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O combate à pirataria em alto-mar pela via da promoção dos direitos humanos no “Chifre da África”

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

EDUARDO DE ASSIS BRASIL ROMAN

O COMBATE À PIRATARIA EM ALTO-MAR PELA VIA DA PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO “CHIFRE DA ÁFRICA”

Ijuí (RS) 2016

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EDUARDO DE ASSIS BRASIL ROMAN

O COMBATE À PIRATARIA EM ALTO-MAR PELA VIA DA PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO “CHIFRE DA ÁFRICA”

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC. UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DEJ- Departamento de Estudos Jurídicos.

Orientador: Dr. Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth

Ijuí (RS) 2016

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Dedico este trabalho à minha família, que independente de momentos bons e ruins jamais deixou de acreditar em mim.

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AGRADECIMENTOS

À minha família, que nunca me abandonou, que lutou desde o início pela minha felicidade, não me deixou desamparado em nenhum momento, sempre um excelente exemplo de união, honestidade e sobretudo, caráter, pois seus esforços tornaram esta vitória possível.

Aos amigos que fiz durante toda minha jornada, que também me estenderam a mão nos momentos mais difíceis, a vocês devo gratidão pelas minhas vitórias.

Ao meu orientador Maiquel, que com sua sábia liderança me guiou para a elaboração de um trabalho rico em conteúdo e também me proporcionou segurança nesta etapa tão importante do curso.

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise das primeiras práticas da pirataria em alto-mar, sobretudo na região do “Chifre da África”, a fim de propiciar uma investigação em busca da construção de um processo de paz na região, como também o combate às constantes práticas de pirataria na região pela via da promoção dos direitos humanos. A pirataria na Somália é recente e tem pouco mais de 20 anos. Ela se iniciou como uma reação do povo Somali devido à fome e constantes abusos praticados por navios de diversas bandeiras internacionais, que invadiam águas territoriais do país e ali despejavam detritos e praticavam pesca I.N.N. (Ilegal, não declarada e não regulamentada). É por consequência destas circunstâncias, e logo após a queda do ditador Siad Barré, que os senhores de guerra locais encontraram um meio de lucrar e se defender destes ataques, perante a ausência de autoridades internacionais como a ONU (Organização das Nações Unidas). Em relação a estes problemas em alto-mar, a pirataria se intensificou cada vez mais. As missões da ONU (Organização das Nações Unidas) eram desorganizadas no princípio, pois seu foco era apenas reestruturar o país e não combater conjuntamente a pirataria. Para combater esta, diversas resoluções foram expedidas, mas a prática ainda existe em grande escala. Algumas propostas ao longo deste trabalho foram expostas para encontrar uma solução. Quanto aos objetivos gerais, a pesquisa será do tipo exploratória. Utiliza no seu delineamento a coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede internacional de computadores, observando os procedimentos de seleção de materiais pesquisados em livros digitais, artigos e resoluções de autoridades internacionais, leitura desses materiais e construção crítica do material selecionado.

Palavras-Chave: Pirataria no Chifre da África. Somália. Direitos Humanos no Combate à Pirataria.

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ABSTRACT

The present project of course conclusion makes an analisys of the first acts of piracy in high seas, especially in the region of “Africa’s Horn”, with the focus of an investigation in search of a peace process in the region, as to the combat to the constant piracy practices in the region by the promotion of human rights. Piracy in Somalia is recent and it has a little more than 20 years. It initiated by a reaction of the Somali people due to to hunger and constant abuses praticed by many international ships from different flags, which invaded its territorial waters and dumped trash and praticed I.N.N fishing (illegal, not declarated and not regulated). Its because of these circunstances, and soon after Siad Barré’s dictatorship fell apart, the local lords of war found a way to gain profit and defend themselves from these attacks, due to the lack of international authorities such as the UN (United Nations) to these high seas problems, piracy intensified more and more. The UN (United Nations) missions were disorganised at first, because its focus was only restructure Somalia and not combat piracy altogether. To combat piracy, many resolutions were issued, but piracy still remains. Some propositions were made during the elaboration of this project to find a solution. As to the general objectives, this will be an exploratory search. For it’s development the data collect from bibliographical sources was used in physical ways and in the world wide web system, observing the material selection procedures researched in digital books, articles and international authorities resolutions, reading these materials and making a critical construction of these papers.

Keywords: Piracy in Horn of Africa. Somalia. Conflict resolution. Human rights to combat piracy.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 8

1 O AS ORIGENS DA PIRATARIA EM ALTO-MAR ... 10

1.1 Motivos que levaram ao surgimento da pirataria na região: os primeiros conflitos . 11 1.2 A estruturação da Somália como nação pós Segunda Guerra Mundial ... 14

1.3 A Somália pós 1991 e a pirataria moderna ... 16

1.4 Tentativas de resoluções de conflitos...18

1.5 Os piratas em sua origem: os clãs da Somália...23

1.6 A estrutura da autoridade jurídica política nos clãs da Somália...26

2 DO PRINCÍPIO DA PIRATARIA ÀS SUAS SOLUÇÕES ... 29

2.1 Corrupção e dependênca: porque os homens viram piratas ... 31

2.2 O direito em alto-mar ... 35

2.3 Questões civis e políticas da UNPOS ... 38

2.4 As soluções multilaterais com reforço naval ... 40

2.5 Soluções via promoção dos direitos humanos ... 41

CONCLUSÃO...43

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta um estudo acerca das primeiras noções sobre a pirataria em alto-mar, na região do “Chifre da África” e no Mar de Áden, próximos ao Iêmen. Esse estudo é importante pois trata de tema fundamental para a navegação e comércio internacionais. Cerca de dez por cento das mercadorias mundiais e grande parte do petróleo extraído do Oriente Médio passa pela região, e muitos desses navios cargueiros são atacados pelos piratas Somalis.

O problema que inspirou o presente estudo está voltado em duas esferas: econômica e humanitária. Como fator econômico temos as despesas em armamentos militares, que giram em torno de 500 milhões de dólares americanos gastos todo ano em frotas navais, em armamentos e patrulhamentos em alto-mar, como também o prejuízo em pagamentos de valores astronômicos nos resgates dos tripulantes dos navios cargueiros assim como temos o fator humanitário, a devastadora crise que está perturbando a população Somali: fome, violência, exploração das águas territoriais Somalis por parte de navios estrangeiros, sem a menor permissão da ONU (Organização das Nações Unidas), muito menos repasse dos lucros à Somália, o que tira o emprego de milhares de pessoas e gera conflitos.

É para esse ambiente selvagem que procuramos a solução a longo prazo, sendo o nosso objetivo levantar propostas pacíficas pela via da promoção dos direitos humanos previstos pelas próprias Nações Unidas, combatendo a pirataria no “Chifre da África” através de uma intervenção humanitária-econômica no país, garantindo à sua população, em primeiro lugar, saúde, em seguida, segurança, educação e desenvolvimento de atividades como a agricultura e na economia. Dando continuidade a um planejamento que visa tornar o país desenvolvido e independente, processo que evidentemente levará décadas para ser concluído.

Para a realização deste trabalho foram efetuadas pesquisas bibliográficas e por meio eletrônico, analisando também as resoluções da ONU (Organização das Nações Unidas), a fim de enriquecer a coleta de informações e permitir um aprofundamento no estudo deste tema, revelar a importância do diálogo na construção da paz na Somália a fim de combater as práticas de pirataria, por meio de estratégias sociais e a promoção dos direitos humanos, apontando novas perspectivas para a solução de conflitos.

Inicialmente, no primeiro capítulo, foi feita uma abordagem sobre a origem da pirataria na Somália, porque surgiu esta prática, analisando o abuso dos direitos internacionais marítimos

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de um país que sequer possui um governo soberano em seu próprio território, não possui marinha eficaz e não consegue explorar suas águas territoriais. Também o primeiro capítulo trata da história recente da Somália, sua colonização europeia e posterior independência do Reino Unido e da Itália, do primeiro governo independente à queda do ditador Siad Barré, o que provocou o início de uma guerra civil sangrenta que depois desencadeou o início da pirataria como conhecemos hoje.

No segundo capítulo foi analisada mais especificamente a estratégia montada pelos piratas para estes ataques, como eles se estruturam e são financiados, a rede criminosa formada pelos senhores de guerra locais que sustenta a compra de armas, equipamentos e o preparo dos homens que abordam navios mercantis. Também é relatado no mesmo capítulo momentos de uma entrevista com um pirata veterano, que explica porque os homens daquele país viram piratas, como ele liderava sua equipe, saqueando os navios que achavam pelo caminho e sequestrando as pessoas nele encontradas, para depois cobrar o valor do resgate, um negócio que gera milhões de dólares americanos para estas redes de crimes. Do outro lado, as nações de diversos países tentam estruturar um ordenamento jurídico capaz de punir os piratas capturados. Uma das soluções encontradas é a de “alugar” um tribunal de um país próximo da Somália, no caso tribunais do Quênia, para condenar e executar as penas consideradas justas.

No segundo capítulo, ainda, são abordadas as políticas de desenvolvimento da Somália e as formas como a ONU (Organização das Nações Unidas) se organiza para reestruturar o país e combater a pirataria na região, com a devida aplicação dos direitos humanos, com a chamada UNPOS (Departamento Político das Nações Unidas para a Somália – tradução nossa) e a posterior UNSOM (Missão das Nações Unidas de Assistência para a Somália – tradução

nossa).

Concluímos o trabalho com a construção de propostas, trazendo os porquês de toda essa problemática surgir, pelo fato de ser uma circunstância recente, será que não é possível ter uma solução eficaz, ainda que a longo prazo? Com o presente trabalho buscamos a melhor solução.

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1 AS ORIGENS DA PIRATARIA EM ALTO-MAR

A pirataria em alto-mar é um problema que existe na humanidade há séculos. Porém, faz pouco tempo que surgiu na região da costa da Somália e no Mar de Áden, perto do Iêmen, no chamado “Chifre da África”. De fato uma questão delicada, que envolve muito mais que dinheiro, no caso, milhões de dólares americanos perdidos em danos e gastos em armamentos para se defender dos ataques dos piratas. Trata-se também (e, sobretudo) da questão humanitária, de ambos os lados. Outra situação frustrante é o posicionamento da Organização das Nações Unidas (ONU), a maior autoridade internacional do mundo, que se demonstra de certa forma parcial, e pouco ou insuficientemente prestativa à população somali, provocando essa reação inevitável de sua população, que são os ataques aos navios comerciais, e até militares. Este trabalho procura possíveis respostas para estes problemas, partindo de propostas pacíficas.

A história de piratas tem sido cultivada sempre na literatura, cinema e televisão (FALQUE, 2011). A pirataria é tão antiga como a navegação, porém sempre surge a dúvida: o que é um pirata?

Segundo o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Haroldo Valadão (2016) a pirataria consiste na prática de:

Assalto, atentado, depredação, violência, banditismo, violação a vida, da integridade, da liberdade e segurança dos homens e das comunicações, seja em terra, da antiga pilhagem das grandes e despovoadas rotas, seja no mar e, particularmente, no alto-mar, onde existe um deserto maior, sem jurisdição maior, um campo propício a criminosos.

O país se encontra no canto nordeste do continente, mais conhecido como o “Chifre da África”. Faz fronteira com o Djibuti, o Quênia e a Etiópia. Mais acima está o Golfo de Áden, que é razão de luta por muitos líderes, grupos e países que querem tomar para si essa importante saída para o Oceano Índico (VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA; 2013).

A região foi colonizada no século XIV por ingleses e italianos e conseguiu sua independência somente no ano de 1960. No entanto, o governo democrático dura somente nove anos. Em 1969 o ditador Mohamed Siad Barré dá um golpe de estado e toma o controle do governo antecedente. A ditadura de Barré obtém total apoio dos Estados Unidos, de tal modo

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que, durante seu governo, as empresas petrolíferas americanas obtiveram importantes acordos naquele país. Afinal, trata-se de uma área estratégica da navegação mundial, no Golfo de Áden. Mais de vinte mil navios de carga atravessam essa costa por ano, transportando cerca de dez por cento das mercadorias mundiais, e também grande parte do petróleo mundial, extraído do Oriente Médio. Desde muito tempo grandes potências disputavam o monopólio das rotas da região (VERDADE.... 2016).

É aí que os Clãs, grupos famílias de descendências em comum (DICIONÁRIO MICHAELIS, 2007, p. 192), ganham destaque. Sob as ordens dos senhores de guerra locais, viram nessa circunstância uma grande oportunidade de reagir e se financiar com seus ideais de poder que possibilitava lucros oriundos de sequestros com resgate mediante prévio pagamento e roubos. Toda a riqueza obtida desses atos é distribuída entre os clãs e a população local, motivo este que garante o apoio incondicional das pessoas que ali vivem.

Para compreender melhor a temática do presente trabalho, devemos iniciar os estudos conhecendo um pouco da história da região, os clãs da Somália, depois veremos o início dos conflitos naquele país e o surgimento da pirataria. Por fim, trataremos de buscar soluções humanitárias, sem uso de violência, mas eficazes no combate a essa prática devastadora em águas internacionais.

1.1 Motivos que levaram ao surgimento da pirataria na região: os primeiros conflitos

Na Somália, o governo de Barré se prolonga até 1988, quando grupos insurgentes atacam seu governo. A guerra civil se prolonga até 1991, ano em que ele se vê obrigado a fugir do país. Barré se equivocou em seu governo quando passou a buscar acabar com o clanismo. Ele afirmava que o modelo estrutural organizado em clãs interferia e era visto como um obstáculo frente aos ideais de desenvolvimento do país (NJOKU, 2013). Ele também começou a colocar no poder apenas membros do seu clã, que chama-se Darood. O privilegiou e perseguiu os outros (PASSAURA, 2011).

Em meados da década 1970 se inicia o “pesadelo somali”. O ditador inicia o suporte a conflitos entre seus conterrâneos e às populações próximas ao seu território. Os somalis não queriam estar submetidos a outros regimes de diversos países e como Barré tinha um ideal de construir uma grande Somália, ele apoiou as diversas tentativas de seu povo para triunfar com

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a desejada independência. Seu anseio era unificar seu povo em um único país, mas este plano, claro, entraria em conflito com os países próximos (MOLLER, 2009). A grande Somália seria composta pela Somália, pelo Djibouti, integralmente, por parte da Etiópia e pelo Norte do Quênia. Barré, no entanto, se viu obrigado a entregar o poder aos somalis em 1991, frente a tantos conflitos e desestabilidades perante seu país e fugiu para a Nigéria, onde faleceu nos quatro anos seguintes (NJOKU, 2013).

A paz não advém desse conflito, pelo contrário, outros clãs lutam entre si para dominar a região, o que impede a existência de um governo democrático, estável e soberano. Com a queda de seu ex-ditador, muitos somalis se separaram do governo central e buscaram criar seus próprios governos independentes, em relação àquele que governou o país durante tanto tempo (NJOKU, 2013).

Somalilând e Puntilând são exemplos bem-sucedidos de povos somalis que se separaram do governo de Mogadishu, estas novas nações, porém, não obtiveram reconhecimento de outros países. A União Africana (UA) e a ONU (Organização das Nações Unidas), não querem reconhecer com o temor que muitas outras regiões da do Continente comecem a seguir o mesmo exemplo e se distanciar de seus governos centrais, causando uma relativa fraqueza e desintegração de povos e Estados (NJOKU, 2013).

O resultado desse conflito da era pós-Barré é a morte de mais de trezentas mil pessoas, mais de um milhão de desabrigados, fome, agravada pela seca. A Somália é, na atualidade, um dos países mais perigosos do mundo, sem governo central, sem exército e marinha formais. (VERDADE..., 2016).

É neste ambiente frágil que navios de diversas bandeiras (países) invadem águas territoriais da Somália, praticando pesca I.N.N. (ilegal, não declarada e não regulada), depositando toneladas de lixo provenientes de outros países, incluindo lixo tóxico e nuclear, material hospitalar utilizado como seringas, gazes e remédios vencidos. A consequência desses atos gera um esgotamento das reservas de pesca na região. São mais de 800 barcos praticando pesca ilegal em águas territoriais do país, de inúmeras bandeiras, sendo a grande maioria dessas bandeiras pertencentes a diversos países, menos da Somália. Na pesca de atum, por exemplo, 60% da exploração pertence à Espanha e o restante é explorado pela França. (VERDADE..., 2016).

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A ONU (Organização das Nações Unidas), sob esse aspecto, está deixando essas práticas ocorrerem ao ser inerte perante esse quadro. Seja por uma questão econômica ou por simples conveniência, as consequências são devastadoras para uma das regiões mais atingidas pela fome e miséria do planeta. Tirando sua fonte de proteína e sustento, a população não encontra outra solução se não a de reagir de alguma forma, no caso, através de armas contra os invasores e poluidores.

O país possui uma característica peculiar, pelo fato de ser um dos poucos países africanos a ser homogêneo em seu aspecto cultural, religioso e linguístico. Esta homogeneidade não é a mesma sob o viés político. Neste aspecto, a Somália está dividida em múltiplas regiões que lutam para obter a hegemonia e sobreviver. Cada região representa um diferente clã, sendo duas famílias principais: Somale e Saab, divididas em seis principais clãs, que se subdividem em outros clãs, e assim por diante (AVANCI, 2016).

Devido à sua posição estratégica, localizada no chamado “Chifre da África”, próximo à península Arábica e do Golfo de Áden, o país sempre foi um local chave para a navegação internacional. Seus portos serviram de locais de repouso aos navegadores e abastecimento de mercadorias oriundas da Ásia, do golfo Pérsico e das Índias.

A Somália foi um Estado descentralizado durante muitos séculos (clan-state), relativo a clãs que governavam suas famílias, em seus pequenos territórios. Por esse motivo, sem ter um Estado forte, muitas invasões de povos estranhos se sucederam com relativa facilidade. Portugueses e egípcios já invadiram e se estabeleceram ali, mas foram expulsos pela população local. Após esse período o país foi dividido entre norte (ingleses) e sul (italianos), sendo este mais desenvolvido (CARDOSO, 2016).

Apesar desta situação, nenhuma ocupação estrangeira foi realizada sem resistência. Os clãs sempre reagiram contra invasores europeus e etíopes. Muitas vezes os clãs jogavam uma potência contra outra, fazendo acordo com as duas, na esperança de obter sua independência, mas terminando por lutar, devido a acordos frustrados, mesmo com a certeza de que estariam enfrentando forças mais poderosas e mais bem estruturadas.

O mais longo e bem organizado movimento de resistência foi encabeçado pelo poeta e líder religioso Sayyid Mohammed Abdille Hassan, que em união a diversos líderes criou, em

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1895, o movimento conhecido como Dervixe. Graças ao seu carisma e à suas qualidades como chefe, chegou a comandar uma tropa heterogênea de 12 mil homens (KIZERBO, 1972, p. 106). Os confrontos ocorreram em três frentes: a primeira no protetorado britânico, se alastrando posteriormente para o domínio Italiano e Etíope. Entre vitórias e baixas morre em 1921 seu líder Mohammed, por moléstia infecciosa.

Esta morte fortalece os britânicos, porém a resistência não cedeu, muito pelo contrário, o movimento é fortalecido com a criação da Somali Youth League (Liga da Juventude Somali,

tradução nossa), em 1940. Segundo Cardoso (2016):

A importância desse movimento se dá por várias razões: em primeiro lugar, pelo fato de ter sido o conflito mais longo (e sangrento) ocorrido na África subsaariana, no período colonial (vinte anos); em segundo lugar, pela maior mobilização de tropas coloniais e, pela primeira vez na era colonial, a utilização da Royal Air Force; em terceiro lugar, pela complexidade e amplitude foram superadas as divisões entre clãs e criaram uma frente nacionalista englobando vários clãs lutando contra o inimigo externo. Esse movimento é reconhecido como a primeira manifestação do nacionalismo na Somália.

A partir das suas colônias no “Chifre da África” (Eritréia e Somália), a Itália de Mussolini invadiu a Abissínia (atual Etiópia), o único país independente africano naquele período, colocando em prática seu ideal de poder ao buscar criar “um novo Império Romano”, projetado em 1922, pela ditadura fascista de Benito Mussolini. A Liga das Nações, na qual a Abissínia era membro aprovou embargo comercial à Itália, por pressão de Londres, pois o controle da região por Mussolini poderia ameaçar a rota do Canal de Suez.

Com a conquista da Somalilândia Britânica a Itália passa a ter domínio de toda Somália. Porém, em 1941, como resposta à perda de seus domínios e o forte risco de perder o controle do Canal de Suez, a Grã-Bretanha faz nova investida contra as forças de Mussolini na região, derrotando-os e os expulsando totalmente da região, inclusive libertando a Etiópia de seu domínio. Os britânicos permitiram aos italianos residentes no ex-protetorado criar associações políticas. Neste contexto histórico foi criada a Somali Youth League (Liga da Juventude Somali – tradução nossa).

1.2 A estruturação da Somália como nação pós Segunda Guerra Mundial

Em 1949, na Assembléia Geral da ONU, ficou decidido pela continuidade da administração da Somalilândia por mais dez anos, com a supervisão da ONU. No ano seguinte

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os italianos assumiram o controle da região após a retirada dos britânicos e tinham a missão de preparar o país para a independência nos próximos dez anos.

Durante esse período houve muitos conflitos entre italianos e nativos, apesar do forte investimento na educação e agricultura. As três Somálias se desenvolveram relativamente bem, gerando as primeiras eleições parlamentares em 1955. A construção do Estado Somali foi um grande desafio, devido a diversas complexidades e opiniões não unânimes. Por um lado, temos dois territórios colonizados por dois países diferentes, de tradições políticas diferentes, às vezes antagônicas e a pressão pela criação de um Estado formado pelo sistema de clãs.

Fundado o Estado democrático, durante seu governo civil, o país estava classificado como um dos mais atrasados e pobres do mundo, praticamente um país exclusivamente dependente de ajuda externa. Em 1967 foi eleito de forma inédita seu ex-primeiro-ministro, Abradirashid Ali Shermake ao cargo de presidente da república e Mohamed Haji Ibrahim como primeiro ministro. Em 1969 o presidente foi assassinado. Os militares daquela época estavam insatisfeitos com a administração do país, acusando o governo de ser corrupto e não ter resposta para os problemas sociais e alegaram que as eleições de 1967 foram fraudadas. Neste contexto de ondas de violência, instabilidade e insatisfação política os militares daquele país assumiram o poder e nomearam o general Mohamed Barré como novo presidente, cinco dias após a morte de Shermake (CARDOSO, 2016).

Nas comemorações de primeiro ano do novo governo, Barré declarou:

Em nossa revolução acreditamos que nós quebramos a cadeia de uma economia de consumo com base nas importações, e nós somos livres para decidir nosso destino. E, afim de realizar os interesses do povo da Somália, sua conquista de uma vida melhor, o pleno desenvolvimento de suas potencialidades, e do cumprimento de suas aspirações, nós declaramos solenemente a Somália um Estado socialista (METZ 1992, p. 87).

Com os constantes e intermináveis conflitos ocorridos, sobretudo na ditadura de Barré, o governo se viu derrotado perante tanta violência e disputas regionais pelo poder. Em 1989 Barré não encontra outra saída a não ser fugir do país.

É a partir de 1991 que surge a pirataria como a conhecemos, problema para a navegação internacional, porém uma forma de defesa para os pescadores somalis, que rapidamente se

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transformam em perigosos assaltantes em alto mar, liderados e patrocinados pelos senhores de guerra locais. A partir daqui vamos entrar numa profunda análise desse fenômeno que já dura séculos, mas se faz presente de tal modo que perdura e se adapta de acordo com as circunstâncias de cada momento da história.

1.3 A Somália pós 1991 e a pirataria moderna

Desde o fim do regime militar de Barré, em 1991, a comunidade política se fragmentou em diversos clãs armados lutando entre si, visando ao controle de recursos e de poder. A consequência destes conflitos entre diferentes clãs, somado à grande seca que atingiu a região do “Chifre da África” nos anos 1980 e 1990 causou uma das maiores crises humanitárias na história do país (CARDOSO, 2012).

O conflito apenas se intensifica e demonstra sua complexidade. Sob esse viés explica Nilton Cardoso (2016):

A luta intensa e desenfreada pelo poder provocou os piores desastres humanitários já vistos pela comunidade internacional até então. Imagens do povo somali humilhados, famintos, violência e miséria, crianças desnutridas morrendo de fome foram transmitidas em tempo real em quase todo o globo através da rede de televisão americana CNN. Estima-se que nos primeiros meses de conflito aproximadamente 30 mil pessoas foram mortas (African Watch, 1992). Além disso, a anarquia levou algumas regiões a autoproclamar sua independência (Somalilândia e Puntilandia), durante a década de 90.

Nesse cenário caótico surge o fenômeno da pirataria marítima na costa da Somália, por meio da qual navios industriais e tripulações em trânsito em águas somalis ou internacionais da região são alvos de sequestros, exigindo resgates milionários. Segundo Fagundes (2011), o colapso do Estado central abriu espaço para a exploração da zona econômica exclusiva somali por navios pesqueiros estrangeiros (principalmente europeia e asiática) e o consequente colapso da pesca artesanal na costa somali, são frequentemente mencionados como uma das motivações da pirataria. Mas esse fato não afasta a realidade de que a profissionalização da pirataria, somada aos astronômicos lucros obtidos desta prática ilícita por meio de pagamento pelo resgate das pessoas sequestradas se torna uma saída a esses pescadores locais e à população somali em geral.

Segundo o levantamento da revista Times, a pirataria levou a um aumento de 10 vezes no valor pago pelo seguro dos navios que atravessam o Golfo de Áden entre o início da década

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de 1990 e 2008 (MIDDLETON, 2008). Os custos das operações navais de combate à pirataria são elevadíssimos, isto é, os prejuízos da pirataria na costa da Somália na economia mundial chegam a 7 (sete) bilhões de dólares, 80% dos ataques são contra navios industriais e 20% se referem às operações governamentais de prevenção e combate à ação dos piratas (ONE EARTH FUTURE, 2010). Além disso, estima-se em 80 milhões de dólares americanos por ano os lucros da pirataria, o que é considerável se comparar com as receitas do governo somali, que não deve exceder a três ou quatro milhões de dólares por mês (SARAIVA; JOANA, 2011, p. 88).

Diante dessa crise de navegação marítima no “Chifre da África”, em 2008 o CSNU (Conselho de Segurança das Nações Unidas) autorizou o patrulhamento internacional das águas territoriais somalis. A partir desse período, diversos Estados e organismos regionais tem conduzindo operações navais de combate à pirataria nessa região do continente africano. A União Européia (UE), por exemplo, criou uma força conjunta para o patrulhamento do mar territorial da Somália, Golfo de Áden e áreas circunvizinhas, denominado de Operação Atlanta sob o comando da Eunavfor (Força Naval da União Europeia). Além disso, a UE (União Européia), nesse mesmo período entrou em funcionamento a Operation Ocean Shield da OTAN e CTF-51 que compreende uma coligação de 25 países sob o comando norte-americano sediado em Bahrein e conta com contribuições individuais de países que destacaram meios navais próprios sob o comando nacional, como a China, Japão, Índia, Irã, Rússia e Arábia Saudita (DIAS, 2016).

No entanto, a pirataria na costa da Somália não pode ser vista como mera desordem no mar desencadeada por bandos armados formados por um conjunto de pescadores desempregados em busca de um meio de subsistência. Muito pelo contrário, ela é uma organização criminosa sofisticada, uma vez que essas operações de ataques requerem um determinado grau de investimento de capital para a aquisição de equipamentos essenciais (barcos, combustíveis, equipamentos de comunicação, armas e munições) para a abordagem dos navios em alto-mar, além de exigir qualificações técnicas de certos homens para conduzir as negociações de resgate com os armadores e companhias de seguros. Uma parcela do lucro auferida dessa lucrativa atividade ilícita é aplicada em investimento imobiliário (lavagem de capital) no norte do Quênia, país vizinho (DIAS, 2016).

Apesar dos esforços da comunidade internacional, as respostas daquilo que se espera destas operações tem sido pouco satisfatórias, se comparados com os anseios ali almejados, já

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que estas práticas ilícitas ainda são freqüentes e praticamente incontroláveis. Neste sentido, um dos problemas oriundos dessas missões navais para o combate à pirataria, no largo da região do “Chifre da África” em curso atualmente, é a falta de organização em conjunto com as forças de paz que ocorrem dentro do país, ou seja, não há nenhum vínculo de subordinação ou relação de apoio com a operação Peacekeeping estabelecida no solo em questão, apesar de haver pouca relação entre os piratas e os grupos insurgentes que disputam o território naquele país. Dada a localização estratégica do país e os perigos que esse fenômeno coloca para a navegação mundial, esse problema demanda esforço mais ativo da comunidade internacional no combate à atividade ilícita nessa região.

1.4 Tentativas de resolução dos conflitos

Após o fim da guerra fria, as operações para obtenção e permanência da paz, sob a supervisão das Nações Unidas, se tornaram cada vez mais frequentes, assim como se expandiram passando a abordar diferentes tipos de conflitos (CARDOSO, 2016). Contudo, essa questão é um pouco polêmica, pois ocasionou diversos debates e discussão entre os acadêmicos e especialistas, como argumenta Mingst (2009, p. 217):

Nenhuma questão que emergiu da guerra justa tem sido mais crítica ou polêmica do que o debate sobre a intervenção humanitária. A tradição da guerra justa afirma que a intervenção militar por Estados, ou pela comunidade internacional pode ser justificada se houver a violação de direitos humanos.

Se faz necessário lembrar que a intensidade dos conflitos civis não é o critério para a intervenção, mas sim os interesses das potências na paz de uma determinada região, o que explica muito o astronômico investimento das nações mais ricas e poderosas do planeta na região do “Chifre da África”, porém nenhum dólar vai para essas nações, mas para se defender das mesmas.

Segundo Filho (2016), as operações de paz promovidas pela ONU estão tipificadas em cinco categorias:

Peacemaking: geralmente utilizando-se da mediação, conciliação, arbitramento ou iniciativas diplomáticas para a resolução de conflitos;

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Peacekeeping: geralmente envolvendo uso de pessoal militar, mas com foco de ação limitado a atividades relativas e mais voltado para o monitoramento de acordos de cessar-fogo;

Peace-enforcing: uso de força militar para conter ou reprimir atos de agressão;

Peace-building: envolvendo a reconstrução de infra-estruturas e a reabilitação de instituições políticas de cunho democrático;

Protective-engeagement: utilizando-se essencialmente de meios militares defensivos para o estabelecimento de ambientes seguros para operações humanitárias.

O continente Africano durante a década de 1990 foi cenário de inúmeros conflitos civis violentos que causaram terríveis perdas humanas, forçando milhões de pessoas a procurar refúgios nos países vizinhos e em outros cantos do planeta. Diante dessa matança e de graves crises humanitárias, a comunidade internacional se viu pressionada por diversos meios a intervir em prol da população civil, sendo a maioria dessas intervenções patrocinada pelas Nações Unidas.

No caso particular da Somália, depois do colapso do governo central, em 1991, houve várias tentativas desencadeadas por organizações internacionais, regionais e sub-regionais para estabelecer a paz e reconstruir as estruturas políticas, econômicas e sociais no país.

Diante deste quadro a ONU, por meio de seu Conselho de Segurança sancionou duas resoluções a esse respeito (1846 e 1851):

1) O mandato vigora no âmbito dos Estados, preservadas as soberanias de cada governo, inclusive do Governo Federal de Transição da Somália, cuja legitimidade, embora reconhecida no âmbito das Nações Unidas, é fortemente contestada no país. As resoluções deixam claro que a medida foi previamente autorizada pelo Governo Federal de Transição e que as ações estrangeiras constituem um auxílio a esse governo;

2) Embora o Conselho de Segurança das Nações Unidas, no preâmbulo da resolução 1846, “que a paz e a estabilidade na Somália dependem do fortalecimento das instituições de Estado, do desenvolvimento econômico e social do respeito aos direitos humanos e à

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justiça” e reconheça, nas duas resoluções, que é a situação na Somália, agravada pela pirataria, que “constitui uma ameaça à paz e à segurança internacional”, o fato é que o mandato volta-se, exclusivamente, para a repressão à violência física no mar, sem emitir qualquer outra decisão voltada para fatores estruturais que possam estar relacionados ao problema. Desse modo, a intervenção é pontual: visa reprimir a pirataria em suas manifestações de violência no mar, sem quaisquer ações mais abrangentes voltadas para a situação geral do país;

3) A ação internacional é inspirada, prioritariamente, pelos interesses nacionais de cada Estado, nomeadamente interesses econômicos;

4) A resposta internacional é eminentemente militar.

Diante das características acima relatadas – centradas na preservação da ordem internacional estabelecida, na soberania dos Estados, nos interesses nacionais, no uso do poder militar e na subordinação das organizações internacionais aos interesses dominantes do sistema de Estados – configura-se, claramente, que a resposta internacional à pirataria na Somália fundamenta-se na paz da ortodoxia.

O mais recente relatório do Grupo das Nações Unidas para Monitoramento da Somália (ONU, 2008, p. 29-30) ressalta que a pirataria somali envolvendo duas grandes redes criminosas e que sua organização guia-se, fundamentalmente, por princípios empresariais. Suas atividades são patrocinadas por intermediários locais e por relevantes figuras políticas, que garantem “barcos, combustível, armas e munição, equipamentos de comunicação e salários aos piratas”. O relatório desse Grupo de Monitoramento afirma, também, que as suspeitas de envolvimento de membros da administração da Puntilândia (região auto-proclamada independente) com a pirataria são “bem substanciadas” e envolvem figuras proeminentes como ministros e altos funcionários.

O envolvimento desses atores inclui financiamento das operações, branqueamento dos recursos provenientes dos resgates, fornecimento de informações privilegiadas, cobertura e proteção política e fornecimento de tradutores para facilitar as negociações com os proprietários dos navios sequestrados. Além dessas irregularidades ─ que colocam a Somália no topo dos países mais corruptos do mundo, de acordo com a classificação da Transparência Internacional

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(Corruption Perceptions Index, 2008) ─ outras atividades típicas da criminalidade transacional organizada têm sido detectadas.

O Grupo de Monitoramento sobre a Somália ressalva que alguns grupos inferiores da rede que opera em Puntilândia usam os mesmos barcos empregados na pirataria para transportar refugiados e migrantes da Somália para o Iêmem, trazendo de volta armas e munições (ONU, 2008, p. 31-32).

Outra interessante curiosidade reside no fato de estes piratas, ao obter sucesso em sequestrar os tripulantes dos navios cargueiros, ao levar para seus portos-mãe em Puntland, ou até na Somalilandia os trata muito bem e, na medida do possível, até proporcionam mordomias aos sequestrados, quando fazem comida muito parecida com a ocidental, preparando massas, peixes e carnes consumidas na Europa e Ásia, justamente para garantir o preço do resgate, até cigarros e álcool os piratas compram das lojas litorâneas e oferecem aos presos (2016).

Trata-se de uma indústria que se adapta as necessidades deste meio. Todos os cuidados são mantidos para garantir o sucesso do pagamento do resgate. As armas vêm do Iêmen e da capital Mogadishu, o dinheiro vem desses resgates. Como já explicado em momento oportuno, os senhores de guerra, frente a situação catastrófica da ameaça que os navios de pesca estrangeiros causam aos empregos dos pescadores, e considerando que os resgates geralmente são pagos, os senhores de guerra incentivam e patrocinam a prática da pirataria (2016).

Um país sem uma administração operante não possui autoridades formais, mas aparentemente não há dúvidas que a pirataria é o fator que gera a maior economia em Puntland. Isto é particularmente verdadeiro no porto de Eyl, o quartel-general tradicional dos piratas da Somália. Neste porto são ancorados os navios capturados próximos dos esquifes utilizados pelos seus captores.

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Mapa político da Somália (atual)

Fonte: Marine Corps University Journal Disponível:

http://www.marines.mil/Portals/59/Publications/Marine%20Corps%20University%20Journal%20Vol%203, %20No.%201%20Spring%202012.pdf

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1.5 Os piratas em sua origem: os clãs da Somália

O agrupamento do povo da Somália por meio do sistema de clãs se dá sobretudo pelas relações entre os pastores nômades e não por relações de sangue, pela importância dos mesmos se aliarem para garantir segurança e proteção perante inimigos de outros cantos. Segundo Abbink (2016):

A verdadeira linha genealógica tem sido, assim, determinada ao longo da história, mas alianças se formaram no processo de difícil vida sócio econômica em condições de pastores nômades e outras considerações político-econômicos.

Além estar localizado em um local chave para a navegação internacional, a Somália não possui soberania, não tem poder sobre territórios além de sua capital. Os clãs habitantes das regiões da Somália estão em interminável disputa para assumir o poder. Deste modo, sem uma administração centralizada e presente, a pirataria nasce como um grave problema. Diversas bandeiras de diferentes navios passam pelo Canal do Suez e vão em direção ao Oceano Índico, correm o risco de serem capturados por esses piratas, sendo esse um problema supra-nacional, de interesse dos principais países do globo.

A Somália se encontra entre os países mais violentos do planeta, pelo fato de ocorrer tantas disputas entre os clãs, outrossim a sua própria população passar fome e viver em sub-condições de pobreza. Outro motivo para o aumento de refugiados são as organizações terroristas que ali surgem. Ou seja, mesmo isso um problema da Somália, eles afetam outras nacionalidades. Devido a esse fato, se faz importante compreender a estrutura social dos clãs para encontrar uma saída que amenize essa situação problemática para outros Estados e possivelmente ajudar os próprios somalis a criar a tão esperada paz interna.

A Somália já passou por grandes mudanças, como a inserção do Islamismo, que muda radicalmente o modo de viver do povo da Somália, a colonização da França, da Italia e Inglaterra, que colocaram o estilo de vida a seu ver e por último a queda da democracia, juntamente com revoltas, a separação de Somalilând e da Puntilând e outros conflitos.

Neste período não havia o Islã. Porém foi com a inserção deste modo de ver que o Império Axum começou a declinar. Os axumitas cristãos se confinaram na região conhecida,

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hoje, como Etiópia e a região da Somália foi incorporada ao Islã, perdendo boa parte da cultura axumita (MACEDO, 2013).

Assim que a Somália conquista a sua independência, ocorreram tentativas no sentido de impor instituições políticas e uma visão econômica ocidental, mas era imprescindível o apoio dos clãs e seus líderes. Os clãs principais, no entanto, não concordavam em se submeter a este ideal, pelo fato de que o clã era considerado individualmente um “país” diverso dos outros, mesmo possuindo o mesmo idioma, história, aspectos culturais e território (NJOKU, 2013). No período do século XX este país esteve sob a administração de muitos países (Inglaterra, França e Itália), assim sendo, as diferenças entre os grupos nortistas e sulistas se intensificou (PASSAURA, 2011).

O povo da Somália que está configurado no sistema de clãs se divide entre agricultores, habitantes da região Sul e se separam em dois grandes clãs, e pastores nômades, os quais são predominantes no Centro e no Norte do país e se dividem em quatro grandes clãs. Como os povos do Sul estão em terras férteis, eles são agricultores e como os do Norte estão em terras áridas, eles são pastores nômades (CARBONIERI, 2010).

Não obstante esses traços peculiares desta nação, os maiores clãs se consideram descendentes do mesmo ancestral, que se chama Hiil. Hiil gerou dois descendentes: Saab e Samaale. De Saab surgiram os clãs que se especializaram em agricultura, e de Samaale surgiram os pastores. Aqueles que vieram de Saab não são vistos como realmente da Somália, não obstante serem considerados assim pelo fato de compartilhar o mesmo antecessor, já referido (ABBINK, 2009). Eles não se deslocam na mesma intensidade que os pastores nômades e por esse motivo seu local de nascimento, na prática, demonstra essa identidade do indivíduo de forma mais acurada que o clã em si mesmo (GUNDEL, 2009).

Os clãs nortistas também se consideram descendentes do mesmo profeta e em vários momentos utilizam desta argumentação para impor uma supremacia em relação aos clãs do Sul. Não existe, no entanto, nenhum marco que demonstre essa linhagem (CARBONIERI, 2010). Outra visão expressada pelos clãs pastores a fim de impor seu respeito frente a outros clãs é sua origem em Samale:

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Somalis não estão de acordo a respeito da identificação de Samale e na referência genealógica. Samale, se presume, é quem inspirou o nome de Somália, indicando a dominância pastoral sobre todos os outros povos da Somália. Os somalis nômades, de fato, conseguiram obter todo o poder e fazer a suposição que os somalis são uma tribo etnicamente homogênea. (GUNDEL, 2009).

Os somalis de clã homogêneo a quem os nômades estão se referindo são os descendentes de Samale, considerados somalis em sentido estrito. Os pastores nômades estão em maior número na Somália e sua população está distribuída pela maior parte do território, também está inclusa no Quênia e na Etiópia (ABBINK, 2009). Eles são divididos em quatro grandes clãs: Dir, Isaaq, Darood e Hawiye. Enquanto que os agricultores se dividem em: Digil e Rahanwiin (CARBONIERI, 2010). E cada um desses grandes clãs possui clãs inferiores que assim os sub-dividem.

A sociedade somali se fundamenta dentro de um modo de linhagem em que cada membro ocupa uma posição definida por sua descendência paterna. Essa visão de linhagem funciona como uma simples unidade política dividida em diferentes categorias: clã familiar, clã, primeira linhagem e grupo mag-paying (GUNDEL, 2006). Lewis explica a diferença entre essas linhagens:

Clã familiar: é o limite final de conexão entre os membros de cada clã. (Apud GUNDEL, 2006). São os seis clãs mencionados anteriormente;

Clã: é uma unidade política corporativa que tem exclusividade territorial para seu pasto, no entanto não há um governo ou administração centralizada. (Apud GUNDEL, 2006);

Primeira linhagem: “É o grupo de descendentes mais diferenciados dentro do clã (...) é conceituado como a linhagem na qual cada pessoa descreve ela mesma como um membro” (Apud GUNDEL, 2006);

Grupo Mag-paying: “É o estágio mais relevante de organização social para cada indivíduo” (Apud GUNDEL, 2006)10. Trata-se de um grupo corporativo, em que membros (de preferência centenas ou milhares de membros), com o mesmo ancestral (de 4 a 8 gerações) (Apud GUNDEL, 2006). O grupo mag-paying, junto com a xeer, formam uma unidade rural-política estável e uma unidade básica de proteção e segurança social. E é de responsabilidade dos membros mais velhos garantir que a xeer seja honrada.

As contendas que distanciam os grupos começam, muitas vezes, o desejo de se vingar, que na maioria das vezes se resulta de uma dor provocada à vítima e em quase todos os casos,

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a vingança se realiza através da morte daquele que praticou a dor ao outro. Ela pode ocorrer dentro clã ou até mesmo em outros clãs; pode levar muito tempo para ser ocorrer, mas de fato ela acontecerá. Quando o clã do criminoso não o entrega a vítima, esta pode cometer a vingança matando um diferente membro do clã, geralmente aquele que irá prejudicar o criminoso. Mulheres, crianças e idosos não podem ser o alvo de vingança, eles são poupados (GUNDEL, 2009).

Outra razão para a interminável mudança ao sistema são as alianças realizadas entre cada grupo. Como expressa o ditado popular somali: “Ama bur ahaw ama bur ku tirso (Ou seja uma montanha, ou se junte a uma)”, significa que se um clã não é forte o suficiente para se proteger, ele deve se unir a um que seja. Essa aliança se chama “gaashaanbuur” (pilha de escudos). De fato os maiores clãs querem receber algo em volta, mas isso muda de acordo com cada situação (GUNDEL, 2009).

1.6 A estrutura da autoridade jurídica-política nos clãs da Somália

Os mais velhos são as autoridades jurídicas políticas. Eles representam os três poderes de seus respectivos clãs. As decisões são tomadas conjuntamente e expressam os anseios próprios ou do respectivo clã (GUNDEL, 2009). O principal dever das autoridades é administrar o acesso a recursos compartilhados como áreas de pastagem e água. Mas a partir da guerra civil de 1990, se tornou sua responsabilidade, também, estabelecer a paz e a ordem.

Quando os líderes se encontram para debater as ideias, esse encontro se chama shir, a qual ocorre quando os mais velhos resolvem se encontrar. A shir é vista como “instituições de governo mais fundamental na sociedade pastoral somali” (GUNDEL, 2009).

Antes de o planeta ser dividido em fronteiras, não havia guerras entre clãs, pois não existia um poder principal imensamente desejado. Porém, a partir do momento em que o surgimento deste modo de ver administrar foi imposto pelos colonizadores, os clãs começaram a guerrear, pelo fato de que todos desejavam o monopólio do poder. As estruturas sociais, econômicas e políticas da Somália não exigiam um poder principal que administrasse todo o território, os clãs tinham seu próprio modo de viver e eram felizes com isso. A colocação de uma administração de cunho democrático nos moldes ocidentais pode ser a demonstração de uma das maiores razões para a intensificação da pobreza do país, possivelmente se tornando a

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maior delas. A interferência dos colonizadores e mais tarde da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e dos EUA durante a Guerra Fria não levou interferências vantajosas à Somália, pois a forma de viver deste povo não foi respeitada, sua cultura, suas tradições e sua forma de se organizar. Segundo Avanci (2016):

Essa maneira se manter organizado, formalizada pelo povo da Somalia, o jeito na qual eles absorvem sua fé, a sua visão cultural e a sensação de fazer parte a um clã é difícil de compreender, pelo motivo de que essa realidade não compactua com o que as nações do ocidente passam aos seus cidadãos. É um jeito diferente de vida e um tipo diferente de sensação de fazer parte de um grupo não entendido por esses que não viveram e não fizeram parte destes povos. Entender outra visão cultural e procurar respeitá-la não é uma tarefa tranquila, pois as pessoas são criadas dentro de suas próprias culturas e aprendem o que é certo e o que é errado. Mas o que é equivocado para um grupo, pode ser certo para outro. E durante o trabalho desta busca conseguimos perceber que muitos países são incapazes de compreender o diferente, não observam que os grupos que não compartilham a mesma cultura podem viver em harmonia. Mas a questão não é só essa, pois mesmo aquelas nações que “protegem” o mundo aceitem uma cultura diferente da sua, aqueles que se encontram em situações estratégicas ou que possuam riquezas minerais relevantes, serão sempre os alvos e terão “suporte” para que a democracia e a paz sejam instauradas. Aqueles anseios políticos e econômicos, que são mais “importantes”, serão sempre a prioridade em detrimento de um povo e sua cultura.

Assim foi demonstrado um pouco da história da pirataria no “Chifre da África”, porque e como ela surgiu, os elementos que a cerca e as circunstâncias e personagens envolvidos neste contexto. De fato, uma questão que aparenta ser de fácil solução, porém as respostas “simples” para o problema da pirataria são eficazes somente para resolver o problema daquele que as propõe, em detrimento do outro lado, por exemplo, para resolver o problema da segurança marítima de seus navios, os países interessados, com o apoio da ONU (Organização das Nações Unidas) gastam quantias astronômicas de dólares americanos em armamentos e proteção marítima para atacar os piratas. De outro lado, sendo uma questão mais delicada ainda, a população somali, devastada pela fome, miséria e conflitos vê uma saída para se defender destes problemas, assim como de navios que fazem pesca ilegal em seu território, se armando, e através de ataques a navios de diversas bandeiras obter a única fonte de renda que lhes resta, ainda que ilícita.

Diante deste cenário surge uma dúvida: não seria mais proveitoso aplicar parte deste investimento em segurança marítima, no desenvolvimento da Somália como nação independente e transformar esses piratas em cidadãos dignos com a segurança de viver em um país que poderia, ainda que a longo prazo, vencer a miséria? A nosso entendimento trata-se de uma solução pacífica, em longo prazo, mas já temos precedentes de outras nações devastadas

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pelo subdesenvolvimento e guerras que, com a ajuda de outros países se tornaram grandes atores na esfera mundial e exemplos de qualidade de vida. No próximo capítulo será tratado a respeito de como todos esses ataques se instauram na prática, a estrutura e o cenário que envolve todo esse conflito.

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2 DO PRINCÍPIO DA PIRATARIA ÀS SUAS SOLUÇÕES

Questão essencial para sobrevivência do povo Somali é o sucesso desses ataques, que se iniciam desde a abordagem precisa aos navios a serem atacados até a negociação com as autoridades ou com particulares que irão efetivar o pagamento do resgate. Como já foi explicado no capítulo anterior, uma quantia significativa da renda dos piratas vai para o financiamento dos senhores de guerra locais e outra vai para alimentar a população local, ainda que esta parcela seja muito inferior ao valor repassado aos superiores hierárquicos, serve para o sustento básico de uma população massacrada pela fome. Será observado no presente capítulo a estratégia montada por estes soldados sem pátria para obter sucesso e retorno seguro em suas buscas.

Em termos gerais, a imensa pobreza e a falta de perspectivas perante o futuro levaram o servo chamado Mohamed Abdi Hassan Hayir, muito seguidamente chamado de “Boca Grande” tentou efetivamente organizar estes ataques aleatórios, em uma busca de obter lucros nesta empreitada. No ano de 2003 este homem se deslocou até Puntland1 juntando capital e

recrutando piratas veteranos para agir como instrutores. Entre eles Garad Mohamed, Farad Hirsi Kulan “Boyah” e Farad Abdullahi seriam atraídos pelas idéias de Mohamed Abdi a ponto de servir como comandantes ativos no mar (MARLEY, 2011).

Em pouco tempo “Boca Grande” conseguiria estruturar uma organização pirata organizada e eficaz, cujo único propósito é o de atacar de surpresa embarcações estrangeiras e segurá-las para o resgate – um porto localizado na região de Mudug, na costa central Somali, provou ser ponto ideal e estratégico para servir de base para as operações navais, sendo, basicamente inacessível por estradas locais, ainda mais considerando o contexto de um país fragmentado e sem o menor resquício de autoridades governamentais. Também trata-se de um ambiente na qual é perfeitamente possível subornar os guardas para que estes ignorem completamente a chegada dos “prêmios” obtidos em alto-mar, considerando que estas práticas consistem no sustento majoritário da economia daquele país (MARLEY, 2011).

Estas práticas organizadas se espalhariam pelo nordeste da Somália, quando seus mercenários contratados, tais como “Boyah” e Mohamed, retornaram para seu porto-sem-lei de

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onde vieram e iniciaram suas práticas ali. Brevemente vários imitadores foram surgindo, até porque resgates cresciam em grande volume, trazendo fortunas de dólares até as regiões mais pobres e atrasadas. O número de capturas registradas fora da Somália radicalmente subiram de 2 em 2004, para 35, em 2005, gerando imensa preocupação para as empresas transportadoras, fazendo com que mudassem as rotas de seus navios para centenas de quilômetros de distância de suas rotas originais, mas isso de forma evidentemente ineficaz, pois os piratas aprimoraram as técnicas de navegação e ataques, levando seus barcos e materiais o quão longe fosse necessário, tornando inúteis as manobras de defesa dos navios mercantis2.

Em abril de 2008, até o jornal conservador semanal Britânico The Economist publicou uma edição relatando a mudança considerável na prática da navegação mundial, sobretudo no Mar de Áden:

A região da costa da Somália está se tornando cada vez mais perigosa para os marinheiros. Foram 31 ataques contra navios registrados no ano de 2007, em comparação a apenas 2 ataques, em 2004, de acordo com o International Maritime Bureau (Departamento Internacional Marítimo - tradução nossa). Os piratas circulando o pais-sem-lei africano estão mais propensos a usar armas que em relação ao passado; uma embarcação espanhola relacionada à pesca foi atacada através do uso de lança-foguetes. Atualmente é considerada a navegação uma atividade tão arriscada que os Estados Unidos e a França anunciaram uma proposta de resolução no Conselho de Segurança das Nações Unidas, permitindo que tropas navais persigam e prendam os piratas em aguas territoriais. A Nigéria possui uma riqueza oriunda do petróleo que atrai os assaltantes para o mar. Pontos atraentes de navegação pirata, tais como o Estreito de Malacca e a vasta costa marítima da Indonésia sofreram menos ataques desde 2004.

O pior local para qualquer navegação internacional é sem dúvida aquele ponto mais próximo desde a região marítima perto do Quênia até o Mar de Áden, tendo como porto seguro dos piratas a vasta costa da Somália e também seu interior, frisando que este é o país mais perigoso do mundo, governado por armas e senhores de guerras dispostos a fazer qualquer coisa contra seus inimigos, fortemente armados e, ao contrário do que se pode imaginar, muito bem organizados e estruturados, possuindo uma grande fonte de renda oriundo dos ataques aos navios que circulam suas redondezas, tanto pelo fato de que estes navios mercantis carregam riquezas astronômicas quanto pessoas cujo valor do resgate é elevadíssimo, superando milhões de dólares para que as pessoas possam ser liberadas. Lembrando que, uma vez levadas dentro do território daquele País, muito pouco, ou nada pode ser feito para resgatar qualquer refém sem atender as exigências de quem os capturou.

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2.1 Corrupção e dependência: porque os homens viram piratas

Subornos e gastanças feitas pelos piratas e seus financiadores terminaria por influenciar os negócios entre diversas comunidades sem esperança. Pescadores sub-empregados que concordaram em ser atiradores ou manusear armas pesadas em barcos de diversas espécies seriam pagos em valores elevados de tal forma que, sendo apenas pescadores, jamais receberiam tal salário, nem que se fossem trabalhar décadas para chegar a esse patamar. Um pirata capturado e condenado chegou a declarar que um operador de fuzil adolescente chegaria a ganhar em torno de $ 6.000,00 a $ 10.000,00 dólares em um resgate, o que equivaleria dois a três anos de trabalho como um guarda armado em uma agência humanitária ocidental, muito melhor que qualquer outro negócio lícito pagaria.

Ele também explicou que, nas divisões dos pagamentos dos resgates, geralmente em torno de 20%, era destinado para os chefes da empreitada marítima; 20% em armas, combustíveis, materiais de bordo e materiais para futuras missões; 30% era dividido entre os homens armados e 30% distribuídos entre as tribos de autoridades do governo local.

Existem em torno de 1.500 a 3.000 piratas operando na costa da Somália. A organização não governamental Saferworld que trabalha na Somália, conduziu grupos para descobrir mais sobre os piratas e o que as comunidades daquele país pensavam sobre eles. Seus correspondentes descreveram os piratas como homens de poucas opções, que são atraídos pelo crime (PARLIAMENT, 2012):

Os piratas de hoje tem em média idades aproximadas que giram em torno dos 15 a 30 anos de idade e são praticamente todos homens. A maioria deles não tem instrução e são totalmente despreparados, vindos em sua maioria de comunidades rurais onde é cada vez mais difícil sobreviver tendendo gado. Para estes jovens rapazes a pirataria oferece a possibilidade de ficar rico rapidamente, disfrutar uma vida de mais conforto, manter um casamento ou de simplesmente não morrer na miséria.

Este dinheiro manchado de sangue participaria da economia de diversos modos: “Nós

dávamos a eles suprimentos, remédios, comida, combustível e roupas quando eles saíam ao mar atacar navios e eles nos pagavam depois de obter o resgate” declarou um comerciante que

trabalhava no principal porto na cidade de Bosaso em outubro de 2008. Residentes na cidade de Garowe relataram o crescimento de gastanças em festas de casamentos. Uma residente de

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Bosaso, uma mulher chamada Asha Elmi, descreve com um misto de inveja e admiração as transformações que seu bairro transformaria (MARLEY, 2011):

Ele era um pobre pescador até um ano atrás (sobre um dos piratas atuais, porém sem

se especificar quem era), mas agora ele é rico. Ele comprou três casas lindas no

mesmo bairro. Ele tinha uma esposa, mas recentemente se casou com outra mulher. Na procissão de seu casamento havia mais ou menos 150 carros.

Os procedimentos de resgates também financiariam observadores costais e informantes marítimos, muitos provenientes de países vizinhos, que informariam a respeito de partidas de navios e suas rotas.

O autor Jay Bahadur relata em uma de suas viagens que conheceu o pirata “Boyah”, que segundo o autor (BAHADUR, 2011):

Era um homem das antigas, um verdadeiro pirata que, de forma silenciosa, perseguia sua marca na costa da sua terra natal em Eyl, antes de despertar a imaginação do mundo como um infame pirata em meados de 2008. Abdullah Abshir, também conhecido como “Boyah” – que alegou ter sequestrado mais de 25 navios – observou os notícias internacionais e demonstrava uma grande superioridade em relação aos seus feitos (tradução nossa).

O encontro entre o autor do relato e o pirata levou mais de cinco dias para ocorrer. Os piratas são difíceis de ser encontrados, pois estão constantemente se deslocando, mudando de telefones e raramente seu contato é possível antes do meio dia. Dias antes do encontro, ansioso pela entrevista, relata o autor ter, de forma ingênua, sugerido abordar possíveis piratas nas ruas de Garowe. Aparentemente fáceis de achar, eles andam nas ruas com seus Toyotas 4x4, deslizando pelas ruas de barro. Os hóspedes somalis riram de sua atitude, alegando que isso seria um convite para ser assaltado. Também afirmaram que tudo que funciona na Somália somente ocorre por meio de contatos, seja por meio de um clã, por um amigo ou por meio de conhecidos, estas são conexões intermináveis e expansivas, de fato se torna fundamental conhecer seu idioma e sua cultura (BAHADUR, 2011).

Após o encontro entre o autor da obra e Boyah ambos sentaram em uma praça e foi iniciada a entrevista. Como relata o jornalista, o termo “pirata” foi repensado antes de ser dito para se referir a Boyah. A palavra mais próxima deste termo é burcad badeed, que significa literalmente “roubar no oceano”, um termo político ansiosamente evitado pelo autor (BAHADUR, 2011). De fato, Boyah não gostava de ser referido como pirata nos termos de sua

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língua natal, em outros termos eles se definiam como badaadinta badah (heróis do mar, porém traduzindo para o inglês poderia ser interpretado como “guarda costal” - tradução nossa).

Boyah brincou que era o “chefe da guarda costal”, mas apesar da brincadeira, Boyah tinha orgulho desta intitulação. Era mais que uma questão ideológica, para ele, era uma questão de estar protegendo seu mar, as águas nativas que ele conheceu durante sua vida toda, seus sequestros, as “taxas” cobradas por navios estrangeiros explorarem suas águas territoriais de forma não permitida, tudo isso relacionado ao governo ausente de seu país que praticamente nada pode fazer para evitar homens como Boyah de cometer assaltos no mar, ou proteger sua população das explorações e abusos cometidos por navios internacionais.

Sua história era típica de mais um de muitos moradores costais que aderiram à pirataria depois de guerra civil Somali, mais de 20 anos atrás. Em 1994 ele ainda trabalhava como um mergulhador em busca de lagostas em Eyl – era um dos melhores, ele dizia. Mas depois da guerra civil a população de lagostas diminuiu drasticamente devido a pesca internacional I.N.N. (ilegal, não declarada e não regulada). Segundo Boyah são navios Coreanos, Taiwaneses e Chineses, utilizando redes de aço prolongadas, estas traineiras não se importam com explorações ágeis dos corais e muito menos com a subsistência da pessoas locais, com a destruição dos corais, estas explorações terminaram por limpar o solo em que se alimentam as lagostas. Hoje em dia, segundo Boyah, não existem mais lagoas na região de Eyl (BAHADUR, 2011).

Ao perguntar ao pirata Boyah que torna um alvo atrativo, o mesmo responde que não havia um critério específico, que eles simplesmente corriam atrás de qualquer navio que aparecesse em sua vista. Apesar de usar como propósito a proteção das aguas nacionais Somalis, durante as perseguições eles pouco se preocuparam com fronteiras internacionais, perseguindo seus alvos até o imobilizarem, ou até que eles conseguissem escapar deles. Boyah sabia diferenciar navios comerciais daqueles destinados somente ao turismo. Ele perseguiu “muitos” destes navios, segundo ele (BAHADUR, 2011).

Ele alegou ter empregado táticas específicas para cada navio, mas a estratégia básica era bastante simples: agrupados em inúmeros barcos leves e rápidos, Boyah e seus homens aproximavam seu alvo por todos os lados, como se fosse uma alcateia de lobos no alto-mar. Eles mostravam suas armas com o escopo de assustar os tripulantes do navio e a forçá-los a

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parar. Se esta e outras estratégias não funcionassem ou o navio tivesse motores tão potentes que tornam uma perseguição inviável, o assalto terminava por ali.

Mas caso a perseguição fosse um sucesso eles arremessam escadas de corda nos deques e embarcavam no navio. São raros casos de resistência e, quando ocorrem, são ineficazes, considerando o forte armamento dos piratas, que portam fuzis AK-47, pistolas e até lança-foguetes. De fato, todo processo de embarque e domínio da tripulação leva em torno de trinta minutos. Boyah comentou que em torno de 20 a 30 por cento das tentativas de assalto eram bem sucedidas, considerando que haviam “presas” mais rápidas que os pequenos barcos de ataque, problemas técnicos e casos de intervenção naval ou doméstica (BAHADUR, 2011).

Quadro comparativo 1: abrangência das operações piratas desde 2007 até 2010

Fonte: Bahadur, Jay. The Pirates of Somalia: Inside Their Hidden World Disponível em:

https://books.google.com.br/books?id=6zlXzrtxis4C&printsec=frontcover&dq=the+pirates+of+somalia&hl=pt-

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2.2 O direito em alto-mar

Com o tempo ficou demonstrado que é muito mais fácil capturar os piratas do que sobre decidir o que fazer com eles em seguida. O direito dos diversos Estados os tratam como um grupo de “homens de barco”, ou seja, migrantes ilegais. A vasta comunidade ocidental que patrulha, por meio de seu aparato naval, o Golfo de Áden e o Oceano Índico, e de forma bastante compreensível, expressam o desejo de evitar os gastos associados com os transporte de réus e processá-los em suas cortes nativas. Para algumas nações, como o Reino Unido, piratas presos teriam ainda o direito de solicitar asilo3.

Existem dois principais instrumentos do direito internacional que definem o procedimento do exercício desta jurisdição, sendo elas a Convenção das Nações Unidas de Direito do Mar (UNCLOS – tradução nossa) de 1982 e a Convenção da Supressão de Atos Ilícitos Contra a Segurança da Navegação Marítima (SUA Convention – tradução nossa). Das duas, a Convenção SUA é considerada ser a mais robusta, pois ela contém uma definição mais abrangente do que é pirataria e inclui instruções explicitas para extradições para seus signatários. Na prática, isso permite que o capitão de um navio entregue piratas capturados para outro Estado-membro, tais como Quênia, Djibouti, Iêmen para processar os ofensores (BAHADUR, 2011).

No entanto, a Convenção SUA é inadequada para a situação dos piratas somalis por duas razões. Primeiro, os termos da convenção permitem apenas aos Estados-membros – ou outros Estados com considerável interesse de acusar (por exemplo, se seus próprios cidadãos forem as vítimas) – para assumir a jurisdição sobre o acusado. Como resultado, o governo na qual pertence o navio deveria geralmente ficar preso com a responsabilidade de processar. Na teoria, este obstáculo poderia superar pelo uso dos “shipriders” (oficiais do mar – tradução

nossa), oficiais de um terceiro Estado levados a bordo de um navio estrangeiro para conduzir a

prisão e subsequente julgamento sob as leis de seu próprio país. Este arranjo, que legalmente autorizariam países vizinhos (tais como Quênia) a ser a autoridade acusatória, ainda deve ser posta em prática (BAHADUR, 2011).

3 Isso porque seu Departamento de relações exteriores publicamente declarou sua preocupação com os piratas

capturados, que poderiam enfrentar julgamento islâmico sendo decapitados ou amputados, caso retornassem à Somália.

Referências

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