• Nenhum resultado encontrado

Cenários do ensino de matemática em escolas rurais da cidade de Tanabi, SP

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Cenários do ensino de matemática em escolas rurais da cidade de Tanabi, SP"

Copied!
390
0
0

Texto

(1)

i

LUZIA DE FATIMA BARBOSA FERNANDES

CENÁRIOS DO ENSINO DE MATEMÁTICA EM

ESCOLAS RURAIS DA CIDADE DE TANABI, SP

CAMPINAS

2014

(2)
(3)
(4)
(5)

vii

RESUMO

Esta investigação, que utilizou a História Oral como método de pesquisa, conforme proposto por Garnica (2010), teve o objetivo central de estudar práticas de ensinar/aprender Matemática nas séries iniciais do ensino fundamental de escolas rurais de Tanabi-SP, durante a segunda metade do século XX. As práticas de ensino de Matemática são entendidas neste estudo como relacionadas a “um grande conjunto, difícil de delimitar e que, a título provisório, pode ser designado como o dos procedimentos. São esquemas de operações e manipulações técnicas” (CERTEAU, 2004, p.109). Apresentado em quatro capítulos, o estudo contemplou, num primeiro momento, aspectos do surgimento das escolas rurais no município em sua relação com o movimento mais amplo de criação destas escolas no Estado de São Paulo. Em seguida, discutiu condições de funcionamento das escolas, dando especial atenção à formação dos professores e às práticas escolares. No terceiro capítulo, a atenção foi dedicada às práticas específicas no ensino da Matemática: na escrita de números, nas operações de adição, subtração, multiplicação e divisão, e no trabalho com a tabuada. Nas considerações finais apresentamos algumas reflexões sobre as práticas de ensino de Matemática de nossos colaboradores, considerando, assim como Fiorentini (1995), que “cada professor constrói idiossincraticamente seu ideário pedagógico a partir de pressupostos teóricos e de sua reflexão sobre a prática” (p. 3). Nessas reflexões apontamos para apropriações da Matemática Moderna que se entrecruzam com pressupostos da Escola Nova.

Palavras-chave: Educação Matemática - História; História Oral; Escolas Rurais; Matemática – Estudo e ensino.

ABSTRACT

This research, that used oral History as a research method, as proposed by Garnica (2010), has as its main objective of studying practices of teaching/learning Mathematics in the early grades of elementary schools in Tanabi-SP during the final years of the twentieth century. Teaching practices of Mathematics are understood - in this study - as related to "a large set that is difficult to define and, provisionally, may be designated as the procedures. Schemes are technical operations and manipulations" (CERTEAU, 2004, p.109). Presented in four chapters, the research tried to show, at first, some aspects of the establishment of rural schools in Tanabi, SP and its relationship with the wider movement for the creation of this type of schools in the State of São Paulo. We then discussed how these schools operated, paying special attention to the training of teachers and school practices. In the third chapter,attention was devoted to specific practice math, such as writing number in the four operations (addition, subtraction, multiplication and division), and the work with the multiplication tables. In the “Conclusion”, we present some reflections on the practices of Mathematics teaching of teachers who were interviewed, considering, as Fiorentini (1995), that "each teacher builds idiosyncratically his pedagogical ideas from theoretical assumptions and their reflection on practice" (p.3). These reflections aim to appropriations

(6)

viii

Modern Mathematics assumptions that intersect with the fundamentals of the Brazilian movement called “New School”.

Keywords: Mathematics Education - History; Oral History; Rural Schools; Mathematics – Study and teaching.

(7)

ix

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 1

Dialogando com autores e delimitando a investigação ... 4

A escrita da história e a constituição de documentos ... 7

A escrita da história e a produção de narrativas ... 10

Apresentando os capítulos ... 19

CAPÍTULO 1 – O MUNICÍPIO DE TANABI E SUAS ESCOLAS RURAIS ... 21

Tanabi: Rio das Borboletas? ... 22

O Município de Tanabi e suas Escolas ... 30

A escola rural de Tanabi: prédios escolares ... 39

CAPÍTULO 2 – DA FORMAÇÃO AO COTIDIANO DAS ESCOLAS RURAIS: CONVERSANDO COM OS PROFESSORES ... 51

Formação de professores de escolas isoladas de Tanabi ... 53

O início, as dificuldades, o envolvimento. ... 62

Escolas rurais de Tanabi: alunos e condições estruturais ... 65

A organização das aulas e as visitas do Inspetor de Ensino ... 78

As práticas de ensino nas salas multisseriadas ... 88

CAPÍTULO 3 – PRÁTICAS DE ENSINAR E APRENDER MATEMÁTICA EM ESCOLAS RURAIS DE TANABI/SP. ... 97

Escrevendo palavras e números ... 98

Ensinando e aprendendo operações aritméticas ... 111

Ensinando e aprendendo a tabuada ... 121

CAPÍTULO 4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 137

De tudo que foi... O que ficou? ... 142

REFERÊNCIAS ... 147

APÊNDICE ... 153

Textualizações das Entrevistas ... 155

1. Professora Maria Cecília Soccio Monteiro ... 157

2. Professora Irma Rosa da Silveira Viana ... 193

3. Professor Etore Bilia ... 217

4. Aluna Shirley Fabri Peruca ... 247

5. Professora Eunice Kannebley Melotti ... 265

(8)

x

7. Professora Maria Feliciana Guimarães Donofre ... 293

8. Professora Maria Virgínia Mendonça Sabatini ... 305

9. Professora Mércia Maria Ribeiro Caires ... 311

10. Professora Zulmira Mattos Miziara ... 323

11. Professora Maria Terezinha Monteiro Machado ... 341

12. Professora Lourdes Rita de Paula Sanches Fernandes ... 355

ANEXOS ... 369

Questionários utilizados nas entrevistas ... 371

(9)

xi

Dedico este trabalho aos meus seis irmãos e, em especial, aos meus pais, Josefa e João, pela determinação, pelas lutas diárias e por permitir que esse sonho pudesse se tornar realidade.

Com carinho à minha irmã Rita, pelas constantes lutas em me manter na escola, para que eu pudesse, com os estudos, conquistar uma profissão.

E à linda família que constituí, com meu esposo, Fernando, e nosso filho André Luís, por me acompanharem nessa trajetória e serem meu porto seguro.

(10)

xiii

Agradecimentos

A DEUS, pelo dom da vida e pela sabedoria que me permitiu caminhar por estradas seguras.

Aos meus pais João e Josefa e aos meus irmãos: José Donizete, Rita de Cácia, João Roberto, Maria José, Luiz Homero, Cesar Fernando e a todos os meus cunhados, cunhadas, sobrinhos e sobrinhas por me permitirem viver nesta família maravilhosa, me ensinando a cada dia o verdadeiro sentido da vida.

Ao meu esposo Fernando, pelo companheirismo e pelo amor que tem orientado nossa vida juntos e o apoio em toda esta caminhada. E também pela leitura atenciosa que fez deste trabalho, contribuindo na escrita e no entendimento desta história.

À minha irmã Rita de Cácia, pelo apoio durante todo o desenvolvimento desta pesquisa, me auxiliando na busca por professores de escolas rurais, na ajuda por informações na cidade de Tanabi/SP, quando eu não pude estar presente, na dedicação em organizar as carteiras da escola rural (local para algumas entrevistas)... E por caminhar neste sonho junto comigo.

À minha irmã Maria José, por me apoiar durante todo o tempo que morei em sua casa na cidade de Campinas/SP, sempre me dando forças para trabalhar e me adaptar em um novo lugar, “longe de casa”.

À minha orientadora, a professora Maria Ângela, por me acompanhar nesta árdua caminhada da pesquisa e escrita, me ensinando a escrever História e histórias, me fazendo refletir e me apoiando sempre em todas as etapas deste trabalho.

Ao professor Antonio Miguel, pela participação no Exame de Qualificação, pela leitura atenciosa que fez deste trabalho, me fazendo refletir e ir além, buscando caminhos para a finalização desta pesquisa.

À professora Arlete, pelas contribuições no Exame de Qualificação e na Defesa, me indicando ricas possibilidades para finalizar este trabalho.

À professora Dione, pela participação na Defesa, pela leitura que fez deste trabalho me auxiliando na escrita desta história.

(11)

xiv

Aos colegas do Hifem pelo tempo que convivemos nas reuniões, e pelos momentos de ricas discussões, que contribuíram para o meu crescimento como pesquisadora.

Aos professores colaboradores Maria Cecília, Irma, Etore, Orlando, Eunice, Maria Virgínia, Mércia, Lourdes, Zulmira, Maria Terezinha e Maria Feliciana e aluna Shirley pela colaboração riquíssima que deram a este trabalho, possibilitando a escrita de uma história tão rica sobre as escolas da zona rural do município de Tanabi/SP.

Aos funcionários da FE pelo atendimento nos vários momentos em que precisei - secretaria, biblioteca...

Aos funcionários das escolas visitadas na cidade de Tanabi/SP, pela atenção com que me receberam e pelo tempo que se dedicaram a me mostrar arquivos para que eu pudesse compor os documentos da minha pesquisa.

À funcionária da biblioteca municipal de Tanabi/SP pela atenção com que me recebeu e pelos livros que emprestei - foram muito valiosos para a pesquisa.

Aos amigos de Tanabi/SP, que também me auxiliaram na pesquisa, me indicando livros sobre a história da cidade.

A todos os professores que tive durante a minha caminhada pela escola, por me fazerem acreditar que eu poderia ir além...

(12)

xv

Lista de Figuras

Figura 1 – Varanda da Escola Mista da Fazenda Alferes, município de Tanabi, 2010. ... 1 Figura 2 - Carteira individual e cadeira, com banco retrátil, que eram utilizadas na “Escola Mista da Fazenda Alferes”, município de Tanabi, 2010. ... 2 Figura 3 - Escola Mista da Fazenda Alferes, município de Tanabi/SP, local onde foram realizadas as quatro primeiras entrevistas, 2010. ... 13 Figura 4 - Momento da entrevista com a professora Maria Cecília Soccio Monteiro, na Escola Mista da Fazenda Alferes, município de Tanabi-SP, 2010. ... 13 Figura 5 - Turma de alunas da Escola Mista da Fazenda Alferes, município de Tanabi-SP, na qual aparece a aluna Shirley Fabri Peruca no seu primeiro ano, 1949. ... 15 Figura 6 - Mapa do Estado de São Paulo, (sd) com Tanabi em destaque ... 23 Figura 7 – Bandeira da cidade de Tanabi ... 24 Figura 8 - Quadro - óleo sobre tela do artista Julio Soares Bonfim retratando a capela construída em 1901 em alvenaria, que substituiu a capela anterior, 1967. ... 26 Figura 9 - Vista das obras da Igreja Matriz atual em foto de 1938. ... 27 Figura 10 - Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição. Outra imagem da Igreja vista da Praça João de Melo, 2011. ... 27 Figura 11 - Grupo de jovens na Estação Ferroviária de Tanabi, (sd). ... 29 Figura 12 - Escola de Emergência da Fazenda Barra Mansa, município de Tanabi, 1965. . 39 Figura 13 - Escola rural Teodorico, município de Tanabi/SP, 2011. ... 42 Figura 14 - Escola Mista do Bairro da Goiaba, município de Tanabi/SP, 2010. ... 42 Figura 15 - Escola Mista da Fazenda Alferes, município de Tanabi/SP, 2010. ... 42 Figura 16 – Escola Mista de Emergência da Fazenda São Paulo, município de Tanabi/SP, 2010 ... 43 Figura 17 - Escola Mista de Emergência da Fazenda São Paulo, município de Tanabi/SP, 2010. ... 43 Figura 18 - Fotografia do armário na cozinha da Escola rural "Teodorico", município de Tanabi/SP, 2011. ... 44 Figura 19 - Fotografia do armário na cozinha da Escola Mista do Bairro da Goiaba, município de Tanabi/SP, 2010. ... 44 Figura 20 - Planta para escola isolada, 1943. ... 45

(13)

xvi

Figura 21 - Fotografia do sanitário da Escola Mista do Bairro da Goiaba, município de Tanabi/SP, 2010. ... 46 Figura 22 - Fotografia que mostra o prédio da Escola Mista da Goiaba, município de Tanabi/SP, e o sanitário, construído atrás da escola, 2013. ... 47 Figura 23 - Interior do sanitário da Escola Mista da Goiaba, município de Tanabi/SP, 2010. ... 47 Figura 24- Fotografia dos restos de uma construção encontrada ao lado da Escola Mista do Bairro da Goiaba, município de Tanabi/SP, 2010. ... 48 Figura 25 – Instituto de Educação Padre Fidelis, onde funcionou o curso Normal a partir de 1964, em Tanabi-SP, (sd). ... 54 Figura 26 - Alunos da Escola de Emergência do Bairro do Espraiado - município de Tanabi, 1967. ... 66 Figura 27 - Entrega de diplomas aos alunos formandos da Escola do Bairro do Espraiado – município de Tanabi, 1967. ... 66 Figura 28 – Alunos da Escola Mista da Fazenda da Grama – município de Monte Aprazível/SP, na qual se encontra a profª entrevistada, turma de 1954. ... 68 Figura 29 - Alunos da Escola Mista da Fazenda Barra Mansa – município de Tanabi, 1970 ... 69 Figura 30 – Alunos da Escola Mista Rural do Bairro das Perobas, município de Tanabi/SP, 1939. ... 72 Figura 31 - Escola Rural na Fazenda em Engenheiro Balduíno, município de Monte Aprazível/SP. Turma das meninas, 1947... 73 Figura 32 - Escola Rural na Fazenda em Engenheiro Balduíno, município de Monte Aprazível/SP. Turma dos meninos, 1947 ... 73 Figura 33 – Alunos da Professora Maria Cecília Soccio Monteiro em um piquenique, 1975. ... 74 Figura 34 - Alunos da Professora Maria Cecília Soccio Monteiro em um piquenique, 1975. ... 75 Figura 35 - Jogo de futebol entre os alunos da professora Maria Cecília Soccio Monteiro, durante o piquenique, 1975. ... 75 Figura 36 - Alguns alunos da professora Maria Cecília Soccio Monteiro, turma de 1979. . 76

(14)

xvii

Figura 37 - Alguns alunos da professora Maria Cecília Soccio Monteiro, turma de 1979. . 77

Figura 38 - Trecho retirado de um Termo de Visita realizado no início do ano de 1977 em uma escola rural do município de Tanabi/SP. ... 83

Figura 39 - Trecho retirado de um Termo de Visita realizado no final do ano de 1977 em uma escola rural do município de Tanabi/SP ... 84

Figura 40 - Trecho retirado de um Termo de Visita realizado no final do ano de 1977 em uma escola rural do município de Tanabi/SP. ... 85

Figura 41 - Trecho retirado de um Termo de Visita realizado no início do ano de 1966 em uma escola rural do município de Tanabi/SP. ... 86

Figura 42 - Trecho retirado de um Termo de Visita realizado no início do ano de 1972 em uma escola rural do município de Tanabi/SP. ... 87

Figura 43 - Interior da sala de aula da Escola Mista do Bairro da Goiaba - município de Tanabi/SP, 2010. ... 91

Figura 44 - Carteira e cadeira utilizadas na Escola Mista da Fazenda Alferes - município de Tanabi, 2010. ... 92

Figura 45 - Madeira e metal, origem desconhecida, s.d ... 93

Figura 46 - Carteira Brazil - Carteira dupla com reservatório de tinta ao centro, 1900 ... 94

Figura 47 - Carteira dupla com tinteiro, 1930. ... 94

Figura 48 - Registro entregue pela professora Maria Cecília Soccio Monteiro no dia da entrevista, 2010. ... 99

Figura 49 - Modelo apresentado para a escrita dos números, 1949. ... 104

Figura 50 - Lousa com explicação do professor, dada durante a entrevista, 2010. ... 105

Figura 51 - Quadro Valor de Lugar. ... 108

Figura 52 - Ilustrações que mostram o ensino de conjunto, (sd). ... 111

Figura 53 - Explicação colocada na lousa pelo professor Etore Bilia durante a entrevista, 2010. Fonte: Foto tirada pela pesquisadora. ... 117

Figura 54 - Atividade sobre o ensino da subtração, (sd). ... 118

Figura 55 - Imagem da lousa, com a explicação dada pela professora durante a entrevista, 2010. ... 122

Figura 56 - Imagem da lousa, com a explicação dada pela professora durante a entrevista, 2010. ... 122

(15)

xviii

Figura 57 - Ilustrações que mostram o ensino da multiplicação, (sd). ... 123

Figura 58 - Atividade sobre o ensino de conjunto, (sd). ... 123

Figura 59 - Atividade sobre o ensino da multiplicação, (sd). ... 124

Figura 60 - “Relógio de tabuada” desenhado na lousa pelo professor Etore Bilia durante a entrevista, 2010. ... 126

Figura 61 - Modelo de tabuada em pé. ... 127

Figura 62 - Modelo de tabuada deitada ... 127

Figura 63: Exemplo de atividade com o uso da tabuada deitada. ... 128

Figura 64: Exemplo de atividade com o uso da tabuada em pé. ... 128

Figura 65- Triângulo de Condorcet, desenhado pelo prof. Orlando Melotti, 2011. ... 130

Figura 66: Triângulo de Condorcet. ... 131

Figura 67 - Explicação colocada na lousa, demonstrando a atividade citada na entrevista, 2010. ... 132

Figura 68 - Registros feitos pela professora Zulmira Mattos Miziara durante a entrevista, 2011. ... 134

(16)

1

INTRODUÇÃO

Para que se possa compreender melhor os meandros e objetivos desta investigação, é importante que se conheçam alguns fatos sobre minha formação escolar. Aos 7 anos de idade iniciei minha caminhada pela escola. Sem ter cursado a pré-escola, entrei na primeira série do 1° grau. Como morava na zona rural, estudei em uma escolinha que era próxima de casa, conhecida como Escola do Bairro do Sapé1. No caminho para a escola, de manhã, lembro-me das vezes que, por conta do nevoeiro, mal dava para enxergar o caminho. Meu irmão mais velho me acompanhava até a casa de uma vizinha para irmos juntas até a escola. Fazíamos todo o percurso a pé, tanto na ida quanto na volta. Demorávamos quase 45 minutos para percorrer os três quilômetros que separavam nossa casa da escola.

Lembro-me muito bem da minha primeira professora, a dona Regina, muito querida pelos alunos e da qual guardo, até hoje, boas lembranças. Ela trazia o lanche da cidade, que era diferente para cada dia da semana. Tinha a sopa, mas gostávamos muito quando ela trazia pão com carne e suco. O lanche era servido pela professora em um pequeno balcão

localizado na varanda da escola (Figura 1), que tinha duas portas: uma para a cozinha e outra para a sala de aula.

Figura 1 – Varanda da Escola Mista da Fazenda Alferes, município de Tanabi, 2010. Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora.

Dentro da sala de aula, dividíamos o espaço com alunos de outras séries. Não me recordo como era a separação, mas suponho que fosse por fileiras. Sentávamos em

1 “Escola Mista da Fazenda Alferes”, situada na zona rural da cidade de Tanabi – SP. Quando fui estudante

desta escola, nos anos de 1989 e 1990, era denominada Escola Estadual de Primeiro Grau Rural Fazenda Alferes.

(17)

2

carteiras2 que eram unidas, ou seja, a mesa do aluno que sentava atrás era unida à cadeira do aluno que sentava à frente. No tampo da carteira, existia um baixo relevo para colocação de caneta ou lápis e uma cavidade redonda na qual se colocava um potinho com tinta. Essa tinta era usada em canetas tinteiros, que já não se usavam mais quando eu estudei. Embora esse tipo de carteira possua pés de ferro que podem ser pregados no chão, evitando assim o seu deslocamento, quando fui aluna, as carteiras ficavam soltas, dependendo do nosso comportamento para se manterem paradas. Por isso, tínhamos que ficar bem comportados, pois qualquer movimento mais brusco podia atrapalhar o colega sentado à frente ou atrás, embora isso poucas vezes ocorria, pois éramos crianças e as carteiras, de madeira e ferro, eram pesadas.

Figura 2 - Carteira individual e cadeira, com banco retrátil, que eram utilizadas na “Escola Mista da Fazenda Alferes”, município de Tanabi, 2010.

Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora.

Durante a semana, várias disciplinas eram estudadas. Lembro-me que a sexta-feira era um dia diferente. Depois do recreio, fazíamos atividades físicas, provavelmente como parte da disciplina de Educação Física. Muitas vezes jogávamos queimada3.

Estudei nesta escola nos anos de 1989 e 1990, depois, quando estava na terceira série, fui estudar em uma escola na cidade de Tanabi/SP. Não senti dificuldade na continuidade dos estudos. Completei o primeiro e o segundo graus em escolas públicas.

2 No site http://www.crmariocovas.sp.gov.br/obj_a.php?t=0o1 podemos encontrar modelos de carteiras

individuais bem próximos ao modelo apresentado na Figura 2. Segundo o site, as carteiras datam do início do século XX. Ver capítulo 2 deste trabalho.

3 Queimada é um jogo esportivo. Utiliza-se como material uma bola de tamanho médio e é jogado em um

terreno plano, de forma retangular, sendo dividido em dois campos iguais, por uma linha reta. O objetivo do jogo é fazer o maior número possível de prisioneiros em cada campo. Cada time fica situado em um campo e um dos jogadores de cada lado deverá ser colocado atrás da linha de fundo do campo adversário.Assim um jogador do time a quem coube a bola arremessa-a ao campo adversário com o objetivo de atingir, “queimar”, algum jogador adversário. Disponível em: http://www.brasilescola.com/educacao-fisica/jogo-queimada.htm. Acesso em 28/10/2013.

(18)

3

Iniciei o curso de Licenciatura em Matemática no ano 2000. A escolha por este curso não ocorreu apenas pelo meu interesse pela disciplina, mas também por questões financeiras. Naquele período, morava em uma chácara na cidade de Mirassol/SP e não tinha condições para me manter fora de minha cidade. A existência de uma universidade pública em São José do Rio Preto/SP, cidade próxima a Mirassol/SP 4, foi a opção possível naquele momento. Além de não pagar o curso, podia trabalhar e morar na casa de minha família.

O IBILCE - Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas - da UNESP, campus de São José do Rio Preto/SP, oferecia à época apenas dois cursos no período noturno: Licenciatura em Letras e Licenciatura em Matemática. Escolhi, por gostar mais da área de Exatas, a Licenciatura em Matemática, ingressando no curso em 2000. Ao iniciá-lo, minha família e eu retornamos à cidade de Tanabi/SP 5, que embora fosse um pouco mais distante de São José do Rio Preto/SP propiciou-me melhores condições para frequentar a universidade.

No segundo ano de curso, reencontrei o professor Pedro Paulo Scandiuzzi, que havia sido meu professor no segundo ano do Ensino Médio.Sob a sua orientação, iniciei um estágio vinculado a uma Bolsa de Apoio oferecida pela universidade. Foi durante essa experiência que entrei em contato com os primeiros textos de História da Matemática e Etnomatemática, e comecei a ver de maneira diferente o curso que estava frequentando e a própria Matemática.

Tempos depois, com o curso superior já concluído, comecei a trabalhar no cargo de Assistente de Secretaria, na cidade de Tanabi/SP, exercendo esta função primeiramente na secretaria de uma escola municipal e depois no Fórum da cidade, como Assistente de Escrevente no Cartório Criminal.

Em 2006, com a oportunidade de “encarar” a sala de aula, mudei-me para a cidade de Campinas/SP e assumi o cargo de Professor de Educação Básica II, por concurso público estadual. No início da carreira docente, tive muita insegurança e dúvidas sobre a permanência na profissão. Depois de algum tempo, no entanto, renasceu em mim o interesse em continuar os estudos na área da Matemática e, mais fortemente, em Educação Matemática.

4 São José do Rio Preto dista 15 quilômetros da cidade de Mirassol. 5 Tanabi dista 40 quilômetros da cidade de São José do Rio Preto.

(19)

4

No ano de 2008, procurei a Unesp, campus de Rio Claro/SP, para tentar o ingresso em um curso de pós-graduação. Escolhi a Unesp, por já ter ouvido do professor Pedro Paulo muitos comentários elogiosos ao Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática daquele campus. Comecei então a cursar, no primeiro semestre de 2008, a disciplina “Tendências em Educação Matemática”, ministrada pelo professor Antonio VicenteMarafioti Garnica. Encantei-me com a Educação Matemática e decidi participar do processo seletivo para ingressar no mestrado na mesma área e, como naquele ano comecei a frequentar o GdS6 na UNICAMP, resolvi participar do processo seletivo nas duas universidades. Ingressei no Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP.

Dialogando com autores e delimitando a investigação

Foram diversos os fatores que influenciaram a constituição desta investigação. Sem dúvida, a experiência docente nos Ensinos Fundamental II e Médio foi determinante para nos decidirmos por um estudo que estivesse voltado à Educação Matemática das primeiras séries. Em diferentes situações de sala de aula, devido particularmente às dificuldades de aprendizagem dos alunos, colocavam-se questões acerca do ensino das séries iniciais e especificamente, dos primeiros passos da aprendizagem da Matemática. Assim, com o objetivo de aprofundar nosso estudo sobre a Matemática ensinada nos anos iniciais e do regime de Progressão Continuada7, iniciamos nossas primeiras aproximações com a investigação em Educação Matemática.

Outro fator relevante para a constituição de nossa pesquisa foi o contato com investigações em Educação Matemática na perspectiva da História Oral, desenvolvidas pela

6 Grupo de Sábado: Grupo de professores que se reúne quinzenalmente aos sábados na Faculdade de

Educação da UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas/SP) para discutir, entre outros assuntos, a prática do professor que ensina Matemática.

7 Em 1997, sob a égide da LDBEN nº 9.394/96, que possibilita a organização do ensino em ciclos, a

Deliberação CEE nº 9/97 representa um marco para o Sistema de Ensino do Estado de São Paulo, instituindo o regime de progressão continuada no Ensino Fundamental organizado em ciclos. Conforme a Indicação CEE nº 22/97, a progressão continuada “(...) deve ser entendida como um mecanismo inteligente e eficaz de ajustar a realidade do fato pedagógico à realidade dos alunos, e não um meio artificial e automático de se ‘empurrar’ os alunos para as séries, etapas, fases subsequentes”. Disponível em:

(20)

5

UNESP- campus de Rio Claro/SP, dentre elas, algumas voltadas a escolas rurais8. Essas leituras levaram-nos a revisitar nossa própria trajetória como aluna de uma escola rural do município de Tanabi/SP.

Conhecer mais sobre o ensino de Matemática das séries iniciais dessas escolas, entrevistar seus professores, “olhar” para elas não apenas como ex-aluna, mas como investigadora, colocava-se como uma experiência que poderia não apenas ampliar a nossa prática profissional mas trazer à luz histórias ainda pouco conhecidas sobre a Educação Matemática do Estado de São Paulo.

Essas primeiras reflexões, levaram-nos a decidir pelo estudo de escolas rurais da região de Tanabi e pela utilização da História Oral como método de pesquisa. Como nos alerta Garnica (2010), essa opção vale-se “da oralidade para o resgate – ou o levantamento, a escritura, a compreensão, a elaboração, como queiram os que se impacientam com o uso do termo ‘resgate’ histórico”, mas, sobretudo, utiliza “a oralidade segundo alguns procedimentos e princípios muito específicos” (p. 30/31).

Um primeiro princípio mencionado por Garnica (2010) diz respeito ao diálogo “com fontes de várias naturezas (escritas, pictóricas, fílmicas etc.)”. No entanto, o autor esclarece que as fontes orais devem ser ressaltadas. Essa opção nega “que a verdade – essa onírica, imaculada e sempre ausente presença que nos assombra – jaz dormente em registros escritos” e “a a-historicidade da fantasia, dos sonhos humanos, da memória (sempre enganadora) que se deixa captar oralmente”. Isso possibilita “exercitar a pluralidade de perspectivas (interpretações) através das quais cada tema ou objeto pode ser realçado”. Nesse sentido, o historiador em História Oral defende o “afastamento da perspectiva historiográfica positivista, o que implica fundamentalmente neutralizar concepções absolutistas que defendem a existência de uma ‘história verdadeira’” (p.33).

A opção por uma escrita da História que considera tanto fontes orais como de outras naturezas, segundo Garnica (2010), implica em “abraçar uma proposta de configuração coletiva no que diz respeito aos atores sociais envolvidos na pesquisa, na condição de pesquisadores” ou de entrevistados (p.33).

8 Podemos citar o trabalho de Iniciação Científica de Maria Ednéia Martins, intitulado: “Resgate Histórico

da Formação e Atuação de Professores da Escola Rural: um estudo no oeste paulista”, apresentado à Unesp – campus de Bauru - no ano de 2003. Disponível em:

(21)

6

Os documentos produzidos a partir das falas dos entrevistados, para Meihy (1996), apresentam versões da história9, muitas vezes de pessoas comuns, antes silenciadas pela sociedade. A “certeza de que todos os agentes sociais têm História é básica para a boa definição das fórmulas modernas de História Oral” (MEIHY, 1996, p.39).

Com a valorização das falas de pessoas que fizeram parte da sociedade, “Thomson (2000), também aponta que a História Oral tem caráter de denúncia ao trazer, para a história, a contribuição daqueles que sempre estiveram excluídos, contribuindo para com o processo de democratização da memória e da história.” (THOMSON, 2000 apud MARTINS, 2003, p.14)

Para tanto, Meihy (1996), aponta algumas diferença entre os trabalhos com História Oral e memória, e afirma que, embora ambos trabalhem com depoimentos, eles não se confundem, pois a memória,

“é sempre dinâmica, muda e evolui de época para época, é prudente que seu uso seja relativizado, posto que o objeto de análise, no caso, não é a narrativa objetivamente falando nem sua relação contextual, mas a interpretação do que ficou (ou não) registrado nas cabeças das pessoas. (...). Na história oral busca-se ou o registro da experiência vivencial ou informações. Com elas prepara-se um documento objetivo que, ou vale por si e neste caso dispensa análise, ou é equiparado com outros discursos ou documentos.” (MEIHY, 1996, p.65).

Assim, cremos ter dado voz a nossos entrevistados, sendo suas vozes ouvidas e respeitadas.

A História Oral, no entanto, pode ser realizada em diferentes modalidades. Na modalidade “História de Vida, o pesquisador interessa-se pelo que o entrevistado conta de sua vida como uma totalidade”. A narrativa pode tocar em aspectos da “infância, adolescência, juventude, velhice”, de forma que “hábitos, vida profissional e pessoal compõem uma trama na qual se desfiam percepções e construções do espaço e do tempo vividos”. A História Oral Temática, por outro lado, “centra-se mais em um conjunto limitado de temas previamente selecionados pelo pesquisador com a intenção de reconstituir ‘aspectos’ da vida dos entrevistados” (MARTINS-SALANDIM; SOUZA; FERNANDES, 2010, p. 5).

O diálogo com os autores da História Oral acima mencionados levou-nos à decisão

9 De acordo com Martins (2003), “A História Oral não deve ser vista apenas como forma de preencher

lacunas em trabalhos que utilizaram outras fontes, mas como elemento vital para a constituição de outras versões dessa história, de novas abordagens. (p. 12)

(22)

7

de olhar para o ensino de matemática de escolas da região de Tanabi a partir de diferentes documentos, centrando nosso olhar em narrativas de professores que viveram experiências nessas escolas, no período de 1950 a 2000, utilizando a História Oral Temática.

Autores da chamada Nova História Cultural, também nos forneceram algumas pistas para a investigação. No diálogo com esses autores, práticas de ensino-aprendizagem de Matemática começaram a se configurar como um centro de nosso interesse.

Peter Burke (2005), em seu livro “O que é história cultural?”, reflete sobre desafios e conflitos que pesquisadores enfrentaram, e ainda enfrentam, na escrita de Histórias Culturais. Esses desafios e conflitos associam-se à ampliação do conceito de cultura, que “passou a se referir a uma ampla gama de artefatos (imagens, ferramentas, casas e assim por diante) e práticas (conversar, ler, jogar)” (BURKE, 2005, p. 43).

Em nosso trabalho, as práticas de ensino de Matemática em escolas rurais da região de Tanabi serão entendidas como relacionadas a “um grande conjunto, difícil de delimitar e que, a título provisório, pode ser designado como o dos procedimentos. São esquemas de operações e manipulações técnicas” (CERTEAU, 2004, p.109).

Esses “estilos” ou “maneiras de fazer” de professores de Matemática, designadas “táticas” por de Certeau (2004), são as formas encontradas para lidar com a realidade das escolas rurais. As “estratégias” para o ensino de Matemática, por outro lado, podem ser entendidas como as orientações de documentos governamentais e/ou de livros didáticos.

A decisão pela História Oral e pelo estudo de práticas levou-nos a definir a seguinte questão orientadora para o trabalho: como e quais eram as práticas de se ensinar-aprender Matemática em escolas rurais de Tanabi/SP, no período de 1950 a 2000?

A escrita da história e a constituição de documentos

A decisão de realizar a investigação centrando nosso olhar na produção de narrativas de professores que vivenciaram experiências em escolas rurais de Tanabi, no período de 1950 a 2000, utilizando a História Oral Temática, foi acompanhada pela utilização de outros documentos, que foram sendo constituídos no caminhar da investigação.

(23)

8

em nossa investigação, iniciamos um trabalho de busca por documentos escolares que pudessem nos apontar nomes de antigos professores e outros indícios sobre escolas rurais do município, que, segundo Ginzburg (1991) são:

formas de saber tendencialmente mudas – no sentido de que, como já dissemos, suas regras não se prestam a ser formalizadas nem ditas. Ninguém aprende o ofício de conhecedor ou de diagnosticador limitando-se a pôr em prática regras preexistentes. Nesse tipo de conhecimento entram em jogo (diz-se normalmente) elementos imponderáveis: faro, golpe de vista, intuição (GINZBURG, 1991, p.179, grifo do autor).

Em nossa busca por indícios, visitamos alguns locais 10 voltados à preservação da memória da cidade de Tanabi, em especial a Biblioteca Municipal e três escolas públicas: A Escola Municipal Ganot Chateaubriand, a Escola Estadual João Portugal e a Escola Estadual Padre Fidélis. Na Biblioteca encontramos alguns livros que contavam a história do município de Tanabi; Nas Escolas Estaduais, João Portugal e Padre Fidélis, não conseguimos documentos sobre a escola rural, objetivo da busca pelos documentos. Já na Escola Municipal Ganot Chateaubriand, que foi uma das Sedes das Escolas Isoladas do município de Tanabi, localizamos alguns documentos referentes às escolas isoladas, que listamos a seguir:

1 - Mapas de Movimento das Escolas Isoladas, nos quais estão registrados nomes de professores, denominações das escolas, horários de funcionamento, número de alunos matriculados.

2 - Livro de Termos de Exame e Visitas, no qual se encontra a relação de alunos, com suas respectivas notas, detalhes da aula do professor, condutas de sala de aula e comemorações cívicas.

3 - Mapas - Atas de exames, no qual se encontra o inventário de bens, o

rendimento dos alunos por ano e a porcentagem de alunos aprovados.

10 Escolhemos esses locais por entendermos que eles poderiam abrigar documentos importantes para a

pesquisa. Na Biblioteca Municipal fomos à busca de literatura que pudesse nos contar sobre a história do município de Tanabi. Nas escolas públicas, fomos buscar informações sobre arquivos de escolas rurais, tendo encontrado, na Escola Municipal Ganot Chateaubriand um grande acervo de documentos referentes a essas escolas.

(24)

9

4 - Registro de Compromissos - Escolas Isoladas, no qual são registradas as

nomeações de professores, as remoções, as posses.

Alguns11 desses documentos foram utilizados nesta dissertação. A leitura dos documentos nos possibilitou uma visão geral sobre as escolas que existiram na zona rural de Tanabi, bem como a identificação de alguns professores que atuaram nessas escolas. Os registros escritos por Inspetores de Ensino, quando visitavam as escolas isoladas da região, em especial, nos possibilitaram adentrar em muitas particularidades das aulas, dando a conhecer, sob a visão do inspetor, como a sala de aula era organizada e suas impressões sobre a atuação do professor.

Além destes documentos localizados na Escola visitada, arquivos encontrados digitalizados também foram de extrema importância para compor o cenário das escolas rurais, tais como os Relatórios da Delegacia Regional de Ensino de Rio Preto, referentes aos anos de 1933, 1934, 1940 e 1943 que foram incorporados ao nosso texto e estão disponíveis no site do Arquivo Público do Estado de São Paulo. Porém, vale salientar que as informações colhidas ali foram acrescentadas à nossa dissertação em uma fase posterior da investigação, quando já havia ocorrido o exame de qualificação.

Durante a realização das entrevistas, alguns entrevistados mostravam à entrevistadora fotografias, materiais didáticos e outros documentos que haviam selecionado e, após autorização, foram utilizados na elaboração da narrativa histórica desta dissertação. Os documentos fornecidos pelos entrevistados são de natureza diferenciada dos encontrados na antiga sede das escolas isoladas ou no site do Arquivo Público. Eles foram guardados pelo valor afetivo que lhes atribuem os colaboradores. Estão impregnados de lembranças, de sentimentos e de significados.

As fotografias foram destacadas pelos entrevistados. Mais do que outros documentos, os iconográficos possibilitam “mostrar” a imagem de pessoas, de lugares, de objetos. Elas aguçam a lembrança, parecem nos aproximar de uma realidade já não existente de forma mais direta. Olhando as fotos, os entrevistados apontavam para alguma parte da imagem e diziam como se estivessem lá: “Olha quanta criança que tinha”; “Aqui já

11 A escolha por alguns arquivos foi feita com o objetivo de responder a questão que estava colocada na

(25)

10

é também outra turma”, e demais expressões que demonstram que, ao olhar a foto, o passado retorna forte e direto.

As fontes iconográficas, “assim como textos e testemunhos”, são formas importantes de “evidência histórica”, como nos diz Burke (2004). Olhar para imagens de prédios, alunos e professores de escolas rurais que existiram no município de Tanabi-SP, nos possibilitam algumas leituras do cotidiano dessas escolas, uma vez que não podemos voltar a essa realidade passada, pois ela é “fixa, imutável, irreversível”. A fotografia corresponde a uma “segunda realidade, a do documento”, que “também é fixa e imutável, porém sujeita a múltiplas interpretações” (KOSSOY, 2002, p. 47).

As interpretações, no entanto, segundo Garnica (2010), constituem apenas um “inventário de possibilidades”, se forem realizadas por pessoas que não tiveram nenhuma relação com “os momentos ou pessoas fotografados”, uma vez que:

o conteúdo latente de cada fotografia, sua descrição menos lacunar, é possível enquanto se encontram, na própria escola ou na comunidade a que a escola serve, pessoas que se recordam dos momentos ou das pessoas fotografadas (GARNICA, 2010, p.91).

Em nosso trabalho, as interpretações das fotografias serão realizadas a partir das informações que temos sobre a sua produção, bem como as que os professores-colaboradores nos passaram acerca das condições de produção das fotografias por eles apresentadas, ou seja, este “texto descritivo” sobre as fotografias, orientarão nossa interpretação da imagem registrada. Dessa forma, seremos conduzidos “por entre os significados da imagem”, desviando-nos de alguns e assimilando outros(BARTHES, 1990, p. 33).

A escrita da história e a produção de narrativas

Em conversas com antigos moradores da cidade de Tanabi e da zona rural da cidade, identificamos alguns professores que exerceram suas atividades em escolas urbanas e isoladas/rurais que existiram no município e na região e, que depois foram identificados nos documentos encontrados. Nessas conversas, também identificamos um professor que exerceu a função de Inspetor de Ensino e uma aluna que vivenciou experiências em uma escola rural.

(26)

11

O passo seguinte foi entrar em contato com as pessoas mencionadas nas conversas informais com moradores. Nesse primeiro contato, explicamos a intenção de nossa investigação e ressaltamos a importância que as histórias que eles poderiam nos contar teriam para a escrita de nosso trabalho. Todos foram muito receptivos e concordaram em contar suas histórias, embora - num primeiro momento - alguns hesitaram, por entenderem que suas histórias não trariam contribuições para um trabalho acadêmico.

Após o primeiro contato, esclarecidas as dúvidas com relação às condições de participação e à forma como seriam realizadas as entrevistas, os primeiros encontros foram agendados, respeitando sempre a disponibilidade dos entrevistados e optando por locais e horários que fossem adequados e confortáveis a eles.Foram, então, agendadas e realizadas dez entrevistadas com professores, um Inspetor de Ensino, que também foi professor, e uma aluna. Alguns dos entrevistados tiveram breves experiências em outros municípios além de Tanabi, experiência essa que também foi contemplada nas entrevistas.

Antes da entrevista, entregamos12 aos colaboradores algumas questões orientadoras, por entendermos que auxiliam o entrevistador no momento da entrevista (a retomar aspectos de interesse para o trabalho) e os colaboradores (a rememorarem os pontos relevantes antes do momento da entrevista). Na elaboração das questões13 orientadoras foram considerados os seguintes eixos norteadores: 1) História de vida; 2) Experiências no magistério; 3) Características das aulas; e 4) Particularidades das aulas de Matemática. No momento da entrevista, pedimos para que o entrevistado falasse sobre os eixos orientadores, sem usar as questões específicas. Durante a conversa fazíamos algumas intervenções com a intenção de retomar o objetivo da investigação14.

Para Thompson (2002), a realização de entrevistas exige algumas habilidades especiais do entrevistador, habilidades que são estabelecidas basicamente de relações humanas - é o historiador trabalhando no meio social, com as pessoas. Trata-se de um momento em que o colaborador e o entrevistador partilham suas crenças, emoções, experiências. O historiador entra em um mundo de experiências diferentes das suas, no

12 Entreguei pessoalmente o questionário aos colaboradores, com exceção dos professores Etore, Irma e Maria

Cecília que o receberam da minha irmã Rita, que reside em Tanabi.

13 As questões foram elaboradas a partir da leitura de diversos autores e trabalhos de História Oral. Um

modelo do questionário está disponível no final desta dissertação, no Anexo.

14 Como esta foi a nossa primeira experiência com entrevistas, acreditamos que, em alguns momentos,

(27)

12

mundo social de seus colaboradores, buscando uma compreensão da história, a partir da vivência dessas pessoas. Nesse sentido, afirma Thompson (2002): “as possibilidades mais ricas para a História Oral se encontram no desenvolvimento de uma história mais socialmente consciente e democrática” (p.10).

Em nossos diálogos com autores e atores de nosso trabalho, fomos aos poucos percebendo as características específicas da história que buscávamos escrever e das habilidades a que Thompson (2002) se referia. Com o uso da metodologia da História Oral, o contato com os professores, pessoas valorizadas pela comunidade onde trabalharam, levou-nos a um grande envolvimento com suas histórias de vida e suas experiências no meio escolar, o que nos propiciou a possibilidade de escrever uma história única, com particularidades e detalhes que, de outra forma, poderiam não ser revelados. Ao adentrar no universo desses professores, por meio de suas narrativas, conhecer o seu dia a dia, sua rotina de estudos, seu relacionamento com os alunos e outros tantos aspectos que se entrecruzam, a escrita dessa história tomou uma forma e se enriqueceu à medida que pessoas, objetos, dias festivos, datas importantes, aulas que marcaram, reuniões e muitas outras situações cotidianas foram sendo contadas e re-vivenciadas pelos entrevistados.

As quatro primeiras entrevistas com os professores Maria Cecília Soccio Monteiro, Irma Rosa da Silveira Viana, Etore Bilia e Shirley Fabri Peruca aconteceram, respectivamente, nos dias 12 de junho, 14 de junho, 12 de julho e 4 de outubro de 2010, e foram realizadas na “Escola Mista da Fazenda Alferes”, localizada a dez quilômetros da área urbana de Tanabi e conhecida popularmente na região por “Escolinha do Bairro do Sapé15”. O local foi escolhido pelo fato de a autora desta investigação ter sido aluna dessa escola e o local estar em bom estado de conservação16.

15 Na cidade de Tanabi, o bairro onde se localiza esta escola é conhecido por Bairro do Sapé. Segundo a

aluna Shirley, que é colaboradora nesta pesquisa, o bairro leva este nome porque, antigamente, havia no local, casas cobertas de sapé.

16 Para a realização das entrevistas, a escolinha foi, carinhosamente, limpa pela Shirley, que morava no bairro

(28)

13

Figura 3 - Escola Mista da Fazenda Alferes, município de Tanabi/SP, local onde foram realizadas as quatro primeiras entrevistas, 2010.

Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora.

A professora Maria Cecília Soccio Monteiro ficou feliz em retornar à escola onde foi professora de 1970 a 1986, e guarda boas lembranças. Formada no ano de 1963 no curso de magistério, por ser uma das únicas opções de profissionalização na região17, a professora sempre participou de cursos de capacitação e chegou a cursar a graduação em Pedagogia além de curso de Pós-Graduação Lato Sensu.

Figura 4 - Momento da entrevista com a professora Maria Cecília Soccio Monteiro, na Escola Mista da Fazenda Alferes, município de Tanabi-SP, 2010.

Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora.

A professora Irma Rosa da Silveira Viana, em nossa conversa, contou muitas situações que vivenciou nas escolas rurais nas quais trabalhou. Ex-aluna de escola rural, a professora lecionou 23 anos em escolas desta natureza na região. Ela também escolheu o magistério, por falta de opção em Tanabi. Formou-se Normalista em 1964, no Instituto de Educação Padre Fidélis, em Tanabi. Em 1965 iniciou o trabalho como professora na Escola de Emergência da Fazenda Barra Mansa, no município de Tanabi. A partir daquele ano,

(29)

14

seguiu longos períodos enfrentando diferentes realidades nos sítios onde trabalhou como professora. Depois de formada, realizou outros cursos relacionados à Educação, dentre eles, o curso de Pedagogia.

O professor Etore Bilia formou-se Normalista em 1953. Iniciou o curso de Odontologia em Ribeirão Preto, mas por problemas familiares, abandonou a faculdade e tornou-se caminhoneiro. Tempos depois, a convite de um amigo 18, que ocupava as funções de diretor de escola, acabou exercendo a profissão de professor até aposentar-se. Ao longo de sua carreira, realizou muitos cursos, incluindo o de Pedagogia; assumiu aulas no ginásio e cargos administrativos na escola, como o de Diretor e Assistente de Direção.

A quarta entrevista foi realizada com a Dona Shirley Fabri Peruca. Ex-aluna de escola rural e moradora próxima da escola19, manteve a conservação da escola até sua mudança em 2012. Ela limpava, pintava e preservava o prédio. Dona Shirley contou sobre o tempo em que estudou na escolinha: em 1949 fez o primeiro ano 20, uma época marcada pelo uso do laço de fita nos cabelos das meninas. Quando adulta, ajudava as professoras no preparo da merenda dos alunos, complementando a refeição com verduras da horta que cultivava.

18 O amigo é o Sr. Orlando Melotti, que também é colaborador nesta pesquisa.

19 Na ocasião da entrevista, a Shirley morava ao lado da Escola e, junto com o marido, tinham uma “Venda” –

no mesmo local - na qual comercializavam bebidas, doces, entre outros. Em 2012, no entanto, eles estavam residindo na cidade de Tanabi e não trabalhavam mais com a “Venda”.

20 Segundo a Shirley, ela estudou os três primeiros anos nesta escolinha, mas no quarto ano foi estudar na

(30)

15

Figura 5 - Turma de alunas da Escola Mista da Fazenda Alferes, município de Tanabi-SP, na qual aparece a aluna Shirley Fabri Peruca no seu primeiro ano, 1949.

Fonte: Acervo pessoal de Shirley Fabri Peruca.

A realização das entrevistas na Escola Mista da Fazenda Alferes, fez ressurgir na investigadora muitas lembranças de seu tempo de escola. Lembranças e emoções que se misturaram com as de ex-alunos e professores. Em alguns momentos foi possível “sentir” o tempo passado. A mesma sala, as mesmas lousas, a mesma carteira... Lembranças dos amigos, das aulas, da professora, a Dona Regina, da qual guarda muitas lembranças boas.

As duas entrevistas21 seguintes aconteceram no dia 18 de maio de 2011, na residência de um casal de professores, Eunice Kannebley Melotti e Orlando Melotti. Embora a intenção inicial fosse entrevistar cada um separadamente, como era de se esperar, isso não aconteceu. Em muitos momentos, um interferia na fala do outro, na tentativa de

complementar as informações. A professora Eunice sempre teve gosto por crianças. Foi por isso que decidiu ser normalista. Formou-se, em 1949, em um Colégio de Piracicaba-SP. Trabalhou muito em Grupos Escolares e teve uma rápida passagem em uma escola isolada

21 Quanto à gravação, houve um momento, no final da conversa com o professor Orlando, que acabou a

bateria do gravador. Imediatamente, iniciei a gravação via celular, ficando assim, o final da gravação em um arquivo de áudio separado.

(31)

16

rural. Cursou Pedagogia e Geografia, e foi professora do ginásio. O professor Orlando formou-se, em 1949, na Escola Normal da cidade de Olímpia-SP, e foi professor durante cinco anos. Cursou, além do Normal, Administração Escolar e Pedagogia. Prestou concursos e tornou-se Diretor, Supervisor e Delegado de Ensino. Como Auxiliar de Inspeção, respondia administrativamente pelas escolas isoladas rurais do município de Tanabi, coordenando, inclusive, a abertura de novas escolas, quando isso se fazia necessário.

No dia 19 de maio de 2011, entrevistamos as professoras Maria Feliciana Guimarães Donofre e Maria Virgínia Mendonça Sabatini. As duas entrevistas foram realizadas nas residências das professoras. Maria Feliciana formou-se no Curso Normal na Escola Padre Fidélis em Tanabi, no ano de 1970, mas também completou o curso de Técnica de Enfermagem, atuando como enfermeira antes de iniciar seu trabalho no magistério. Sua experiência com Escolas Isoladas Rurais foi de 1988 a 1994. A professora Maria Virgínia, formou-se normalista no ano de 1969, na cidade de São José do Rio Preto-SP e sempre se dedicou à educação. Fez vários cursos de capacitação e também Pedagogia, trabalhando inicialmente como professora, depois como Coordenadora Pedagógica e Diretora. Sua experiência com escolas isoladas rurais ocorreu de 1971 até 199122.

No dia 08 de junho de 2011, retornamos à cidade de Tanabi para realizar as quatro últimas entrevistas. Neste dia, conversamos com a professora Mércia Maria Ribeiro Caires, também em sua residência. A professora Mércia havia feito algumas anotações, buscando responder às questões colocadas no questionário. Assim, durante a entrevista, ela recorreu às suas anotações para respondê-las. Mas, como ocorreu nas demais entrevistas, deixamos a entrevistada livre para falar o que considerasse importante e fizemos apenas algumas perguntas para esclarecer alguns aspectos ou para introduzir algum tema que não tivesse sido abordado. A professora Mércia formou-se normalista no ano de 1967, pela Escola Normal Padre Fidélis de Tanabi. Ela também concluiu os cursos de Licenciatura Curta em Ciências e Pedagogia. Iniciou o seu trabalho no magistério no ano seguinte à sua formatura na Escola Normal, em uma escola do município de Mira Estrela-SP. Teve experiências no

22 Quando voltei para a leitura e aprovação do texto de transcrição de sua entrevista, a professora Maria

Virgínia quis fazer algumas alterações, buscando, segundo ela, deixar as questões mais claras e objetivas. Com essas alterações, o texto ficou simplificado.

(32)

17

magistério em escolas isoladas rurais, Escolas Agrupadas 23 e classes do ensino secundário, de 1968 a 1984. Assumiu ainda a função de Assistente de Direção em Escola Agrupada. Por problemas nas cordas vocais foi readaptada24.

Depois que saímos da residência da professora Mércia, seguimos para a residência da professora Zulmira Mattos Miziara, que se formou em 1946 na Escola Normal na cidade de Mirassol-SP. Escolhida a profissão por vontade de ser professora, mas também por ser o único curso oferecido na região, a professora Zulmira gostou muito de se dedicar à profissão. Cursou Pedagogia e outros cursos relacionados à área e, depois de muito tempo como professora, chegou a ser Diretora e até Secretária de Educação na cidade de Tanabi. A professora Zulmira lembra com muito gosto do tempo em que trabalhava na zona rural e afirma: “A professora era tudo. Professora era muito importante na zona rural”.

Terminada a conversa com a professora Zulmira, seguimos para a residência da professora Maria Terezinha Monteiro Machado. A professora anotou algumas coisas, separou alguns livros didáticos, tudo com muita atenção para usar durante a entrevista. Formada no Curso Normal em Tanabi no ano de 1972, cursou Pedagogia além de outros cursos oferecidos no período de férias. A professora Maria Terezinha trabalhou em escolas isoladas e teve experiências também em Grupos Escolares.

Por último, entrevistamos a professora Lourdes Rita de Paula Sanches Fernandes em sua casa. A professora havia anotado tudo o que iria falar na entrevista. Depois de olhar suas anotações, iniciamos a conversa. Formada em 1962, no Instituto de Educação Padre Fidélis em Tanabi, levada pela influência de seu gosto de trabalhar com pessoas e, sendo a única opção de continuar os estudos em Tanabi, formou-se normalista. Depois do curso Normal, realizou outros cursos, sempre buscando se aperfeiçoar em sua prática docente, entre eles a Pedagogia. Foi professora de Escolas Isoladas rurais, Grupos Escolares e Diretora escolar.

As conversas com os professores foram momentos muito especiais para eles e para a investigadora. Percebemos que os entrevistados ficaram felizes em compartilhar sua

23 Segundo a professora Mércia, essas escolas agrupadas normalmente tinham um pátio pequeno no meio e

uma classe de cada lado. De um lado tinha a cozinha que saía para o pátio; do outro, tinha a secretaria, que também saía para o pátio. De manhã, funcionavam normalmente a terceira e quarta séries, à tarde, a primeira e segunda séries.

24 Neste período como readaptada, trabalhava na secretaria da escola e ajudava na biblioteca entre outras

(33)

18

experiência. As lembranças sempre são permeadas pela emoção. Foi possível observar em vários momentos olhos lacrimejados. Como nos diz Thompson (2002), a entrevista contribui para a quebra de barreira entre o estudante ou a universidade e as pessoas da sociedade, que, certamente, conhecem mais sobre algo que se busca pesquisar. Além disso, é uma demonstração de valorização de pessoas da comunidade e de seus conhecimentos.

Todas as entrevistas foram gravadas em áudio. Isso, segundo Thompson (2002) permite que a história seja registrada por meio de palavras faladas, o que garante “vida na história”.

Após a realização das entrevistas, realizamos a transcrição literal de cada uma delas. O passo seguinte foi o da textualização, processo no qual acatamos a posição de Meihy (1996), retirando os vícios de linguagem, fazendo uma “limpeza”, fechando o texto da entrevista. Segundo Martins (2003), “são várias as textualizações (ou vários os momentos de uma textualização) possíveis. Um primeiro momento pode ocorrer apenas com a “limpeza” dos vícios de linguagem e inclusão, no texto, das perguntas do entrevistador.” (p.17). Assim, optamos por fazer apenas esse “primeiro momento” da textualização e manter as perguntas originais, não fazendo uma transcriação, que seria, segundo Garnica (2007), uma forma de textualização mais ousada. Ou seja, fizemos apenas uma textualização inicial que, de acordo com Garnica (2007), é o processo de

excluir do texto da transcrição alguns registros próprios da oralidade (usualmente chamados como “apoios”, “muletas” ou “vícios de linguagem”) e preencher algumas poucas lacunas que tornarão a leitura do depoimento mais fluente. (Garnica, 2007, p. 54)

Após a realização das entrevistas e concluído o processo de transcrição/textualização, encaminhamos os textos para os colaboradores realizarem a conferência e autorizarem o seu uso no trabalho. Os textos revisados foram incluídos no exame de qualificação e avaliados pelos membros da banca examinadora de qualificação. Nessa oportunidade, a banca solicitou que os textos fossem complementados com algumas informações pontuais, tais como: confirmação de algumas datas; nomes de municípios de algumas escolas citadas; cargos exercidos por entrevistados; distâncias de algumas cidades em que os professores trabalharam em relação a Tanabi-SP. Solicitamos aos entrevistados essas informações e as incluímos em notas de rodapé, para não alterar o texto já revisto e

(34)

19

autorizado. Com a finalização dessa nova etapa de negociações, os entrevistados assinaram a Carta de Cessão, na qual estão explicitados os compromissos assumidos pelo pesquisador e colaboradores: no CD, que integrará os exemplares finais da dissertação, constarão as transcrições (rubricadas pelos colaboradores) e o áudio das entrevistas. Além disso, as textualizações das entrevistas e as Cartas de Cessão, devidamente assinadas e com firma reconhecida, serão reproduzidas, respectivamente, nos Apêndice e Anexo desses exemplares. Essas decisões foram tomadas em comum acordo com os colaboradores.

Os textos das entrevistas apresentam muitas diferenças. Embora realizadas com o mesmo objetivo e tendo o mesmo encaminhamento, cada colaborador decidiu a forma de caminhar em sua narrativa e a investigadora respeitou suas escolhas. Esse respeito com as lembranças do entrevistado, também ocorreu no momento da conferência do texto. Cada um pôde, a seu modo, decidir o que era para ser mantido ou não no texto. Em alguns momentos houve uma negociação sobre a manutenção ou não de alguma parte do texto, porém a decisão final foi sempre do entrevistado, autor principal do texto.

Apresentando os capítulos

A nossa narrativa histórica foi escrita em quatro capítulos. No capítulo 1, intitulado “O município de Tanabi e suas escolas rurais”, apresentamos um cenário do sistema escolar daquele município. Para isso, evidenciamos aspectos históricos dessas escolas, dialogando com relatórios da Delegacia de Ensino, historiadores que se debruçaram sobre a cidade de Tanabi, autores que analisaram a constituição das escolas rurais no Estado de São Paulo e com narrativas de nossos entrevistados. Uma atenção especial foi data aos prédios escolares. Apoiados em Kossoy (2002), Benjamin (1994), dentre outros, apresentamos algumas leituras de documentos iconográficos de prédios escolares da região.

No capítulo 2, “Da formação ao cotidiano das escolas rurais: conversando com os professores” discutimos aspectos relacionados a práticas escolares realizadas pelos professores quando de sua atuação em escolas rurais. Para isso, inicialmente centramos nossa atenção em aspectos relacionados à formação desses professores e às dificuldades encontradas nos anos iniciais na profissão para, em seguida, adentrarmos em aspectos específicos de suas práticas escolares em escolas rurais. Além das contribuições das

(35)

20

narrativas dos entrevistados na composição deste capítulo, usamos trechos de relatórios de Inspetores de Ensino em visitas a essas escolas. Sobre o ensino, centralizaremos nossa atenção nas práticas desenvolvidas em salas multisseriadas. Nesta temática, dialogamos com o trabalho de Martins (2003).

No capítulo 3, intitulado “Práticas de ensinar e aprender Matemática em escolas rurais de Tanabi/SP”, dedicamos atenção especial às práticas relacionadas à Matemática, questão central de nossa investigação. As temáticas abordadas foram as evidenciadas pelas narrativas, que estão agrupadas em três itens: escrita de palavras e números; ensino e aprendizagem de operações aritméticas e ensino e aprendizagem da tabuada. Neste capítulo dialogamos com diversos autores de livros sobre metodologia do ensino da Matemática nas séries iniciais, dentre os quais encontram-se Toledo (1930); D’Ávila (1946); Aguayo (1947); Santos (1958); Castro et. al. (s/d), bem como com alguns textos de orientações elaborados por órgãos oficiais.

No capítulo 4, “Considerações Finais”, apresentamos algumas reflexões sobre as práticas de ensino de Matemática de nossos colaboradores, considerando, com Fiorentini (1995), que “cada professor constrói idiossincraticamente seu ideário pedagógico a partir de pressupostos teóricos e de sua reflexão sobre a prática” (p. 3). Em nossas reflexões apontamos para apropriações da Matemática Moderna que se entrecruzam com pressupostos da Escola Nova.

(36)

21

CAPÍTULO 1 – O MUNICÍPIO DE TANABI E SUAS ESCOLAS

RURAIS

“Se me perguntarem:

Você foi aluna de escola rural? Respondo, sem dúvida: Sim, com muito orgulho!” (A autora)

Com a proclamação da República em 1889, o Estado de São Paulo iniciou o funcionamento de escolas graduadas de nível primário: os Grupos Escolares. Símbolo da República, essas escolas modernas, urbanas e de qualidade revelam “uma política educacional de privilegiamento das cidades em detrimento da zona rural; isso em uma época em que cerca de 70% da população do Estado vivia no campo” (SOUZA, 1998, p. 51, apud SILVA, 2012, p. 126). Nas comunidades rurais, as únicas escolas mantidas pelo Estado eram as Escolas Isoladas.

Iniciadas ainda no Período Imperial, as Escolas Isoladas existiram em alguns locais até a segunda metade do século XX. Essa denominação caracteriza um tipo de escola que tinha apenas um professor para ensinar, em uma mesma sala, alunos de diferentes níveis de ensino. Eram as chamadas “classes multisseriadas”. Muitas vezes essas classes eram mistas, por atenderem meninos e meninas em um mesmo espaço, o que contrariava os padrões educacionais tradicionais praticados principalmente nos Grupos Escolares, que estabeleciam “como ideal escolar a separação dos alunos por gênero, tanto na formação das turmas como no currículo diferenciado” (SILVA, 2012, p. 111).

Durante o século XX, “embora continuassem sendo instaladas nas zonas urbanas, nos bairros populares, nas vilas industriais e nos núcleos de colonização”, as escolas isoladas eram associadas a escolas rurais, uma vez que era na zona rural que esse tipo de escola mista predominava. “Em 1924, por exemplo, funcionaram no estado de São Paulo 1.505 escolas isoladas, sendo que 283 eram urbanas e 1.222 rurais”, as mistas em “número igual a 1.211, enquanto 236 figuravam como masculinas e 58 exclusivamente femininas” (SOUZA, 2009, apud SILVA, 2012, p. 119-120).

O funcionamento das Escolas Isoladas rurais, no entanto, não contava com o auxílio financeiro do Governo, que investia mais nos Grupos Escolares. Segundo Demartini

(37)

22

(2009), “o Governo mandava o professor para o interior e esse professor ficava “solto”, sem qualquer apoio institucional; na prática, a escola funcionava às custas do mestre e da população” (p. 200).

A estrutura das Escolas Isoladas, em particular das rurais, era muito diferenciada da dos Grupos Escolares, símbolos de modernização da educação na República. Na maioria das Escolas Isoladas eram oferecidos apenas três graus de ensino (ou séries), ao contrário das quatro séries dos Grupos Escolares. Além disso, segundo Silva (2012), o estudante não tinha direito a nenhum certificado ou diploma oficial, que comprovasse que havia estudado em uma dessas escolas. Algumas professoras emitiam “de próprio punho e de forma improvisada, um ‘certificado’ de ‘conclusão’ do curso primário” para seus alunos (SILVA, 2012, p. 173). O discurso modernizador da Educação da República colocou “‘embaixo do tapete’” as Escolas Isoladas, “para não serem vistas” (SILVA, 2012, p. 172).

Na cidade de Tanabi, fundada em 1882, não havia inicialmente nenhuma escola. Segundo Caprio (2009), naquele período, como ocorria em outras partes do país, as famílias “dos mais abastados”, os fazendeiros ou donos de terra, contratavam professores particulares para os seus filhos. Os trabalhadores rurais não tinham acesso à educação. Segundo esse autor, no ano de 1908, Tanabi recebeu, provavelmente pela primeira vez, a visita de um Inspetor Distrital de Educação, o Prof. Joaquim Cândido da Corte e Brito, que tinha o objetivo de conhecer as necessidades educacionais da região. Tratava-se da visita oficial de um representante da Secretaria do Interior, criada após a República, e que tinha a responsabilidade pelas questões educacionais do Estado. Ao que tudo indica, no entanto, a visita do inspetor não chegou a mudar a situação educacional da região. A primeira Escola Isolada de Tanabi seria criada apenas em 1921.

Tanabi: Rio das Borboletas?

“Rio das divinais borboletas - Diz seu nome em Tupi-Guarani, E, é assim que a decantam seus poetas: Tanabi! Tanabi! Tanabi! (...)”

(Trecho do Hino do Município)

(38)

localiza-23

se a Noroeste do Estado de São Paulo, como mostra a Figura 6. A maior parte de sua população - em torno de 21.000 pessoas - vive na zona urbana. É uma cidade plana, com muitas casas térreas e um prédio. Muitas ruas tranquilas e poucas avenidas. Na praça central encontra-se a matriz de Nossa Senhora da Conceição. Tranquilidade e simplicidade são características de grande parte de sua população que, formada inicialmente por índios que viviam na região, foi sendo habitada por espanhóis, italianos, portugueses, sírios, libaneses, japoneses, negros e índios (CAPRIO, 2009, p. 349). A cidade completou 130 anos em 2012.

Figura 6 - Mapa do Estado de São Paulo, (sd) com Tanabi em destaque

Fonte: Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:SaoPaulo_Municip_Tanabi.svg. Acesso em: 01/08/2011.

Tanabi é uma palavra de origem tupi-guarani, que significa “o lugar onde habitam as borboletas” ou “Rio das Borboletas”. “Opananbi” ou “Panambi” refere-se a borboletas, que na língua indígena pode ser traduzida como “orelha que voa” ou “orelhas voadoras”, por ser a borboleta associada a um par de orelhas em movimento. As margens do rio Jatai25, no município de Tanabi, eram habitadas por grande número de borboletas amarelas onde, ainda hoje, é possível encontrá-las (CAPRIO, 2003, p. 69-70).

Uma outra versão para o nome Tanabi é apresentada no Relatório da Delegacia Regional de Rio Preto, de 1933. Segundo ele, Tanabi é uma corruptela de Tanambi, que significa fruta áspera. “Isso em razão de haver nas redondezas do povoado ‘abundancia de

25 A região de Tanabi tem duas grandes bacias hidrográficas: a da Fortaleza, onde nasce o Rio Jataí, e da

Cachoeira dos Felícios. A região possui grande número de rios, riachos, regatos e afloramentos de água naturais e está implantada sobre o grande e fantástico Aquífero Guarani. (CAPRIO, 2009, p. 347)

Referências

Documentos relacionados

Ao reconhecerem que as preocupações da arte contemporânea se assemelham às ações e aos exercícios críticos do espaço público, bem como alguns conceitos da história

• Taxa de falsos positivos: quantidade de imagens em que o detector considerou regiões incorretas da imagem como sendo as narinas, dividida pela quantidade total de imagens

O Instituto Agos, instituição mantida pela Fundação Educacional Lucas Machado (FELUMA), comunica que serão abertas as inscrições para preenchimento de vagas nos programas

Encontra-se atualmente a frequentar o Mestrado em Ensino na Escola Superior de Música, Artes e Espectáculo do Porto e é professor de Piano no Centro de Cultura Musical

9 Tabela 21 - Média da duração em milissegundos das vogais pretônicas e postônicas [a] do PB e PE, assim como o desvio padrão...113 Tabela 22- Média dos valores em Hertz de F1 e

Nesse cenário, a prática regular de atividade física, por parte dos trabalhadores, precisa tornar-se uma constante, visto que os benefícios advindos dessa prática

Sendo assim, o estudo foi capaz de detectar a presença de dois pólos referentes às orientações da tarefa e do ego, demonstrando que o Questionário de Percepção

De acordo com o mesmo autor, devem ser analisadas constantemente as ameaças e oportunidades do mercado externo. O diagnóstico pode ser interno ou externo, para a empresa ter