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Van Gogh no MASP

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

Van Gogh no MASP

Felipe Sevilhano Martinez

CAMPINAS 2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

Van Gogh no MASP

FELIPE SEVILHANO MARTINEZ

ORIENTADOR: Prof.Dr. Jorge Sidney Coli Júnior

Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, como requisito para obtenção do título de Mestre em História, na Área de Concentração em História da Arte.

CAMPINAS 2015 ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO DEFENDIDA PELO ALUNO

FELIPE SEVILHANO MARTINEZ, E ORIENTADA PELO

PROF. DR. JORGE SIDNEY COLI JÚNIOR. CPG, 23/02/2015.

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Cecília Maria Jorge Nicolau - CRB 8/3387

Martinez, Felipe Sevilhano, 1986-

M366v Van Gogh no MASP / Felipe Sevilhano Martinez. – Campinas, SP : [s.n.], 2015.

Orientador: Jorge Sidney Coli Júnior.

Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

1. Gogh, Vincent van, 1853-1890. 2. Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand. 3. Pintura holandesa. 4. Pós-impressionismo (Arte). I. Coli, Jorge,1947-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Van Gogh at MASP Palavras-chave em inglês:

Dutch Painting

Post-Impressionism (Art)

Área de concentração: História da Arte Titulação: Mestre em História

Banca examinadora:

Jorge Sidney Coli Júnior [Orientador] Alexander Gaiotto Miyoshi

Patrícia Dalcanale Meneses

Data de defesa: 23-02-2015

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RESUMO

MARTINEZ, Felipe Sevilhano. Van Gogh no MASP (2015), 221.

Dissertação de Mestrado (Mestre em História da Arte), IFCH, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), 2015.

O Museu de Arte de São Paulo (MASP) possui cinco obras do pintor holandês Vincent van Gogh em sua coleção. São elas: Natureza Morta com Vaso, Prato e Flores; O Escolar; O Banco de Pedra no Asilo em Saint-Rémy; A Arlesiana; O Passeio ao Crepúsculo. O presente trabalho estuda as questões suscitadas por tais obras, de modo a compreender aspectos fundamentais sobre a obra e a biografia de van Gogh. A partir das obras da coleção, o presente estudo aborda questões que variam desde um problema de atribuição, até aspectos concernentes à mitologia criada em torno do pintor, marcada pela loucura e pelo suicídio.

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ABSTRACT

MARTINEZ, Felipe Sevilhano. Van Gogh no MASP (2015), 221.

Dissertação de Mestrado (Mestre em História da Arte), IFCH, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), 2015.

There are five pictures by the Dutch painter Vincent van Gogh at the permanent collection of the Museu de Arte de São Paulo. They are: The Still Life with Vase Plate and Flowers; The Schoolboy; The Stone Bench at the Saint-Rémy Asylum; L’Arlesienne; The Evening Walk. The present study aims to answer the questions posed by these artworks, which vary from an attribution problem to issues concerning the mythology created around the painter, marked by madness and suicide.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 01

BREVE CRONOLOGIA... 05

CAPÍTULO 1 – A NATUREZA MORTA COM VASO PRATO E FLORES... 07

CAPÍTULO 2 – RETRATO DE CAMILLE ROULIN (O ESCOLAR)... 39

CAPÍTULO 3 – O BANCO DE PEDRA NO ASILO EM SAINT-RÉMY... 73

CAPÍTULO 4 – A ARLESIANA... 107

CAPÍTULO 5 – O PASSEIO AO CREPÚSCULO... 135

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 181

APÊNDICE I... 185

APÊNDICE II... 189

APÊNDICE III... 197

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AGRADECIMENTOS

As seguintes pessoas foram importantes ao longo deste trabalho, e a elas dedico meus agradecimentos:

A Andrej Slivnik, pelo companheirismo intelectual, pela amizade e pelo apoio incondicional;

A Larissa Carvalho, pelo afeto, paciência, e pelas informações enviadas de Nova York; A Neville Rowlley, pela amizade e por ter me recebido em Paris;

A Roberto Simiqueli, pelo incentivo para ingressar no programa;

A Priscila Sachettin, pela amizade e pelos dois convites para ministrar aulas em seu curso; A Renato Menezes, por parte das informações enviadas de Paris;

A Eugênia Gorini Esmeraldo, pelas indicações oportunas sobre as obras do museu; A Madu Sigrist pela solicitude e pelas informações familiares concedidas;

A Ivani, e aos demais funcionários na biblioteca do MASP, em especial, Romeu e Thais, que sempre foram imediatamente solícitos às minhas demandas, demonstrando grande profissionalismo;

A meus pais, Neide e Antônio, pelo afeto e pelo apoio, principalmente no período final; Ao professor Jorge Coli, mentor intelectual e grande incentivador de minha transição da Economia para a História da Arte, sem o qual este trabalho sequer seria imaginado.

Agradeço também a CAPES pela bolsa concedida, ao Proex pelo auxílio para pesquisa e ao Museu Van Gogh, que disponibilizou toda a informação requisitada.

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INTRODUÇÃO

O Museu de Arte de São Paulo (MASP) é certamente uma das iniciativas culturais mais importantes da história do Brasil. Foi constituído durante as décadas de 1940 e 1950, sob a liderança de Pietro Maria Bardi e Franciso de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo. O primeiro, um historiador da arte italiano que havia dirigido a Galleria d’Arte di Roma, chegou ao Brasil em 1946, acompanhado de sua esposa, a arquiteta Lina Bo Bardi, responsável pelo projeto do atual prédio do MASP, para o qual o museu se mudou em 19681.

Assis Chateaubriand, por sua vez, era chefe do grupo de comunicação dos Diários Associados, conglomerado midiático que reunia diversos veículos de imprensa, como emissoras de rádio, estações de televisão e uma editora. Chateaubriand utilizava a força de sua máquina de imprensa para angariar doadores para a compra de obras de arte para o museu; se encontrava receptividade, promovia cerimônias de inauguração, fartamente divulgadas nos veículos de comunicação dos Diários Associados, de modo que novos patrocinadores se sentissem atraídos a ter seu nome associado à vinda de novas obras ao país2. Deste modo, ao passo que Bardi tratava de identificar as obras à venda em galerias e museus ao redor do mundo, Chateaubriand cuidava de reunir os recursos necessários para comprá-las.

Assim, em dois de outubro de 1947, o MASP é inaugurado na sede dos Diários Associados, na Rua Sete de Abril, região central de São Paulo3. A cidade foi escolhida em razão de sua crescente importância econômica em meados do século. Na ocasião, a pinacoteca do museu já contava com uma obra de Picasso e um Rembrandt, expostos juntamente com a coleção de arte de Chateaubriand, doada pelo empresário ao museu4.

A concepção de Bardi de que “arte era arte5”, não importando a distinção entre arte

antiga e moderna foi a razão pela qual o museu foi chamado tão somente de Museu de Arte de São Paulo. A extensão da coleção, que varia de obras do renascimento até arte

1 KRIST, M. F. & SIMÕES, M. MASP 60 anos - A história em 3 tempos. São Paulo: MASP, 2009. 2 Idem

3 Ibidem, p. 25. 4 Idem. 5 Ibidem, p. 22.

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contemporânea, revela o projeto inicial de Bardi de tornar o museu um centro cultural dedicado à educação pedagógica, com a finalidade de capacitar o público a respeito das diferentes manifestações artísticas ao longo da história. Era uma espécie de projeto “civilizatório” em um país em franco processo modernizador. Como diz o próprio Bardi no primeiro catálogo do museu, a coleção do MASP estava intimamente ligada às propostas didáticas da instituição6.

Uma vez que a Europa estava se reconstruindo, no imediato pós-guerra, havia uma confluência entre baixa demanda e alta oferta, momento ideal para adquirir as obras de arte por preços compatíveis com as possibilidades do museu. Após três anos, a expansão do museu gerou a necessidade de ocupar mais três andares do prédio dos Diários Associados. Destacam-se, no período, a criação do Instituto de Arte Contemporânea e o Centro de Estudos Cinematográficos, em clara harmonia com a proposta educacional do museu, ambos criados em 1950.

De 1953 a 1954, parte do acervo do MASP foi exposto no Musée de l’Orangerie, em Paris7. O Escolar e a Arlesiana, dois dos quadros aqui analisados, estavam entre as obras escolhidas. Depois, a coleção seguiu para a Tate Gallery, em Londres, para em seguida passar por Utrecht, Bruxelas, Düsseldorf, Berna e Milão, e finalmente chegar aos Estados Unidos, onde foi exposta no Metropolitan Museum de Nova York e no Toledo Museum of Art em Ohio. A turnê pela Europa e pelos Estados Unidos também permitiu que o museu fosse conhecido internacionalmente, e despertasse ofertas de colecionadores dispostos a vender suas obras a preços acessíveis e em condições de pagamento favoráveis8. É no contexto descrito nos parágrafos anteriores que as obras de van Gogh chegam ao país. A primeira delas, A Arlesiana, chegou ao Rio de Janeiro em 1950, e, como informam os jornais da época com uma grande recepção, que contou com a presença do então presidente Eurico Gaspar Dutra, em uma festa promovida na embaixada dos Estados Unidos. O próximo van Gogh a chegar ao Brasil foi o Escolar, em 1952, seguido por O Passeio ao Crepúsculo, no mesmo ano, e pela Natureza Morta com Vaso, Prato e Flores, em 1954. Por fim, foi adquirido O Banco de Pedra no Asilo em Saint-Rémy, em 1958.

6 BARDI, P. M. Museu de Arte de São Paulo: Catálogo das pinturas, esculturas e tapeçarias. São Paulo: MASP, 1963.

7 KRIST, M. F. & SIMÕES, M. op cit. p. 51. 8 Idem.

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Uma das cinco obras presentes em São Paulo, a Natureza Morta com Prato, Vaso e Flores, teve sua autoria contestada em um catálogo raisonné elaborado sobre a obra do pintor em 1970. Em nosso primeiro capítulo, trataremos de esclarecer os argumentos contra e a favor da atribuição, e entender de que modo o diagnóstico dado em 1970 encontra-se obsoleto.

O Escolar, por sua vez, foi pintado no período em que o pintor morou em Arles, cidade localizada na região da Provença, próxima a Marselha, e retrata um dos filhos do carteiro local. Nem sempre a identificação do modelo da obra foi pacífica, mas pudemos confirmar que, de fato, se trata do filho carteiro, por meio de um recente catálogo9 sobre os anos em que o pintor holandês morou na França, escrito por Walter Feichenfeldt e lançado em língua inglesa em dezembro de 2013. Além disso, seu retrato pode ser visto em conjunto com os retratos dos demais membros de sua família, em uma lógica de associações semelhante à utilizada por van Gogh na decoração de seu estúdio.

As três obras restantes foram pintadas no período em que o pintor esteve internado no hospital psiquiátrico Saint-Paul-de-Mausole, em Saint-Rémy-de-Provence. Por sua própria escolha, van Gogh passou cerca de um ano internado na instituição, após uma crise nervosa tida em Arles, em razão da qual cortou sua própria orelha para presentear uma prostituta local.10 O período, como veremos, difere do período arlesiano no que concerne à

utilização das cores.

As obras de Saint-Rémy abordam importantes aspectos da prática artística de van Gogh. Elas revelam um pintor lúcido que, a despeito de estar internado em um hospital psiquiátrico, tinha plena clareza de seus objetivos como artista, e os perseguia com intensidade. Em O Banco de Pedra no Asilo em Saint-Rémy, por exemplo, veremos os recursos compositivos utilizados por van Gogh para criar suas cenas, e de que modo ele imbuia seus motivos de determinados significados, nem sempre evidentes.

A Arlesiana, por sua vez, é uma pintura baseada em um desenho do pintor francês Paul Gauguin. A obra, feita por van Gogh a partir de tal desenho, faz parte de um conjunto de versões diferentes de um mesmo tema. Tal prática foi assunto de uma recente exposição,

9 FEICHENFELDT, W. Vincent van Gogh. The Years in France. Complete Paintings 1886-1890. Londres. Phillip Wilson Publishers, 2013.

10 Van Gogh permaneceu por alguns meses em um hospital em Arles, antes de partir para Saint-Rémy, decisão motivada, entre outras razões, pela resistência dos habitantes da cidade ao pintor.

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chamada Van Gogh Repetitions, realizada no Cleveland Art Institute, em 2013, cujo catálogo11 foi uma das bases de nosso estudo. Ainda, a exposição buscou mostrar a prática

de repetições como um exemplo de procedimento intelectual adotado por van Gogh em sua obra, afastando a ideia, quase automática, de associar o pintor a um estereótipo de gênio impulsivo, incapaz de planejar e executar.

Por fim, O Passeio ao Crepúsculo é uma pintura que evoca os elementos naturais de Saint-Rémy, como os ciprestes, as oliveiras e a cadeia de montanhas dos Alpilles. Ao mesmo tempo, representa uma maneira sintética de tratar os motivos e faz referências a outros momentos da carreira do pintor. Além disso, apesar de ter sido gerada em meio aos tumultos da alma, é uma obra serena, principalmente se comparada a outras do período, como a Noite Estrelada de Saint-Rémy.

Cabe ressaltar que o presente trabalho foi realizado com base em recentes projetos sobre a vida e a obra de van Gogh, como a recente exposição por nós visitada no Museu van Gogh, em Amsterdã, e, intitulada Van Gogh at Work. Além disso, a versão das cartas utilizada durante pesquisa foi extraída do site www.vangoghletters.org, uma publicação da equipe do Museu Van Gogh em Amsterdã. Basta acessar o mecanismo de busca do site para ter acesso a qualquer carta. Para as cartas escritas em holandês, utilizamos a tradução para o inglês feita pela equipe da instituição. As cartas em francês foram lidas em sua versão original e assim mantidas no corpo do texto.

Nas próximas páginas, os aspectos biográficos da vida do pintor serão apresentados em uma breve cronologia. Em seguida, cinco capítulos – um para cada obra do acervo paulista – abordarão os principais aspectos da produção artística de van Gogh suscitados por esses trabalhos, seguindo a ordem de datação das próprias obras.

11 RATHBONE, E.; ROBINSON, W. Van Gogh Repetitions. New Heaven and London. Yale University Press. 2013.

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BREVE CRONOLOGIA

1853 – Nasce Vincent van Gogh em Zundert, na Província de Brabante do Norte, nos

Países Baixos, filho de Theodorus van Gogh e Ana Carbentus. O casal já havia tido um filho natimorto com o mesmo nome, há exatamente um ano do nascimento do futuro pintor.

1857 – Nasce o Theo van Gogh.

1869 – Vincent começa a trabalhar na loja Goupil et Cie como negociante de arte, na filial

administrada por seu tio homônimo, em Haia.

1872 – Vincent envia sua primeira carta a Theo, após o irmão ter passado suas férias em

Haia.

1873 – Muda-se para Londres, para trabalhar na filial Inglesa da casa Goupil. A mudança

era considerada uma promoção. Apaixona-se por Eugénie Loyer e é rejeitado em seu pedido de casamento. No mesmo período, as cartas do próspero jovem de vinte anos passam a ficar mais melancólicas e sombrias. Perde seu trato com os clientes e deixa seus patrões contrariados.

1875 – Van Gogh é transferido a Paris pelos patrões, na esperança que a mudança de ares

reanime o jovem. Na capital francesa, frequenta museus e lê a Bíblia com intensidade.

1876 – Vincent é demitido da Casa Goupil e parte para Londres como professor primário.

Começa a aspirar a carreira de pastor. Faz um sermão em Petersham.

1877 – Começa a trabalhar como vendedor de livros em Dordrecht. Quatro meses depois

parte para Amsterdã, para estudar para a Faculdade de Teologia de Leiden com o professor Mendes da Costa, para tornar-se pastor. Mora com seu tio Jan van Gogh, oficial da marinha.

1878 – Diante de suas dificuldades, Vincent desiste do concurso e recebe uma autorização

para ser missionário no pobre distrito mineiro chamado Borinage, na Béligca, onde presencia acidentes nas minas e cuida dos doentes. Seu zelo excessivo e sua exaltação mística provocam a cassação de sua autorização. Faz os primeiros desenhos de trabalhadores. Começa a encontrar sua vocação para a pintura.

1880 – Parte para Bruxelas, onde conhece o jovem pintor Anthon van Rappard, com que

trocará cartas por cerca de cinco anos. Estuda cópias de Millet e Jules Breton. Começa a ser sustentado pelo irmão.

1881 – Volta a casa dos pais, agora em Etten. Apaixona-se por sua prima Kee Vos, viúva e

mãe de um filho. A frustração amorosa resulta no episódio em que queima sua mão em uma vela para provar seus sentimentos. Faz visitas esporádicas a Haia, onde experimenta o primeiro contato com as tintas sob a tutela de Anthon Mauve.

1882 – Conhece Sien Hoornik, ex-prostituta grávida e mãe de uma filha, com quem passa

a morar. Sien e sua família são modelos constantes no período. Pinta os miseráveis e os idosos desassistidos do asilo público. Vende alguns desenhos a seu tio Cornelius Marinus van Gogh. Rompe com Mauve. Considera Sien e seus filhos como a família que pode ter.

1883 – Fracassa a relação com Sien, motivada, sobretudo por problemas materiais. Parte

para Drenthe onde pinta diversas paisagens. De Drenthe, segue para Nuenen. Entra em contato com a teoria das cores de Delacroix sistematizada por Charles Blanc.

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uma tentativa malsucedida de suicídio por parte da mulher. Realiza a série de Tecelões. Pinta vistas da igreja de Nuenen.

1885 – Morre o pai de Vincent. Pinta os Comedores de Batatas, seu quadro mais

importante do período holandês. Após as críticas do amigo a obra, rompe duramente com Rappard. Visita o Rijksmuseum em Amsterdã, fica maravilhado com as obras de Rembrandt e Hals expostas. O hábito de entrar nas cabanas dos camponeses para retratá-los motiva um falso boato de que teria engravidado uma camponesa local. Parte para a Antuérpia.

1886 – Na Antuérpia, frequenta brevemente a academia de Belas-Artes local. Contempla

obras de Rubens com especial interesse. Menciona pela primeira vez as estampas japonesas. Em fevereiro parte para Paris. Na capital Francesa, frequenta o ateliê de Cormon, onde conhece Bernard, Lautrec e Anquetin. Trava contato com Renoir, Monet, Seurat e Signac. Conhece Gauguin. Pinta naturezas mortas e autorretratos. Entra em contato com a obra de Adolphe Monticelli.

1887 – Experimenta o pontilhismo, a pintura à l’essence e, principalmente, o cloisonismo.

A relação com Theo começa a se deteriorar.

1888 – Buscando preservar a relação com o irmão, parte para o sul da França. Seu objetivo

inicial era chegar a Marselha, mas acaba ficando em Arles. Época de paisagens sublimes e da intensificação do uso das cores. Conhece o carteiro Joseph Roulin e Marie-Julien Ginoux, seus poucos amigos na cidade. Aluga um imóvel na Praça Lamartine que chama de Casa Amarela. Decora o local para receber Gauguin, que chega no segundo semestre. Os conflitos entre as duas fortes personalidades culminam com o episódio em que Vincent corta sua orelha, na véspera do natal. Gauguin parte de Arles.

1889 – Em decorrência da situação insustentável em Arles, decide internar-se no hospital

psiquiátrico de Saint-Paul-de-Mausole, em Saint-Rémy-de-Provence. É atacado por intermitentes crises mentais. Pinta a paisagem local, marcada por ciprestes e oliveiras. Também faz cópias e repetições de suas próprias obras. Théo casa-se com Johanna-Bonger.

1890 – Albert Aurier escreve um artigo elogioso sobre sua obra no Mercure de France.

Nasce o filho de Théo e Johanna, homônimo do pintor. Vende a obra A Vinha Vermelha em Bruxelas, por 400 francos. Em maio, parte para Auvers-sur-Oise, a noroeste de Paris, para ser tratado pelo excêntrico doutor Gachet. Mora em uma pensão administrada pela família Ravoux, de quem pinta retratos. Pinta paisagens e vistas da cidade. Morre em 29 de julho, após atirar contra a si mesmo dois dias antes.

1891 – Em 25 de janeiro, morre Theo van Gogh, vítima de doenças nervosas.

1900-20 – Em 1901 e 1905, a Galeria Berheim-Jeune sedia duas importantes exposições

sobre van Gogh. Na secunda década do século, as obras de van Gogh passam a ser vendidas por altos valores e o pintor passa a ser visto com um gênio.

1928 – Jabob Baart de la Faille edita o primeiro catálogo raisonné sobre a obra do pintor,

base para todos os estudos posteriores.

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CAPÍTULO 1

A NATUREZA MORTA COM VASO PRATO E FLORES

Figura 1 - Natureza Morta com Vaso, Prato e Flores, 1886. 51 x 45 cm. MASP, São Paulo.

Os catálogos sobre van Gogh e o problema de atribuição

A Natureza Morta com vaso Prato e Flores presente no acervo do Museu de Arte de São Paulo (MASP) teve sua autoria contestada no terceiro catálogo raisonné sobre a obra de van Gogh, publicado em 197012. Juntamente com o quadro do museu paulista, outras obras também foram consideradas não pintadas pelo artista holandês. Desde a referida publicação, novos estudos não foram elaborados para atualizar a questão.

O primeiro catálogo raisonné das obras de van Gogh foi publicado em 192813 sob a autoria de Jacob Baart de la Faille. A natureza morta do MASP está presente nessa edição, corresponde ao número 257 do catálogo, e é situada no período em que o pintor viveu em Paris, de março de 1886 a fevereiro de 1888. A figura 2 mostra a descrição do quadro na publicação. Como se pode ver, de la Faille traça a proveniência da pintura até a coleção do

12 FAILLE, Jacob Baart de la: The works of Vincent van Gogh: his paintings and drawings. Amsterdam: Meulenhoff, 1970.

13 FAILLE, Jacob Baart de la: L’Oeuvre de Vincent van Gogh, catalogue raisonné, ouvrage accompahné de la reproduction de plus de 1.600 tableaux, dessins, aquarelles. Paris&Bruxelles, 1928

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Barão Blanquet de Fulde, vendida em 1907 na casa de leilões parisiense Hôtel Drouot.

Figura 2 – descrição da Natureza Morta no catálogo de la Faille14

A obra de de la Faille é a primeira a listar todos os desenhos, pinturas e gravuras de van Gogh presentes nas coleções conhecidas até então, e sintetiza o interesse crescente pelo artista que começa a ser despertado no final do século XIX e começo do século XX. Por ser a primeira sistematização da obra de van Gogh, o catálogo foi bastante celebrado por aqueles que se interessavam pela obra do pintor.

A credibilidade do autor, entretanto, fica abalada pouco tempo após a publicação de seu catálogo, quando se descobre que 33 obras atribuídas a van Gogh e agenciadas pelo marchand alemão Otto Wacker eram falsas. Wacker havia montado um sistema de falsificação para se beneficiar do aumento de preços das obras do pintor holandês nos anos de 1920. Em seu primeiro catálogo, de la Faille havia considerado legítimas as obras da coleção de Wacker. Após a comprovação da farsa15, o marchand alemão foi julgado e

condenado a 19 meses de prisão.

14 Idem, p. 252.

15 Em 1928, a Galeria de Paul Cassirer, em Berlim organizou uma exposição sobre van Gogh e, entre outras obras, exibiu as 33 pinturas trazidas pelo marchand alemão, que de la Faille havia incluído em seu catálogo, que foram, provavelmente autenticadas com base em fotografias tiradas da exposição Sonderbund, realizada em Colonia em 1912. Wacker atribuía as pinturas a coleção de um banqueiro russo radicado na Suíça, que não existia. As informações sobre a história de Wacker foram consultadas em FAILLE, Jacob Baart de la: The works of Vincent van Gogh: his paintings and drawings. Amsterdam: Meulenhoff, 1970, e em FEICHENFELDT, W. Vincent van Gogh, The years in France, 1886-1890. Phillip Wilson Publihsers, Nova York, 2013

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Em 1930, o autor publica um livro chamado Les Faux van Gogh16, no qual

identifica os quadros de Wacker e reconhece outros possíveis erros de atribuição presentes em seu primeiro catálogo. Em 1939, uma segunda versão de seu catálogo é lançada17, na qual, além de excluir os quadros relacionados ao marchand alemão, também revê a atribuição de algumas obras consideradas pintadas pelo artista holandês no primeiro catálogo. A Natueza Morta com Vaso Prato e Flores, que não pertenceu à coleção de Wacker, continua a ser considerada por de la Faille como pintada por van Gogh e não tem sua autoria revista pelo autor.

Pouco tempo após a segunda guerra mundial, de la Faille inicia estudos para a elaboração de um terceiro catálogo. Pretende encontrar obras que haviam sido mencionadas nas cartas do pintor, mas não propriamente identificadas e refinar seus critérios de atribuição, tanto no que diz respeito a critérios estilísticos como no que diz respeito a critérios de proveniência. O autor, entretanto, falece em 1959, antes de conseguir publicar o resultado de sua pesquisa. Seus manuscritos são apropriados por um conjunto de editores ligados à Universidade de Amsterdam, entre os quais vale destacar Jan Hulsker18, estudioso sobre o pintor que publicará o quatro e último catálogo raisonné lançado até os dias de hoje.

Como anunciado no início desse texto, a edição do catálogo de 1970 publicada pelos editores a partir dos manuscritos de de la Faille não considera a natureza morta presente no MASP como pintada por van Gogh. Os critérios pelos quais os especialistas rejeitam a autoria do quadro não são claros e a única informação presente na publicação relata somente que os editores não concordam com a atribuição feita por de la Faille nos catálogos anteriores. É importante destacar que a decisão de rejeitar a autoria do quadro parte dos editores e não de de la Faille. A posição dos editores resume-se a seguinte frase: “the editors do not agree with Faille about the status of this painting. They do not accept it as an authentic work by van Gogh”, conforme a figura 3.

16 FAILLE, Jacob Baart de la, Les Faux Van Gogh. Paris: G van Oest, 1930 17 FAILLE, Jacob Baart de la. Vincent van Gogh. Paris: Hiperion, 1939.

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Figura 3 – Detalhe Catálogo De La Faille 197019

O catálogo publicado em 1970 pelos editores não foi unanimidade entre os especialistas. Eminentes autores, como Jonh Rewald20 e Ronald Pickvance21, fizeram críticas à nova edição. Entretanto, apesar de controversa, a publicação apresentava inegáveis virtudes, como a descoberta de mais de 100 desenhos até então desconhecidos22, e passou a ser referência sobre a obra de van Gogh até a publicação da quarta e última edição de um catálogo raisonné sobre van Gogh, em 1996. Editada por Jan Hulsker, a publicação mantém a posição assumida pelo grupo de editores em 1970 em relação às obras rejeitadas. Nas palavras de Hulsker:

I thought it was unnecessary to include once again illustrations of works that twenty-five years ago the committee had published with such comments as “they do not accept it this as an authentic work by van Gogh”or they “hesitate to accept an attribution to van Gogh. 23

19 FAILLE, Jacob Baart de la. The works of Vincent van Gogh: his paintings and drawings. Amsterdam: Meulenhoff, 1970. P 157

20 Rewald, J. Post-Impressionism, from van Gogh to Gauguin, New York 1978 afirma que se há um jeito mais confuso de apresentar as obras de van Gogh os editores aparentemente não conseguiram encontrar.

21 Pickvance, na edição numero 115 da revista Burlington Magazine de 1973, se mostra decepcionado com a publicação.

22 Conforme a edição de Novembro de 2013 da revista Burlington Magazine.

23 HULSKER, J. The complete works of Vincent van Gogh: Paintings, Drawings, Sketches. Oxford-New York, 1996, p. 6.

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A obra de Hulsker não substitui a importância dos catálogos de de la Faille, que continuam a ser referência indispensável para qualquer pesquisa sobre a obra do pintor holandês. Sua importância pode ser verificada na numeração das obras, que são preferencialmente identificadas com a letra F, referência ao catálogo de de la Faille, e, adicionalmente, com as letras “JH” como referência ao catálogo de Hulsker. A natureza morta presente no MASP, por exemplo, é identificada com a referência F257, mas não possui referência “JH”, já que o autor não a mencionou em seu catálogo.

A falta de precisão do critério adotado pelos autores pode ser atestada a partir de uma carta24 enviada ao MASP, em junho de 1977, na qual Jan Hulsker pergunta a Ettore Camesasca sobre a existência de oito quadros de van Gogh no museu. Segundo o estudioso, um parente seu tinha vindo ao Brasil e visto oito pinturas no museu. No mês seguinte, Camesasca responde explicando que o museu conta com cinco quadros e se refere aos outros três como possíveis painéis de divulgação da obra do pintor, com propósito educativo. O episódio mostra que Hulsker não visitou o MASP e indica que as análises a respeito da natureza morta foram feitas por meio de imagens e não do contato direto com a pintura. O MASP não possui registro de ter recebido nenhum dos editores.

Do exposto até aqui, pode-se concluir que após 1970, a questão relativa à atribuição do quadro pertencente ao MASP não mais foi discutida. Somente Lecaldano25, em um

catálogo sobre a obra pictórica do artista, atentou para o fato de que estudos mais aprofundados deveriam ser elaborados para que uma posição mais consistente sobre o quadro pudesse ser adotada. Lecaldano26 expressa sua discordância não somente em seu catálogo, mas também em uma carta enviada a seu amigo Pietro Maria Bardi, em 1971, na qual reclama da ausência de critérios sólidos e assume o lado do conterrâneo na questão referente à autoria do quadro.

Em resumo, a trajetória da autoria do quadro presente no MASP pode ser descrita da seguinte maneira: em 1928, no primeiro catálogo de de la Faille, o quadro é considerado como pintado por van Gogh e atribuído aos anos em que pintor morou em Paris, quando também pintou outras naturezas mortas. Em 1939, a posição de de la Faille é mantida, a

24 A cartas de 7 de julnho de 1977 e de 15 de julho do mesmo ano foram consultadas em documentos presentes na pasta referente a obra, presente no setor de acervo do MASP. Não há referência de catalogação. 25 LECALDANO, P. La Opera Pictórica de van Gogh e i suoi nessi graficci. Milano, 1971.

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despeito da revisão de outras obras presentes no catálogo anterior, ocorrida tanto por critérios técnicos, quanto por terem pertencido a coleção de Otto Wacker. A edição publicada em 1970 exclui o quadro do MASP do rol das obras pintadas por van Gogh, posição assumida pelos editores do catálogo, que discordam de de la Faille. Em 1996, em novo catálogo raisonné, Jan Hulsker, membro do grupo de editores, mantém a posição adotada em 1970.

As naturezas mortas de Paris

De acordo com o catálogo27 de de la Faille, o quadro do MASP insere-se na produção de naturezas mortas feita por van Gogh em 1886, ano no qual o pintor parte da Holanda e, após breve passagem pela Antuérpia, chega a Paris. A posição do autor é plenamente justificável, já que a produção do período é rica em naturezas mortas e diferencia-se consideravelmente de sua produção holandesa, no que concerne ao uso das cores. Entre o verão de 1886 e inverno de 1888, Vincent morou no apartamento do irmão em Paris. A maior parte das obras pintadas por van Gogh nesse período foram deixadas com Theo; outras, por sua vez, foram trocadas com colegas pintores ou dadas como presentes a pessoas por quem Vincent tinha afeição.

Os irmãos van Gogh tinham uma relação de interdependência financeira: Theo enviava uma quantia mensal a Vincent28, que mandava pinturas para que o irmão as

vendesse, mesmo que apenas futuramente. Apenas uma pintura29 e poucos desenhos foram

vendidos por van Gogh em vida. Embora Vincent fosse considerado por seus pares, pelo menos tão bom pintor30 quanto Bernard, Anquetin, Gauguin e Signac, não obteve nenhum sucesso comercial e suas obras eram guardadas por Theo em seu apartamento, e também nas dependências da galeria onde trabalhava.

Theo van Gogh era responsável pela filial de Montmartre da Galeria Boussod, Valadon e cie, antiga Goupil e cie31 na qual os dois irmãos haviam trabalhado. Pode-se

27 FAILLE, Jacob Baart de la. Vincent van Gogh. Paris: Hiperion, 1939, p. 252.

28 Theo enviava cerca de 100 francos durante o período holandês e 150 francos durante o período francês, como se pode apreender das cartas trocadas entre os irmãos. Por exemplo: cartas 436 e 678.

29 A Vinha Vermelha, pintada em Arles e citada abaixo.

30FEICHENFELDT, W: Vincent van Gogh, The years in France, 1886-1890. Phillip Wilson Publihsers, Nova York, 2013

31Vincent havia trabalhado nas filiais da casa Goupil em Haia e Londres. Theo começou a trabalhar na filial de Bruxelas e depois foi transferido para a loja de Paris, onde permaneceu até o fim de sua vida.

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apreender de algumas cartas trocadas entre os irmãos32 que Theo, por vezes, sofria

resistência de seus patrões ao tentar vender obras de artistas ligados aos movimentos de vanguarda e, em determinadas ocasiões, temia perder sua posição. As obras de maior valor na ocasião eram aquelas feitas por pintores realistas como Gustave Courbet e por membros da Escola de Barbizon, como Theodore Rousseau, por exemplo.

De acordo com Tilborgh33, após deixar a Antuérpia e partir para Paris, durante o verão de 1886, van Gogh se dedica majoritariamente à pintura de naturezas mortas e retratos34. Duas principais razões explicam tal prática, de acordo com o autor: a necessidade de vender trabalhos e os estudos de cores. Vincent tinha 32 anos em 1886 e, como se pode perceber pelas cartas do período, sentia-se um peso para o irmão. Pintar naturezas mortas e retratos era, portanto, uma maneira de tornar sua produção vendável, já que tais gêneros eram mais bem aceitos no mercado35. Por outro lado, nos últimos meses em que morou na Holanda, van Gogh experimentou um crescente interesse pelas cores. O contato com a pintura de Rubens36 e Delacroix, e a obra de Charles Blanc37, estimulou o pintor a apostar no uso das cores como um meio expressivo38. Até então, suas obras retratavam camponeses miseráveis da região de Brabante e temas ligados a preocupações sociais, representados por uma paleta sóbria, próxima à utilizada por Jean-François Millet e dos pintores da escola de Haia.

Em 1888 quando já morava em Arles, van Gogh envia uma carta39 ao irmão na qual

rememora ter visto uma natureza morta de Edouard Manet em 1886 (figura 4), quando havia acabado de chegar a Paris. As primeiras naturezas mortas pintadas por van Gogh, segundo Tilborgh40, assemelham-se ao quadro de Manet, e apresentam pinceladas alongadas e inacabadas, ao estilo de Frans Hals, e empastamento41 tímido se comparadas

32 Mais precisamente as enviadas por Vincent a Theo, já que o pintor não guardou a correspondência enviada pelo irmão. Theo, por sua vez, manteve a correspondência trocada com irmão ao longo dos anos, como por exemplo, as cartas do período de Nuenen.

33TILBORGH, L. van, et al. Van Gogh Museum Catalogue of Paintings. Amsterdam, 2002, p 78. 34Pinta retratos em menor medida, já que não tinha dinheiro para arcar com o custo dos modelos. 35 TILBORGH, L. van, et al. op cit, p 80.

36Idem.

37Autor que sistematizou a teoria das cores complementares de Delacroix. 38Abordaremos a questão em detalhes em capítulo posterior.

39Carta 572

40 TILBORGH, L. van, et al. op cit, p 87.

41O empastamento está presente em todas as obras de van Gogh, desde o inicio, mas se intensifica após o contato com a obra de Monticelli.

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àquelas feitas depois que o pintor entra em contato com a obra do artista marselhês Adolphe Monticelli. Segundo Tilborgh42, a Natureza Morta com Peônias (figura 5), pintada

por van Gogh na ocasião, foi inspirada na pintura de Manet, sobretudo na fatura das flores e na delicadeza da pincelada, e é representativa da diferença entre o tratamento dado às naturezas mortas por van Gogh antes de conhecer a obra Monticelli (figura 6). As obras pintadas após o contato com a produção do pintor marselhês são consideravelmente mais empastadas, com acabamento mais rústico, e fatura menos definida, como na figura 7.

Figura 4 – Eduoard Manet. Natureza Morta com peônias. 45x57cm, Museu van Gogh, Amsterdã.

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Figura 5 – Van Gogh. Natureza Morta com Peônias, 1886. 34x55cm, Museu van Gogh, Amsterdã.

Bailey43 argumenta que atribuições equivocadas e falsificação de pinturas holandesas de van Gogh são bem menos frequentes do que as feitas em Paris. As obras pintadas na capital francesa são as mais suscetíveis a problemas de atribuição. Em primeiro lugar, porque durante o período parisiense, as cartas trocadas entre Vincent e Theo, repletas de informações, praticamente cessam44, uma vez que os irmãos moravam juntos. Desse modo, não é possível obter referências específicas ao quadro do museu paulista, nem sobre qualquer outra natureza morta pintada no período45. Em segundo lugar, porque as pinturas de van Gogh estavam, provavelmente, misturadas às obras de diversos outros artistas, sejam aqueles com quem o pintor trocava obras, sejam aqueles que tinham suas obras negociadas por Theo.

43 BAILEY, Martin. At Least Forty Five Van Goghs may well be fake. In: The Art Newspaper, n.72, julho 1997.

44 São dez cartas disponíveis do período de Paris.

45 Há somente uma carta enviada por Vincent a sua irmã, Willemina van Gogh, na qual menciona estar realizando pinturas de naturezas mortas com grande intensidade como parte de seu treinamento no uso de cores (Carta 626).

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Figura 6 – Adolphe Monticelli. Natureza Morta – 1881 – Coleção Privada

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Além de possuir sua própria coleção46, Theo tinha fama entre os impressionistas de

ser um marchand com qual pudessem contar e, por isso, recebia obras de diversos artistas esperançosos em entrar no mercado de arte parisiense. Deste modo, é muito provável que as pinturas feitas por Vincent no período de Paris estivessem entre diversas outras obras feitas por outros pintores presentes no apartamento de Theo, e nas dependências da galeria na qual ele trabalhava. As pinturas dos primeiros meses do período parisiense são pouco específicas por se tratar de um período de experiência e evolução, e não apresentam as características marcantes que a pintura de van Gogh viria a ter depois47, como a pincelada empastada que transmite uma impressão de movimento.

Assim, a pintura de naturezas mortas era, para van Gogh, ao mesmo tempo, um exercício de cor e uma maneira de tornar sua produção vendável. A natureza morta do MASP, caso aceitemos sua atribuição, pertence ao período inicial do pintor em Paris, quando ele ainda experimentava a pintura de naturezas mortas. Deste modo, por exemplo, uma atribuição equivocada pode tratar de uma obra de outro pintor que convivia no círculo profissional e pessoal dos irmãos van Gogh.

O catálogo do MASP48 situa a pintura no período de Nuenen, cidade holandesa na qual o pintor passou seus últimos anos antes de deixar definitivamente seu país natal, e diz que a obra foi executada sob a influência dos mestres holandeses. Tal informação não está de acordo com as informações fornecidas por De La Faille, nem com as características da pintura de van Gogh no período.

O aparecimento de dúvidas a respeito da obra de van Gogh nasce com a própria sistematização da obra. Em 1927, quando a catalogação de de la Faille foi concluída, os quadros disponíveis pintados por van Gogh estavam espalhados por diferentes coleções da Europa. Por razões óbvias, a maioria das obras pertencia a coleção de Johanna Bonger, viúva de Theo van Gogh. Também havia obras derivadas de coleções de amigos pintores de van Gogh, como Émile Bernard e John Russell e com pessoas por quem ele tinha afeição, como Augustine Segatori, dona de um café em Paris, ou a família do carteiro Joseph

46 Além das obras do irmão, a coleção de Theo van Gogh contava com obras de importantes artistas como Adolphe Monticelli e Claude Monet.

47 Tais características estiveram sempre presentes na obra de van Gogh, mas até o Período de Arles não aparecem como um padrão que pudesse caracterizar um estilo pessoal.

48 MARQUES, L. (coord) et al. Catálogo do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, São Paulo, SP : MASP, 1998.

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Roulin, modelo de diversas pinturas e amigo de van Gogh na cidade de Arles.

Poucos anos após a morte de van Gogh, já havia algum interesse de determinados críticos e colecionadores em sua obra. Segundo Feichenfeldt49, imediatamente após a morte de seu irmão, Theo começou negociações com o galerista Durand-Ruel, em Paris, para vender as obras de Vincent, mas não obteve sucesso imediato. Os críticos Albert Aurier50 e Gustave Mirabeau, por sua vez, eram entusiastas da obra do pintor holandês e a promoviam nos círculos de intelectuais parisienses. Em 1892, Émile Bernard, um dos pintores mais próximos a Vincent no período de Paris, organizou uma primeira exposição de van Gogh em Paris, que contava com 16 pinturas, em uma pequena galeria chamada Barc de Boutteville, da qual restam poucas informações51.

Meses após a morte do marido52, Johanna Bonger deixa Paris e parte para a Holanda com seu filho. Apesar de distante do grande mercado de arte francês, a viúva de Theo manteve-se ativa na venda e difusão da obra do cunhado. Parte de seus diários do período, publicados postumamente53, relata seu empenho e as dificuldades encontradas para tornar a obra de van Gogh reconhecida em seu país natal. Até sua morte, em 1925, foi responsável por intermediar exposições e fez contato com diversos galeristas54.

As obras de van Gogh na virada do século

Aos poucos, as obras de van Gogh passam a despertar interesse nos colecionadores europeus. O célebre marchand francês, Ambroise Vollard, emerge na cena artística parisiense em 1890, com crescente interesse em pinturas de Paul Cézanne e van Gogh. De acordo com Feichenfeldt, Vollard é o primeiro a adquirir pinturas disponíveis de van Gogh na coleção de amigos, como duas da herança de père Tanguy55 (F419 e F345) em 1894,

49 FEICHENFELDT, W: Vincent van Gogh, The years in France, 1886-1890. Phillip Wilson Publihsers, Nova York, 2013, p 16.

50 Aurier foi responsável por elogioso artigo sobre van Gogh na revista Mercure de France em 1889, o único reconhecimento da crítica tido pelo autor em vida. AURIER, A. Les Isolés: Vincent van Gogh. Mercure de France, Janeiro de 1890.

51 FEICHENFELDT, op cit, p. 26.

52 Theo morre menos de um ano apos Vincent em consequência de complicações nervosas.

53 Disponíveis na edição: GOGH, V. The complete letters of Vincent van Gogh: with reproductions of all the drawings in the correspondence. Londres: Thames and Hudson, 1978.

54 Entre eles Paul Cassirer e Durand-Ruel, por exemplo.

55Pére Tanguy, como era conhecido pelos impressionistas, era um vendedor de materiais de arte e galerista que vendia para os pintores em condições favoráveis de pagamento. É uma figura muito importante para os pintores do movimento impressionista e pós impressionista.

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sendo considerado, na virada do século, o principal negociador de obras de van Gogh. Em 1896, Johanna Bonger organizou duas grandes exposições de van Gogh na Holanda56, uma em Groningen, com 101 obras e a outra em Rotterdam, com 52 obras. Em negociações constantes como Johanna, Vollard compra 5 pinturas e um grupo de desenhos por 2600 francos em 1897, como pode-se concluir a partir do livro de contabilidade da viúva de Theo57.

Em 1897, Johanna organizou58 a primeira exposição individual de van Gogh fora da Holanda e da França, em Copenhague, na Dinamarca, quando duas obras foram vendidas a dois colecionadores locais (F609 e F611). Vollard realizou sua primeira exposição de van Gogh em 1896, em Paris, e pediu a Johanna algumas obras, que foram recusadas, como mostra seu livro de registros59. Não há evidência de que a Natureza Morta presente no MASP tenha passado pelas mãos de Vollard, pertencido à coleção de Johanna ou estado em alguma dessas exposições.

Em 1901, Julien Leclerq organizou a primeira grande exibição de van Gogh em Paris, com 71 trabalhos, inclusive pertencentes à coleção de Johanna. Utilizou-se das instalações da galeria Bernheim-Jeune, formada pelos irmãos Josse e Gaston Berheim-Jeune que haviam adquirido obras de van Gogh com Durand-Ruel60 anos antes. A galeria

Berhein-Jeune era uma das responsáveis pela venda das obras de outros importantes e já estabelecidos artistas do período, como Pierre Auguste Renoir e Claude Monet. Leclerq havia conhecido Vincent pessoalmente e mantinha relação de amizade com Gauguin, o que pode ter pesado para convencer Johanna a emprestar obras do cunhado. É válido destacar que duas pinturas enviadas por Theodore Duret foram removidas da exposição por Leclerq por não serem consideradas autênticos van Gogh, o que mostra que desde 1901 já havia controvérsias relativas às atribuições61.

No mesmo ano, Paul Cassirer passa a expor e a vender pinturas de van Gogh em sua galeria, em Berlim. Inicialmente preocupou-se em mapear pinturas pertencentes a

56 FEICHENFELDT, W. op cit. p 24.

57 STOLWIJK, C: The account book of Theo van Gogh and Jo van Gogh-Bonger, Van Gogh Museum, Amsterdam, 2002. p 27.

58 Idem 59 Ibidem, p.76.

60 Duran-Ruel, apesar das dificuldades encontradas inicialmente com a obra de van Gogh, havia comprado obras da coleção de Johanna, como F756 e F665.

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colecionadores alemães e comprou muitas das obras reunidas por Vollard até então. Em 1903, Julius Meier-Graefe identifica a procedência de grande parte das pinturas de van Gogh presentes em coleções alemãs e estimula Paul Cassirer a organizar a primeira exposição das obras do pintor holandês em Berlim, em 1904. Boa parte das obras vindas de Paris foram enviadas pela galeria Berhein-Jeune, o que mostra o prestígio da instituição na difusão de van Gogh nos primeiros anos do século XX. Dois anos depois, Johanna organiza a primeira exposição de van Gogh no Museu Stedlik, em Amsterdã, que conta com a participação dos alemães Cassirer e Meier-Graefe. A exposição de 1905 é um marco na consolidação da obra de van Gogh na Europa62.

Em 1908, os irmãos Bernheim-Jeune, em colaboração com Paul Cassirer, convenceram Johanna a organizar uma exposição de cem obras de van Gogh em Paris. A exposição, segundo Fenchenfeldt63, foi um fracasso comercial, o que indica que ao final da década de 1910, o pintor não possuía sucesso comercial e que, portanto, os seus quadros ainda não atingiam altos preços. Em 1913 Meier-Graefe64 escreve que os preços de van Gogh passavam por expressiva valorização e naquela altura já valiam o mesmo que uma pintura de Gauguin, o que contrastaria com a situação de cinco anos antes, quando os preços raras vezes passavam a marca de 1000 francos.

As exposições e vendas de obras de van Gogh se disseminam pela Europa nos anos de 1910 e assim seguem até a primeira guerra mundial. Dorn e Feichenfeldt65 assinalam

que as exposições de van Gogh no período, raramente deixavam de apresentar alguma obra duvidosa. Em 1912 ocorre a exposição Sonderbund66, em Colônia, na Alemanha, que contou com 135 obras de van Gogh, expostas juntamente com outros grandes nomes, como Gauguin e Cézanne. Conforme aponta de la Faille, o quadro do MASP esteve presente em tal exposição67. Nos anos seguintes, controvérsias entre especialistas começam a se intensificar e os preços a assumir valores consideráveis. A primeira publicação de de La Faille sobre a obra de van Gogh ocorre em 1919, em parceria com a galeria

62Idem, p. 29. 63Idem, p. 37.

64MEIER-GRAEFE apud FEICHENFELDT, op cit, p.15

65KODERA, T. The Mythology of Vincent van Gogh, Nova York, 1997, p 226.

66A exposição é considerada um marco no desenvolvimento do expressionismo na Alemanha e além de van Gogh, também contou com obras de Cézzanne, Gauguin e outros importantes artistas do período.

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21 Jeune68. A obra trata da época francesa do pintor.

Proveniência e traço de assinatura

A primeira notícia obtida sobre a Natureza Morta do MASP é a proveniência fornecida por de la Faille em seus catálogos. O quadro pertenceu à coleção do Barão Blanquet de Fulde, vendido em 1907 em leilão realizado na casa de leilões Hotel Drouot, em Paris. Ao que tudo indica, o Barão Blanquet de Fulde era um colecionador de gosto tradicional, já que sua coleção de pinturas era composta majoritariamente por obras de arte consagradas no período, como de nomes ligados à escola de Barbizon69, e realistas como Courbet e Corot. Outras duas vendas de obras pertencentes à coleção do Barão Blanquet de Fulde ocorreram em 1901 e 1905. Nenhuma delas conta com um quadro de van Gogh ou de outro pintor que tenha convivido com ele.

O Barão Blanquet de Fulde era um dos sócios do banco parisiense Blanquet et Fourton e, aparentemente, tinha grande interesse em obras de arte. Por meio de quadros de outros artistas que passaram por sua coleção, pudemos constatar que o Barão era cliente da galeria Boussod, Valladon et cie, na qual Theo van Gogh trabalhava. Como exemplo, citamos um quadro de Léon Augustin Lermhitte (figura 8) anunciado pela galeria Bonhams em 2010, que passou pela coleção do Barão e foi comprado na Boussod, Valladon et cie. O quadro, como se pode ver pela figura 9, foi comprado pela própria galeria Berheim-Jeune na venda da coleção do Barão Blanquet de Fulde em 1905 e revendido em 1907 na mesma venda da herança do Barão, na qual o quadro do MASP também foi vendido.

68 FAILLE, J. B. de la. La époque française de Van Gogh, Paris: Hipérion, 1919.

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Figura 8 – Venda de obra de Lhermitte no site da galeria Bonhams, disponível em http://www.bonhams.com/auctions/15907/lot/85/, acessado em 20/09/2013

Figura 9 – Detalhe do lote vendido pela galeria Bohams

A loja Boussod, Valladon et cie era uma das principais galerias de arte da França e possuía quatro filiais em Paris, Theo van Gogh trabalhava na loja de Montmartre. Não é possível estabelecer exatamente em qual das lojas o Barão fazia suas compras, mas a informação confirma que era frequentador do ambiente parisiense no qual os irmãos van Gogh viveram em Paris.

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presentes no catalogo de venda, foi de 270 francos, o que não pode ser considerado elevado. A título de comparação, a única pintura que van Gogh vendeu em vida, a Vinha Vermelha (figura 10), foi vendida por 400 francos na exposição do grupo Les Vingt em Bruxelas. Em 1907, data da venda da herança do Barão Blanquet de Fulde, os quadros de van Gogh não tinham grande sucesso comercial como viriam a ter cerca de uma década depois. A exposição organizada por Cassirer e pela Galeria Berhein-Jeune em 1908 em Paris, citada acima, reforça tal hipótese.

Figura 10 – Van Gogh. A Vinha Vermelha – 1888. 70x90cm. Museu Pushkin, Moscou.

O catálogo70 de venda da exposição traz a informação de que o leilão da coleção do Barão Blanquet de Fulde teve como expert a Galeria Berhein-Jeune, e confirma que a obra foi vendida inicialmente como um quadro de van Gogh, conforme as figuras 11, 12 e 13. Como acima mencionado, em 1901, a galeria Berheim-Jeune organizou a primeira exposição da obra do pintor holandês em suas dependências. A obra do MASP, entretanto

70 Catalogue des tableaux modernes, objets d’art e d’ameublement: Hotel Drouot, 24-25 maio 1907. Consultado na biblioteca Jacques-Doucet, em Paris.

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24 não consta entre as obras expostas na ocasião.

Figura 11 – Detalhe do catálogo da venda da herança de Blanquet de Fulde

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Do baixo valor do quadro, pode-se concluir, uma vez que os quadros de van Gogh ainda não atingiam preços altos, que é pouco verossímil a ideia de que a galeria Berhein-Jeune tivesse algum interesse em atribuir o quadro ao pintor com o intuito de obter um alto preço, como fez Otto Wacker uma década e meia depois. Se, de fato, como defendem os editores do catálogo de 1970, a atribuição durante a venda foi equivocada, deveu-se provavelmente a um erro dos responsáveis sem qualquer má-fé.

Figura 13 – Detalhe do catálogo de venda

A Galeria Berhein-Jeune foi fundada em 1863 e passou editar publicações sobre as obras de artistas no inicio do século XX. Além da obra de van Gogh, a galeria também foi responsável por publicações sobre obras de outros importantes artistas, como Cézanne e Renoir.

O mesmo catálogo fornece informações de que a obra possui um traço de assinatura abaixo à direita na pintura, conforme a figura 14. Em nosso primeiro contato com a obra no setor de acervo do MASP, sem conhecer as informações do catálogo, havíamos identificado sinais que se assemelhariam a uma assinatura. Para nossa surpresa, os mesmos sinais haviam sido apontados no catálogo de venda em 1907.

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Figura 14 – Detalhe da descrição do quadro de van Gogh

Conforme a figura 15, pode-se constatar alguns pequenos traços na região indicada, abaixo de uma das flores, que sugerem uma palavra escrita, ainda que seja difícil encontrar um padrão que lembre alguma das assinaturas utilizadas por Vincent ao longo de sua carreira. Para efeito de comparação, as assinaturas de van Gogh ao longo de sua carreira estão elencadas na figura 16, conforme feito por de la Faille em seu segundo catálogo71. Vale ressaltar que boa parte das assinaturas de van Gogh no período são colocadas abaixo e a direita na maioria das naturezas mortas pintadas pelo artista no período.

Figura 15 – Detalhe do quadro presente no MASP

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Figura 16 – Assinaturas listadas por de la Faille em seu primeiro catálogo

O passo seguinte da Natureza Morta foi a coleção de Leon Orosdi, para depois ser vendido ao colecionador alemão F. Reber72, que emprestou a pintura para a exposição Sonderbund, realizada em Colônia em 1912. A exposição, entretanto, também expôs obras que seriam problemáticas do ponto de vista da atribuição, como algumas obras pertencentes a Otto Wacker. A natureza morta é exposta no Museu de Arte de Mineápolis, nos Estados Unidos em 1940 e por lá permanece até ser vendida ao MASP pela galeria Knoelder em Nova York.

72 FEICHENFELDT, Walter. Vincent van Gogh The Years in France. Complete Paintings 1886-1890. Londres. Phillip Wilson Publishers, 2013. p. 9.

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Doada por Ricardo Fasanelo, a obra chegou ao Brasil em 1954, comprada pelo valor de CR$ 4.500.000,0073. A pintura foi recebida no palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro, e

contou com a presença de Assis Chateaubriand, do embaixador holandês Elink Schumman e de outras autoridades, como o governador da Guanabara Lucas Garcez. O discurso feito pelo embaixador na ocasião é encerrado por uma simpática frase em que se pergunta “onde melhor do que no Brasil poderia se sentir van Gogh, o grande apaixonado pelo sol, pela luz, pela exuberância das cores74?”

Técnica e estilo

O quadro presente no MASP apresenta um vaso azul alongado envolto por um prato de porcelana branco. Ao lado do vaso, na diagonal, consta algo que se assemelha a um livro ou uma caixa, nas complementares vermelho e verde. A pincelada é empastada em certos pontos, como nas pétalas das flores e a alongada, a maneira alla prima em outros, deixando a fatura à mostra, como Vincent havia elogiado na pintura dos mestres holandeses como Rembrandt e Frans Hals, em suas cartas75. O brilho na ponta do vaso azul também é empastado e o fundo e a fatura delicada fazem lembrar a natureza morta na figura 4, inspirada em Manet.

O prato branco e o objeto que se assemelha a uma caixa ou livro não aparecem em nenhuma outra natureza morta pintada por van Gogh. Entretanto, há pinturas consideradas pelos catalogadores e especialistas como feitas por van Gogh que também não possuem elementos que se repetem em outros quadros do período76. Feichenfeldt77 mapeia os vasos utilizados por van Gogh em suas naturezas mortas. Segundo o autor, Vincent utilizou sete diferentes vasos em suas composições de naturezas mortas. São eles:

73 Aproximadamente US$45.000,00.

74 Conforme publicado no jornal Diário da Noite em 26 de julho de 1954 sob a manchete “Famoso Quadro de van Gogh na galeria do Museu de Arte”.

75 Carta 443, por exemplo. 76 Como F 246.

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29

1) um vaso simples de vidro (F218; F220, figura 17; F245, figura 18 e F248a)

Figura 17 – Vaso com Cravos, 1886 Figura 18 – Vaso com Cravos, 1886 Stedelijk Museum, Amsterdam Museu Bojimas van Beuningen, Rotterdam

2) um vaso vertical dividido ao meio (F241; F242, figura 19)

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30 3) um vaso azul (F322, F323, F324, figuras 20-21)

Figura 20 – Flores em um vaso azul, 1887 Figura 21 – Vaso com Papoulas e Cornflowers, 1887 Coleção Privada Coleção Privada

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31

4) um vaso largo verde (F249; F250, figura 23, F251, figura 24; F252)

Figura 23 - Vaso com Zínias e outras flores, 1886 Figura 24 - Vaso com Zínias, 1886 National Gallery, Canadá Kreeger Museum, Washington, EUA

5) um vaso negro com uma alça (F234 figura 25, F235, F236 figura 26, F248, F248b, F324a, F596)

Figura 25 – Vaso com Flox e Asters, 1886 Figura 26 – Vaso com Carnações Azuis e Brancas Museu Van Gogh, Amsterdã 1886, Coleção Privada.

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32

Figura 27 – Vaso com Malva Rosa, 1886 Figura 28 – Vaso com Gladiolis vermelhas, 1886 Kunsthaus, Zurique. Museu Jenisch, Suíça.

6) um vertical e decorado (F247)

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33 7) um vaso de cobre (F213)

Figura 30 – Fritilarias em vaso de cobre, 1887. 50x60cm. Museu d’Orsay, Paris.

Utilizando os vasos apontados por Feichenfeldt78, pode-se constatar que a natureza

morta presente no MASP está mais próxima dos vasos apontados no ponto 3, embora não sejam exatamente iguais. Entretanto, outros vasos apontados como similares pelo autor, como no ponto 1, também estão longe da semelhança exata. Para Feichenfeldt79, as

naturezas mortas do período, que destoem no padrão acima citado, não foram pintadas por van Gogh e devem-se, provavelmente, a um erro de atribuição ou ser uma falsificação. A pintura presente no MASP, segundo o autor, estaria entre tais obras. Há, entretanto, um pequeno equívoco nas informações fornecidas por Feichenfeldt. O autor argumenta que a natureza morta do MASP foi rejeitada por Jan Hulsker no catálogo de 1996. Como mostramos, a autoria do quadro é rejeitada em 1970, na edição do catálogo de de la Faille publicada pelos editores.

78 Ibidem p. 237. 79 Ibidem, p. 238.

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Como destacamos, Paris é um período de experimentação para van Gogh, e as naturezas mortas fazem parte de um conjunto de estudos para aperfeiçoar o uso da cor. Martin Bailey80 destaca que se a proveniência do quadro datar de 1890, ou antes, pode ser considerada segura. Segundo o autor, obras falsas e atribuições equivocadas não apareceram até os primeiros anos do século XX. Para identifica-las, o autor também destaca que o material, a técnica e o estilo são extremamente importantes. Para tanto, recursos tecnológicos que possam fornecer novas evidências são de grande importância.

Ao logo de nossa pesquisa estivemos em contato com o setor de restauro do MASP para realizar uma radiografia da obra. Infelizmente, não obtivemos sucesso até o prazo de entrega deste trabalho para a Universidade Estadual de Campinas. Caso consigamos realizar o procedimento, abordaremos a questão em forma de artigo ou outra publicação.

Equívoco de posições oficiais

Nem sempre as posições oficiais a respeito das obras de van Gogh estão corretas. A posição adotada tanto pelo Museu Van Gogh quanto pelos catalogadores de 1970 já se mostrou equivocada outras ocasiões, como nos dois exemplos dados a seguir.

O primeiro diz respeito à outra natureza morta pintada por van Gogh nos anos iniciais em Paris. O quadro, pertencente à coleção do Museu Kröller-Müller foi considerado, tal como a obra do MASP, como não pintada pelo artista holandês no catálogo dos editores de 1970. Entretanto, estudos recentes demonstraram que os editores estavam equivocados.

Em carta enviada a seu irmão, quando morava na Antuérpia, Vincent relata que havia pintado uma tela com dois lutadores como parte do aprendizado realizado na academia de Belas-Artes local. A pintura era tida como desconhecida. Em 2010, após estudo81 realizado pela equipe técnica do Museu van Gogh, foi publicado82 um estudo que comprova que a natureza morta rejeitada havia sido pintada por cima do quadro que representava lutadores, descrito em carta enviada por Vincent a seu irmão. Na ocasião, o pintor encontrava-se desprovido de recursos para comprar uma nova tela e desse modo,

80 Bailey, op cit, p. 32.

81 Foram utilizados raio-x e rank light, uma espécie de luz lateral que mapeia os relevos presentes na tela. 82 Van Gogh Studies 4 - Van Gogh: New Findings. Van Gogh Museum, Amsterdam, 2012, p. 45.

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reutilizou a mesma tela na qual havia pintado os lutadores. A revelação esclarece que a obra foi pintada por van Gogh e os editores estavam errados em sua análise.

É necessário ressaltar a similaridade entre o quadro presente no museu paulista e a obra do museu Kröller-Müller (figura 31). Ambas são naturezas mortas que não remetem imediatamente ao estilo de van Gogh. Também, tal como o quadro do MASP, o quadro do museu holandês apresenta diferentes flores fora do vaso, dispostas sobre a mesa.

Figura 31 – Natureza Morta com Flores Espalhadas, 1886 – Museu Kröller-Müller. Ao Lado, radiografia com os lutadores.

O segundo exemplo foi a descoberta de um quadro feito por van Gogh quando ele morava em Arles, e que se aproxima muito mais do estilo pelo qual o pintor holandês ficou conhecido pelo grande público, a saber, pinceladas espessas e empastadas que transmitem uma impressão de movimento. O quadro Por do Sol em Montmajour (figura 32) foi mostrado na recente exposição realizada no museu van Gogh em Amsterdã. Em artigo publicado na edição de outubro de 2013 da revista Burlington Magazine83, especialistas do

Museu Van Gogh explicaram os passos seguidos para chegar a uma conclusão definitiva. Além de ser citada na correspondência do pintor, a obra trazia em seu verso o

83The Burlington Magazine, October 2013, No. 1327 – Vol 155. Disponível em: http://www.burlington.org.uk/archive/back-issues/201310

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número 180, que corresponde ao número presente na lista de Andries Bonger84, cunhado de

Theo van Gogh, e elaborador de uma lista do acervo pertencente à família. Em meados dos anos 80, o mesmo quadro havia tido sua atribuição rejeitada pelo próprio Museu Van Gogh, após pedido de consulta do colecionador que possuía a obra85. A descoberta mostra a complexidade de se obter um resultado definitivo sobre obras de van Gogh, mesmo quando se trata de uma obra que claramente remeta ao estilo que tornou o pintor famoso, e que é citada em uma de suas cartas.

Figura 32 – Por do Sol em Montmajour, 1888. 50x65cm, Museu Van Gogh, Amsterdã

A pesquisa de atribuição de uma obra de van Gogh está sempre em aberto e será sempre suscetível ao aparecimento de novas evidências que possam esclarecer antigas controvérsias. Como admite Feichenfeldt86, sua opinião não pode ser tomada como

definitiva e está sujeita a novas evidências documentais e materiais. Em outras palavras: a

84A lista de Andries Bonger, irmão de Johanna e amigo de Theo, foi elaborada logo depois da morte do irmão de Vincent e cataloga as obras da coleção que Johanna levou para a Holanda. A Natureza Morta do MASP ou qualquer outro quadro que a ela se assemelhe não é descrito na lista de Andries Bonger.

85 Em 1991, a obra foi submetida ao Museu van Gogh para ter sua atribuição avaliada. O Museu, a ocasião, rejeitou que a autoria da pintura.

Referências

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