PAOLA BERENSTEIN
JACQUES
MARGARETH
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PEREIRA
[ORGANIZADORAS] > s J t > * F D U F R AD O P E N S A M E N T O
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-ASSESSORDOREITOR Paulo Costa Lima
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E D U F B A
EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA DIRETORA FláviaGoulart Mota Garcia Rosa
CONSELHO EDITORIAL
Alberto Brum Novaes
Angelo Szuniecki Perret Serpa Caiuby Alvescia Costa
Charbel Niño El Hani Gleise Furtado Mendes
Evelina de Carvalho Sá Floisel
JoséTeixeira Cavalcante Filho
MariadoCarmo Soares de Freitas Maria Vidal de Negreiros Camargo
FACULDADE DEARQUITETURA
DIRETORA Naia Alban Suarez
PROGRAMA DE PÓS
-
GRADUACÃO*EM ARQUITETURA E URBANISMO
COORDENADOR Rodrigo Espinha Baeta
GRUPODE PESQUISA LABORATÓRIO URBANO COORDENADORA Pacía Berenstein Jacques
Ë
ConseihoHCNPq
Nacional de DesenvolvimentoN E B U L O S A S
D O
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S A M E N T O
U R B A N
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S T I C O
TOMO
II
MODOS DE FAZER
PAOLA BERENSTEIN JACQUES MARGARETH DA
SILVA
PEREIRA
[ ORGANIZADORAS ]
SALVADOR . EDUFBA
GrafiaatualizadaconformeoAcordo Ortográficoda Língua Portuguesa de 1990,
em vigor noBrasildesde2009.
PROJETO GRáFICO
Igor Queiroz
REVISãO
Mariana RiosAmaral de Oliveira
NORMALIZAçãO
SandraBatista
SISTEMA DE BIBLIOTECAS
-
UFBANebulosasdopensamentourbanístico:tomo11-modosdefazer/PaolaBereitstem
Jacques,Margaretirda SilvaPereira(organizadoras).- Salvador:EDUFBA,2019.
465 p.
ISBN:978
-
85-
232-
1834-
81.Urbanismo. 2.Arquitetura.3. Planejamento urbano. I.Título.II.Jacques,
PaolaBerenstein.III.Pereira,Margareth da Silva.
CDD
-
711 EDITORA FILIADAà;U
ASOCIACION DC CDITOmALCS UNIVERSITARIASDEAMERICA LATINAYEL CARIBE AssociaçãoBrasileiradasEditoras Universitárias Câmara Bahiana doLivio
EDUFBA
Rua BarãodeJeremoabos/n
CampusdeOndina
40.170415
-
Salvador-
Bahia Tel.: +55 71 3283-
6164www.edufba.ufba.br edufba@ufba
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brMargareth da Silva Pereira *
M O D O S
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Laboratório Urbano U F B A * .
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Centro Interdisciplinar
de Estudos tobre à Cidade UNICAMP V » \ 1 <LJL F A Z E R P O R
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Laboratorio
de Estudos UrbanosUFRJ
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Por
umahistoria
inscrita noscorpos
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áticasdo Laboratorio de Estudos Urbanos
ou
Quase memórias
LeU .
UFRJ
Margareth da Silva Pereira Mário Magalhães Daniela Ortizdos Santos
Priscilla Alves Peixoto Aline Comi Fabião
F A Z E R P O U CR O N O LO G I A S LEU . U F R J
s paginas a seguir reúnem textosfragmentários
de caráter ensa ístico que tentam dizer de
premissas, caminhos, ambições, estratégias e
dificuldades de um pequeno grupode pesquisa
do Laboratório de Estudos Urbanos (leU)
.
Criadooficialmenteem 2006, noProgramade Urbanismo da Universidade Federal doRiode
Janeiro
(UFRJ
),olaboratóriodeu continuidadeaumoutrogrupode pesquisachamadoCulturas
Urbanas e Pensamento Urbanístico no Brasil,
existentedesde 1999.Ambos, porsua vez, haviam derivado de diversos espaços de interlocução informais na Pontifícia Universidade Católica
do Rio de
Janeiro
(PUC-
Rio) e na PontifíciaUniversidade Católica de Campinas (PUC
-Campinas), existentes em fins da década de 1980 eaolongoda década de 1990.
Aspráticasdo LaboratóriodeEstudos Urbanos,
doravantesimplesmente leU,são indissociáveis
de uma forma de “pensar por imagens” que é
própriadeuma maneirametafóricadeorganizar
“metáfora” designa uma figura de linguagem na qual se usa um
termo convidandoa uma comparação com um outro que não tem
o mesmo sentidoou significado, mas em relação ao qual se sugere alguma possívelproximidade, afinidadeousemelhança. E um modo
depensar imaginativo,quebuscasereferiraalgo usandoumapossível analogia com outra coisaque lheseja parecida
.
Desde
2004
, vimos chamando essa forma de organizar ideias oudefender hipóteses, como
“conjuntos de nuvens” que se contrapõe à própria ideia do pensar como uma atitude teórica aplicada e que não só descreveria as
coisascomo “são’ ou “realmente foram”, mas queainda precederia,
necessariamente,o agir
.
pensar por nebulosas” ou por
um
Se pensaréconstruireconstruir é pensar, nessas práticas, ecoamos
vestígios de uma recusa, assim, aos abusos de uma visão de ciência
funcionalista e quefaz da teoria ou um pensamentoexcessivamente
autónomo, aplicável, reprodutível, ou excessivamente subjetivado,
pessoalizado,ensimesmado.Pensarpor nebulosas remnhereororpo
e a abordagem do pesquisador a partir da sua afetação por um sem númerosdecorpos quese reconhecemem uma mesmaação poética
.
O próprioamadurecimento da noçãode nebulosas,porexemplo,só
podeserdesenvolvidoapartirdecolaborações comdiversoslaboratórios e instituiçõesbrasileiras eestrangeiras.1 Comose vê,comometáfora
,
ela ultrapassa a ideia deum feixede redes de sentidos absolutamente
coerenteseprevisíveisemtornodeinteressesede laçossociais,insitindo,
contudo,em integrar umaobservaçãosituada dascoisas,dos indivíduos,
dos gestos, e, portanto, das temporalidades e dasespacialidades
.
Assim, embora intercâmbios, parcerias e colaborações com colegas
egrupos de pesquisa tenhamse dado,assim, em diferentes ritmose perfis,oimpacto cuetiveram nasatividades de pesquisadolaboratório
merece ser reconhecido
.
Detodomodo, nessenododepensar,é impossível,comohistoriadores,
não se perguntarantes de tudo do que se quer lembrar e por quê
.
Nessa pergunta,estáimplícita tambémumasériedeoutrasperguntas
relativas aoquese herda como história e como memória
.
FAZER POU CR O N O LO GIA S LEU . U F R J
Naverdade,o problemaque secolocou desdemuitocedo nas práticas
leusianasfoiodeavaliar dequais esquecimentos,dequaisviolênciase
lutossomosfeitose que
demandam
seremenfrentadoscomoproblemadaesferadaculturaedocampodoconhecimento.Assim,nocampo dos estudosurbanosedaarquitetura edo urbanismo,interessava
-
nosavaliaroqueseherdacomoculturaacadêmica,disciplinar, profissional
ou institucional
.
Ou,cmoutraspalavras,oqueseentende porensinoe pesquisa e o que se pode pensar sobre essas atividades
.
ENSINO
E
PESQUISA:POR
UMAOUTRA
FORMA
DE
PENSAR
ATÁBULA RASA
Nas práticasdo leU, ou ainda dogrupode pesquisaCulturas Urbanas
e Pensamento Urbanístico no Brasil, já de início,constatou
-
se que,particularmente nas escolas de arquitetura e urbanismo
,
pensar eagir vinhamsofrendo uma posição que, de resto,aindase mantém,
de desqualificação recíproca
.
Nas atividadesdeprojeto,porexemplo,a açãoprojetualacabava sendo
vista como que esvaziada de reflexões e críticas que culturalmente
lhe dão sustentação
.
Nas disciplinas de história,era o pensar queparecia ser interpretadocomo umaesfera tambémautónomae sem
implicações concretas e diretas com a concepção
.
De resto, ambasacabavam por ignoraras práticascotidianase sequer se perguntavam
sobre o sentido de experiências, impressões, memórias ou teorias impregnadas, ontem e hoje, em desenhos e gestosconstrutivos, em
uma ignorânciadosembatesentreculturas disciplinarestravados no interior cio próprio campo profissional.
Aarquiteturaeourbanismoviam
-
se,assim, comopráticasnaturalizadase destituídas de historicidade ecrítica.Mais ainda:era como se esse
seu estatutonãosignificasseum problemaa ser pensadoe,pior,essa
desqualificação presente nas salas de aula se manifestava tanto nos
próprios programas curriculares quanto no modo de se considerar
Sem nos determos sobre as implicações do ponto de vista crítico e epistemológico que isso pressupõe e acarreta, via
-
se, por exemplo, com frequência, disciplinas serem nomeadas “Teoria e História”,“ História e Projeto” ou “Teoria e Prática”, “História e Crítica” nos
currículos, comose teorias não possu íssem situação e condição de
enunciação, como se os conceitos de passado e devir fossem eles
própriosa
-
históricosou como sea dimensãoconceptual-
em textose em projetos
-
pudesse ser considerada de modo autónomo depressupostos, expectativase avaliação
.
2Em termosdeensino,olaboratório passou ,assim, aquestionaressa
oposiçãoentre termose insistirsobreosignificadoque umasimples
partícula, uma simples letra, manifestava em seu uso generalizado
.
Como se disse, esse simples “e” naturalizava e, assim, escondia aspróprias leituras de tempo e de mundo que seu uso subentendia
e subentende
.
Em outras palavras, des-
historicizava as práticas da arquitetura edo urbanismoedestituiam-
lhe não sódesuadimensãocrítica como também deseu estatuto degestos de cultura
.
Defato,essepensar,sob forma cieuma teoriaabstratamente concebida esemcorpo,tornavao pensar
-
projetarumatosemserventia,apartado da vida da cidadee, na maioriadasvezes, voltado para umavisãode passadocomoumtempohomogéneo, mortoedestituídodastensões.
Livres de qualquer compromisso de ajuizamento sobre o que foifiltrado como tradição, memória, história e historiografia, as ações
passavam a ser consideradas como que exercidas em torno de um
“
novo”
,vistocomoumgestoemrupturacomqualquer reflexãosobreoque,eventualmente,seadquirecomocultura
.
Enfim, abandonava-
sequalquer “teoria das prá ticas” em suas historicidades e em suas ideologias,começando pelas doarquiteto
,
do urbanistaeaquelas do “historiador”,do‘teórico” ou do“crítico” dearquitetura eurbanismo.
Ora, certamente o peso dos círculos diletantes ou pelo uso cio
conhecimento
-
não em um sentido libertário, mas como uminstrumento de poder, controle e subjugação de corpose mentes
-havia contribuídoparacolocaraatividadeintelectualemtaloposição
à ação e vice
-
versa.
Trata-
se de exercício de um poder de classe, deF A Z E R P O U CR O N O LO G I A S LEU . U F R J
religião edecastas,comofoi, sem dúvida,o casoatéo século XVIII, mas também de consoliciação de uma visão que se reproduziria
nas próprias práticas acadêmicas no século XIX, durante a era das
reformasedas revoluções,comotãobem mostrou Bourdieu (
1984
).
Como não custa lembrar, a atividade intelectual, no que tange à
arquiteturae ac urbanismonascente, passou a sermedida,aolongo
doséculo XIX, por suaaplicabilidade imediata, maisparticularmente porsuautilidade.Essainstrumentalizaçãoda atividade deconcepção
e projetoacabaria porempobrecer tantoa noçãode estilo, nostermos
como vinha sendo discutida no século XVIII, quanto a capacidade
da forma arquitetônica deser uma experiência parlante (falante) aos sentidos
.
3Em resumo - e sem mencionar os estudos geográficos que problematizam aideia de “determinismo dolugar” ou acontribuição
deobras quecirculam no Brasil,comoasde Arganem seusestudos sobreobarrocoousobreaarteeaarquiteturamoderna,ou comoas
de Choay em sua crítica ao funcionalismo e à ideia de modelo -, é como se multiplicassemos livrosquefalam de topofiliassemcorpos,
sem culturas,sem conviteao engajamento sensível,sem experiências
.
Quantoàação,esta passou aservalorizadaapenas seservircomogesto
depreservaçãode um passadomortoou como rupturainstauradora de
um novo que seexercitariaemumatábidarasa,tomadaao pédaletra.
Talvezoefeito mais perversodessa dupla percepção
-
quese tornouhegemónica na cultura ocidental e, cujos efeitos, sobretudo nas práticas da arquitetura e do urbanismo, foram dos mais nefastos
-tenha sido primeiramente o utilitarismo e ofuncionalismo que as
sustentam e cresceram com ela
.
Esvaziou
-
se,assim,osentidoqueos círculos doprimeiroromantismo,
particularmente com Goethe, vinham dando ao termo “bildung” ,
associando
-
o a um exercício de atualização reflexiva do passado inerente de um esforço ético e estético, construtivo e constitutivo,tanto de cacia indivíduo em si mesmo quanto da esfera coletiva e,
No programa de atividades do leU, em decorrência desse estado de
coisas no campo acadêmico e científico,se tornaria também cada
vezmaisclaraa necessidade de privilegiar um modo defazer história
que,à contracorrentedessas tendências,secentrasse, porsuavez, na
experiência doscorpos, nos modos de subjetivação eobjetivação,nas
transubjetividades e intersubjetividades e, em outras palavras, nos
atores individuais e coletivos.
Poroutrolado,comooatodepensardeixava deseratravessadopelo
confronto,peloconflitoepelacríticadevisõesculturais,desaprendia
-
sesobrea necessidade detambémolharrespeitosamente oqueédigno
de serconservado, desustentar argumentos ede percebero mundo socialcom a complexidadeque ele exige.
Desde o fim dos anos 1990, o problema a ser discutido deixou de
ser apenas o de uma história pensada a partir de passados mortos
.
Passamos também a sublinhar o silenciamento dos atores e dos
saberesque participam da construçãodas cidades no seu dia a dia
-a começar pela voz ética, política e estética dos próprios arquitetos
e urbanistas, mas,sobretudo, a daqueles aos quais,em tese, as suas
ações se destinam
.
De fato, como se naturalizava também tudo que permanecia e permanece latente ou abusivamente não falado, começamos a
sublinhar
a não naturalidade dos próprios temasenfocados nostrabalhos acadêmicos, mostrandoque,com eles, recorta
-
se tambémo mundo social e tanto mantém
-
se um status quo como pode-
secontribuir para trazerà esfera pública questões represadas, mas que, justamente, reverberam como problemas historiográficos a serem
levadosemconta
.
Afinal,aindaquetendopermanecidonaopacidade,são estas últimas,sobretudo, que interpelam e instigam as próprias
práticas derememoraçãoimplícitas naatividade do historiador
.
Sãoelasquevivificamaçõesdo passado,construindo
-
ascomoações que possuem presença e significado no presente e como histórias vivassão passíveis de interrogarem na atualidade as ações de conservar,
subvertere transformar com conhecimento de causa.
Ora, umadasgrandescontribuiçõesda noçãodebildung
,
desenvolvidaF A Z E R P O U CR O N O LO G I A S LEU . U F R J
pelos pensadores da naturphilosophie (GUSDORF, 1985), talvez
tenha sido a de ajudar a entender que a noção de fábula rasa não é necessariamente um apagamento ció passacio
.
Ao contrário: o passado não seapaga porque eleseria ineliminável;ele está ai comoum esquecido, que convoca, contudo, a ser rememorado para se
tornaralgoadquirido
.
Não se trataaqui de abstrações, masde saberoque significacomonegociação epactotudoquesefaz no cotidiano,
começando pelos gestos maissimples, como a própria linguagem
.
O passado, nesses termos, é como uma espécie de terra incógnita, estrangeira,como já lembrava David Lowenthal(2015),ou uma noite escura, sem sulou norte, como lembravam Mário de Andrade ou
Lucio Costa, no qual cada indivíduo é ele próprio como que uma fábula rasa
.
(PEREIRA,2004
) Sim, porque é como se ele própriofosse como uma espécie de metáfora da página em branco de um cosmógrafo, de um escritor ou de um arquiteto, na qual, em sua
construçãodesi com ascoisas,vão seinscrevendotanto umalentae
contínuarememoraçãodoqueaprendeuedecideguardarna memória ou esquecer,quantooque conseguevislumbrar e mantercomo algo quetambémdeveriaserlembradoou, no mínimo,permanecercomo sonhoou utopia.
Seria, em resumo, um lento e contínuo exercíciode rememoração e de atualização do que, para a sobrevivência das próprias formas
de cultura, talvez deva ser, ao mesmo tempo,lembrado e projetado, isto é, lançado para frente
.
Esse sentido de tempo e de história foireiterado por in úmeros pensadores; bastaque pensemos até mesmo nas considerações intempestivas de Nietzsche (STIEGLER, 2006),
porexemplo.Com frequência,essaescritagradualeerranteda página
branca e de convocação à permanência ou ao esquecimento - que
toda ação no presente enfrenta ou, pelo menos, pressupõe - foi
também associada às próprias questões pedagógicas e de percepção
e concepção, como é possívelconstatar ao se dedicar à biografiade
inúmeros arquitetose urbanistasdignos desse título no passado, ao
estudarmossuas lutasnocotidiano, aointuirmosoambiente político
e cultural noqual desenvolveram suasatividades.
práticasdo laboratórioou das nebulosas dequestões queoatravessam
- resumidas nas páginasque se seguem -,elassão tributáriasde uma noçãodeatorede um conceitode
“
formação” quesão herdeiros daprópria noção debildung e, portanto, de biografias intelectuais que poucotêmde um conceitodeensinocomo transmissão, massimde
experiência
-
pois, de fato, nada se ensina ou se transmite.
Apenasensina
-
sea prestar atençáo aoquesevive, aoquesesenteea escolhere ajuizar, ou, em outras palavras, a ser crítico
.
Isto é, ensina-
se umaarte de ponderare separar coisas, de dar
-
lhes peso e sentido.
“Trabalho” , “processo”, “tradução”, “translações” e “viagem” são
termos que são correlatos ao conceito de bildung
,
como mostrarame a releitura de suas contribuições feitas por Suarez (2005). É isso também que mostra vida, obra e as notas de
leitura e de viagens, por exemplo, de um
Jos
é Bonifácio-
um dosnossos biografados na história do urbanismo do Brasil que vimos
construindo
-
no exercício singular e plural de estranhamento desi e das coisas e seus projetos de futuro
.
(MAGALHÃES, 2018) Berman (1984
)Nessestermos,apesquisa nos sucessivosgrupamentosqueformaram
oleU talveznunca tenhasido consideradaapenascomoum produto
quantificável em números.São processos longos de criação de um lento diálogo com certos períodos e gruposde atores.Como Mário
Magalhães - membro do laboratóriodesde 2006, noqual preparou umatesesobre
Jos
é Bonifácioea ideia decidade- tãobem resume:as nossas práticasvêm sendo um “ afetare afetar
-
se decorpos queseimplicam,dobramsobresi e se desdobram.Contraonarcisismode
umindivíduo fechadonasolidãodoeu, nossosafetosnoslançam na busca deoutroscorpos inscritosem textos,imagens,lugares,obras”
.
(MAGALHÃES, 2018)Éainda Magalhãesquesintetiza, pensando provavelmentenas “viagens imóveis”, no dizer de Daniela Ortiz(
2017
), que cada pesquisador éconvidado aempreender e alguns realizam:
Também as pesquisas são chegadas e partidas.O processo de
pesquisa éfrequentemente retratado pelo estado melancólico
queacometeosujeito.Tomadadeconsciênciaedesconstrução
FAZER POU CR O N O LO GIA S LEU . U F R J
desi, desnaturalizaçãoquearrasaa paisagemapaziguadadeum
mundus interioreinstauraa distânciaeoisolamento deentes
queridos, pares, parentes; agora, objetosde estranhamento.
O mundo todo, ele mesmo, se transfigura num estranho. É
esseestrangeirodesiedo mundoqueseriaa condiçãomesma
da Jistância crítica do homem moderno.[...] esse processo é
entremeadoporexperiênciasde afetoseconstruçãodemundoe
mundus1novos.Comonosritosque,simbolicamente,fundavam
as novas cidades romanas, são escolhidos osfragmentos que
remetem aumlugar, umaidentidade,um passado,umacultura
-à coerência de um corpo -que, como porsimpatia mágica,
aoserem enterradosno mundus,semeiamde afetosum corpo
pactoque instaurao mundo dos homens.
novo
Ora, as fontes concretas ou etéreas com as quais o pesquisador
-arquiteto, historiador, filósofo, segundo suas poéticas
-
interagemanifestam hesitações, derrotas, tomadas de posição,lutas,falasou
atéo silêncio ao qual foram submetidas
.
São elasque irrompem natabula rasa, que vaise tornado, para cada historiador,a tábida plena das memórias, das possibilidadesciedotaçãociesentidoque consegue perceberdosatoresdo passadoaosquaissededicae queelegecomo objetode estudo,cujas ações busca atualizar.Sãocomoformasque,
ao inscrever
-
se no processo de interpretação e reflexão, realizam a alquimia deuma imagem fotográficaao ser revelada.
Gradualmente, asfontes,ao seremarticuladaseassociadasaoutrasinformações,
nãoapenas formam nuvens de contatos, de relações, de sociabilidade.
Elasvãociefinindoocontornociesituações, ciegestos,cieações que
se tornam muito próximas, quase tangíveis, mesmo que se trate cie
pequenos fragmentos de textos ou desenhos feitos por autoresque
viveram noBrasil cioséculoXVIII, naAlemanha cie 1790oucie1807. Filmes feitos em Paquetá de 1929; desenhos de uma viagem no interiorda Itália em 1803;debates travadosnas reuniõesdaCâmara
Municipal cio Município Neutro, em
1842
, ou na congregação daAcademia Imperial
,
em1854
:indivíduosesuasaçõestornam-
se,enfim, presençasque nos convocam e asquais se convocam.
Sãoafinidadesquese reencontram atemporalmente de parcom a barbárie que nos
habita nosilênciodeuma história que,atéentão,permanecia como
Como continua Magalhães (2018), explicitando, agora, também as premissasdomodo de fazerporbiografiaquesebuscapraticarnoleU:
f
[...] Ecom nossos ‘corpos inscritosde cultura’ queaportamos
sobreesse cais herdado, territórios de demora, encontro,
confrontoe troca.É seécom o sopro inquietodosventosda reflexão eda dúvidaquenos lançamosnos maresdesconfigurados
da pesquisa,a bússola dosafetosquenosinquietam nosguiaem
direção aocaisdaquelesque nosprecederamemsuasviagens
.
Aqui, a pesquisa é, portanto, uma palavraqueé, ela mesma, umsopro movendo mundosesuas memórias no “estrangeiro’’ que habitaem
nós
.
Movendo nuvenseformando nuvenselasprópriastransitórias,atéseremsubmetidas a outrossopros, a outrasvirações
.
O estudo cio romantismo alemão e dos círculos cia naturphilosophie
já havia interessado Pereira em seus estudos sobre a experiência americana e,ainda,sobrea recepçãode Le Corbusieresuas relações com Lucio Costa nos fins dos anos 1980. Contudo, nos primeiros
anosda década de 2000,ascontribuiçõesdos debates de fins doséculo XVIII reapareciam e pareciam pertinentes para aprofundar, agora,
as pesquisas sobre o século XX no período entre
-
guerras.
De fato,nos anos 2000, a universidade parecia desdobrar
-
sesobre si mesmarefletindo sobre a reforma curricular da faculdade cie arquitetura e
ainda sobre intervençõesfísicas no campus universitá rio da
UFRJ
.6Para além ciasquestõesde formaçãocrítica, éticae estética, a noção
de bildungauxiliava a repensarosentido deensino eda própria ideia
de
universidade
e como ele se traduzia em projetos, em programascie cidadesuniversitárias, mas também em formas.
Por outro lado, em 2001, celebraram
-
se os70
anos da reforma ciaEscola de BelasArtes,eo grupode Culturas Urbanase Pensamento
Urbanístico no Brasil, nome incial cie nosso grupo de pesquisa,
acabara de dedicar
-
se à elaboração cie um vasto levantamento deartigos de jornais, pesquisa denominada “1931: arte e revolução”
.
7Evidentemente,opapel cieLucioCosta na Escola cie Belas Artesera relevante
.
Contudo,paraalémdoanode 1931,ogrupopassou aestudarF A Z E R P O U CR O N O LO G I A S LEU . U F R J
o período de 1931a
1945
evinhaagora seocupandodiretamentetantodaquestãodas
cidades
universitárias edepersonagensdomovimentomodernoque sededicaramaumaarquiteturavoltada paraessecliente coletivo, que era a própria cidadee os seus equipamentos públicos,
como EneasSilva eJoaquim Cardozo
.
(NASCIMENTO,2007
)Asquestõesdeensinoe pesquisaganhavamcada ve:maisrelevâ nciae,
em 2002,ogrupoconvidou Silvia Arango,professorada Universidad
Nacional de Colombia, para uma estaciia no Programa de Pós
--
GraduaçãoemUrbanismo(Prourb).Arangohaviapublicado Históriade un itinerario
,
sobre uma série de figuras que haviam pensado asuniversidades
naAmérica Latina ecujasideiasatravessaramBogotá, Caracase Havana no século XX. Por sua vez,ogrupo organizou, na FAU-
UFRJ
, umaexposição acerca das cidadesuniversitáriase passouaorientar pesquisassobreoassuntodurantea maiorparteda década
.
(ALBERTO, 2003, 2008)
ComArango, asquestõesde historiografia tornaram
-
se também umfoco ainda mais privilegiado diante da experiência, agora, latino
--
americana. Noções como transferência, modelo e estilo perdiam completamente o sentido diante da visão cultural, historicamentesituada e encarnada dos atores
.
Na busca de construção de uma»
história pensada nessestermos,comotentávamosconstruir, mesmo livros extremamente relevantes na iniciação às questões estéticas
-como Flash and Stone
,
de Richard Sennet, publicado em português nesses anos-
e que valorizavam a experiência e, portanto, o corpojá não podiam epistemológicamentesatisfazer olaboratório.
Nointeriordo leUeantesdele,otemadocorpoeraumaherançados
estudos dePereirasobreo barrocoe, comosedisse,sobre afilosofia
da natureza
.
Havia sido tratado por Lucas Guimarães e por ElisaNascimento Fonseca na pesquisasobreJoaquimCardozo
.
Porsuavez,a análise do discurso iconográfico e cartográfico havia sido tratada
igualmenteemdiversos trabalhosdePereira e havia ganhadoespaço
nas atividades do laboratório em função dos temas trabalhados em
*
pesquisasespecíficascom osalunos de iniciaçãocientífica8ou pelos
Como um novo campo de sensibilização pedagógica, um longo
ciclo de palestras semanais de extensão realizado no Instituto de
ArquitetosdoBrasil(IAB) noRiode
Janeiro
,intituladoArquitetura e Educação-
Aeducaçãodos Sentidos, foi organizado,sublinhandoas marcas de Friedrichvon Schiller e deseu livro Aeducação estética
do homem
,
leitura obrigatória dos aspirantes a membros do grupo.
Costurando articulações sobre um campo de debates que não só
fazia interagir presente e passado, mas também estética e ética, e
segundo diversosarcos temporais, tensionavam
-
se as relações entreduas práticas edificatorias, a do pensar e a doconstruir,
mostrando
a sua indissolubilidade.9
Como já salientado, as práticas concretas do grupo com temas
contemporâneosqueatravessamocotidianomobilizavamas pesquisas
históricas,eestas, porsuavez,chamavam aatenção para o que havia
ficado à margem nas históriasoficiais. Isso significadizer que, mais
umavez,não setratava deafetar
-
secomcorpos conceituais eabstratos,mas de um corpo a corpo que, muitas vezes, artigos, dissertações e
teses tendem a silenciar. Ou ainda, como lembra Ortiz citando o
poeta Blaise Cendrarsem seu livro Aujourd
’
hui,
publicado em 1931,asatividades humanas
,
comoaescrita,eram também pensadascomo ações decriação cujo pontode partidaé a profunda consciência dotempo presenteecujo motor roda em espiral.
Na transversalidade da organizaçãodo leU,osalunos de mestradoe de doutorado foram convidadosacoorientarostrabalhos deiniciacão»
científica, a seengajarresponsavelmentenatarefa deconjugarliberdade esolidariedade,organizando,elestambém,semináriosespecíficosde
leituras segundosuasinclinaçõesteóricasetemáticas.Ogruponão era
maisum espaço pluralde estudos de história do urbanismo, masde hermenêutica
,
deepistemología,
dehistoriografia,
entendidoscomo o próprioexercícioconceituaidecontribuirna manutençãodocampocientíficoao narraro passado
.
Nessesseminários,foram discutidas,entre outras, a obra de Françoise Choay e de Marcel Roncayolo e,
ainda, as primeiras formulaçõessobre a noçãode nebulosa.
Exercitou
-
se a escrita conjunta de artigos em coautorias horizontaiseverticais,sobre historiografia,e otrabalhocom aantologia comos
F A Z E R P O U CR O N O LO G I A S LEU . U F R J
alunos deiniciacã» ocientífica revelou aindaum novodesafio:deslocar os preconceitos contra a história quantitativa. Na
medida
em que as pesquisas mostravam que muitos urbanistas, desde os irmãos Bonifácio,haviamseaproximadociobinómio“ver e prever” aolongodo século XIX e participado da história das estatísticas no Brasil,10
o urbanismo via
-
se não só ligado ao sentido de previsão, implícito nas estatísticas, mas também daquelesque, desdea Proclamação daIndependência,pensaramadimensãolocal,participandociahistória do movimentomunicipalista no Brasil
.
Ora, diversos desses gestos são invisíveis ou menosprezados nas
estatísticasacadêmicasquetambémsãofeitas
.
Contudo,essa prática,sempre estimulada na cultura cie grupo leusiana, permitiu a alguns de nós pensar como o tripé da universidade moderna, concebida por Wilhelmvon Humboldt,era uma atitude,eraumavivência,era uma história feita em corpo, uma história encarnadae conectada a
outras histórias,sedimentada em tantosoutros corpos.
Portanto, não se tratava, nossemináriose demaisatividades,apenas de falar cie números, de croquis de projetos abstratamente, mas de vê
-
los nascer, se transmutar.
Não se falava apenas das arquiteturaspedagógicas, da históriamaterial dos edifíciosescolares,masdeensaiar
suaspossibilidades,desenhandoestratégiasparafranquearumdiálogo
aberto. Não se tratava de aprisionar o outro numa teia narrativa e sujeitá
-
loàpobreza cieumaexperiência“galvanizada”,mas, aocontrário,colocarasi e ooutroem liberdadeenaatualizaçãodeumaexperiência
presentificada
.
"
Foi nessecontexto queo leU ganhou forma.
SOBRE ANTOLOGIAS
E
CRONOLOGIAS
OU O DESAFIO
DE
INVENTARCLÁSSICOS
O Laboratório cie Estudos Urbanos
,
desde sua formulação, foiintimamentechamado leU - lê
-
seseparadamente:le U.
Esse apelidofoi, cie certo modo, fruto de um acaso. Contudo, é entre esse
“
1”grande,quedesigna aamplitudeda aventurasocialeculturalquesão
as cidades e a experiência urbana, que se demarcaram, assim, suas
práticas coletivas e colaborativas, dedicadasaoestudo do desafio de
viver juntoseapartedeimersão eestranhezaque requer,institui,revela
.
Entretanto, como enfrentar, como deslocar, como desconstruir o
pensamentodicotômicoque rege a disjunção entre teoria e história,
ou teoria e ação, e, com ele, o esvaziamento conceituai que vem
marcando a prática da arquitetura e do urbanismo no Brasil nas últimasdécadas?
Na verdade, quais estratégias a desenvolver contra um utilitarismo
crescente e um funcionalismo de difícil desconstrução e que, além
do mais, continuam a ser reforçados por certas práticas de ensino
e investigação que se multiplicam em “ escolas” de arquitetura e
urbanismo?
Arespostaque,nolaboratório,vemsetentando daraessasquestõesé
aderememoraranaturezacultural,ética,estéticae política da prática
da arquitetura eque,desdeos séculos XVeXVI,é ressignificada,de
par com diversos saberes, dando forma tanto a uma reflexão sobre
as cidadesquantoao próprio urbanismo.
Nessesentido,vem parecendoserdesejávelse perguntarquais seriam asteoriasem disputasobre a práticadaarquitetura e do urbanismo,
defendidaporcertos atores,enãoporoutros
-
desculpemainsistência em falar o óbvio-
, considerando ainda que o próprio processo deurbanização do território que hojechamamos Brasil é indissociável de sucessivos cortes no campo do conhecimento e efe diferentes
histórias de concepçãoeconstruções de cidades.
Assim, o leU vem desempenhando uma mesma tarefa, refeita sob
tantasformasquantoasdeseusintegrantes:construir umahistóriadas
“práticasda arquiteturaedo urbanismoedesuasteorias implícitas” ,
particularmenteao longo dosséculos XIX e XX, o quese traduz na
elaboraçãodeumaantologiadopensamentourbanístico noBrasile,
evidentemente,enfantizarbiografias intelectuaisque necessariamente,
queiramou não osatoresestudados, sãopolíticas.Queira
-
seou não,
se inseremdiretamente no campo político.
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Como nãoéexcessivo repetir, não setratade elaborar umaantologia
dopensamentourbanísticobrasileiro,isto é,sobumviés nacionalista
.
Essenãoé um problemade identidade,masde conflitosentrevisões
desi edooutro
.
Alémdo mais,o própriocampodo urbanismo nãoé um campo fechado
.
Talvez também se deva repetir:o Brasil não éuma ilha
.
O campo cio urbanismo se constituiu cie modo transnacional e a
partirda interaçãode pensadorese profissionais pensandocidadesem
diferentescontextos.Busca
-
se,assim,interpretarcomo osprofissionais,no Brasilealhures,constroemacidadecomoobjetoteórico edeação
.
Busca
-
se também identificara partirdequetemaselaéconsiderada, quaisferramentasessesprofissionaisreclamam-
como asestatísticas, por exemplo-
e com quais atuam coletivamente; como elaboramsuasanálises dacidadeeda urbanização,quepráticas arquitetônicas
defendem ou como realizam seus “diagnósticos” ,como passou
-
se adizer.Enfim,diante dosseuscanteirosespecíficosde trabalho,como
refletem sobreasexperiênciasunsdosoutros,quando,ondeeporquê.
Contudo, quandose é historiador,cabesefazer, maisumavez, uma sériedequestões,acomeçar porseperguntar:oqueéuma antologiae
para queserve? Ou melhor,sabendo
-
sequeumaantologia reú netextosou autoresexemplaressobre um assunto, rapidamenteconstatou
-
sequeasantologías serviam paraconstruirumacultura compartilhada, ou uma iniciação a ela. Contudo, aí começavam as questões mais difíceis. Desdequando existiam antologias na área da arquitetura e
do
urbanismo? Quandoe por que essetipode livropassou aexistire para queecomoseselecionam osautores, textosou obrase se passa a considerarquesãode conhecimentofundamental
e indispensávelpara qualquer debate, independentemente da concordância com suas icieias ou desua atualidade? Éevicienteque aproposta de ítalo
Calvino de como1er os clássicos é um enorme desafio, mas, aqui,
dito de outraforma:como se inventam clássicos?
Essetipodequestões
-
de ordem teóricaedeformadeabordagem-
,oleUtevequefazer faceao mesmotempoquecontinuavaaempreender
pesquisassobreo movimentomoderno, sobreengenheirosmilitaresou
atéoperíodoentre
-
guerras. Dadaa sua inserção naUFRJ
eoprópriopapeldoRiode
Janeiro
comocidadecapitalaté 1960, acidadee seuambientetécnico,político,administrativoeestéticoacabaram sendo
privilegiados, mas não só
.
Embora nos tivéssemos restringido ao debate sobreas cidades após a Independência,o Brasilé um pa ísondese observam 500anos de
práticas instauradoras decidade
.
É,contudo,
notável(e lamentável)um silê ncio na interpretação sobre essas prá ticas e, justamente,
entendidocomoum campodeatuaçãode modo maisarticulado,ou
como um “campo” nosentido bourdieusiano dotermo.Ouseja,um
campo pressupõe em permanência uma esfera pública e uma arena
de disputas, convergências,conflitos, deslocamentos de sentidos
.
É evidente que pesa sobre essa situação epistemológica uma visão eurocêntrica que nosformaenosconformaatodos, malgradodécadas
dedebatespós
-
coloniais.Aquestão,então,écomofazerver esse campo,que écomposto pordiferentes culturas-convergentes, divergentes,
parcialmente compartilhadas
-
, como um campo de açao dotadode memórias e de um acúmulo de experiências
.
Isto é, um campodotado de culturasemcontínuo movimentode dominação, de lutas
por autonomia, de hegemonias, de rearranjos
.
A resposta, como se vê, não é simples
.
E como se disse, tem váriasfaces. Elaborar uma antologia
-
e sobretudo no Brasil, onde, comodito, não existequalquer obra dogênero nocampo do urbanismo
-pressupõe um encaminhamento extremamente atento para que se
pratiqueoexercíciocrítico, oajuizamento e aescolha
-
e, portanto,o arbítrio já mencionado
-
, mas onde se evitem arbitrariedades.
A partir do trabalho interno de duas décadas no laboratório,
atualmente, a antologia é composta por um conjunto de autores
reunidosemquatrograndesnuvens,quatrotomos,em funçãotantoda
intensidadede«problemas,queelesprópriosparecem terenfrentado
sobcertas condições, quanto de mudançassobre a própria visãode
conhecimento
.
Contudo,elaé maisdoque umacoletânea detextosde autores quebuscaram agirdiante dacondiçãocitadinae urbana,
a que percebem como um problema apresentado a partir de suas
FAZER POU CR O N O LO GIA S LEU . U F R J
biografias
.
Asua confecção-
ou a escolha dos clássicos-
tem sidoumaferramentade iniciaçãoàformação e à pesquisa e umdetonador
deoutras possibilidadesde práticas e discursos historiográficos. Eé
dela que decorre a própria metáfora das nebulosas do pensamento
urbanístico.
D e todo mode, começamos, há mais de 20 anos, por estudar o
gênero das antologias,
estabelecendo
quando haviam surgido e emque ritmo foram publicadas, a forma como foram estruturadas, em quais países e por quê
.
Pareceu-
nos claro, nesses trabalhos iniciais,queasantologias dearquitetura eurbanismoganhamforma pari passu
com uma mutação epistemológica importante na década de 1960
e que se articula à crítica ao funcionalismo, e a de Ulrich Conrads
(
1964
) e a de Françoise Choay (1965) podem ser apontadas como umas das primeiras.
Ulrich Conradsesuaantologia Programs and Manifestoeson20th
-
CenturyArchitecture jamaisforam publicadosnoBrasil. Contudo,seu livro, ao
ladodaquele de Choay, sinalizou uma tenderia quese multiplicaria
desde aquela década.Asaber, um tipo de livroque em vários países
passou a reunir autores de tempos e horizontes culturais diversos
em tornoda reflexãosobre acidadeeoquelhe singularizariacomo
modo de vida,concebendo novas cidades
-
em sua forma material,social e política - ou reformando
-
as.Urbanismo: utopias e realidades
,
de autoria de Françoise Choay, foipublicado em português 15 anos depois que sua primeira edição na França
.
No Brasil, o livrocirculou a partir da redemocratização,simplesmentecomotítulo Urbanismo
,
e servedeexemplo das violênciasredutorasqueomercado editorialouadesatençãodotradutorimpõe
nas traduções das obras, como mencionava Berman.
Naverdade,suaautoralutava,comosevêdesdeotítulo,contraa ideia
de modeloe jáapontava,portanto,paraumaideia de pluralidadeede
debatesentre culturas profissionais, quedrasticamentedesapareceu
do título em português
.
Em nosso trabalho, aobra de Choay,ao ser cotejada a umasériede
por datação, contraste, comparação, recorte, forma de análise e
vocabulário, a própria difusão e o formato das antologias e como
certos autores haviamse tornado “clássicos”.
Quando, a partir dasegunda metade dos anos 1990, começamos a pensar aAntologiado Pensamento Urbanístico,que ainda hoje nos
ocupa,existiam poucasantologiaseelas ainda não haviam explodido
como gênero na área.
Nas antologiaseditadasemdiversos países,identificamososautores
internacionais mais recorrentes em diversas línguas e comparamos
também os textos selecionados. Constatamos diferenças entre as
»
antologias não só de tradução ou de versão de uma língua a outra
.
A própria seleção do texto a ser publicado, dentro do conjunto da
obra deumautor,levou
-
noscadavezmaisa nosdedicaràsbiografiasdos autoresselecionados, situando suas propostas e suas reflexões,
anotando seus interlocutores ou o alvo desuas críticas, elencando,
enfim, outrosautores.
As antologias como gênero se tornaram focos de interesse e de colaboração em nosso trabalho com Paola Berenstein Jacques, que
imaginava, naqueles anos, organizar uma antologia de textos de estética, desde nossoencontroem 1999
.
Como mencionadoacima,havíamosintuídoambas,de inícioseparadamente,queaconstrução
de um solo de leituras compartilhadas sobre textos nas áreas de
estética ede urbanismo pareciaserdesejável paraseestabelecer uma
culturacomumque, nãosendohomogénea,propiciassequediferentes
formaçõeseculturasdialogassemou seconfrontassem francamente
.
Foramestudadas maisde 17antologias publicadasentreos anos1965e 2000, com Berenstein
-
Jacques,queelencavamos “clássicos” daárea em diversos países.
Uma a umadessas antologias deu origem a umatabulação, estabelecendo asocorrências e recorrênciasde autorese
de textos e, ainda, engendrando análises sobre o modo como cada
antologia havia sidoorganizada-se portema, se porárea geográfica,
se por data
.
O trabalho com as antologias internacionais, com as biografias
intelectual dos autores, com a seleção de textos e com a hesitação
7 » i
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sobreseusescritos maisimportantes e, enfim,com oprópriocampo profissional dos autores locais
identificados -
e, diga-
se, com asculturasdisciplinares
-
levou-
nosafazer dezenas de cronologiasparafundamentar nossas escolhas
.
Passava-
se a melhor identificar, desse modo, “gerações”, tempos de projetos, ritmosde realizações, trocascientíficas, interações pessoais e institucionais, temas enfocados, vocabulá rios, recepção e alcance de iniciativas, crises, disputas,
secessões
.
Emsuma,formulare corrigir hipótesesesersurpreendidocom o que sequer pensou.
É nesse processo de indexação de informações que as cronologias
permitem e nas infinitas articulações de sentido que estimulam, que a ideia de organizaçãode uma cronologia on
-
line do urbanismocomeçoua serpensadacomobanco dedados,noiníciodosanos2000
.
Aline Couri Fabião, então bolsista de iniciação científica, percebeu que as cronologias podiam ser consultadas de forma autónoma e
que, inclusive, o alcance na difusão de resultados de pesquisa que poderiam se tornar digitais
.
12 Ela rememora:Em 2002,a grande cronologiaem papelque sedesdobravaem
incontáveis hiperlinksfeitosa lápisera amaterializaçãodeum
pensamentomultidimensional,porque nãoconsistiaem apenas
umasequencia linear de fontes - eventos, publicações, obras,
manifestos, projetos.
Justamente
, era uma forma de pensar asobrevivência,adifusão easatualizaçõesde ideias numaescala
mundial,tendocomo pontodevistainicialoBrasilea América
Latina.
Seu hipertexto a lá pis me fez sugerir uma versão digital da
Cronologia
.
Vislumbramos algo warburguiano, mesmo semconhecer a obra desse autor
.
13 A difusão on-
line certamentepossibilitariaque novasquestões einterpretaçõesfossemcriadas
a partir da base disponibilizada. Ese Warburg pôde, até certo
momento,14emsua Kulturwissenschaftliche Bibliothek,pensare
criarsentidosmudandooslivros delugar,poderíamoscertamente
fazer algo parecido manipulando a imagem digital móvel e
A Cronología do Pensamento Urbanístico foi pensada para
suportar imagens e textos
.
Cada fonte indexada levaria aoutras.Inicialmente, tinhamais imagensdoque a versãoatual;
entretanto,questõestécnicasede propriedade foram lentamente minimizandoaquantidade delas. O objetivo desuaconstrução
foi permitir que os leitorescriassem suas próprias conexões e
sentidosa partirdos dadosdisponíveis.Pensaratravésde dados
nãolinearmenteenumerados,quesão umconvite à deriva,ao
olharinquieto,quebuscasentidosousentimentos.Cortessecos,
fusões,sobreposições ou transições. Enquadramentos de algo
queé maiorqueo nosso recursocognitivodecompartimentação
e de criação de sentidos através da criação de conjuntos ede
linguagem
.
Enfim,aCronologiacomo umarticulador de sentidos.Hoje, em seu atual formato desenvolvido pelo Laboratório Urbano da UFBA, a Cronologia do Pensamento Urbanístico é um dispositivo
de pesquisa ondine consultado por milhares de usuários acada mês,
confirmando a percepção inicial de Fabião sobre a amplitude dos recursoscognitivosqueofereceacada umque aconsultaemanipula
.
De todo modo, em papel ou ondine,
as cronologias realizadas pelos membrosdo leUemsuasteses,dissertaçõesetrabalhos de iniciacãocientífica passarama ser um primeiro instrumentodeformação,como
sedisse, edesistematizaçãodas informaçõesreunidassobreocampo profissional e disciplinar. Elas mostravam com clareza o ritmo da
circulaçãodetemas,manifestos, propostase,ainda,ao sercruzadacom asbiografiasdosarquitetos, urbanistas, paisagistas e pessoaspúblicas
estudadas,constatava
-
seaformaçãode lacosnacionaisetransnacionaisentre osatores, identificá
ndoos
com mais atençãoem suas práticase, portanto, suasespecifidades e redes de sociabilidade e diferentes
vertentesdas culturaslocaisetransnacionais - diferentes nebulosas
.
Mas, justamente,quaisseriam osclássicosnoBrasil?Evidentemente, graçasàscronologias,começamosdesenvolver uma atençãocadavez
mais fina às fontes primárias - uma vez que, muitas vezes, os livros
disponíveis forneciam informações erróneas ou contraditórias - e,
ainda, à biografia de cada autor brasileiro. A obra de dezenas de
profissionais era ainda pouco conhecida, quando não totalmente
desconhecida ou resumida em poucas linhas, o que exigia muito
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trabalho depesquisacomfontesprimárias para poder,com segurança,
avaliar suascontribuições no plano sociale cultural
.
Esses foram os casos de alguns autores nacionais selecionados,
como Pedro de Alcântara Bellegarde, Conrado
Jacob
Niemeyer,Daniel Pedro Müller, o senador Vergueiro ou
Jules
Benoît Mûre,porexemplo. Mastambémfoiodefigurascxccssivamcntcestudadas,
mas vistas como personagens alheiasa questões urbanísticas,como Manuel de Araú jo Porto
-
Alegre ouJos
é Bonifácio.
Enfim, namedida em que as cronologias revelavam também as interações
nacionais e internacionais e,assim,circulações erecepçõesdeautores,
relações de parentesco ou de sociabilidade, as pesquisas abriram
-
separa a exploração de fontes primárias em acervos internacionais,
como o caso não apenas de Grandjean de Montigny, mas também
de
Joachim
Lebreton, Jeremy Bentham, Gottfried Semper-mencionando
-
se, aqui, apenas alguns autores presentes no tomo 1-
ou de Agache, Le Corbusier ou da própria FrançoiseChoay,paracitar autores pré
-
selecionados para outros tomos.
E preciso notarque, mesmo se as questões historiográficas e teórico
-
metodológicaspassaram a ganhar relevância nos anos 2010, como se disse, não se
abandonou a história cio urbanismo e da arquitetura estrito senso.
De fato, no tempo longode contato dos membros mais antigosdo
laboratório,se construiu uma série de pesquisas parciais, das quais os fragmentos organizados na Antologia são apenas a ponta do
iceberg
.
Tributária da abordagem antropológica cie FrançoiseChoay;da atenção de Marcel Roncayolo ao território, às temporalidades e
àsespacialicladesdeterminadas pelacultura;edaatençãosociológica
de Christian Topalovàs “nebulosas” e aovocabulárioempregado, o
viésde pesquisado leU insistiu notramentodos corpora documentais
sobreosautores
estudados
apartir deumaperspectivatransnacional,examinandoasredesdas cidadese regiõesdoBrasil,seusconceptores,
suas formas,suas poéticas.
Otrabalho daAntologiaedaCronologiadesenhou novasintersecções,
pontuando esse novelo extenso de contatos e de laços sociais no
campo da cultura de maneira não abstrata, mostrando formações,
diferentes redessociaisobservadasemum mesmointervalotemporal
.
Mostrou,enfim, como sedisse,osconflitosentreasdiferentespráticasque assustentavam e,sobretudo, uma interação, maisdoque entre
entre cidades cujas alianças, tanto quanto as tensões, são
nacoes»
mutáveis na longa duração
.
Tãosubmerso quanto ograndecorpodesse icebergc a pcrccpçãode
queas pesquisas para aAntologiaformaram duasgeraçõesde novos pesquisadores para os quais pensar por biografias, por cronologias,
por cartografias-enfim, por nebulosas - é,em alguma medida, um
saberencarnado
.
Seja peloscontatos de primeiro grau ou indiretoscom os pesquisadores,seja pela mediação com vidasque se fizeram
obras e nosafetaram, o processo de pesquisa nesses modos de fazer
revivifica, atualiza, incorpora
.
Ainvençãodosclássicoscontinuaria a nosinterrogarem permanência
nesta última década, complexificando a própria compreensão da
arquitetura, do urbanismo e de suas histórias oficiais
.
Assim, nosperguntamos com frequência: por que tal texto deste autor foi
considerado importante e foi publicado internacionalmente, se no Brasil foi um outro que ganhou maior atenção? Por que este autor
italianonãofiguraem nenhuma antologiaitaliana,francesaoualemã, mas seuslivrosintegram a Biblioteca daImperialAcademia de Belas
Artese mostram
-
seextremamentepertinentesquando cotejadoscomasdiscussõesentreseus pares emseu tempo? Quem os comprou,quem
os leu?Quantossilênciosainda encobrema históriadaarquitetura e
do urbanismo no própriocontextoeuropeu? Por quê?
Das pesquisas precedentes que havíamos feito,15 haviam emergido
atorese temas,comomencionado, mas comorespeitar,defato
,
suasbiografias,entendendo
-
as nointeriorde umcampocultural-
social e subjetivo específico e preciso - sem se debruçarsobre elas? Naspráticas do leU, um trabalhoentre vida e obra, para além da noção de escolas, de movimentos, de estilos, tornou
-
se preponderante, ecronologiasisoladasou um processo intuitivoou aleatóriode escolhas
%
eas associaçõesiniciaisde fontos jánãobastavam.Amedidaquenovas
cronologias eram feitas, novos nexos, novas redes de sociabilidade
eram estabelecidas
.
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A feitura e as faturas da Cronologia do Urbanismo trouxeram ainda
outrastantas interrogaçõessobreosignificado decada umdosnossos
gestosdeidentificaçãode cadafonte,dacaptura de cada informação,
sobre as possibilidades de associações e nexos entre elas, sobre as
rupturashistóricasanticonformistas,os momentosdecríticaatentos
à dimensãosocial,cultural ede mudança tecnológica
.
Enfim,sobreos momentos ce explosão de conflitos e crises
-
guerras, revoltas,insurreições -, mas tambémsobre aqueles que haviam sido de pura repressão, intimidação,violência e aniquilamento das diferenças
.
No caso cio Brasil, com a contínua organização nas diferentes cronologias, das biografias e dataçãode temas e problemas, algunsdos momentos privilegiados de debates sobre as cidades foram se
tornando claríssimos.
Nãosetratavaciesecontentarcom a emergênciacieumainterpretação
ingénua ou atribuir seja uma autonomia, seja uma autoridade das fontes, mas de se abrir a perscrutar as associações que emergem na
errânria tafeante da crítica, da autocrítica, no estabelecimento de uma possibilidadede conclusão
.
Aqui, a errância exige disciplina, mas nada tem a ver com
disciplinarização
.
Abre-
se para a complexidade e infinitudeinextricáveis da vicia, para a qual a narrativiciade busca ciar inteligibilidadee
intertextualidade,
guardandosua partecie segrecioe intriga
.
(RICOEUR, 1983) Portanto, uma hermenêutica deindícios cruzados permite, entre as nebulosas deontem e de hoje,
se reinventarem vicias cruzadas que podem existir uma vez mais
reverberancioem nós
.
Esse processo crítico de atualização da escrita da história, de
“construção e destruição de unidades” (CERTEAU, 1990), se fez
presentecotidianamente nas pesquisasda Antologiaem seus modos
defazer,e seus resultadospodemserevocadosem pelomenos quatro
direções.AreincidênciadotrabalhonoleUde pesquisassobreautores
estrangeiros, muitas vezes consagrados em outras antologias, não
reproduziu acriticamente perspectivas e recortes.
tensionamento e aguçamento da observação crítica sobre formas
de narrativas.Assim, por exemplo, Quatremère deQuincy não foi
tratadonotrabalho silenciosoedeformaçãociaantologiaorganizada peloleU, apenas comoautorde um fragmentodetextosolto,acerca
dotipoedo modelo, comoseria ocaso naAntologia
cr
íticacie LucianoPatetta, por exemplo
.
A partirde insumos de pesquisa cia iniciação científicacieWagner da Silva Pereira Bahia,seu textofoiconsideradocomogestode um ator histórico que age em um campo cie debates
específicos e tensionado pelo cruzamento de sua biografia com aquela cie seus contemporâneos, como
Joachim
Lebreton e VivantDenon, objeto de cronologias, ambas mais ou menos detalhadas,
conforme o caso
.
Contudo, pode
-
se destacar, em segundo lugar, que,à lista inicial, seacrescentaram ainda outros autores, temas e problemas devido ao
tratamentociecaráterexploratórioecomfontes primáriasdedicacio
aosautorespré
-
selecionacios.
Naverdade,enquantoprocessoaberto ciepesquisa, notrabalhocieprescrutarumalista deautoresinternacionais
e nacionais cuja proposição partiu inicialmente da coordenaçãocie
Pereiraainda noin íciodosanos2000,esseprocedimentováriasvezes serepetiu.Distoécasoemblemático Benoît
Jules
Müre,figura-
chave por trás cio Falanstériode Saí, em Santa Catarina.
Incluído a partir do desdobramento das pesquisas sobre Charles FouriereVictor Consicierant, identificado na pesquisacie iniciação científica de Viviane Rocirigues e nas cronologias dedicadas a eles,
Müre serve de pivô para entendera articulação entre as “nebulosas
reformadoras
”
organizadasem associaçõesfourieristas naFrança.
Suamobilidade transcontinentaleseusarranjosecompromisso juntoa
outras açõescoletivas,110Brasil, Leveseusignificado socialdesvelado
somente ao longo das investigações originais
.
São ações de gruposque,aovislumbrarem e lutarem por um novo horizonte para a vida
coletiva, criam espaçoscie institucionalização,
difundindo
, durante a primeira metade doséculo XIX, não sócertas teses, mas tambémcontribuindo para a invenção cie termos e conceitos novos, como “socialismo” e “socialista” , cujos usos sociais na língua portuguesa
são hoje naturalizados
.
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Em uma terceira direção, podem
-
se apontar os processos deressignificação, por vezes violentos, que puderam ser apontados e
interpretados.Por exemplo,emcontrapontoàideiade umaempreitada
fracassadaemSaí,tatearasatividades daAssociaçãoUnião eIndústria
- reconfigurada como “névoa” que apenasse percebe
-
e desvendarsuasdiferentes articulações noBrasilpermitiu pensar a potência das
nebulosas reformadoras no pais e como perseveraram em outros projetos,comoutrasconfigurações,cujosucessosilenciosoescamoteou
enormeslutassociais.Isto tambémfoinotável,sejanalutadeutopistas, feitosartesãosmodestoseaguerridosnaconstruçãoda estrada daSerra
da Estrela16equiçáde cidades, apartirdahipótesedesuaparticipação
na construçãode Petrópolis;sejaa luta dosgrupos políticos de elite
no governo da Corte, como é possível pensar, encorajados pelos desdobramentos e aportes de pesquisa de Priscilla Peixoto sobre
Paulo Barbosa, mordomoda Casa Imperial
.
Enfim, em quarto lugar e numa quarta direção que os trabalhos da
Antologiasedesenvolveram, poderíamossalientara revisãodealguns
autores que, como Mûre, basculam mundos. É o caso de Manuel
de Araú jo Porto
-
Alegre com relação à Academia Imperial de BelasArteseàAcademia Militar, ou talvez, parafalardeumafigura menos
conhecida, de Pedro de Alcântara Bellegarde, já citado, objeto de
pesquisa de inciação científicade
Jo
ãoSayd.Este último, engenheiro, foi o responsável por conceber uma nova
escola de formação de “arquitetos medidores” em Niterói, que se
dobra sobre asduas academias e desdobra na instauração de um
»
novo perfil profissional, que poderíamos dizer se tratar, talvez, de
um “ urbanista” .
Finalmente, e de forma ainda mais clivada que no casode Pedrode
Alcântara Bellegarde,temosfigurascujaação pedagógicaambicionou
ainda mais radicalmentea bildung total doshomens,comoé possível
pensar apartirdo estudoda biografia de
Jos
éBonifácio,jámencionado,mostrando sua face para além daquela de político e cientista como pensador da vida coletivaedas cidades.(MAGALHÃES, 2018)Aqui
afetado pela sua aposta radical numa açãotransformadora, na qual
deseja a transformação radical das condições materiais e imateriais
de possibilidade existencial e o “sonho do patriarca” , como diria
Lucio Costa
.
Istoé, a Brasília deJos
é Bonifácio, como perceberam Costa e, de outra forma, Joaquim Cardozo, poderia nortear novaspossibilidades deser Brasil, novas possibilidades cieser brasileiroe, sobretudo, novaspossibilidades deser homem
.
Ao se acumularem as práticas e discursos dos diferentes atores e
potenciais autores a figurarem na sempre incompleta Antologia do
urbanismo
no Brasil, à medida em que as informações iam sendoespacializadasnasdatas,nascidadeenos paísesnosquaishabitavamou
atuavam,seus projetos paracidades novas,deintervenções ereformas
emcidadesantigas,de rompimentoscom formas tradicionais de vida
coletiva,seus itinerários profissionaise pessoais,com suasafinidades
eletivas, iam se aglutinando, se separando, se autonomizando, se
concentrando,emtempos,em lugares, emcidades,definindoenormes
constelações
-
ou, como passamos a chamar, enormes nebulosas.Nuvensformadasporfeixesdeaçõesde diferentesformatosque iam
sendo desenhadas dentro e fora de tantas outras nuvens e, por sua
vez, desenhavam a própria possibilidade de leitura de uma história
do pensamento urbanístico; híbrido e plural,
situado,
concreto naespessura de cada corpo, de cada existência, de cada luta, de cada sonho
,
de cada história cie vida.
Muito além cio foco inicial ciaspesquisas
-
o RiocieJaneiro
.
Vistasde longe,as nebulosasformadasgraças àscronologias cruzadas e à observância estrita de um mesmo metron
-
sempre um mesmointervalo que pode representar um ano, um mês ou uma semana,
por exemplo - possibilitavam identificar, em um mesmo recorte
temporal,asredes deintercâmbio intelectual,acadêmico,científicoe
artísticoe,ainda,asreciesdecidadeseinstituiçõesapartirdas quais
determinadoscírculos urbanísticos se organizavam,se movimentavam
e agiam de maneira articulada
.
Contudo, elas nem sempre eram sistémicas, ou, por outra, elas se
mostravamcomo sistemasabertose,quandose comparavam regiões
geográficas, tampouco eram necessariamente sincrónicas
.
Certasdiscussões se davam antes em certos lugares do que em outros e
F A Z E R P O U CR O N O LO G I A S LEU . U F R J
inclusive,evidentemente, nascidades latino
-
americanasou em outrosespaços tidos como perféricos
.
Por fim, as cronologiascruzadas
, aomostrarem configuraçõesefémeras emutáveis,colocavamemquestãoa
própria ideia de rede,obrigandoa pensar asinteraçõesde modo flexível
.
De todo modo, foi a indexação de in úmeras informações bio
--
bibliográficas sobre cada autor selecionado, dispostas em vá riaslinhas detempo,quepermitiu quevidaseobrasfossem comparadase
inter
-
relacionadasaoutroseventose,enfim,selecionados, entreidase vindas, os textos e,sobretudo, os autoresqueseriam transcritose
traduzidos paraa Antologia.
Na medida em que refletir sobre otempo, sobre as temporalidades,
sobre asvisões hegemónicasdetempoesobreasarmadilhasàs quais
se está expostoao pensar em termos cronológicos, algumas outras
consideraçõessão necessárias quando se trabalhacom cronologias
.
Defato,elasexigem uma métrica rigorosa, comoaadotada peloleU
naelaboraçãodassuascronologiasparaacapturadas informações, e
funcionam comouma pauta denotaçãomusical nasquaisseobservam
ritmos, cadências, pausas, silêncios, avanços, acelerações, fugas,
recuos, errâncias,clímax, crises, latências, Leitmotiven
,
dissonâncias.
É curioso notar o sem número de vezes nas quais o trabalho do
laboratóriocom ascronologias foiconfundidocom umavisãolinear
do tempo, quando, ao contrário, sãoelas que permitem que sejam
criadas cartografias das diversas temporalidades em presença, ou a própriacontruçãohistóricade umavisãode tempolinear,articulado
e causal.
Énotávelcomo,em 20anos,são milharesoslivroseasexposições que se fazem acompanhar de linhas de tempo,e na internet igualmente são numerosos osaplicativosquepermitemconstruí
-
las, maspode-
sedizerque,emgrande medida,elasmaisescondem doquedespertam asdiscussõesimplícitassobrea movimentaçãotemporaldeindivíduos
,
obras, movimentos ou formas construídas.
Foi um árduo trabalho justificar nomeioacadêmico, nesses últimos
20 anos, queo uso de cronologias, ele próprio, nada tem com uma
quanto, ao contrário, elas permitiam, em seu uso metódico, ver a
construção decertos aspectosda vida coletiva ganharem aformade
problemas e as maneiras diferenciadas como estes passavam a ser
enunciados de um local aoutro ou de um autor a outro
.
Emsuma,oexercícioespeculativo paraa identificaçãodos clássicos, sustentado pelamétricadascronologias,mostravaquandocondecertos
temaseram nãosóenunciadose agregavamosatores, mastambémfazia
vê
-
lossercotidianamente lembradospor um mesmoautor anos afio ou,enfim,voltarem a serdebatidosna cena pública,após teremsidoabandonados, às vezes,durantedé
cadas
.
Entreoutrostantosaspectos,as cronologias e as nebulosas formavam, apontavam rupturas ou
formaçãode aliançaseconsensos,mas tambémdesvelavam práticase discursos ignoradosnoplano coletivo, muitasvezespormaisdeséculos
.
Pensar por nebulosas, pensar com nebulosas, pensarnebulosas
.
Tanto a força das imagens quanto a precariedade eefemeridade delas ou
,
ainda, sua movimentação mostravam seupotencial altamente político no que revelavam dossaberes eruditos
-
mas também de seus limites - e da observação de ondas de»
autoritarismos,de hegemonias,de dominaçõesculturais,científicas
e políticas
.
Pensar por nebulosas começava, assim, a impor-
se para o leU como problema historiográfico, o que quer dizer no planotéorico eepistemológico, istoé,em relaçãoa própriaideia detempo,
de conhecimentoe história.
partir de
Nesse modo de praticar a escrita da história, o atode interrogar o
passadobuscaserencarnado, umacoemergênciaciaquiloquesetoma
comoobjetodoo.haredo discurso deobservação e interpretaçãodo
própriopesquisador
.
Istoé, tudose situa no próprioimpulso reflexivo,quese torna duplamente implicado: tantoem um presente naquilo
queopesquisadorexperimentaquanto naquiloqueextraido rumor
das narrativas sobre o vivido e até então permanecia latente e sob
silêncio, seja como uma violência, seja como um desejo, mas que, enfim, se impõe como algo a ser pensado
.
É essa memória que se delineiacomoobjeto historiográfico, comotemaaserobjetivado,para quesejaalçada a ser umapossibilidadede meditaçãocompartilhadaem relação àsfábulas plenasde memórias de tantospresentes