passou a integrar o agregado familiar dos requerentes – e diversamente do alegado por estes – estava já ultrapassado o limite máximo de idade previsto no n.º 3 do art. 1980.º do CC. Na verdade, a aplicabilidade deste regime ficou afastada a partir de 19 de Outubro de 2017, uma vez que, nesta data, a menor CC passou a ter idade superior a 15 anos.

Assim, e ao contrário do que defendem os recorrentes, a situação da CC não é idêntica à dos seus irmãos DD e EE, nem tal situação ou os laços que existem em relação a estes dois irmãos – e que, no plano jurídico, existem também em relação aos demais irmãos sobrevivos, filhos da mesma mãe (que, no total, teve dez filhos) – permitem uma diferente leitura das normas legais em causa.

Bastaria a falta de preenchimento do pressuposto do limite máximo de idade para se confirmar a inviabilidade da adopção da menor CC à luz do regime do art. 1980.º, n.os e e 3, do CC. Ainda assim, tanto por ter sido nessa óptica que a questão da aplicação de tal regime foi equacionada pelos requerentes – e, em grande medida, apreciada pelo tribunal a quo – como por estarem em causa interesses relevantíssimos, que justificam a ponderação das diferentes dimensões da questão recursória, passaremos em seguida a considerar a possibilidade de a integração da CC na família dos requerentes ser abrangida ou equiparada ao conceito de “confiança” ínsito no n.º 3 do art. 1980.º do CC.

7.3. Consideremos, também a este propósito, as contribuições da doutrina:

- Paulo Guerra (A Adopção – O segundo nascimento do ser humano, cit., págs.

224-226):

«Pergunta-se:

A confiança a que se refere o n.º 3 do preceito é apenas a confiança administrativa ou a medida de adoptabilidade inscrita no artigo 35.º/1, alínea g) da LPCJP ou também abrange a confiança de facto ou

confiança na sequência de uma medida tutelar cível, como p. ex. tutela ou a limitação do exercício das responsabilidades parentais (cfr. artigo 1918.º CC)?

Referências

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