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Nietzsche e o positivismo: crítica da moral e filosofia do conhecimento.

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Instituto de Filosofia, Sociologia e Política Programa de Pós-Graduação em Filosofia

Mestrado em Filosofia Moral e Política

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO NIETZSCHE E O POSITIVISMO

CRÍTICA DA MORAL E FILOSOFIA DO CONHECIMENTO

BRUNO PEREIRA DUTRA

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BRUNO PEREIRA DUTRA

Nietzsche e o positivismo:

crítica da moral e filosofia do conhecimento

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de Pelotas, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Filosofia.

Orientador: Prof. Dr. Clademir Araldi

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Universidade Federal de Pelotas / Sistema de Bibliotecas Catalogação na Publicação

Elaborada por Simone Godinho Maisonave CRB: 10/1733 D978n Dutra, Bruno Pereira

Nietzsche e o positivismo : crítica da moral e filosofia do conhecimento / Bruno Pereira Dutra ; Clademir Luis Araldi, orientador. – Pelotas, 2019

155 f.

Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Filosofia, Instituto de Filosofia, Sociologia e Política, Universidade Federal de Pelotas, 2019.

1. Altruismo. 2. Jürgen Habermas. 3. Sensualismo. 4. Perspectivismo. 5. Transcedentalismo. I. Araldi, Clademir Luis, orient. II. Título.

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BRUNO PEREIRA DUTRA

NIETZSCHE E O POSITIVISMO: CRÍTICA DA MORAL E FILOSOFIA DO

CONHECIMENTO

Dissertação aprovada, como requisito parcial, para obtenção do grau de Mestre em Filosofia no Programa de Pós-Graduação em Filosofia, do Instituto de Filosofia, Sociologia e Política da Universidade Federal de Pelotas.

Data da Defesa: 08.08.2019

Banca examinadora:

Prof. Dr. CLADEMIR LUÍS ARALDI (orientador). Doutor em Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo.

Prof. Dr. ERNANI CHAVES – Doutor em Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo.

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Dedico este trabalho aos meus familiares e à Rud Schlindwein por serem de extrema importância em minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer o apoio incondicional de minha familia; minha mãe Eva, meu pai José e minha irmã Rayssa;

A minha namorada Rud Schlindwein;

Ao professor Ernani Chaves por me fazer acreditar em mim mesmo e pela confiança;

A Clademir Araldi, pela orientação, pela amizade e paciência; A Vânia Dutra de Azeredo, por toda a preocupação e incentivo;

A Oswaldo Giacóia Jr., pela gentileza em responder todos os emails com o carinho que lhe é caracteristico;

A Sergio Tiski, pelo envio de seu doutorado assim como pelo envio do mestrado do professor Oswaldo Giacoia;

Aos professores do departamento de filosofia e ciências humanas: Robinson dos Santos, Luiz Rubira, Juliano do Carmo, Sérgio Strefling, Manoel Vasconcellos, Angelo Marinucci, Leo Peixoto Rodrigues e Sônia Schio.

A secretária Mirela Moraes, pela excelência e boa vontade;

A Eduardo Nasser, pelas leituras preliminares e pelas sugestões de continuidade;

A Gustavo Biscaia de Lacerda por toda a ajuda com as fontes comteanas e com os textos positivistas;

A Nythamar Fernandes de Oliveira, João Constâncio Helmut Heit, Thomas H. Brobjer, Lelita Oliveira Benoit, Edimilson Paschoal, Marcio José Silveira Lima, José Nicolau Julião, Rogério Lopes e Ivo da Silva Jr. por todas as conversas e sugestões;

Aos colegas de curso em especial Aliana Cardoso Vançan, Davi Nascimento, Rafael Moraes, Wagner Nascimento e William Saraiva Borges;

A Hugo Drochon, pela confiança na tradução de seu artigo para o português.

A Universidade Federal de Pelotas pela oportunidade. A querida cidade de Pelotas pela acolhida.

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RESUMO

DUTRA, Bruno Pereira. Nietzsche e o positivismo: crítica da moral e filosofia do conhecimento. 2019. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2019.

O trabalho se divide basicamente em três momentos; no primeiro deles, trata da apresentação da crítica de Nietzsche aos ditos príncipios “absolutos” da filosofia moral positivista, especialmente da crítica do filósofo ao altruísmo. Pretende-se apresentar ainda nesta etapa, o modo com que o positivismo serviu a contraproposição e ao desenvolvimento da perspectiva nietzschiana acerca da natureza pulsional dos valores, na medida em que busca fundamentar a ideia a qual não se trata a crítica do filósofo ao positivismo, de uma crítica radical ou em um antipositivismo dogmático. Em um segundo momento, intenta-se analisar como Friedrich Nietzsche associa a teoria do conhecimento positivista ao sensualismo e ao empirismo ingênuo, contrapondo tais noções gnosiológicas tanto aquilo que pode ser considerado seu paradigma interpretativo quanto àquilo que o próprio filósofo chamara de perspectivismo. Em um terceiro momento, procuramos mostrar como Jürgen Habermas, em sua obra Conhecimento e Interesse pode colocar o positivismo de Auguste Comte como uma das influências decisivas do perspectivismo de Nietzsche, associando o autor à espiritualidade nascida a partir dos argumentos elaborados por Hegel em seu livro, A fenomenologia do espírito e ainda ao transcedentalismo de inspiração kantiana.

PALAVRAS-CHAVE (5)

altruismo; jürgen habermas; perspectivismo; sensualismo, transcedentalismo. ABSTRACT

The paper is basically divided into three moments; in the first of them, deals with the presentation of Nietzsche's critique of the so-called "absolute" principles of positivist moral philosophy, especially the philosopher's critique of altruism. It is also intended to present at this stage the way in which positivism has served to counteract and develop the Nietzschean perspective on the instinctual nature of values, insofar as it seeks to substantiate the idea which is not the philosopher's criticism of positivism a radical critique or a form of dogmatic anti-positivism. In a second moment, we try to analyze how Friedrich Nietzsche associates the theory of the positivist knowledge with the sensualism and the naive empiricism, opposing such gnosiological notions what can be considered its interpretive paradigm as what the philosopher called the perspectivism. In a third, we try to show how Jürgen Habermas in his work Knowledge and Interest can put Auguste Comte's positivism as one of the decisive influences of Nietzsche's perspectivism, associating the author with the spirituality born from the arguments elaborated by Hegel in his book , The phenomenology of the spirit and still to transcendentalism of Kantian inspiration.

KEY-WORDS (5)

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NOTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA

Este trabalho adota como convenção para a citação das obras de Nietzsche a mesma utilizada no periódico Cadernos Nietzsche, onde as siglas em alemão são acompanhadas de siglas em português, com a respectiva indicação do aforismo, sendo da seguinte forma:

GT/NT - Die Geburt der Tragõdie (O Nascimento da Tragédia) – 1872;

HL/Co. Ext. III - Unzeitgemässe Betrachtungen. Drittes Stück: Schopenhauer als Erzieher (Considerações Extemporâneas III: Schopenhauer como Educador); 1873;

MAI/HHI – Menschiches Allzumenschliches (v.1) (Humano, demasiado humano

(v.1)) – 1878

VM/OS – Menschiches Allzumenschliches (v.2) Vermischte Meinungen und Sprüche (Humano demasiado humano (v.2) Miscelânea de opiniões e

sentenças) – 1879

WS/AS – Menschiches Allzumenschliches (v.2) Der Wanderer und sein Schatten

(Humano, demasiado humano (v.2): O andarilho e sua sombra) – 1880

M/A – Morgenröte (Aurora) – 1880-1881

FW/GC – Die fröhliche Wissenschaft (A gaia ciência) – 1881 e 1886

JGB/BM – Jenseits von Gut und Böse (Além do bem e do mal) – 1885-1886 GM/GM – Zur Genealogie der Moral (Genealogia da moral) –1887

GD/CI – Götzen-Dämmerung (O crepúsculo dos ídolos) – 1888 AC/AC – Der Anticrhist (O Anticristo) – 1888

Para os textos publicados por Nietzsche, o algarismo arábico indicará a seção; no caso de GM/GM, o algarismo romano anterior ao arábico remeterá à parte do livro; no caso de GD/CI o algarismo arábico, que se seguirá ao título do capítulo, indicará a seção. Para os fragmentos póstumos, será usada a sigla Nachlass/FP, seguida de indicação de ano, os algarismos arábicos, que se seguem ao ano, indicarão o fragmento póstumo.

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Sumário

Introdução ... 9

1. Dificuldades hermenêuticas ... 25

2. Contextualizações: Sobre a origem do positivo na história das idéias em lato sensu... 32

2.1 As origens do positivismo comteano e a crítica da economia política ... 35

2.2 A produção da moralidade ... 40

2.3 A Chegada e a recepção do positivismo na Alemanha e o papel de John Stuart Mill ... 44

2.4 A influência de Lange ... 48

3. As origens da filosofia positiva em Nietzsche ... 52

3.1 As primeiras referências (A década de 1870)... 53

3.1.1. Opereta ... 54

3.1.2. Fatum ... 56

3.1.3. Ascentuado heroismo ... 62

3.1.3.1 Heroismus em Nascimento da tragédia ... 62

3.1.3.2 Heroismus em Schopenhauer Educador ... 65

3.1.3.3 Heroismus em Humano demasiado humano em diante e o heroismo comteano ... 69

3.1.4 Estadista Filantropo ... 74

3.1.5 Positivismo completamente necessário ... 75

4. A kontroverse no âmbito da filosofia moral ... 77

5. A kontroverse no âmbito da filosofia do conhecimento ... 96

6. Nietzsche e o positivismo em Conhecimento e Interesse de Jürgen Habermas ... 111

6.1 O positivismo e a crítica de Hegel a Kant: radicalização ou superação da teoria do conhecimento ... 113

6.2 A importância/o papel de Hegel... 119

6.3 Habermas e a interpretação restrita da origem do positivismo stricto sensu ... 123

6.4 A redução nietzschiana dos interesses do conhecimento ... 132

Considerações finais ... 145

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Introdução

Distintas vias exegéticas possibilitam a abordagem da relação existente entre Friedrich Nietzsche (1844-1900) e o positivismo. Se por um lado o filósofo alemão busca um contato direto com o pensamento de Auguste Comte (1798- 1858), por outro, se utiliza do neologismo em amplo sentido, dando origem a uma polissemía, que associada a seu estilo aforismatico, transforma em desafio qualquer ensaio em torno da presença da expressão em sua obra.

Contribui para este intrincado cenário, uma gama de intérpretes que passam a relacionar o filósofo alemão à expressão popularizada pelo filósofo francês, como que em uma tendência marcadamente distante de qualquer paradigma de inspiração filológica, o qual pudesse dar conta das nuânces e dos ancenúbios ligados ao tema; referimos-nos aqui, tanto a presença do positivismo na obra nietzschiana como àquelas associações relevantes constituidas desde fora da obra do filósofo. Nesse sentido é possível notar a presença de uma forte tendência em epistemologia, que faz da busca por elementos heuristicos em comum entre os ‘pólos’ aqui tratados, ou seja, entre Nietzsche e o positivismo o seu objetivo analítico central. Chama atenção a inclinação destas abordagens - quase sempre comparativas - fazendo-se sentir também aqueles esforços que curiosamente se utilizam da figura de Comte e da doutrina positivista na qualidade de marco didático para a compreensão das transformações gerais da obra do filósofo alemão.

É possível ainda afirmar que diante da complexidade da presença do positivismo em Nietzsche que, de maneira geral, os resultados destas aproximações servem ainda de maneira parcial ao esclarecimento da relação entre Nietzsche e o positivismo, uma vez que são escassos os esforços de folego que se fundamentam a partir da intenção em perscrutar as distintas acepções que conferem ao neologismo um lugar ao sol na obra nietzschiana. Referimos- nos então à ausência de um empreendimento que busque a partir de um recorte mais amplo explorar a ligação e os sentidos existentes entre o positivismo e os elementos metonimicos apresentados como referências indiretas por Nietzsche, referências estas que abrangem centralmente tanto seu esforço no âmbito da

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filosofia do conhecimento, como aquele desenvolvido no campo da filosofia moral. Pode-se dizer então, que o intuito central desta dissertação é apresentar o modo com que Friedrich Nietzsche se dirigiu ao positivismo entre os anos de 1876 e 1888, anotando a função e o papel do neologismo em sua obra Ad interim, sem deixar de considerar algumas leituras por nós tidas como relevantes no contexto da Nietzsche-forschung e excepcionalmente, fora desta. Iremos apresentar nesse sentido, os aspectos centrais da tese de Conhecimento e Interesse (1968) de Jürgen Habermas (1929 - ), obra a qual dedicaremos o capítulo final desta dissertação tendo em vista a relevância (histórica e contextual) de sua interpretação para a compreensão do par relacional aqui tratado centralmente, ou seja, para a compreensão não apenas das origens da interpretação da leitura nietzschiana mas também da dinâmica do dito ‘estado da arte’ no que diz respeito a relação entre Friedrich Nietzsche e o positivismo, e especialmente entre Friedrich Nietzsche e a figura de Auguste Comte.

Pretendemos apresentar então, o modo com que Nietzsche busca oportunizar junto ao positivismo o entalhamento de uma controvérsia (Kontroverse),1 que o leve ao desdobramento e a apresentação contextual de

sua própria filosofia crítica, em diálogo com a tradição filosófica e com o espírito do tempo. Trata-se principalmente da apresentação das conexões estabelecidas por Nietzsche na qualidade de interlocutor do positivismo e não de uma interpretação do modo com que a doutrina ou seus elementos serviram como fonte de inspiração para o filósofo alemão; tendência que a nosso ver, vem se consolidando como que em um recorte persistente e não por isso, menos relevante, mas do qual, aqui, desejamos nos afastar.

O intento comteano, desdobrado, sobretudo no âmbito da crítica à economia política e do pragmatismo sociológico será analisado por Nietzsche tendo em vista a problematização das possíveis implicações, tanto individuais, ou seja, psicofisiológicas, como sociais (Im social Leben) de seus princípios fundantes. Ao sugerir as possíveis consequências dos resultados práticos da teleologia positivista, Nietzsche não apenas elabora uma análise de orientação

1 Temos em vista aqui a passagem póstuma Nachlass/FP 1888 12 [1] “.234 minha posição e a de Schopenhauer, uma controvérsia (Kontroverse), do mesmo modo no que diz respeito a Kant, a Hegel, a Comte, a Darwin, aos historiadores etc”; adiante iremos explorar mais detidamente o fragmento.

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claramente genealógica do altruismo, como questiona as condições de possibilidade ontológicas do mesmo, apresentando concomitantemente, as linhas gerais de sua leitura a respeito da natureza pulsional da moral. Por outro lado, Nietzsche irá dirigir-se à doutrina, objetivando a realização de uma crítica acentuadamente epistemológica voltada para aquilo que interpreta como sendo o “sensualismo” (sensualismus) comteano, o qual Nietzsche, por sua vez, associa ao empirismo ingênuo e àquilo que poderia ser chamado de um objetivismo correspondencialista. A figura constantemente relacionada por Nietzsche é aquela dos Facta, uma referência ao paradigma da neutralidade axiológica, noção em relação a qual o filósofo irá apresenta a sua defesa de um paradigma interpretativo e perspectivista do conhecimento.

No que diz respeito à interpretação habermasiana, atentaremos para os argumentos utilizados pelo filósofo alemão ao identificar Nietzsche junto ao positivismo, a partir do ponto de vista de uma teoria do conhecimento restrita. Nesse sentido anotaremos de que maneira o filósofo pode colocar Comte como parte e figura central de seu diagnóstico histórico e filosófico da modernidade, ligado essencialmente ao solapamento do papel tradicional da filosofia diante da ascensão das teorias cientificistas, estruturadas, de acordo com Habermas, a partir da negação da possibilidade do esforço transcedental, ou seja, a partir da negação retórica e pretensamente fisiólogica da viabilidade da investigação em torno das condições de possibilidade do conhecimento pelo próprio sujeito que conheçe.

Relevante é deixar claro, de antemão, que Nietzsche se dirige ao positivismo a partir do uso direto do termo positivismus2 assim como a partir dos

elementos intrínsecos à doutrina, como a sociologie3 e sua concepção central, o

2 Auguste Comte utiliza pela primeira vez o termo em Système de politique positive; ou Traité de

sociologie instituant la religion de l'humanité. Paris. Imp. Larousse, 1879-1883, 4 v., (1835), vol.

II, p. 267. Em Nietzsche são nove ocorrências para Positivismus. O positivismo é tratado por Nietzsche também e a partir de expressões cognatas como Positivisten, positiven Philosphie,

Positivistisch, Positivistischen, Positivisme.

3 Comte cunha e utiliza pela primeira vez o termo em ‘Filosofia Positiva’ no Cours de philosophie

positive, Paris, Bacheler, 1830-42. 6 v (1839) vol IV, p. 234. Em Nietzsche são onze as

ocorrências estando presentes também as expressões associadas Sociologischen, Sociologisch,

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altruísmus4 valendo-se também da análise direta da figura de Auguste Comte.5

Alem destas associações neologisticas, daremos atenção episódica às ligações conceituais estabelecidas por Nietzsche, e que dizem respeito aos ditos ‘discipulos’ ou herdeiros do filósofo francês, como por exemplo, John Stuart Mill (1806 - 1873) e Herbert Spencer (1820 - 1903) assim como em relação aos ditos representantes alemães desta tendência filosófica, como Eugen Dühring (1833- 1921) e Eduard Von Hartmann (1842-1906).

Gostariamos de apresentar, portanto o modo com que Nietzsche se voltou ao positivismo com base em de duas vias necessariamente convergentes: a primeira, a partir de uma análise que se desenrola no campo da filosofia dos valores, oportunidade na qual observaremos especialmente a sua crítica aos princípios da proposta sociológica de Auguste Comte, no intuito de mostrar como que desde o problema da moral positivista, Nietzsche pode desenvolver uma crítica da cultura e da sociedade especialmente associadas às disposições hierarquicas almejadas pela doutrina francesa. A segunda via irá se concentrar em torno dos elementos da crítica ao sensualismo, oportunidade na qual exploraremos o modo com que Nietzsche se relaciona com os axiomas do positivismo em um esforço que se desenvolve centralmente no âmbito gnosiológico, ou seja, no campo da filosofia do conhecimento.

No que diz respeito à filosofia moral comtiana, pretendemos mostrar como a leitura realizada por Nietzsche é marcada por uma dualidade estrutural. Se por um lado o filósofo tem em alta conta as qualidades do ‘primeiro positivismo’ como um tipo de conhecimento experimental e a figura heróica do jovem Comte como um exemplo de Kulturmenschen, por outro irá criticá-lo a partir de sua dita fase tardia, na qual o altruísmo é idealizado enquanto moral absoluta, ou seja, enquanto axiologia para a modernidade a ser fomentada institucionalmente. Para Nietzsche, tal pretensão implicaria em uma série de consequências

4 Comte cunha e utiliza pela primeira vez o termo em ‘Política Positiva’. (1851-1854). Système de

politique positive; ou Traité de sociologie instituant la religion de l'humanité. 3. éd. Paris. lmpr.

Larousse| 1890-95| 4 v, vol I, p. 614. Em Nietzsche são cinquenta e duas ocorrências textuais com derivações diversas.

5 Comte é citado diretamente pelo menos vinte e nove vezes em vinte e oito ocasiões. As referências diretas à Comte abrangem os Fragmentos Póstumos entre os anos de 1880 e 1887; as obras publicadas em vida como Aurora, Além do Bem e Mal e Crepúsculo dos Ídolos. Comte é também citado em uma correspondência tardia com Paul Deussen. Entretanto as leituras a respeito de Comte realizadas por Nietzsche são datadas desde a segunda metade da década de 1860.

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negativas, especialmente em relação aquilo que o filósofo chamaria de despersonalização (Entpersönlichung) do indivíduo e em outro patamar, no processo de estagnação geral do desenvolvimento (Entwiklung) espiritual (otimista) viabilizado apenas sob o signo do embate e do conflito radical das perspectivas de valor. Nesse sentido, Comte e seu positivismus servem à ilustração daquele diagnóstico fisiopsicológico confeccionado quando Nietzsche tem em vista o delineamento e a apresentação do que poderia ser chamado de sua filosofia ou de seu paradigma da décadence. Se Nietzsche reconhece por um lado os aspectos positivos do positivismo, ou seja, o seu caráter necessário enquanto fatum no âmbito do desenvolvimento do conhecimento, por outro, o crítica a partir de suas transformações ideais tardias próximas do espírito do cristianismo e de uma orientação prática (die praktische Wendung), ou seja, pragmática fundada em um dogmatismo moral e epistemológico, ou seja, na crença absoluta na moral (altruista) e na crença na verdade conferida pelos sentidos (na verdade sensual).

Pretendemos apresentar ainda, o modo com que Nietzsche, em relação à divisão bipartide dos valores do indivíduo, (nomeadamente em egoismo e altruismo) irá apresentar a sua acepção pulsional e pluralista, contrapondo-se àquilo que entende como sendo a pretensão dogmatica dos moralistas contemporâneos - dentre eles os positivistas de seu tempo e Schopenhauer (1788-1860), ambos desejosos pela fundamentação da moralidade a partir das ditas “doutrinas das afeições simpáticas”. Para Nietzsche trata-se de um duplo problema prático; por um lado tais doutrinas morais obstaculizariam o processo necessário à constituição dos homens elevados (höchsten Menschen), sendo, portanto, “prejudicial para a vida”; por outro, atravancar-se-ia o processo de formação cultural solapando a possibilidade de afirmação da vida a partir da criação e do desenvolvimento do conhecimento, para Nietzsche, como que uma panacéia frente ao pessimismo corrossivo. Nesse sentido, Nietzsche apresenta uma verdadeira genealogia das origens destas mudanças espirituais que a seu ver caracterizam a modernidade indo desde o Novo Testamento passando pela análise crítica das disposições a seu ver daí advindas e elevadas à ideal durante a Revolução Francesa a qual consolida com sucesso – mesmo inconscientemente – o processo estratégico do domínio ‘moral’ (e tipológico) do fraco e malogrado frente ao tipo forte afirmador do antagonismo dos valores.

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Nietzsche irá se utilizar também - e este fato merecerá nossa atenção - da etnologia de Albert Hermann Post (1839–1895) e Alfred Espinas (1844-1922) para relacionar o altruismo a uma estratégia primitiva de formação das comunidades e ao atavismo dos sentimentos relativo a estes mesmos tempos de formação social na contemporâneidade.

No que diz respeito ao campo da teoria do conhecimento (Erkenntnißtheorie), além da leitura em torno dos elementos já referidos anteriormente em Nietzsche e além, na leitura habermasiana, apresentaremos en passant três conjecturas distintas desenvolvidas por três intérpretes da Nietzsche-forschung são eles: Helmut Heit, George Stack e Giuliano Campioni. Todas as análises foram selecionadas por sua conveniência crítica e sua proximidade com o campo filosófico que aqui também percorremos. A primeira “teoria” a ser apresentada está delineada no texto "There are no facts...": Nietzsche as Predecessos of Post-Truth? de Helmut Heit no qual o filósofo apresenta a idéia segundo a qual, a associação entre o paradigma realista do positivismo comtiano, ou seja, a associação entre a investigação das relações de regularidade e o correspondencialismo empírico realizada por Nietzsche, expressaria certa ausência de critério filológico uma vez que Comte, o relativista gnosiológico, que sempre admoestou a possibilidade do conhecimento absoluto vem a ser associado ao empirismo dogmático. Outra hipótese a ser apresentada é aventada especialmente por George Stack em seu Nietzsche and Lange. Nesta oportunidade o autor afirma que Nietzsche, já em 1866, antes mesmo de se deixar influênciar por F.A Lange (1828-1875) - o qual buscava uma união entre empirismo e formalismo lógico - já possuía noções críticas a respeito da natureza hipotética e interpretativa do conhecimento empírico, o que leva o professor norte-americano a associar a crítica de Nietzsche a “algum tipo implícito de positivismo lógico abraçado por Lange em algum momento”. (1986 p.145, tradução nossa). A terceira hipótese a ser sumamente colocada é apresentada por Giuliano Campioni em seu “Nietzsche and the French Psychologists’: Stendhal, Taine, Ribot, Bourget”; nesta oportunidade o professor mostra como Nietzsche, especialmente a partir de 1879, passa a associar o neologismo

positivismus à “nova psicologia francesa”. É central neste caso, a associação

feita entre a dita teoria dos petit faits, ou petit faits vrais ao paradigma objetivista, ou seja, à busca pela verdade objetiva. Hipotéticamente, o professor italiano

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afirma que nestas referências, Nietzsche não alude diretamente a Comte, mas sim a dita “escola de Comte” (der Schule Comte’s) - e aos ditos ‘filósofos da realidade’ alemães como Eugen Dühring, o Wirklichkeits-Philosophaster6. Em

todos os casos, o conceito de interpretação (Interpretationen) é colocado como antítese ao paradigma sensualista, este por sua vez amparado na idéia de factualidade (Facta), é contraposto ao aspecto representacional do conhecimento empírico. No caso de Habermas trataremos de anotar, como que a partir da herança da acepção positivista desenvolvida por seus predecessores vinculados ao Institut for Sozialforschung, o filósofo pode estabelecer não apenas uma harmonia entre Nietzsche e o positivismo comteano, mas também colocar a doutrina na qualidade de influência determinante no desenvolvimento geral da filosofia nietzschiana, levando-a em conta especificamente na construção heuristica de seu perspectivismo, fruto, para Habermas, da união entre o espírito antimetafisico dogmático iniciado, a seu ver pelo positivismo de Comte assim como pelo espírito da crítica fenomenológica hegeliana à teoria do conhecimento de Kant, delineada em A crítica da razão pura (Kritik der reinen Vernunft) de 1781.

Tanto a crítica como a exaltação de Nietzsche à Comte, exprime de certa forma – como afirma Giuliano Campioni (2001, p. 31) – “o senso comum da cultura de seu tempo” o que a nosso ver, entretanto, não implica em acatar que o filósofo faça deste o seu ponto de partida. Nesse sentido gostaríamos de sugerir, como que as conjecturas realizadas por Nietzsche em torno do positivismo possuem uma origem intrínseca à sua própria filosofia, podendo ser seus elementos propedêuticos perquiridos filológicamente a partir de seus conceitos e rastreados a partir de suas leituras.

Após uma breve investigação acerca das origens do ‘espírito positivo’ em Nietzsche, pretendemos tomar as primeiras referências ao neologismo em sua obra como “fio condutor” a partir do qual buscaremos fundamentar a aproximação do filósofo junto à doutrina. Trata-se de uma intrinsicidade hermeneutica exigida pela leitura de Nietzsche e que de certa forma afeta estruturalmente a idéia de uma dissertação. Nesse sentido, como estratégia

6 Daremos crédito sem maiores aprofundamentos a nota de rodapé de Paulo César de Souza em

Além do Bem e do mal §10, que afirma ser o termo ‘filosofastro da realidade’ uma alusão a Eugen

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didática, teremos em vista inicialmente a análise pontual dos elementos que compõem os primeiros fragmentos póstumos nos quais o neologismo aparece, trata-se de dois fragmentos póstumos da década de 1870; o Nachlass/FP 1876, 20 [19] “Opereta, Positivismo completamente necessário, Fatum, Ascentuado

Heroismo, Um estadista filantropo”; assim como o Nachlass/FP 1877,22 [37], “É

necessário incorporar em mim todo o positivismo e seguir sendo o portador do idealismo (prólogo).” No que se refere à Opereta, pretendemos mostrar como que a análise de seus elementos estéticos, indicam as direções assumidas pelo filósofo na sua dita ‘abertura para o sul’ assim como sua abertura para uma “filosofia das forças”. É a partir da apresentação dos elementos deste paradigma musical em contraposição aos elementos dramáticos (e já tidos como niilistas) da obra wagneriana, que pretendemos apresentar, e tomamos aqui a referência de Paolo D’iorio (2012, p.219), algumas das caracteristicas que constituem o dito ‘autotratamento anti-romântico de Nietzsche’ e do qual certamente a aproximação junto ao positivismo também é parte expressiva.

Em relação à expressão Fatum, buscaremos relacionar a sua análise aos dois primeiros textos de Friedrich Nietzsche elaborados em 1862 e apresentados em Germânia, são eles “Fatum e História” e “Liberdade da vontade e fatum”. Mostraremos ainda como estes opúsculos se desenvolvem em forte conexão com os ensaios de Ralph Waldo Emerson (1803 – 1882) e como podem ser relacionados à interpretação e à aproximação de Nietzsche junto ao positivismo. No ensaio intitulado Fate (Fatum), o então lamarckiano Emerson irá abraçar o tradicional problema filosófico entre a liberdade e necessidade, fazendo uma defesa da história e mais precisamente uma defesa do destino (Fatum) como necessidade. É nesse sentido que pretendemos mostrar que o positivismo será interpretado por Nietzsche a partir de sua realidade contextual tendo em vista a sua condição precedente no âmbito da filosofia moral e do conhecimento. Nietzsche irá tomar emprestado o conceito (fatum) não apenas para contrarpor- se ao ideal da livre vontade de Schopenhauer, consolidando o que Lobosque (2010, p. 105) iria chamar de “a desconstrução positivista de Schopenhauer” na sua dita teoria (Lehre) 7 da irresponsabilidade total em Humano demasiado

humano, (MAI/HHI § 105) mas também para fundamentar seu contato com a

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coetâneidade, solapando os radicalismos idealistas e o espírito reativo dos herdeiros do romantismo em sua ojeriza pelo racionalismo iluminista. 8

No que diz respeito à expressão Heroismus, pretendemos mostrar como Nietzsche, ainda inspirado nos princípios delineados pelo pastor unitarista Emerson9 - o qual sugerira uma reforma do cristianismo a partir de Goethe (1749-

1832) e da dita doutrina dos grandes homens representativos, - pode esboçar a sua proposta, apresentada primeiramente em O nascimento da tragédia (1872), a qual pretendera solapar com o paradigma apolineo da serenojovialidade do instinto grego a partir do delineamento dos elementos antagonicos do dionisíaco. Nesse sentido teremos em vista as ligações estabelecidas pelo filósofo a partir dos elementos positivados do rigor e da disciplina, assim como aqueles do tormento (die Qual) da frieza (Kälte) da dor (Schmerz). De acordo com Emerson (2004, p. 22), quanto à formação destes indivíduos superiores “não são homens novos, ou uma nova espécie de homem”, mas o tipo de homem no qual “[...] se tinha o pensamento igualmente endereçado aos cálculos rigorosos; um espírito paralelo aos movimentos do mundo”.

O forte apelo progressista do texto de Emerson e a sua ligação com os debates em metafísica, o levam a defesa de um determinismo entre destino e herança, entre fatum e história10 - entendidos a partir de uma lógica circular

mas levam-o também ao esboço da possibilidade do rompimento da força ciclica desta fatalidade a partir do cultivo do conhecimento (Erkenntniss) - e daquilo que Nietzsche chamaria de o “heroismo da veracidade” (Heroismus der Wahrhaftigkeit). Em um primeiro momento, Nietzsche irá assentar então o seu ideal do desenvolvimento do conhecimento sobre o otimismo heróico da inteligentsia amparado não apenas na racionalidade e na dialética socrática, mas

8 Para uma compreensão mais ampla olhar de Isaiah Berlin, ‘Vico e Herder’ publicado pela Editora da Universidade de Brasilia em 1992 e de Fritz K. Ringer “o declinio dos mandarins alemães”, especialmente o capítulo 2, “uma retrospectiva da tradição dos mandarins” p. 91-117. Edusp 2000.

9 O primeiro contato direto de Nietzsche com Emerson se dá em 1862, mesmo ano de lançamento da tradução de Die Führung des Lebens. Além de outros livros, Nietzsche tinha uma cópia repleta de anotações dos Essays (Versuche) nos capítulos intitulados “Heroismus” (heroismo), “Die

höhere Seele” (A alma superior, tradução de Clademir Araldi) e “Kreise” (Círculos) tendo sido a

sua primeira cópia roubada em 1874. Olhar: (BVN 1874, 390] carta a Carl von Gersdorff.

10 Sobre ‘Fado e Historia’ ver mais em GIACOIA JUNIOR, O.. Friedrich Nietzsche. Fado e História. In: Jurandir Malerba. (Org.). Lições de História .Porto Alegre: FGV Editora - EDIPUCRS., 2013, v. 1, p. 73-110.

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fundamentalmente na capacidade ascética - heróica e não estóica11 – esta é

entendida por sua vez como fundamento positivo da formação do gênio (Genie) e como um ponto de apoio sobre o qual se estabelece a sua fisiopsicologia. Para Nietzsche é justamente o afastamento propedêutico destes princípios ascéticos típicos da formação clássica - princípios necessários ao acúmulo das forças (angesammelten Kraft) do conhecimento - que levará Comte, em sua fase tardia, a entregar-se aos “entusiasmos” (Schwärmereien) que acabariam por negar o seu passado como um todo, caracterizando o periodo tardio de sua obra como um periodo de decadência das forças pessoais e de um revisionismo que o aproximava dos valores reativos do cristianismo.

É então desde os princípios do gosto clássico (klassischen Geschmack) especialmente a partir da idealidade heróica da Schmerz entendida como fundamento estético assertivo do valor do conhecimento – aspecto presente já mesmo nos textos anteriores ao debate sobre a grecidade - que a nosso ver Nietzsche irá entrever a completa necessidade do positivismo junto à tendencia oposta do idealismo, constituindo-se em um receptor crítico da tradição filosófica precedente. Por isso a nosso ver, em Nachlass/FP 1877,22 [37], Nietzsche irá afirmar que “é necessário incorporar em mim, todo o positivismo e, sem embargo, seguir sendo o portador do idealismo (prólogo)”. O enigma aqui estabelecido é evidente diante da amplitude de sentidos que ambos os conceitos comportam, tornando problemática, como já dito, a idéia de uma dissertação objetiva em torno dos sentidos possíveis conferidos pelo filósofo. Nesse sentido, a pretensa união entre positivismo e idealismo ensejara algumas interpretações distintas as quais serão apresentadas; Jürgen Habermas, por exemplo, dirige a sua apreciação junto ao campo da filosofia do conhecimento. De outro modo é valiosa a menção de Nietzsche ao termo ‘prólogo’ não devendo esta ser desconsiderada. Nesse sentido como afirmam os tradutores espanhóis dos Fragmentos Póstumos, Jaime Aspiunza e Manuel Barrios, o caderno (N II 2) serviu à tessitura de Aurora, o que nos leva a inferir que a expressão seja em um primeiro momento uma referência ao livro de 1881; contribui para nossa associação um frágmento postumo da época dos novos prefácios de 1886, que

11 Em Nachlass/FP 1881 12 [141] Nietzsche diz “o estoicismo do sofrer resignado é um sintoma da paralisia da força, frente a dor se põe na balança a apatia – falta de heroismo, que sempre luta (não sofre) que “vai a busca voluntaria” da dor (Schmerz)!

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é o fragmento póstumo Nachlass/FP 1886 2 [165] intitulado “Para o prólogo de

Aurora”. Nesta oportunidade, Nietzsche afirma ter desejado já cinco anos antes,

“pensar sobre a moral sem estar submetido a seu encanto, com desconfiança ante a enganosa astúcia de seus belos gestos e olhares”. Assim, Nietzsche afirma ter ali desenvolvido um novo “problema fundamental: de onde vem a onipotência da crença? Da crença na moral?” afirmando ainda que “não há fenômenos morais, mas apenas a interpretação moral desses fenômenos. Esta tem uma origem extramoral” (idem). Nietzsche irá fazer de Aurora, a oportunidade ideal para a apresentação de alguns dos traços mais caracteristicos de seu paradigma fisiológico, ou seja, o filósofo irá utilizar-se desta oportunidade para apresentar as linhas gerais de sua dita filosofia dos instintos e de sua fisiologia das pulsões. Ainda no contexto do último fragmento citado, o filósofo irá dizer que Aurora se trata da

[...] tentativa de compreender os juizos morais como sintomas e linguagem de sinais nos quais se delatam processos de florescimento ou fracasso fisiológico, assim como a consciência das condições de conservação e crescimento [...] prejuizos ditados por instintos (de raça, comunidades, de diferentes etapas, como a juventude e a velhice, etc) aplicados à moral, especialmente, a cristã-europeia a qual indica uma decadência, falta de fé na vida, servindo de preparação para o pessimismo.

De um modo geral, portanto, pretendemos apresentar os aspectos e as passagens através das quais o filósofo alemão exalta a figura de Auguste Comte como um tipo asceta ideal, elogiando a “estrita moralidade intelectual” (straffen Moralität des Kopfs) do jovem matemático de Montpellier, assim como aquelas ocorrências nas quais Nietzsche anota uma diminuição da força (Stärke) criativa em direção ao ascetismo sacerdotal, antecipando então o que seria caracterizado em Genealogia da Moral, no capítulo ‘o que significam ideais ascéticos’ (2001, III, 4, p. 91), como “a típica veleidade do artista” (die typische Velleität des Künstlers). Ao considerar a filosofia moral comtiana, Nietzsche não problematiza apenas seu conteúdo, ou seja, a possibilidade fisiologica do altruismo como idealidade moral, mas crítica também a sua forma pragmática e seu estilo prescritivo, que distantes do paradigma genealógico de investigação das origens da moral, sugeriam o desenvolvimento de uma axiologia ‘pseudo-

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humanista’12 dotada de um caráter restritivo das potencialidades sócio-

individuais, dada a sua ligação com a abnegação e consequentemente com o pessimismo.

Nesse sentido é oportuna a lembrança de Wolfgang Müller-Lauter (2009, p. 144) quando em busca da compreensão da importância da história da filosofia para a abordagem filósofica do pensador alemão, afirma que “são as grandes linhas da história do espírito que interessam a Nietzsche no contexto de suas discussões sobre o niilismo [...]” desta forma, “[...] só se pode compreender o que deve ocorrer nos próximos séculos quando se pensa em sua procedência”. Do mesmo modo faz-se relevante a lembrança de João Constâncio (2014, p. 4) segundo o qual “para Nietzsche (JGB/BM § 285), os grandes pensamentos são os grandes acontecimentos”. O olhar crítico de Nietzsche sobre o positivismo comtiano se constitui, portanto, através da comparação (Vergleichen) entre as fases secularmente estabelecidas na literatura, especialmente a partir de John Stuart Mill (1806 – 1873), a fonte central do filósofo alemão em seu contato com a obra do filósofo francês. Nietzsche o toma primeiramente, tendo em vista a tessitura de um diagnóstico dos valores a partir de critérios fisiopsicológicos amparados em um paradigma das forças. Não se trata de uma desconstrução estrutural do positivismo nem de uma análise linear de seus elementos, mas de uma interpretação marcada pelo estilo aforismatico e pela dualidade, ou seja, marcada pelo contraste entre a exaltação ao heroísmo da livre espiritualidade (Heroismus dieses freien geistes) e a crítica da moral absoluta (Absolute Moral); entre a valorização metodológica experimental do jovem Comte e a crítica de sua proposta sociológica entendida como um projeto espiritualmente alinhado à moral cristã. Para Nietzsche (Nachlass/FP 1885 2 [127]), faltava ao projeto positivista tardio o mesmo fator que faltava ao socialismo, ou seja, carecia o positivismo de ‘uma crítica dos juizos de valor cristãos’ (nomeadamente uma crítica aos valores do idealismo platonico e do cristianismo), que ao não ser realizada em um sentido propriamente fisiopsicológico, revelava a sua fraca constituição e consequentemente a sua associação junto ao espírito da décadence. Como o positivismo tem por meta a fundamentação de uma moralidade tipicamente social, centrada na noção de humanidade (humanité), 12 É oportuno dizer que Nietzsche utiliza a expressão Pseudo-Humanität para aproximar este do ideal de humanidade do cristianismo em Nachlass/FP 1888 15 [110].

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Nietzsche o toma como um dos principais leitmotivs (motivos condutores),13 em

relação ao qual iria desenvolver a sua defesa pulsional dos valores, tendo em vista prioritariamente, a fundamentação do desenvolvimento (Entwiklung) da cultura (Kultur/Cultur) como telos central para o advento de uma época forte (starke Zeiten); esta por sua vez, marcada por uma rigida hierarquia a qual sustentaria estruturalmente o advento dos gênios criadores e que seriam associados posteriormente ao conceito de espírito livre.

Tendo em vista então o desenrolar de um diagnóstico das forças sob uma lógica fisiológica das pulsões, Nietzsche promove uma crítica dos princípios do positivismo como antinatureza.14 Afirmando a necessidade das diferenças no

plano dos valores como o caminho a partir do qual se “constitui as formas de superação e expansão efetivamente alcançadas no plano da vida”, (CONSTÂNCIO, 2014. p. 28) Nietzsche irá críticar o projeto sociológico de Comte colocando que a elevação do altruísmo como máxima individual e política, contribuiría apenas para o enlarguecimento da estagnação de uma cultura elevada (die vornehmen Culturen) dada sua força “desorganizadora” (die

Abnahme aller organisirenden), seu aspecto anti-hierárquico e

consequentemente seu potencial homogeneizador das potencialidades individuais. Para Nietzsche a diminuição do páthos da distancia (pathos der distanz) promovida idealmente entre outras, pela moral positivista, conduziria a cultura necessariamente a um tempo de fraqueza (eine schwache Zeit). É nesse sentido que o filósofo irá contrapor ao ideal coletivista de humanidade (Humanität), o conceito mais restrito de (Menschheit) contrastando-o, como veremos posteriormente e em mais detalhes, com o conceito de Übermensch em Nachlass/FP 1884 26 [232] quando irá dizer “não a "humanidade", mas o super-

homem é o objetivo! O Mal-entendido de Comte!”.

É oportuno dizer de maneira introdutória que por volta do Nachlass/FP 1880 1 [106], Nietzsche crítica os homens da ciência (die Menschen der Wissenschaft) por não buscarem a origem da moral (der Entstehung der Moral),

13 Curiosamente Sérgio Sánchez compartilha nossa metáfora porem se refere a um ‘leitmotiv onipresente’ em: ‘Giuliano Campioni e a arte de ler Nietzsche’. Cadernos Nietzsche 22. p. 15. São Paulo. 2007.

14 É possível fazer tal afirmação uma vez que Nietzsche contrapõe aos valores da sociologia, ou seja, ao altruísmo, apenas valores naturalistas (naturalistische Werthe) em Nachlass/FP 1887 9[8].

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mas sim a elaboração de sistemas morais do tipo “como se deve agir” (wie soll gehandelt werden). A nosso ver Nietzsche desenvolvia nesta oportunidade e, portanto, avant la lettre, aquelas características que iriam configurar seu ‘método’ genealógico, uma vez que a ausência da noção de causalidade (Der Mangel der Einsicht in die Causalität) já se apresentava como fundamento da crítica à moral. Para Nietzsche, a fórmula prescritiva da doutrina de Comte assim como aquilo que chamamos de sua aspiração médica-social,15 voltava-se não mais ao

desenvolvimento do conhecimento, mas à idéia menor da “formação de comunidades” (Nachlass/FP 1881 11 [279]) - para Nietzsche necessariamente uma estratégia de conservação do tipo humano fraco frente à força e a independência do tipo humano forte. O projeto moral tardio de Comte, no qual a Religião da Humanidade consolidaria um novo poder espiritual e uma nova forma de organização política e governamental, revelava para Nietzsche uma decadência16 do filósofo em relação a ele mesmo, sugerindo uma perda e um

retrocesso de sua força vital e criativa quando comparado a sua primeira fase; uma queda que vai, portanto, do ascetismo experimental heróico até o ideal ascético. Se para Comte a idéia do desenvolvimento das condições de possibilidade de uma vida social estável na sociedade industrial representava um avanço, para Nietzsche se dava um passo aquém no processo de elevação do homem do ponto de vista da cultura e mesmo da Civilisation (ainda sinônimos aparentes em Nachlass/FP 1885 2 [128]). Como ainda será visto nesta oportunidade os estados pacíficos almejados por Comte no combate à “anarquia moral” diagnosticada na fase do pós-diretório, tornariam impossível o desenvolvimento do conhecimento e do plano paralelo da cultura. Nietzsche, que apesar de compartilhar de maneira geral, o diagnóstico do tempo presente do positivismo, ou seja, ver também seu tempo como que sob o signo da anarquia (Zeitalter der Anarchie) guardava ainda certo otimismo em relação ao mesmo, dado que neste ainda se consolidariam as condições de possibilidade de advento do gênio, ou seja, era para o autor este tempo ainda, o “tempo dos genios” (Zeitalter des Genies) (Nachlass/FP 1881, 11 [27]). Associando a inventividade 15 Olhar a tese de doutorado de Rejane Carrion. A Ideologia médico-social no sistema de Auguste Comte. Cadernos do IFCH-UFRGS n. 1, 1977.

16 Stuart Mill utilizava-se do termo Decadent, coincidindo com o conceito de Bourget o que chama a atenção, ja que ambas as leituras foram feitas inicialmente em 1879 surgindo as primeiras anotações em 1880.

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do criador à transcendência imanente,17 Nietzsche defende a primazia de uma

cultura forte como condição constitutiva da época vigorosa ao mesmo tempo em que propõe a transformação da “fábula altruista do ‘amor ao próximo’” em ”felicidade ante o próximo” despondo o altruismo de seu aspecto negativo, especialmente ligado a idéia de posse (e não liberdade) do outro.

Cabe dizer que à época de Humano demasiado humano, o homem de “senso livre” (Freigesinnte) – ao qual Comte era associado por Nietzsche, era exaltado por “tomar apenas a borda de uma experiência e não amar as coisas em toda largueza e abundância de suas dobras: pois não se deseja nelas se emaranhar”. De acordo com Nietzsche “é provável que mesmo o seu amor aos homens seja cauteloso e de fôlego curto, pois ele não quer se envolver com o mundo das propensões e da cegueira mais do que o necessário para os fins do conhecimento” (MA I/HDH I § 291). Em um segundo momento, Nietzsche associa o positivismo não mais a partir de seu ethos organizador e de sua associação ao “gosto clássico”, ou seja, à “disciplina crítica e a todo hábito que leve a rigor o asseio nas coisas do espírito” (JGB/BM § 10), mas sim, através de um

“’bric-à-brac conceitual (bric-à-“’bric-à-brac von Begriffen) das mais diversas procedências,” ou

seja, a partir de uma “náusea do gosto” (des verwöhnten Geschmack) – e aqui trata-se, a nosso ver, de uma referência em relação ao gosto clássico (klassischen Geschmack). Ao proceder à dissertação e dar sequência a análise, gostariamos de mostrar de maneira geral como Nietzsche se aproxima mais efusivamente de Auguste Comte e do positivismo tendo em vista desenvolver a sua própria filosofia em interlocução com a tradição, consagrando ambos, idéia e idealizador não como adversários (Feind), mas sim como antípodas (Antipoden), ou seja, como uma figura a ser necessáriamente celebrada. Em JGB/BM § 48 Nietzsche irá dizer nesse sentido: “[...] como nos parece católica e não alemã a sociologia de Auguste Comte, com sua lógica romana dos instintos! [...] é tão agradável e distinto ter seus antípodas!. É a nosso ver importante então a definição de antípoda como ‘contrário’ e ‘oposto’ o que não leva necessariamente à conotação negativa de adversário já que para Nietzsche (Nachlass/FP 1886 5 [57]) “[...] o combate contra o niilismo apenas o fortalece” sendo a idéia de uma ‘harmonização de defeitos’ em relação aos

17 Olhar: TUNGENDHAT, Ernst. Nietzsche e o problema da transcedência imanente. Florianópolis v.1 n.1 p. 47-62. Jun. 2002.

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‘grandes homens’ citada em Aurora § 226 uma idéia mais sugestiva e mais adequada aquilo que entendemos como sendo o aspecto antipodistico e anti- romântico de Nietzsche, aspectos que o leva até o positivismo comteano.

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1. Dificuldades hermenêuticas

A primeira dificuldade a ser destacada no contexto da leitura nietzschiana sobre o positivismo, diz respeito à imprecisão semântica e conceitual, ou aquilo que pode ser entendido como ‘o problema da denotação’ do neologismo18.

Criada por Saint-Simon (1760-1825) para apontar o método exato das ciências e seu prolongamento para filosofia,19 a expressão foi posteriormente adotada por

Auguste Comte e “graças a ele passou a designar uma corrente filosófica que na segunda metade do século XIX teve em umerosíssimas e variadas manifestações em todos os países do mundo ocidental” (ABBAGNANO, 2007, p.267). Nesse sentido, passa a haver um contraste entre o positivismo entendido em seu “sentido restrito” 20 e o positivismo entendido em um sentido “mais

amplo”; 21 entre o positivismo social22 e o positivismo entendido a partir da teoria

do conhecimento.23 Conforma-se a este contexto, a colocação de Hilton Japiassu

(1996, p.138) segundo qual o positivismo passa a ser caracterizado através de um modo

um tanto vago, [...] [sintetizando] doutrinas filosóficas que valorizam o método empirista quantitativo, a defesa da experiência sensível como fonte principal do conhecimento, a hostilidade em relação ao idealismo, a consideração das ciências empírico-formais enquanto paradigmas de cientificidade e como modelo para as demais ciências.

Ainda de acordo com o historiador da filosofia, “contemporaneamente, muitas doutrinas filosóficas e científicas são consideradas ‘positivistas’ por possuírem alguma(s) dessas características, tendo este termo adquirido uma conotação negativa nesta aplicação”. Esta conotação negativa, diz respeito 18 Para mais detalhes a respeito das acepções diversas do neologismo comteano olhar de Gustavo Biscaia de Lacerda, Auguste Comte e o "positivismo" redescobertos. Revista de sociologia e política, v. 17, nº 34 : 319 - 343, Out. 2009.

19 Segundo Abbagnano (2007, p. 727) trata-se de ‘De la Religion Saint-Simonienne’, 1830, p. 3. 20 Expressão usada por Jose Ferrater Mora, Dicionário de Filosofia. Trad. José Massano e Manuel Palmeirim. Publicações Dom Quixote Lisboa 1978.

21 Expressão usada por Hilton Japiassu e Danilo Marcondes em Dicionário Básico de Filosofia 5 ed. Zahar. 1996. p 138.

22 Em Abbagnano (2007, p. 777), trata-se de Auguste Comte, J. Stuart Mill e Saint-Simon. 23 De acordo com Heilbronn (1995, p. 263) Neo-kantianos franceses como E. Boutroux (1845 – 1921) foram os primeiros a ler Comte como um teórico da ciência. A doutrina positivista do conhecimento que chamara todas as atenções em Inglaterra e Alemanha encontrava-se agora como pano de fundo. Graças aos esforços de Boutroux e poucos outros neo-kantianos como Renouvier (1815 – 1903), Comte foi ganhando vagarosamemente reputação como importante filósofo e sua teoria da ciência tornou-se um objeto de discussão.

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justamente à amplitude e a imprecisão conceitual que atravessa o positivismo entendido como “espírito de época”.24 Meri L. Clark (2010, p.57, tradução nossa)

afirma que “o positivismo tem sido pobremente definido, em parte, por conta da natureza eclética dos pensadores que se alinharam com essa doutrina filosófica, em parte por quem foi postumamente alinhado a ela”. Como veremos Nietzsche é atravessado por tal perspectiva em parte, em sua própria obra viva e posteriormente e a partir de seus intérpretes de modo que se faz necessária uma análise a partir da contemplação paulatina destas variações. De todo modo, não se trata aqui de proceder “à averiguação das supostas influências do positivismo de Comte na assimilação do cientificismo inscrito na segunda fase do [seu] pensamento [...]” (TOLEDO, 2016, p.103), mas de apresentar os argumentos que se ligam ao neologismo e que alcançam o filósofo em ambos os sentidos expostos.

Uma segunda dificuldade concerne ao estilo de Nietzsche que ao não partir de uma lógica formal indutiva e nem sempre priorizar o elemento explicativo, abre espaço para interpretações paradoxalmente distintas. Tal indefinição conceitual, associada à retórica do pensador – e nos referimos aqui propriamente a sua arte de persuasão – conduz o intérprete ao papel de verdadeiro ‘decifrador de enigmas’ para fazermos alusão a sua ‘filosofia do futuro’.25 Contribui para isso, o execessivo uso de metonimias, sejam elas

relacionadas direta ou indiretamente ao positivismo, de modo que é exigida do certa capacidade associativa por parte do interprete ou do analista dada a distância academica, na qual os polos aqui investigados são majoritariamente explorados; ou seja no caso de Comte nas cadeiras de teoria sociológica clássica dos cursos universitarios de Ciências Sociais (antropologia e/ou sociologia) assim como no caso de Nietzsche, na disciplina acadêmica da filosofia, especialmente nos programas de pós-graduações.

Um terceiro ponto que parece desdobrar-se a partir do segundo, diz respeito ao fato de parte da tradição da dita Nietzsche-forschung demarcar uma ‘segunda fase’ ou uma ‘fase intermediaria’ de Nietzsche se utilizando do

24 ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. Martins fontes. Trad. Sergio Bath 2002.

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neologismo, ou mesmo da figura de Comte26 sem levar em consideração que

estes possuem um papel esotérico na obra do filósofo.27 A nosso ver, a dita crise

do idealismo em Nietzsche, fomentando uma possível transposição espiritual da “metafísica de artista” em direção ao cientificismo ou à consideração positiva das ciências naturais, não redunda, necessariamente, em uma aitude auspiciosa em relação ao positivismo28 se tratando no geral de uma associação insuficiente e

ainda próxima dos tênues pararelos e das simples pareações. Nesse sentido é possível cogitar, tendo em vista os sentidos do tema em Nietzsche, que algumas dessas conjurações podem ter nascido e se deslocado de seu contexto particular a partir de associações filosóficas ulteriores até serem transformadas peculiar e curiosamente em marco didático. De todo modo é possível que Nietzsche tenha tomado ciência das aproximações realizadas entre sua obra e o positivismo. Friedrich Paulsen (1846-1908), em uma carta ao sociólogo Ferdinand Töonies (1855-1936), comentara já em 1880 que Nietzsche em Menschliches-

Allzumenschliches havia ido “da metafísica diretamente para o positivismo”; 29

seguindo esta tendência, Malwida von Meysenbug (1816-1903) afirmara em 1899,30 que a partir das discussões com Paul Reé (1849-1901) o qual havia lido

os três principais positivistas, Mill, Comte e Herbert Spencer (1820–1903) em 1875, Nietzsche passa a promover uma mudança em sua obra a partir do ano 26 Por exemplo, MARTON, Scarlett. Nietzsche, seus leitores e suas leituras. São Paulo. Ed. Barcarolla. 2010 p 23. “Em um segundo, (momento) abrindo-se a influencia do pensamento de Auguste Comte, buscou seu caminho enquanto espírito livre, criticando toda sorte de crenças e elogiando a ciência por prover ao espírito a disciplina necessária para se livrar das convicções”; MARTON, Scarlett. Como ler Nietzsche? Sobre a interpretação de Patrick Wotling. Cadernos Nietzsche 26 2010, p. 46: “Definir o segundo grupo de textos como o do positivismo cético é plausível, quando se ressalta que ele então se abre à influência das idéias de Augusto Comte”. 27 Alguns comentadores reconhecem três períodos no conjunto da obra de Nietzsche: o do pessimismo romântico, de 1869 a 1876, o do positivismo cético, de 1876 a 1881 e o da reconstrução da obra, de 1882 a 1888. OIhar: Barbara Luchessi Ramacciotti. Nietzsche: fisiologia

como fio condutor. In: Estudos Nietzsche Curitiba, v. 3, n. 1, p. 65-90, jan./jun. 2012. De outro

modo, Rogério Miranda de Almeida em seu ‘Nietzsche e o Paradoxo’, Ed. Loyola. 1999, p.88 afirma que a tendência em ver a partir de Humano, demasiado Humano a fase “positivista” de Nietzsche, se inicia no final dos anos 1950 com Eugen Fink e a partir da obra de Lou-Salomé,

Friedrich Nietzsche à travers sés oeuvres de 1894. Estes, por sua vez, consideram que este giro

teria se dado por conta do afastamento da “metafísica de artista” fazendo com que Nietzsche convergisse suas esperanças para a ciência.

28 Concorda conosco, por exemplo, COHEN, Jonathan. ‘Nietzsche’s Fling with Positivism’ in: B

Babich (ed.) ‘Nietzsche, Epistemology and Philosophy of Science’. Nietzsche and the Sciences

II. Boston Studies in Philosophy of Science 204. (p. 101-107, Springer. 1999. Netherlands), 29Olhar Steven Galt Crowell, Nietzsche among the Neo-kantians or, the relation between science

and philosophy. in: Nietzsche, Theories of Knowledge, and Critical Theory: Nietzsche and the Sciences I. (ed) B. Babich, 77-86. Kluwer Academic Publishers. 1999.

30 TOLEDO, Ricardo Oliveira. As leituras de Nietzsche sobre Comte. Estudos Nietzsche, v.7, n.2, jul/dez 2016. p. 7.

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seguinte, “na direção de um novo idealismo” (TOLEDO, 2016, p, 7). Fora aparentemente entretanto Eugen Fink (1905-1975) o primeiro a elevar a aproximação à marco didático por volta dos anos de 1950 (idem); na primeira metade de 1960 é Jürgen Habermas quem dissertaria a respeito da presença do positivismo como parte constitutiva da “dupla raiz” filósofica que leva Nietzsche a traçar as linhas gerais de seu perspectivismo.

A partir da idéia filológica, e aqui nos referimos aos princípios gerais da proposta montinariana31 é possível constatar como Nietzsche não se relaciona

com Comte como um positivista em amplo sentido, ou seja, tendo em vista a anuência com a sua filosofia da história, com sua filosofia do conhecimento ou com a sua proposta sociológica. Constata-se também que Nietzsche nem mesmo desenvolve um esforço crítico sistematico nesse sentido. Caso se pense, entretanto na imagem que Nietzsche tinha da relação entre Comte e o ascetismo, ou seja, na personificação de Comte como ‘homem do conhecimento’, percebe- se facilmente como o filósofo alemão valoriza por um lado, seu ethos filosófico inicial, a sua postura relacionada ao heroismo do saber – na medida em que crítica, em um sentido negativo, àquilo que entendia como sendo a sua metamorfose fisiológicamente motivada, ou seja; Nietzsche se remete ao fenômeno do envelhecimento e a perda das forças vitais para ligar Comte ao seu diagnóstico tardio em torno da decadência de seus próprios valores, decadência esta diagnosticada também como uma tendência de época. Nietzsche condena, portanto, as caracteristicas do velho Comte, ligadas aos esforços pela consolidação da religião da humanidade, em relação ao vigor intelectual do jovem Comte em sua persistente busca por conhecimento e pelo domínio intestino daquelas formas expostas em sua hierarquia dos saberes. De todo modo, a presença do positivismo comteano de maneira esclarecida, ou seja, literal e direta na obra de Nietzsche, se faz presente, apenas nos ditos ‘Papéis’ ou ‘Cadernos Sorrentinos’ (1876) - segundo os comentários realizados por Manuel Barros e Jaime Aspiunza, tradutores espanhóis dos Fragmentos Póstumos, estes seriam escritos preparatórios para Aurora - e não escritos que servem para Humano demasiado humano, livro que é contumazmente associado ao ínicio da presença do positivismo em Nietzsche. Corrobora a nosso ver nesse 31 Olhar de Ernani Chaves. ‘Ler Nietzche com Mazzino Montinari’. Cadernos Nietzsche, v.3, São Paulo, 1995.

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sentido, o fato de não haver ainda em Humano demasiado humano nenhuma referência ao positivismo, ao altruismo,32 a sociologia ou a qualquer dos

positivistas clássicos com a exceção de um “positivista” muito distante do positivismo, Paul Reé e que como já vimos aparentemente ainda apresentava as referências positivistas à Nietzsche a este tempo. Nesse sentido, é possível ainda constatar que no livro de 1878, Nietzsche busca desenvolver, no campo da filosofia moral, o contraste entre Egoistisch e o Unegoistische, a oposição entre o par Leid e a Mitleid apresentando o problema da liberdade da vontade, do remorso e da culpa. A nosso ver, Nietzsche não trata ainda daquele cotejo que viria a ocupar os escritos de 1880 em diante, ou seja, aquela oposição entre Egoismus e Altruismus, tendo em vista a desconstrução de uma pretensa dogmática moralista e pragmatista esclarecida, assim como a apresentação crítica das possíveis implicações trazidas pela absolutização dos valores frente à natureza instável, pulsional e plural do homem. Pretendemos mostrar como que para Nietzsche, a lógica totalizante dos princípios morais idealizados pelo altruismo positivista, obstaculiza a realização do quadro adversativo necessário à afirmação otimista da vida, assim como para a asserção espiritual do paradigma da criação como transfiguração de impulsos. De qualquer forma, na medida em que a doutrina em sua fase inicial é delineada como o fruto ideal do ascetismo heróico, este por sua vez entendido como fundamento prático para a afirmação da vida a partir do paradigma da criação como transfiguração dos impulsos; é ela também criticada desde os elementos de seu período tardio – estes aproximados, por sua vez, do ideal ascético – ou seja, trata-se para Nietzsche mais precisamente do dito “período de inflexão” (1844) de Comte e que culminaría no ‘catecismo positivista’ em 1858. Pretendemos mostrar como nesse caso, o que pesa verdadeiramente a Nietzsche, ainda que à reboque são os elementos que dão vida a querela entre positivistas e liberais, entre a Sociologia e a Economia Política, ou seja, entre altruísmo e egoísmo; estes por sua vez análisados a partir do campo da crítica dos valores e da fisiopsicologia.

32 Reiterado e aparente equivoco na Nietzsche-forschung é a tradução pouco criteriosa do termo não-egoismo (Unegoistische/Unegoistichen) por altruismo, altruista; fato que ocorre tanto na tradução de Paulo Cesar de Souza como também na edição espanhola dos fragmentos póstumos, que o faz porem a partir do termo Selbstlosigkei (abnegação) o que sem duvida é problematico do ponto de vista filológico tendo em vista as origens posteriores das discussões sobre o altruismo em Nietzsche em seu contato com as fontes positivistas.

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Uma quarta questão gira em torno da forma distinta com que o positivismo se estabeleceu e se amalgamou na ‘intelligentsia’ alemã. Pensamos ser relevante ter em vista não somente o fato “do ‘antipositivismo’ ter chegado antes mesmo do positivismo nesse país” (HEILBRON, 1995, p. 358), mas também o fato da doutrina ter sido recepcionada com pelo menos trinta anos de atraso em relação aos debates que a consagraram, o que coincidira com início do periodo criativo de Nietzsche. Nesse sentido é marcante a influência o livro de John Stuart Mill, Auguste Comte and Positivism, (1865) o qual servira de base não apenas para as historias da filosofia de F. A Lange e Eugen Dühring, mas também para Nietzsche em seus estudos sobre o positivismo. Três pontos aí são centrais: primeiro o caráter retrospectivo do livro; segundo o seu tom ínformal; terceiro, o formato de suma, fruto de mais de trinta anos de contato entre o mescenas inglês e seu benjamim francês, já falecido, quando da oportunidade de sua publicação. Assim o olhar de Nietzsche conforma-se a esse verdadeiro ‘balanço’ crítico posterior sobre o conjunto da obra, ou seja, constitui-se a partir de comentadores e a partir de depoimentos, não a partir de estudos críticos ou acadêmicos aprofundados. Mais que contribuir para o desenvolvimento do positivismo na Alemanha, o que Nietzsche deseja é a retificação da recepção, a seu ver, insuficientemente crítica da doutrina. Assim, na medida em que apresenta a sua crítica epistemologica, ou seja, a sua crítica perspectivista dirigia ao sensualismo positivista; na medida em que apresenta a sua crítica ao altruismo, Nietzsche pode estabelecer um contato com o pensamento cientificista de seu tempo apresentando as suas idéias em diálogo com os temas da filosofia contemporânea em voga configurando-se um crítico da modernidade. Uma última questão a ser anotada, diz respeito ao “costume de se tomar Nietzsche como promotor do irracionalismo” (PIMENTA, 2015, p.92), ou melhor, à tendência em se pensar em Nietzsche “como um pensador dionisíaco sem levar em consideração a sua leitura acerca da necessária combinação de impulsos distintos no plano da criação” (Ibid., p.98). Trata-se da tese, segundo a qual, a partir da desconstrução crítica dos princípios estéticos nascidos na querela entre o clássicismo de Winckelman e os prolegomenos do barroco de Bernini, Nietzsche pode perscrutar o valor do impeto criativo e do ethos heróico daqueles que lhe são a princípio, opostos ou antipodas, tese a qual de todo modo não nos aprofundaremos mas que parece relevante para marcar o apriori do

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paradigma heróico sobre o paradigma estético. São estes alguns dos pontos que tornam intricado o entendimento da presença do positivismo em Nietzsche, o que sugere por sua vez, como muitas das alegadas incongruências que atravessam a sua obra, podem revelar uma “harmonia secreta” se concebido o horizonte da afirmação, “isso é o horizonte que exclui a metafísica dualista, a dicotomia na ordem dos valores fundamentais [...] todas criaturas do cansaço niilista e do ressentimento” (Ibid., p.99).

Referências

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