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Mundo letrado, mundo desejado: alfabetização e trajetórias de vida

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Academic year: 2021

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(1)PATRÍCIA BARCELOS MARTINS. MUNDO LETRADO, MUNDO DESEJADO: ALFABETIZAÇÃO E TRAJETÓRIAS DE VIDA. FLORIANÓPOLIS - SC 2006.

(2) PATRÍCIA BARCELOS MARTINS. MUNDO LETRADO, MUNDO DESEJADO: ALFABETIZAÇÃO E TRAJETÓRIAS DE VIDA Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina, na linha de pesquisa Educação e Movimentos Sociais, como requisito parcial à obtenção do título de mestre. Orientadora: Profa. Dra. Sônia A. Branco Beltrame. FLORIANÓPOLIS - SC 2006.

(3) PATRÍCIA BARCELOS MARTINS. MUNDO LETRADO, MUNDO DESEJADO: ALFABETIZAÇÃO E TRAJETÓRIAS DE VIDA COMISSÃO EXAMINADORA _______________________________________ Profa. Dra. Sônia A. Branco Beltrame Orientadora _______________________________________ Profa. Dra. Cristiana Tramonte Examinadora _______________________________________ Prof. Dr. Willer Barbosa Examinador. FLORIANÓPOLIS - SC 2006.

(4) Dedicatória À memória de minha querida avó Palmira Corrêa Martins, que com sua história de vida inspirou-me a abordar a temática da alfabetização, privilegiando a perspectiva dos desejos dos educandos adultos, dedico este trabalho com todo meu amor e saudade....

(5) AGRADECIMENTOS. A Deus, por todas as bênçãos concedidas a mim, pela força nos momentos difíceis e pelas alegrias advindas de muitas conquistas. A meu marido, pela compreensão nos momentos de ausência, pelo companheirismo, por sua dedicação e tempo despendidos para a formatação desta dissertação. Ao meu querido filho Abel, concebido durante o percurso desta pesquisa, que com sua alegria contagiou-me e incentivou-me a ultrapassar os diversos obstáculos desta etapa. Aos meus pais, Nilton Martins e Maria Enéa Martins, por suas motivações em todos os momentos de minha vida. Pelo amor constante, pelos cuidados com o Abel, pelas refeições oferecidas, pelo carinho, pelas idas e vindas à universidade. Ao meu irmão, Rafael, pelo carinho e cuidados concedidos ao Abel, que me fez sentir mais confortável para alongar as horas de estudos e leituras. À minha colega de profissão, Rosana, comprometida pedagoga, que com seu carinho e paciência contribuiu para a realização desta conquista. À Sônia, minha orientadora, pela sensibilidade no trato na relação ensinoaprendizagem. Por sua dedicação, horas de trabalho, e comprometimento pela elaboração deste estudo. À Cristiana e ao Willer, por aceitarem apreciarem minha pesquisa com tanta acuidade. Aos meus amigos, em especial à Fernanda, que de forma direta e indireta participaram deste processo, auxiliando-me na redação e compreendendo meus momentos de angústias, ausências e dúvidas..

(6) Sonhar não é apenas um ato político necessário, mas também uma conotação da forma histórico-social de estar “sendo” de homens e mulheres, que faz parte da natureza humana que, dentro da história, se acha em permanente processo de tornar-se. (FREIRE)..

(7) MARTINS, Patrícia Barcelos. Mundo letrado, mundo desejado: Alfabetização e trajetórias de vida. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2006.. RESUMO. Este estudo trata de uma investigação acerca dos desejos de trabalhadoras e trabalhadores, quanto ao fato de se alfabetizarem. Partindo da perspectiva de que não é somente a inserção e ascensão profissional que conduzem esses adultos a se alfabetizar, essa pesquisa busca conhecer suas reais expectativas diante de um espaço que os estimulem na prática da leitura, da escrita e dos cálculos. Dentre os trabalhadores participantes do curso de alfabetização desenvolvido por uma empresa de manutenção e limpeza pública de Florianópolis, foram selecionados para este estudo, quatro sujeitos (três mulheres, e um homem) para compor o cenário de investigação. Esses protagonistas, através do relato de suas histórias de vida, contribuíram para o delineamento de um universo que retratou o ato por se alfabetizar, como um passo para satisfazer outros desejos tais como: bem-estar pessoal, liberdade, inclusão e reconhecimento social. Os adultos alfabetizandos desta pesquisa desejam interagir com as outras pessoas não numa relação de dependência, mas numa relação de troca, onde possam compartilhar experiências e conhecimentos que os permitam perceberem-se como agentes capazes de gerirem suas próprias vidas, para assim, poderem intervir na sociedade. O desejo por se alfabetizar se apresenta como um mecanismo para a transposição de obstáculos que o mundo letrado impõe. Quando o indivíduo busca se alfabetizar ele anseia em atender as necessidades que perpassam a vida cotidiana. A satisfação dessas necessidades se configura como um direito, garantido por lei a todos os cidadãos. A pesquisa apontou que ao longo de suas vidas, esses sujeitos foram criando estratégias de sobrevivência para dar conta de uma lacuna social. Isso revela o potencial criativo desses adultos, demonstrando que seus conhecimentos também são elementos fundamentais no exercício de práticas diárias. Além disso, foi possível compreender o significado que esses indivíduos atribuem ao mundo letrado quando se trata da conquista por uma auto-estima mais elevada, bem como, por maior inserção e participação social..

(8) MARTINS, Patrícia Barcelos. Lettered world, desired world: Alphabetizing and ways of the life. Dissertation (Master in Education) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2006.. ABSTRACT. This study deals with an inquiry concerning the desires of workers, regard to the fact of alphabetizing themselves. Starting from the perspective that it is not only the insertion and professional ascension that lead these adults to alphabetizer themselves, this research focus on knowing its real expectations facing a space which stimulates them in the reading practice, the writing and the calculations. Among the workers, who are participants of the alphabetizing course developed by a public maintenance and cleaning company of Florianópolis, were selected for this study, four citizens (three women, and a man) to compose the inquiry scene. These protagonists, through the telling of their life history, have contributed for the outlining of a universe which portrayed the act to be alphabetized, as a step to satisfy other desires such as: personal well-being, freedom, inclusion and social recognition. The literate adults of this research are looking forward to interact with the other people not in a relation of dependence, but in a relation of exchange, where they can share experiences and knowledge, which allow them to realize themselves as agents able to manage their own lives, thus, they will be able to interpose in the society. The desire for alphabetizing is presented as a mechanism for the transposition of obstacles that the scholar world imposes. When the person seeks for alphabetization he wishes he will be able to deal with tasks which beyond the ones of his daily life. The fulfilling of such necessities is built as a right, guaranteed by the law to all the citizens. The research pointed that throughout their lives, these citizens created survival strategies to be able to fill out a social gap. It all shows the creative potential of these adults, demonstrating that their knowledge is also a basic element in the exercise of daily practice. Moreover, it was possible to understand the meaning that these individuals attribute to the scholar world, when it is related to the conquest of bigger auto-esteem, as well as, of a wider social participation..

(9) SUMÁRIO. INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10 CAPÍTULO I: A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E SEUS CONTEXTOS ..... 18 1.1 As Interfaces da Educação............................................................................................... 18 1.2 O Analfabetismo em Debate ............................................................................................ 21 1.3 O Contexto Histórico da Educação de Jovens e Adultos .............................................. 25 1.3.1 Contexto Internacional .................................................................................................... 33 1.3.2 Contexto da América Latina............................................................................................ 36 1.4 Conceitos Fundamentais na EJA .................................................................................... 38 CAPÍTULO II: REFLEXÕES SOBRE O DESEJO DE APRENDER .............................44 2.1 Aspectos Filosóficos do “Desejo” .................................................................................... 44 2.2 Aprendendo com Freire ................................................................................................... 51 2.3 Abordagens Teóricas sobre o “Desejo de Aprender” ................................................... 58 CAPÍTULO III: O DESEJO DE APRENDER NAS TRAJETÓRIAS DE VIDA DOS SUJEITOS INVESTIGADOS ............................................................................................... 75 3.1 Perfil dos Sujeitos Pesquisados........................................................................................ 75 3.2 Desejos ............................................................................................................................... 79 3.2.1 Desejo por bem-estar pessoal através do fortalecimento da auto-estima, e do reconhecimento social. ............................................................................................................. 80 3.2.2 Desejo por liberdade/ autonomia e pelo afastamento dos sentimentos de vergonha.......89 3.2.3 Desejo por melhor sobrevivência através da não exclusão das simples atividades do cotidiano. ............................................................................................................................. 93 3.2.4 Desejo por se socializar e conviver ................................................................................. 98 3.2.5 Desejo pelos saberes e por continuar os estudos ........................................................... 103 CAPÍTULO IV: AS ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NUM MUNDO LETRADO ............................................................................................................................ 111 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................123 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................................127 ANEXOS ............................................................................................................................... 132 ANEXO A - Tabelas sobre a situação do analfabetismo no Brasil ..................................132 ANEXO B - Cartões confeccionados pelos educandos ...................................................... 136.

(10) INTRODUÇÃO. Esse estudo se baseou numa investigação acerca dos desejos que mulheres e homens trabalhadores de uma empresa de manutenção e limpeza pública de Florianópolis1, possuem em relação ao fato de se alfabetizarem. Partindo da perspectiva de que não é fundamentalmente a inserção e ascensão profissional que constituem a base desses desejos, a problemática dessa pesquisa girou em torno da seguinte questão: O que realmente desejam e mulheres e homens trabalhadores, ao procurarem se alfabetizar num mundo letrado? Tal investigação se direcionou a compreender as origens dos desejos e motivações dos educandos diante do processo de alfabetização, através das análises das estratégias de sobrevivência na situação de ainda não-alfabetizados, bem como, de suas trajetórias de vida em seus diferentes contextos sociais: família, trabalho, escola, lazer, igreja. O princípio dessas reflexões se manifestou, ainda que de forma incipiente, no ano de 2000 com meu envolvimento como coordenadora pedagógica no projeto de educação de adultos, o qual era promovido pela Organização Não Governamental (ONG) da Legião da Boa Vontade (LBV) situada em Florianópolis. Tal projeto objetivava estimular nos adultos o desenvolvimento de capacidades que envolvessem o uso da escrita, da leitura e dos cálculos. O grupo de alfabetização era composto somente por mulheres, totalizando no número de 10 participantes. Todas possuíam mais de quarenta anos de idade e a maioria, apesar de residir próximo a LBV, que se situa no bairro do Estreito, caminhava cerca de 20 minutos para participar das aulas. Os encontros eram apenas uma vez por semana, nas quintas-feiras, das 14:00 às 16:00 horas. A primeira hora era dedicada ao ensino da língua portuguesa e a segunda hora aos cálculos matemáticos. Essas duas horas passavam muito rápidas e a todo instante as educandas requisitavam - me para o esclarecimento de dúvidas. O esforço para estarem em sala de aula era visível, as bocas bocejantes, as pernas cansadas; mas um brilho indescritível no olhar estava sempre presente, motivando-as a perseverar no processo de alfabetização. Em um dos encontros, após o horário da aula, no momento do cafezinho, ressoou aos meus ouvidos a declaração de uma senhora de que para ela “não havia bem maior que uma pessoa poderia possuir do que saber ler e escrever” e ainda 1. Quando me referir a essa Empresa de Limpeza Pública de Florianópolis, grafarei apenas “empresa”..

(11) 11. confessou que “tinha inveja de quem sabia ler e não de quem possuía uma casa bonita”. A partir destas palavras muitas inquietações foram se acumulando: Como oferecer uma possibilidade de mudanças a essas pessoas? Quais as expectativas dessas pessoas não alfabetizadas acerca da vida? Como a ausência de escolarização exerceu influência em suas trajetórias de vida? Conduzida por esses questionamentos comecei a perceber ao meu redor pessoas semelhantes às senhoras da LBV e deparei-me com minha avó. Palmira era uma mulher forte, com seus 68 anos de idade, bem-humorada e detentora de um sonho reprimido: ler livros e escrever sua própria história. Nos poucos momentos que nos encontrávamos esse sonho ia sendo revelado, e gradativamente começávamos a escolher umas revistas para ler, e a escrever suas informações pessoais. Juntas desmistificamos aquilo que ela, ou melhor, os outros: maridos, filhos, a haviam inculcado - de que nada sabia, além de cuidar da casa. Suas experiências, técnicas de culinária, seus conhecimentos de ervas e plantas, seu jeito de contar estórias infantis, sua coragem e memória impressionantes, mostravam o potencial que havia nesta mulher. No ano de 2001, desvinculei-me do projeto por incompatibilidade de horários e em março de 2004 minha avó faleceu. O tempo passou, mas em mim permaneceu o anseio de contribuir para que a educação de adultos se torne uma temática mais abordada. Feitosa (2001) justifica a relevância do tema, dizendo que a alfabetização de adultos é uma área que possui muito espaço para ser trabalhada e que ainda é pouco explorada se comparada a outras temáticas educacionais. Fernandes (2002) atribui a inércia em que se encontra a área das políticas públicas acerca da alfabetização de adultos, à desvinculação conceitual e operativa entre seus objetivos e a descontinuidade das ações governamentais. No campo da abordagem teórica, essa pesquisa foi sustentada pelas contribuições de autores dedicados a discutir a questão da educação, da alfabetização, do letramento e dos desejos. Dentre os autores podemos destacar: Paulo Freire, Sérgio Haddad, Vera Maria Masagão Ribeiro, Magda Soares, Luiz Percival de Leme Britto, Leda Verdiani Tfouni, Dorgival Fernandes, Dermerval Saviani, Álvaro Vieira Pinto, Giroux, Dumouliè. Para realização deste estudo, começamos a pesquisar no Centro de Educação – CED, da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, a existência de um projeto de alfabetização. Após o conhecimento da existência de um projeto desenvolvido com.

(12) 12. trabalhadores de uma empresa de limpeza pública de Florianópolis, que tratava de estimular nos educandos adultos habilidades que envolvessem o uso da leitura, da escrita e dos cálculos, decidimos extrair desse campo os sujeitos que fizeram parte do universo investigativo desta dissertação. Essa opção se embasou no fato de que este grupo de alfabetizandos já estava organizado formalmente em locais e horários específicos, o que se constitui como um fator facilitador que nos permitiu planejar a referida investigação. Outro fator que contribuiu para essa eleição, foi a estratégica localização dos estabelecimentos onde ocorriam as aulas de alfabetização, situados em regiões de fácil e rápido acesso. Diante dessa acessibilidade, economizamos tempo de locomoção, permitindo maior contato direto com os sujeitos da pesquisa. Porém, esse aspecto facilitador se concentrou mais no início da pesquisa, pois no decorrer das entrevistas, as visitas ocorreram nas residências dos pesquisados que se situam em bairros periféricos, distantes do centro da cidade de Florianópolis. Uma das razões mais fortes da escolha por este campo de pesquisa foi a faixa etária dos alfabetizandos da empresa, que se apresentou entre os 40 e 60 anos. O enfoque no adulto adentrando para a fase da “meia-idade2”, pretende voltar os olhares para os interesses de mulheres e homens que já possuem uma trajetória de vida mais extensa, composta de diversos conhecimentos e experiências passíveis de serem compartilhados. Do interior desse campo de pesquisa elegemos quatro indivíduos para comporem o núcleo dos sujeitos pesquisados. A seleção desses integrantes resultou em três mulheres e um homem, os quais através de conversas informais foram revelando, além de suas histórias de vida relacionadas à condição de escolaridade; também os seus próprios desejos, medos e anseios. A decisão de analisar somente quatro sujeitos3 foi em função da profundidade que se requer o estudo da história de vida. Abarcando um número maior de sujeitos, poderíamos 2. Segundo Erikson (1994, p.8), “a vida adulta se divide em três fases evolutivas: adulto-jovem (até os 40 anos), meia-idade (dos 40 anos aos 59) e a velhice (posterior aos 59 anos de idade)”. 3 No final do mês de dezembro do ano de dois mil e quatro, houve a formatura dos alfabetizandos do projeto da referida empresa, que ocorreu no bairro do Itacorubi – Florianópolis. Nesta ocasião, aproveitamos para cumprimentar a todos os alfabetizandos pelos esforços despendidos durante todo o curso e conversamos com quatro dos alunos sobre a possibilidade de suas participações nesta dissertação. Verificando que havia bastante receptividade por parte destes selecionados, os informamos que iríamos entrar em contato para o agendamento das respectivas entrevistas. Assim, na primeira semana de maio de 2005 foi efetuada a pesquisa de campo, iniciando com João, seguindo com Maria, depois Marta e por último, Joana..

(13) 13. comprometer a qualidade dos detalhes e minúcias imbricadas nas trajetórias dos alfabetizandos, ofuscando o brilho de cada experiência e relato. Outro critério adotado nesta seleção foi a observação ao grau de escolaridade apresentado pelos alfabetizandos. Procuramos nos educandos elencar aqueles que nunca freqüentaram a escola até aqueles que completaram a quarta-série primária, mas que, por desuso regrediram no desenvolvimento da leitura e da escrita (no total de 12 alfabetizandos, apenas dois se enquadravam neste último perfil). Além disso, o fator da predisposição por parte dos alfabetizandos em participar da pesquisa foi também um forte determinante na escolha do seu elenco. O cunho desta investigação foi de caráter qualitativo, pois através de histórias de vida, segundo Ludke (1986, p.13), “são obtidos dados descritivos, colhidos no contato direto do pesquisador com a situação estudada. A preocupação, neste caso, está em retratar as perspectivas dos participantes (...)”. A principal fonte de pesquisa, identificada como a que poderia oferecer mais informações que atendessem aos objetivos definidos neste estudo, é a história de vida transmitida pelos próprios sujeitos protagonistas de suas trajetórias. De acordo com Becker (1997, p.102), “a história de vida se aproxima mais do terra-a-terra [...]”. Neste sentido, por se preocupar em compreender os significados culturais de um grupo, que segundo Ludke (1986, p.15), “procura verificar as manifestações nas atividades, nos procedimentos e nas interações cotidianas”, esse estudo se orientou por um recorte etnográfico que busca o entendimento das relações, através das diversas formas de linguagens. Advinda desta perspectiva, a intenção de conduzir essa pesquisa foi impulsionada na direção de ouvirmos dos sujeitos em processo de alfabetização, suas histórias nos diferentes contextos sociais, buscando tecer fios, na tentativa da compreensão do que desejam os adultos diante dessa nova etapa. Assim, a possibilidade da pesquisa apontar para os reais anseios e desejos que conduzem mulheres e homens a se alfabetizarem, vem ao encontro de desmistificar a idéia de senso comum, de que é fundamentalmente em função da ascensão e inserção profissional,.

(14) 14. indicando para outra razão de forte impacto sobre os alfabetizandos: o desejo voltado para auto-estima e reconhecimento social. O momento da aproximação inicial com o campo de pesquisa é de fundamental relevância para a seleção dos protagonistas que dão vida à pesquisa4, conforme defende Minayo (1994). Durante os seis encontros com o grupo de alfabetização, fomos vivenciando um movimento de familiarização e aproximação com o campo de pesquisa, procurando aliá-lo a um movimento inverso de estranhamento, que busca um projetar um olhar de observação, investigação, importante para quem está na condição de pesquisador. A partir do terceiro encontro mencionamos aos alfabetizandos que necessitaríamos de participantes que pudessem integrar o campo de análise de pesquisa, e solicitamos que cada um refletisse sobre a possibilidade e disposição de contribuírem com suas histórias de vida. No instante dessa explanação, já pudemos detectar algumas reações que, com certeza, também influenciaram na escolha dos pesquisados, como uma fala bem baixinha de uma senhora que disse: “Tomara que seja eu a escolhida. Você marcou meu telefone?”. Diante dessa explícita predisposição, optei em selecionar a referida mulher, por entender que havia dentro de seu íntimo um intenso desejo de discorrer sobre sua própria história. A observação das diferentes formas de linguagens não verbais, traduzidas pelos alfabetizandos em gestos, sorrisos, sussurros, bocejos e olhares, foi companhia constante em nosso percurso de coleta de informações, no qual utilizamos o instrumento de diário de campo para efetuar os registros. Pensamos, num primeiro momento, em retratar o cenário da vida dos alfabetizandos através de fotografias. No entanto, por percebermos que havia certa preocupação por parte dos investigados em relação ao sigilo das identidades, decidimos aderir a nomes fictícios e abandonar o registro visual durante a pesquisa. Com o intuito de obtermos informações verbais com os sujeitos pesquisados, utilizamos a técnica da entrevista, que na visão de Gil (1989), permite maior liberdade ao pesquisado para expressar aquilo que ele [o investigado] mesmo considera mais marcante em sua trajetória de vida.. 4. Diante dessa consideração, gradativamente, nos aproximamos dos adultos alfabetizandos trabalhadores da empresa, através das demonstrações de afeto, das manifestações de incentivos e do próprio auxílio na confecção das tarefas de leitura, escrita e desenhos, durantes os encontros em sala de aula do curso de alfabetização..

(15) 15. As quatro entrevistas foram efetuadas nas residências dos pesquisados, por entendermos que este seria o local que eles estariam mais à vontade para relatarem suas histórias. As entrevistas foram reproduzidas em gravador para facilitar a coleta de todas as informações fornecidas. Antes de expormos o aparelho de gravação no início de cada entrevista, explicamos aos entrevistados os benefícios que tal procedimento traria à pesquisa. Após isso, averiguamos que os participantes estavam decididos a colaborar efetivamente com a investigação, pois todos aceitaram de imediato a gravação. O cuidado principal no momento da entrevista foi de promovermos um ambiente propício ao diálogo que permitisse ao entrevistado revelar somente aquilo que desejasse. A entrevista apesar de seguir uma ordem cronológica, abordando questões sobre as fases da infância, juventude e fase adulta dos alfabetizandos, se caracterizou por ser informal, permitindo ao investigado conduzir o relato de sua própria história. Essa postura é defendida por Macedo (1986, p.14) que comenta: Meu roteiro, era, porém, procurar caminhar ao máximo sem o roteiro, deixando que as próprias pessoas fossem me conduzindo para dentro da realidade delas e, assim, construindo um pouco comigo a própria realidade do projeto de investigação.. Para melhor visualizarmos todo material que foi coletado e analisado, estruturamos este estudo em quatro capítulos. O primeiro capítulo tratou de uma breve discussão sobre as interfaces da educação, incitando um estudo sobre o analfabetismo no Brasil. Na seqüência, apresentamos os índices e percentuais que retratam a situação do analfabetismo. Com o intuito de compreender melhor a existência desses índices, procuramos traçar um panorama histórico-político sobre a situação da Educação de Jovens e Adultos (EJA) - educação esta na qual a temática da alfabetização se insere - contemplando as suas inter-relações com os contextos nacionais e internacionais. Com esse resgate pudemos ampliar os olhares acerca da alfabetização sob lentes mais criteriosas, no que tange os discursos das políticas públicas nos impactos sociais da redução das taxas do analfabetismo. Oportunizamos também um espaço, neste capítulo, para apresentar uma discussão a respeito das diversas conceitualizações em torno do ato de aprender na EJA – letramento, alfabetização, alfabetismo e analfabetismo - objetivando com isso, estabelecer um diálogo consistente com os estudos que abordem o saber ler e escrever e suas implicações na prática social..

(16) 16. No segundo capítulo efetuamos uma explanação filosófica a respeito da categoria “Desejos”, por entendermos que ao compreender as expectativas que os adultos possuem em relação ao fato de se alfabetizarem, se faz necessário discorrer acerca dos desejos humanos, suas origens, amplitudes e desdobramentos. Ainda neste capítulo, consta um estudo baseado em determinadas pesquisas já realizadas sobre o desejo de aprender de adultos, à luz de diversos teóricos, abarcando as dificuldades e motivações deste público de educandos. Neste momento, discutimos questões relativas ao contexto dos alfabetizandos como: interiorização pela culpa do fracasso escolar, valorização dos seus conhecimentos prévios, bem como, as especificidades dos desejos acerca do aprender. Finalizando este capítulo, apesar de citado por diversas vezes durante este estudo, separamos um tópico para tratar da percepção do Educador Paulo Freire sobre a alfabetização e o analfabetismo, destacando sua visão crítica de transformação social e de conscientização que pode e deve ser difundida na e pela educação. Dentro do terceiro capítulo reservamos um espaço para apresentar os perfis dos sujeitos participantes da pesquisa, identificando suas singularidades, a fim de contextualizar o leitor sobre os protagonistas das trajetórias de vida relatadas. Nesta parte, registramos as diversas especificidades dos desejos presentes nas histórias desses adultos investigados, abordando seus medos, sonhos não realizados, expectativas, dificuldades, frustrações, anseios e motivações em torno do aprender. Neste momento, descrevemos os desejos dos participantes da pesquisa em categorias, apenas como recurso didático, o que corroborou para as análises dos discursos à luz das diferentes abordagens teóricas. O último capítulo tratou das estratégias utilizadas pelos adultos pesquisados, ainda enquanto não alfabetizados, para sobreviverem diante das imposições de um mundo letrado. Nestas reflexões, destacamos a importância dos conhecimentos acumulados ao longo da vida desses educandos na construção de outras habilidades e saberes potenciais que se mostraram fundamentais em suas vivências. Tanto neste capítulo quanto no anterior, procuramos estabelecer um entrelaçamento entre as trajetórias de vidas, destacando os aspectos em comuns, bem como, as peculiaridades e subjetividades envolvidas em cada história. Essas análises encaminharam-se para o eixo central desta pesquisa, ao identificar que esses adultos não priorizam a questão da inserção ou ascensão profissional quando procuram se alfabetizar. As falas dos sujeitos foram tecendo um conjunto de argumentos que apontam.

(17) 17. para outras necessidades em relação às expectativas com a alfabetização, que não somente a construção do percurso profissional. As questões que nortearam as análises desta pesquisa foram retomadas e sistematizadas neste último capítulo, assegurando que, foi também possível compreendermos as emoções e sentimentos dos alfabetizandos através de marcantes expressões e palavras relatadas. Em suma, essa dissertação procurou abordar as questões da alfabetização/letramento tendo como ponto de partida o resgate dos desejos e experiências dos sujeitos alfabetizandos. Finalizamos o estudo, sugerindo a urgência da incorporação desses direcionamentos tanto nas práticas pedagógicas quanto nos debates de políticas públicas para a EJA, a fim de aproximar a realidade e expectativas dessas mulheres e homens ao seu processo de ascensão pessoal no mundo letrado..

(18) CAPÍTULO I: A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E SEUS CONTEXTOS. A educação é um direito fundamental de todos, mulheres e homens, de todas as idades, no mundo inteiro. Cada pessoa, criança, jovem ou adulto, deve estar em condições de aproveitar as oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas da aprendizagem. (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura - UNESCO, 2003, p. 03).. A constituição Federal do Brasil de 1988 incorporou como princípio que toda e qualquer educação deve visar o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Assim, a EJA, modalidade estratégica do esforço da nação em prol de uma igualdade de acesso à educação como bem social, participa deste princípio e sob esta luz deve ser considerada. 1.1. As Interfaces da Educação Tanto alfabetizados quanto não alfabetizados exercem práticas sociais similares,. porém a forma e o nível destas relações é que são heterogêneos, pois cada indivíduo apresenta contextos, histórias, experiências peculiares, conforme visualiza Tfouni (1995). Dominando ou não as habilidades de leitura e escrita, os indivíduos vivem em um mundo letrado, e apesar de não estarem integrados a ele, estão inseridos nele. Essa busca pela integração pode ocorrer através do processo de educação. Essa integração, promovida pela educação, deslumbra aspectos paradoxais. Sobre estes aspectos, Pinto discorre (2003, p.30): A educação é o procedimento pelo qual a sociedade se reproduz ao longo do tempo, contudo, neste processo de auto-reprodução está contida uma contradição: ela transmite o que já sabe, transmitindo também o aspecto da criticidade, neste ponto ela deixa espaço para o progresso social.. De acordo com esta citação, percebemos a existência do duplo aspecto do fato social da educação onde, ao se incorporar os indivíduos ao estado de conservação através da manutenção das tradições e crenças; transmite-se, simultaneamente, os princípios da renovação e da criatividade, apontando assim, para a oportunidade de mudanças. Desta forma, a necessidade de se romper com o equilíbrio do presente, sem deixar de valorizar os vários conhecimentos já adquiridos no passado, como a cultura, por exemplo, se constitui como uma mola propulsora dentro do ciclo do aprendizado..

(19) 19. Sustentando esse pensamento, é essencial na abordagem que Freire faz da alfabetização, uma relação dialética dos seres humanos com o mundo, por um lado; e com a linguagem como ação transformadora, por outro. Dentro dessa perspectiva, a alfabetização segundo Freire& Macedo (1990, p.07, grifo nosso), não é tratada meramente como uma habilidade técnica a ser adquirida, mas como fundamento necessário à ação cultural para a liberdade, aspecto essencial daquilo que significa ser um agente individual e socialmente constituído.. Através das relações sociais o homem vai constituindo seus conhecimentos, valores e crenças e num movimento de interação vai permitindo, simultaneamente, que os conhecimentos já existentes possam ser modificados, aperfeiçoados ou ampliados. Conforme argumenta Pinto (2003), a sociedade utiliza-se da educação para perpetuar a sua cultura. O homem educado pela sociedade modifica esta mesma sociedade como resultado da própria educação que tem recebido dela. Esse processo interativo não existe por acaso, mas como produto da ação dos homens, protagonistas da história. Se os homens são produtores desta realidade e se esta, na inversão da práxis, se volta sobre eles e os condiciona, podem transformar a realidade opressora, é tarefa histórica, é a tarefa dos homens. (FREIRE, 1980, p.39, grifo do autor).. O conjunto dos dados da cultura se torna socialmente consciente através das ações dos homens pela expressão da linguagem. Através da linguagem o homem generaliza e transmite o conhecimento acumulado pela história social da humanidade que, conforme Giroux (1990, p.08): Tem um papel ativo na construção da experiência e na organização e legitimação das práticas sociais disponíveis aos vários grupos da sociedade. A linguagem é o verdadeiro recheio da cultura e constitui tanto um terreno de dominação quanto um campo de possibilidades.. A partir do momento em que essa expressão da linguagem se focaliza exclusivamente na reprodução do rendimento da produção do sistema capitalista, é que percebemos a face de dominação e alienação da educação..

(20) 20. Essa concepção limitada não visa preparar o indivíduo para o exercício da cidadania5, e sim, para mantê-lo a serviço da economia e do consumo. Quando o adulto não apresenta mais possibilidades de render ao sistema, ele é fadado a permanecer na condição de analfabeto. Por isso, os descasos com a continuidade na educação de adultos que já se encontram na meia-idade, adentrando a fase da velhice, é mais alarmante, conforme os índices do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que serão apresentados mais adiante nesta pesquisa. Essa situação ilustra as palavras do senador Darci Ribeiro, em ocasião do encerramento do “Congresso Brasileiro de Educação” organizado pelo grupo de estudos e trabalhos em alfabetização em 1990, nas mobilizações que marcaram o Ano Internacional da Alfabetização: “Deixem os velhinhos morrerem em paz! Deixem os velhinhos morrerem em paz!” Portanto, se as políticas públicas se concentrarem apenas na educação fundamental regular das gerações atuais, o que será da geração que está posta, que não conseguiu em seu tempo se escolarizar? Não há a preocupação em alfabetizar quem já não irá mais participar do mercado de trabalho. Essa forma de pensar, na interpretação de Freire (2001), considera a alfabetização como um processo de encaixar o indivíduo na sociedade, ao invés de promover a libertação que permite o homem inferir na sociedade. A educação para a domesticação é apenas um ato de transferência de conhecimento, já salienta Freire (1987); enquanto a educação para a libertação é um ato de conhecimento e um método de ação transformadora que os seres humanos devem exercer sobre a sociedade. Essa ação transformadora muitas vezes requer que se rompa com os paradigmas e se crie uma nova situação. Já em outros momentos, não há a necessidade de se destruir, mas de se fragmentar e alinhavar as mesmas partes somente em posições diferentes ou ainda de se adicionar novas partes às já conhecidas. Assim, quando visualizamos a situação do analfabetismo, podemos criar uma nova situação: a da alfabetização. Mas isso não implica em “destruir” os conhecimentos dos analfabetos, ao contrário, a partir desses conhecimentos podemos alinhavar outras esferas de saberes. São inúmeras as possibilidades que a educação permite que a ação transformadora seja utilizada. No entanto, o que se deve estar alerta nos 5 Cidadania é uma categoria complexa, a qual entrelaça, segundo Hobbes (1993), diversas discussões acerca de direitos, política, equidade e desigualdades. Contudo, apesar de não abrirmos debates sobre o referido tema nesta dissertação, por considerar que tal ato exigiria intenso aprofundamento, destacamos pertinente seu estudo ao leitor..

(21) 21. contextos educacionais (nacionais e internacionais) é para que a educação seja oportunizada a todos com o intuito de privilegiar o poder dessa ação em benefício do coletivo, isto é, da humanidade como um todo. Desta forma, todas as situações em torno do debate da alfabetização e analfabetismo precisam estar enfocadas pelo prisma social e não individual. Os índices de analfabetismo no Brasil, que apresentaremos na seqüência, são conseqüências de um emaranhado de causas advindas de contextos mais amplos e complexificados, que ultrapassam a esfera da vida do sujeito não-alfabetizado. 1.2. O Analfabetismo em Debate O analfabetismo no Brasil ainda é fator de preocupação no cenário da educação. nacional. Apesar dos esforços já desenvolvidos pelas autoridades competentes, ainda se observam altos índices de analfabetismo que mesmo apresentando decréscimo nos últimos anos, passando no ano de 1991 de 19,7% para 11,4% no ano de 2004 (IBGE), demonstra que o declínio ainda é lento. Em função deste fato, cada vez mais iniciativas de corroborar para que esses números se reduzam substancialmente, estão sendo bem-vindas. No mundo há cerca de 860 milhões de pessoas analfabetas, correspondendo a 20% da população mundial. Somente no Brasil, segundo levantamento registrado pelo IBGE (2004), há mais de 16 milhões de analfabetos, dos quais 8 milhões residentes só na região nordeste do país. O analfabetismo continua sendo significativo, principalmente, nos estados de Alagoas (29,5%), Piauí (27,3%) e Paraíba (25,3%). No Brasil, a taxa de analfabetismo, apesar de diminuir 6% a cada década, segundo dados do IBGE (2004), ainda se apresentou elevada no ano de 2004 em relação a diversos países, incluindo os pertencentes à América do Sul. O índice de 11,4% mantém o país na 25ª posição na classificação da educação mundial, ficando atrás de países, como por exemplo: Argentina (2,8%), Paraguai (8,4%), Chile (4,3%), Venezuela (7,0%), Cuba (0,2%). No contexto nacional constatamos elevados índices de analfabetismo nas regiões brasileiras: 22,4% no Nordeste; 12,7% no Norte; 6,6% no Sudeste; 6,3% no Sul e 9,2% no Centro-Oeste (IBGE, 2004, na faixa de 15 anos para cima, considerando que até essa idade, em tese, a criança e o adolescente estariam na escola). Desta forma, segundo o Ministério da Educação e Cultura (1999, p. 23), os jovens e adultos analfabetos compreendem os indivíduos.

(22) 22. maiores de 15 anos que não completaram a 4ª série da escola fundamental, bem como, todos os cidadãos identificados em diferentes níveis de analfabetismo6. O estado de Santa Catarina apresentou, no ano de 2004, uma baixa taxa de analfabetismo (4,8%) a qual o coloca na segunda melhor posição nacional, juntamente com o Rio de Janeiro. Contudo, Santa Catarina possui números contrastantes em duas de suas cidades: Pomerode se aproxima a 1% de índice de analfabetismo, e Campo Belo do Sul se aproxima dos piores índices brasileiros: 26,4% de analfabetos. No cenário nacional, o Distrito Federal apresenta o menor índice de analfabetismo do Brasil com uma taxa de apenas 4,2%. Ao olharmos para todos esses percentuais7 visualizamos que os estados nordestinos são os que revelam as situações de analfabetismo mais preocupantes. Tais índices retratam um descaso das políticas públicas frente à existência de desequilíbrios estruturais de âmbitos não somente educacionais, mas econômicos, políticos, sociais e culturais. A região nordestina apresenta como agravante da situação do analfabetismo a exploração do trabalho infantil que, consequentemente, por não ser erradicado, acaba por gerar novos jovens e adultos analfabetos. Esses aspectos associados às problemáticas da fome, da falta de emprego, da falta de água, induzem aos adultos voltarem suas atenções para questões básicas de sobrevivência, dificultando o desenvolvimento nestes, de um desejo maior por aprender. Contudo, os estados da região Sul e Sudeste ilustram uma realidade mais próxima de países desenvolvidos. Essa conclusão nos remete a refletir sobre as dissonâncias existentes no interior de um mesmo país que percebe as desigualdades na concentração de rendas, nos anos de escolaridade, nas oportunidades de empregos e em diversas outras esferas. Tais dissonâncias não são sempre desigualdades, podem ser apenas diferenças como o tipo de raça, idade, sexo, cultura, regionalidade. Assim, não é apenas entre as regiões do país em que ocorrem essas diferenças de índices de analfabetismo. Dentro de cada segmento, categoria social há diversidades principalmente, nos tipos de conhecimentos acumulados e na forma de aprendizagem. Entre as faixas etárias mais elevadas, identificamos um índice maior em relação às mais jovens. Pelos dados de 2004 do IBGE, a faixa de 30 a 44 anos de idade apresenta 9,5%. 6. Os diferentes níveis de analfabetismo são classificados, na abordagem de Rocco (1989) como: absoluto, semianalfabeto e analfabeto funcional. Essas categorias serão adiante elucidadas mais especificamente. 7 Ver, em anexo, as tabelas com os percentuais de 2004 da situação de analfabetismo nos estados brasileiros..

(23) 23. de analfabetos; na faixa entre 45 a 59 anos, o índice subiu para 17,5% e na faixa de 60 anos ou mais, a taxa passou para 34% de analfabetos. O número de brasileiros com mais de 60 anos, no início desta década, está na faixa de 30 milhões de pessoas. Isso ocorre porque, apesar de todas as adversidades, a população brasileira está conhecendo uma elevação maior na expectativa de vida8. Desta forma, observamos neste largo segmento social com uma idade mais avançada, o índice de analfabetismo muito significativo (34%). Essa situação emergencial nos incita a debatermos cada vez mais sobre a eficácia de políticas que proclamam serem públicas. O combate a esses índices, que tanto já se tentou na história brasileira através de diversas campanhas educacionais, deveria ser voltado contra a situação de analfabetismo, e não contra o analfabeto que é o sujeito, o qual estimulado, interna e externamente, tem a opção de participar da modificação social. Pinto (2003, p.91) preconiza que: “O analfabeto é uma realidade humana, enquanto o analfabetismo é uma realidade sociológica”. Por este prisma, o adulto não é voluntariamente analfabeto, mas sim o é por conseqüência de uma complexidade de fatores (econômicos, políticos e culturais) entrelaçados na sociedade. Indo ao encontro deste pensamento, Freire (2001, p.16) entende que “ninguém é analfabeto por eleição, mas como conseqüência das condições objetivas em que se encontra”. Ireland (1990, p.02) completa o raciocínio, citando que os “sujeitos que ainda não lograram serem alfabetizados são aqueles cuja condição de classe lhes nega o acesso aos benefícios econômicos e sociais tais como: moradia, saúde e trabalho.” O analfabetismo dificulta a integração dos indivíduos no meio social como a escola, trabalho, grupos esportivos, comércio. Concluímos que o analfabetismo, segundo Gadotti (2000, p.32), “é a expressão da pobreza, conseqüência inevitável de uma estrutura social injusta. Seria ingênuo combatê-lo, sem combater suas causas: má distribuição de renda, desemprego, evasão escolar”. Diante dessa conjuntura, o analfabetismo se apresenta como uma questão social e não individual. Para elucidá-lo neste momento, é importante identificarmos os diferentes graus de conhecimentos alfabéticos nos indivíduos. Conforme Rocco (1989), há distintos níveis de saberes que irão distinguir os analfabetos:. 8. A esse aumento na expectativa de vida se atribui, principalmente, à evolução dos desenvolvimentos tecnológicos e científicos, no que tange, em especial, as pesquisas nas áreas da saúde. (FERNANDES, 2002, p.41)..

(24) 24. Há os analfabetos absolutos que não possuem os conhecimentos básicos da escrita (vogais, consoantes); Há os semi-analfabetos ou analfabetos por desuso que geralmente possuem conhecimento parcial da escrita e leitura, mas em função do desuso, regrediram nessas práticas; Há os analfabetos funcionais (considerados aqueles com menos de quatro anos de escolaridade) que têm conhecimento suficiente da escrita para a sobrevivência, porém, se houver mudança na situação, estes não conseguem se adaptar com facilidade aos novos fatos. Essa última categoria, por não ser evidenciada nos dados censitários dos principais institutos de pesquisas até o ano de 2001, acabou por se tornar uma das mais preocupantes pelo seu caráter não explícito, onde os índices ocultavam a realidade do analfabetismo. Já no ano de 2004, a taxa de analfabetismo considerada funcional foi introduzida nas pesquisas educacionais. Em função disto, o número de 16 milhões aproximados de analfabetos acabou se elevando para 30 milhões, segundo análises do próprio IBGE. Isto significa que existem 30 milhões de pessoas que não conseguem usufruir das habilidades da escrita e da leitura. Essa constatação só vem confirmar o que Haddad (1998, p.126) esclarece: O resultado desse processo é que, no conjunto da população, assiste-se à gradativa substituição dos analfabetos absolutos por um numeroso grupo de jovens e adultos cujo domínio precário da leitura, da escrita e do cálculo vem sendo tipificado como analfabetismo funcional.. Esse quadro é fruto, entre outros motivos, da ineficiência dos programas de alfabetização, que além de não instrumentalizar devidamente os adultos educandos, dão uma falsa idéia à sociedade de que estão atuando no cumprimento do seu papel social. Estimular a alfabetização é um modo de promover a libertação das classes populares para criar uma leitura de mundo própria. Freire (2002 [b], p.40, grifo nosso), reforça esse pensamento ao destacar que: Faz parte de meu sonho persuadir as pessoas de que a liberdade leva à autonomia, desde que siga o caminho da autoconstrução e do esforço constante. Liberdade e autonomia, neste caso, andam de mãos dadas.. O homem quando consegue agir com autonomia, sente-se mais seguro e livre para agir novamente, criando, recriando e transformando o que está ao seu redor. Esses aspectos de.

(25) 25. autonomia e liberdade, muitas vezes negligenciados na história da alfabetização, precisam ser privilegiados para que efetivamente se constitua num campo de transformação social. Todos os índices apresentados nesta discussão pertencem a um país marcado por uma história com diversas tentativas frustradas de rever o cenário do analfabetismo. Perceberemos a seguir, que no decorrer da história brasileira, interesses escusos e partidários, bem como, a falta de políticas públicas comprometidas contribuiu para que as taxas de analfabetismo, apesar de se movimentarem numa direção descendente, ainda estão aquém das consideradas “aceitáveis” no palco mundial. 1.3. O Contexto Histórico da Educação de Jovens e Adultos Inserida no campo da EJA, a alfabetização de adultos ora tem sido considerada como. uma das suas primeiras etapas, ora como sinônimo desta própria educação. Assim, conforme menciona Fernandes (2002, p.32), o fato é que devido aos altos percentuais de analfabetismo encontrados na população usuária da Educação de Jovens e Adultos no Brasil, América Latina e Caribe, fala-se quase sempre em EJA referindo-se à alfabetização de adultos. Em virtude disso, neste estudo adotaremos a apresentação histórica da temática alfabetização ora mencionando EJA, ora simplesmente alfabetização de adultos. As práticas educativas brasileiras desde o tempo do Brasil colônia possuem em sua gênese as ações de jesuítas que, além de evangelizar os índios e os negros objetivavam, de acordo com Haddad (2000), transmitir princípios como o da disciplina, necessário para a preservação da ordem política e econômica do Brasil. Durante a época do império, na primeira constituição brasileira, em 1824, foi decretado que a instrução primária seria gratuita a todos os cidadãos. Porém, o que constatamos é que tal garantia se ateve à intenção legal, distanciando o discurso proclamado dos fatos realizados. Esse cenário retratava cada vez mais que a educação se direcionava a uma elite privilegiada. Mesmo com experiências isoladas e informais, a alfabetização noturna voltada a atender os trabalhadores, não conseguia reduzir o grande percentual de 82% da população brasileira com idade superior a 15 anos que ainda se enquadrava na condição de analfabeta. No decorrer da primeira república começaram-se a apontar preocupações pedagógicas, porém, “pouco efeito prático foi produzido, uma vez que não havia recursos orçamentários.

(26) 26. que garantisse que as propostas legais resultassem numa ação eficaz”. (HADDAD, 2000, p.110). Tratando da educação republicana no Brasil, mais especificamente sobre o analfabetismo, Paiva (1990, p.09) elucida que: “Ao longo de grande parte da nossa história essa questão do analfabetismo não estava posta”. Isto significa que, mesmo antes de se tornar uma preocupação nacional, ele (o analfabetismo) já existia. Então, a partir de que momento, o não saber ler e escrever se tornou uma problemática que perturbava a elite brasileira? Como observa Paiva (1990), a questão emergiu com a reforma eleitoral de 1882 com a “Lei Saraiva”, na qual estabelecia a proibição do voto9 aos indivíduos que não dominassem a leitura e a escrita. A partir de tal exclusão, o analfabetismo começou a limitar as ações das pessoas, impedindo-as de participação social, especialmente na política, deixando as primeiras pistas que, posteriormente ele (o analfabetismo) se configuraria em uma problemática de cunho nacional. Durante toda a década de 1930, a sociedade brasileira marchou em função do projeto da modernidade, visando promover a civilização, a racionalização e a institucionalização da sociedade industrial. Esta década foi marcada pela ascensão de Getúlio Vargas ao poder do Estado. Esse segundo momento da república brasileira, conforme Ghiraldelli (1994, p.92): É caracterizado pela tentativa de consolidação de um Estado Forte, baseado no liberalismo econômico e no capitalismo. Liberais, católicos, integralistas, governistas e aliancistas10 coloriram o debate político e educacional, onde todos desejavam a construção de um “novo Brasil”, diferente da República oligárquica.. Após a “IV Conferência Nacional da Educação” de 1931, de acordo com Cunha (1994), o grupo dos liberais veio a público, em 1932, com o célebre “Manifesto dos Pioneiros. 9. Os analfabetos, segundo Fernandes (2002), conquistaram o direito político de voto através de Emenda Constitucional em 1985. Esse direito foi consolidado na Constituição Brasileira promulgada em 1988, garantindo o voto facultativo para os analfabetos. 10 Entre 1930 e 1937, conforme Ghiraldelli (1994, p.40), o Brasil viveu um dos períodos de maior radicalização política de sua história. Essa época de efervescência ideológica foi rica na diversidade de projetos para sociedade brasileira. Basicamente, é possível identificar cinco grupos que pensavam de forma heterogênea sobre a educação. Os liberais – intelectuais com desejos de construção de um país em bases urbano-industriais democráticas, endossavam as teses da pedagogia nova e publicaram o manifesto de 32. Os católicos – defensores da pedagogia tradicional, reagiram ao manifesto de 32. Os integralistas – grupo ultraconservador semelhante ao nazismo europeu. Nas vésperas da Constituição de 1934, esse grupo organizou a liga Eleitoral Católica (LEC), que serviu como instrumento de pressão para fazer valer seus interesses na Carta Magna. Os governistas situados no centro da disputa dos dois grupos anteriormente mencionados, procurava uma posição de neutralidade. Os aliancistas – formavam o grupo composto pelas classes populares – proletariado e classe média – defendiam a democratização do ensino..

(27) 27. da Educação Nova”, um longo documento dedicado à defesa da escola gratuita, obrigatória e laica, norteada, principalmente, pelas teorias de Dewey. O grupo responsável pelo “Manifesto” nada tinha de homogêneo, como expõe Ghiraldelli (1994). Os termos liberais, utilizados constantemente para designá-lo, é apenas um arcabouço formal que abrigou liberais elitistas como Fernando de Azevedo e Lourenço Filho; e liberais igualitários como Anísio Teixeira. Além disso, precisamos lembrar das presenças de Pascoal Lemme, Roldão de Barros entre outros signatários do “Manifesto”. O paradigma dos liberais igualitários era baseado nos pensamentos de Anísio Teixeira que defendia uma escola democrática e infalível. Em relação aos liberais elitistas, o grande mentor era Fernando de Azevedo, que ao contrário de Anísio Teixeira, buscava resgatar uma abordagem mais sociológica, através das leituras de Durkhein. O referido manifesto recebeu diversas críticas por parte, principalmente, dos católicos que o acusavam de, ao consagrar a escola como pública, obrigatória e laica, retirava a educação da responsabilidade das famílias, destruindo assim, a transmissão dos princípios morais e éticos. Todo esse resgate histórico sobre essa época é fundamental para a explanação sobre as origens da educação de adultos de forma mais organizada, que apresentou suas raízes no início do ano de 1936. Paschoal Lemme, impulsionado pela efervescência do “Manifesto”, começou a trabalhar no Distrito Federal com cursos noturnos para adultos - operários da União Trabalhista, sob a supervisão de Anísio Teixeira. Em virtude do clima de ditadura do Estado Novo de 1937, Paschoal foi preso e os cursos de alfabetização ficaram estagnados. A experiência de educação de adultos no Distrito Federal, conforme Ghiraldelli (1994, p.92), representou, de forma explícita, um programa educativo com compromissos políticos definidos, o que, até então, era escamoteado pela insistência dos profissionais da educação em dizer que tratavam a educação como área técnica e neutra.. Todavia, não podemos afirmar que tal experiência rompeu com as pedagogias dominantes, pois o primeiro mentor desses trabalhos, Paschoal Lemme, apesar de.

(28) 28. simpatizante do socialismo, manteve-se ligado ao ideário escolanovista11. Somente ao final da década de 1940 é que foi consolidada a ausência de educação de adultos como um problema nacional. A partir deste momento, criaram-se fundos de investimentos para educação como o “Fundo Nacional do Ensino Primário”, onde ficavam estabelecidos recursos direcionados à promoção do ensino supletivo para jovens e adultos. Em 1945, com o final da II guerra mundial, ocorreu o surgimento da UNESCO (2003) que se preocupou em alertar o mundo sobre os efeitos que as profundas desigualdades sociais provocavam entre os países, e como isso instigava a cada vez mais a se investir na educação de adultos, principalmente com o intuito de acelerar o desenvolvimento de países em condições econômicas e sociais desfavorecidas. Essa fase é considerada por Moura (1999), como um período áureo por abarcar inúmeras iniciativas políticas e pedagógicas como: a regulamentação do Fundo Nacional do Ensino Primário (FINEP); a criação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP) que incentivou a realizar estudos na área; o surgimento das primeiras obras dedicadas ao ensino Supletivo. A preocupação era a dissonância entre o projeto do Estado utilitarista e os anseios, por parte das populações, de uma escolarização que de fato atendesse às necessidades de qualificação para o trabalho e formação humana que garantisse o exercício da cidadania. Diante disso, muitas campanhas para Educação de Jovens e Adultos (EJA) foram implantadas no Brasil, segundo Haddad (2000): Serviço de Educação de Adultos (1947), Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (1950), Campanha Nacional de Educação Rural (1952), Campanha de Erradicação do Analfabetismo (1958). Contudo, poucos resultados foram detectados com essas campanhas que tiveram um curto período de duração, não atingindo nem seus próprios objetivos quantitativos. Esses insucessos decorrem, além da falta da continuidade das políticas públicas, dos desequilíbrios estruturais das esferas educacional, econômica, e sociológica. Assim, a educação de adultos no Brasil nasce neste duplo jogo: de um lado o Estado, com fins políticos e quantitativos; e de outro, os educadores interessados em organizar um sistema de ensino que atendesse às verdadeiras necessidades pedagógicas (considerando o aluno-trabalhador) e que conscientizasse as pessoas da sua condição de exploração. Esperava11. Escolanovista, segundo Cunha (1994), é um termo referente ao movimento da “Escola Nova” que teve suas origens na Europa. No Brasil, tal movimento começou apontar na década de 20, vivenciando seu auge na década de 30, pelas mãos dos “pioneiros”, como Fernando de Azevedo, os quais defendiam uma educação laica e igualitária a todos sob a responsabilidade do Estado..

(29) 29. se que as iniciativas e empreendimentos pudessem propiciar motivos para as reflexões e encaminhamentos por parte do Estado, de organizar uma política voltada para uma educação mais comprometida, não alienante, com uma proposta radicada na realidade dos sujeitos da educação de adultos. No final da década de 50, a educação começou a apontar pela busca da conscientização das classes populares. Desta forma, a EJA, na década de 60, vivenciou com o educador Paulo Freire um novo olhar, que buscava aflorar discussões de caráter político e social em todos os cidadãos, especialmente nos analfabetos. No II “Congresso Nacional de Educação de Adultos”, Freire liderou um grupo de educadores pernambucanos apresentando um relatório intitulado: “A Educação de Adultos e as Populações Marginais: o problema dos Mocambos”, que propunha a responsabilidade social e política e o respeito ao conhecimento popular do trabalhador. Freire inovava por defender a categoria dos saberes apreendidos existencialmente, por valorizar os conhecimento vivenciados pelo trabalhador e pela comunidade como pontos de partida da prática pedagógica. Essa nova pedagogia voltada para a reflexão da realidade objetiva, até os dias de hoje, permitir que o educando possa interagir no seu meio social de forma crítica e consciente, buscando ser sujeito na construção da história. A perspectiva de Freire (2001) analisa as possibilidades e limitações da educação ao referir que o processo pedagógico pode levar as pessoas a se engajarem social e politicamente, para assim se mobilizarem na luta pela transformação das estruturas opressivas da sociedade. Diante desse novo olhar, várias tentativas no início dos anos 60 surgiram. Conforme destaca Gadotti (2000), diversos programas12 foram empreendidos por intelectuais, estudantes e católicos engajados numa ação política junto às classes populares. Desenvolvendo e aplicando essas novas diretrizes, atuaram os educadores do Movimento de Educação de Base (MEB), ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), educadores dos Centros de Cultura Popular (CCP) organizados pela União Nacional dos Estudantes (UNE), que reuniam artistas e intelectuais que se articulavam e pressionavam o governo federal para que os apoiassem e estabelecessem uma coordenação nacional de iniciativas.. 12. Um dos programas de 1960 que ficou muito conhecido no Brasil foi a Campanha “De pé no chão também se aprende a ler”, que buscava aproximar a classe popular, o analfabeto, e o operário da prática da leitura e da escrita. (GOÉS, 1991)..

(30) 30. Essa visão foi incentivada pelos grupos políticos da época. Confirmando isto, Haddad (1998, p.112) lembra que: Grande parte desses programas estava funcionando no âmbito do Estado ou sob seu patrocínio. Apoiavam-se no movimento de democratização de oportunidades de escolarização básica de adultos, mas também representavam a luta política dos grupos que disputavam o aparelho do Estado em suas várias instâncias por legitimação de ideais via prática educacional.. A educação, apesar de apresentar um viés conservadorista, começava a apontar sua face libertadora de expressão, discutindo sobre os aspectos populares que, através também dos movimentos sociais de 1960 (como o movimento hippie, feminista), evidenciavam a valorização das experiências do ser humano, contribuindo para o desenvolvimento de uma educação mais popular. Em 1964, ocorreu o golpe militar e o Estado vai exercendo sua função coercitiva e punitiva com a justificativa de normalizar as relações sociais para manter o estado de organização social. A educação de adultos passou a ser utilizada como estratégia de despolitização das tensões sociais e como instrumento fundamental de preparação da mão-de-obra para colaborar com os mecanismos de desenvolvimento econômico. Na tentativa de cumprir com suas obrigações que já haviam sido asseguradas pelas constituições brasileiras, o Estado funda em 1967, o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) que objetivava atingir 11 milhões de pessoas em 4 anos e erradicar o analfabetismo em 10 anos. Com o passar do tempo, o Mobral foi sendo pressionado pelo enrijecimento do regime militar a estar a serviço do governo, o que não refletia os interesses da própria sociedade. Haddad (2000, p.114) questiona essas faces do Mobral ao dizer: Lançou-se então em uma campanha de massa, desvinculando-se de propostas de caráter técnico, muitas delas baseadas na experiência de seus funcionários no período anterior a 1964. Passou a se configurar como um programa que, por um lado, atendesse aos objetivos de dar uma resposta aos marginalizados do sistema escolar e, por outro atendesse aos objetivos políticos dos governos militares.. Em 1970 foi consolidada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 5.692/71), onde o seu IV capítulo regulamentou o ensino supletivo, que tinha como objetivos a compensação da escolarização regular aos excluídos e a formação de mão-de-obra voltada para o engendramento do sistema capitalista. No entanto, havia implícito nestas justificativas.

(31) 31. um objetivo de reconstruir, através do ensino técnico profissionalizante, uma mediação entre o governo e as classes populares para apaziguar as revoltas e insatisfações sociais com uma educação elitizada e discriminatória. Segundo Brzezinski (1997), apesar de ser produzida por um governo conservador, tendo vários interesses partidários ocultados, essa lei nº 5.692/71 estabeleceu pela 1ª vez um capítulo específico para a Educação de Jovens e Adultos, trazendo à tona um assunto que até então era visivelmente percebido, mas não discutido. A abertura política permitiu a volta de vários educadores para o país, dentre eles, Paulo Freire, possibilitando a reorganização e mobilização da sociedade civil, fazendo ressurgir os movimentos populares, a rearticulação dos partidos políticos de esquerda e do movimento sindical. No ano de 1985, o Mobral foi extinto e substituído pela Fundação Nacional para Educação de Jovens e Adultos (Fundação Educar) que teve um curto período de duração, sendo abolida pelo ex-presidente da República Fernando Collor de Melo. O Estado incorporou, na década de 90, com a LDB nº 9.394 de 1996, a responsabilidade pela EJA aos governos estaduais, municipais e a entidades como Ong’s, universidades, associações. Neste momento, surgiu além de uma nova legislação, o Programa de Alfabetização Solidária (PAS), o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) e o Plano Nacional de Formação do Trabalhador (PLANFOR). Todas as modificações políticas entre a década de 80 e 90, trouxeram significativas contribuições para a educação. A constituição de 1988 garante a extensão da obrigatoriedade de educação básica para jovens e adultos. Já em 1990, a política impõe a redução de gastos públicos, por um Estado mínimo que se concretizou por meio de uma política de descentralização e desresponsabilização com a educação. Quanto à educação de Adultos, o Estado transferiu para a iniciativa privada a qualificação do trabalhador e para a sociedade civil a alfabetização e educação daqueles e daquelas que não aprenderam na “idade escolar apropriada13”. Durante os oito anos da Presidência de Fernando Henrique Cardoso, segundo Di Pierro (2001), o governo federal conferiu lugar marginal à educação básica de jovens e adultos na hierarquia de prioridades da reforma e política educacional, fechando o único canal 13. Dentro da esfera educacional, segundo o IBGE (2004) existe uma perspectiva de que até os 15 anos de idade o jovem tenha completado o ensino fundamental. Contudo, em qualquer tempo e idade se pode aprender, basta estar espontaneamente desejoso disto..

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