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Jornal de Estudos Espíritas - Resumo - Art. N. 010301

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Jornal de Estudos Espíritas 4, 010301 (2016) - (9pgs.) Volume 4 – 2016

Problemas metodológicos na pesquisa da reencarnação: o caso

Ruprecht Schulz

Ademir Xavier

1,a 1

Brasília, DF

e-mail:axavnet2@gmail.com

(Recebido em 16 de Abril de 2016, publicado em 16 de Julho de 2016).

Versão extendida do artigo publicado no blogA Era do Espírito, em 2 de Abril de 2016. RESUMO

Neste trabalho discute-se brevemente as dificuldades inerentes da pesquisa da reencarnação diante da perspectiva espírita. Além da proposta feita pelos Espíritos em O Livro dos Espíritos, são duas as fontes fenomenológicas usadas por pesquisadores para a validação da reencarnação: relatos infantis e testemunho de adultos via regres-são hipnótica ou afirmações de vigília. Ilustramos aqui os problemas envolvidos nessa pesquisa com o famoso caso Ruprecht Schulz, que foi considerado por Ian Stevenson um exemplo “forte” de reencarnação, mas que apre-senta inúmeros problemas na interpretação das evidências apreapre-sentadas pelo sujeito. Tais problemas são causados tanto pela inexistência de um teoria da mente como por falhas na apreciação da fenomenologia mental, capazes de explicar a origem dos relatos, em particular, a gênese de percepções anômalas, a potencial confusão feita por pesquisadores entre manifestações mediúnicas e memórias de vidas anteriores. Longe de se apresentar como um exemplo que contraria detalhes do mecanismo reencarnatório como proposto pelos Espíritos, o caso na verdade expõe as limitações a que estão sujeitos os que pretendem pesquisar reencarnação sem a devida atenção a questões como mediunidade e influência dos Espíritos na vida dos encarnados.

Palavras-Chave: reencarnação, memórias de vidas pregressas, pesquisa em reencarnação, regressão hipnótica, Ruprecht Schulz.

I

INTRODUÇÃO

Reencarnação é definida por A. Kardec e os Espíri-tos como “o retorno do Espírito à vida corporal” (ver Capítulo VII de O Livro dos Espíritos [1]). Sendo um fenômeno universal, é natural que se busquem evidências ou “traços” de sua ocorrência nas diversas fenomenolo-gias do comportamento humano. A tarefa é bastante difícil já que a reencarnação parece ser um dos mais bem guardados fenômenos da Natureza. Tanto é assim que sua existência despertou escasso interesse de grupos aca-dêmicos, onde ela ainda é considerada um “tema tabu”. Sua ocorrência não está de acordo com o consenso ge-ral sobre o ser humano e sua existência no mundo, con-forme a opinião generalizada das agremiações científicas que ainda tomam o homem como uma criatura que fatal-mente morre e desaparece. Portanto, reencarnação não é um objeto de estudo, porque seu principal elemento interagente, o Espírito, ainda não é reconhecido como existente. É natural, assim, que a imensa maioria dos acadêmicos torça o nariz para algo que identificam como não “científico” e que lhes parece uma ideia excêntrica.

Uma anomalia é uma ocorrência não esperada dentro de um contexto teórico ou explicação consensual de uma comunidade. Em parte podemos dizer que a reencarna-ção está distante sequer de ser considerada uma anomalia porque o reconhecimento de sua ocorrência depende da aceitação de outros princípios como a existência do

es-pírito e sua sobrevivência à morte física. Portanto, a busca ou pesquisa do tema “reencarnação” é espinhosa se considerada academicamente. Nessa busca, não será uma tarefa trivial “separar o joio do trigo”, já que, aca-demicamente, inexiste uma teoria ou arcabouço explana-tivo suficientemente estável para guiar a pesquisa. Po-dem existir casos que sejam, inclusive, prejudiciais a pró-pria tese, por se apresentarem como “anomalias dentro de anomalias”, ou seja, como instâncias aparentemente explicadas dentro da tese que se pretende provar, mas que, na verdade, correspondem a conclusões equivoca-das, fruto de encadeamento errôneo de ideias ou análise não conforme de dados. Naturalmente a existência des-sas “anomalias ainda mais estranhas” animam céticos que rapidamente “throw the baby out with the bathwater”1 e

invalidam toda a tese, com base em alguns casos mais que suspeitos.

Em se tratando de reencarnação, suas evidências parecem surgir genericamente (independentemente da afirmação feita pelos Espíritos na Codificação Espírita) de duas fontes:

• Informes de crianças que se lembram de vidas an-teriores;

• Relatos de memórias via regressão hipnótica. Em geral, o primeiro caso é considerado “acima de qualquer suspeita”, por se tratar de relatos infantis, de

1“Jogam o bebê fora junto com a água do banho.”

(2)

indivíduos ainda sem senso crítico e lógica desenvolvida para “inventar” estórias. No segundo caso, acumulam-se inúmeras dificuldades pelo carater inerentemente privado de relatos de sonhos ou eventuais memórias anteriores em estado hipnótico de adultos. Ocasionalmente, porém, aparecem relatos excepcionais de adultos que dizem se re-cordar de vidas anteriores, mesmo em estado de vigília, isto é, sem que exista desvio do estado normal.

Tais dificuldades parecem ainda mais intransponíveis - e a origem da dificuldade não é outra senão esta - di-ante da inexistência de uma “teoria da mente”, de um consenso teórico sobre a origem, funcionamento e ma-nifestação da consciência. Assim sendo, partindo-se de uma contexto ateórico desse tipo (ou seja, sem a ori-entação de uma teoria da manifestação da consciência, inclusive da mediunidade), é provável que evidências se-jam mal interpretadas, uma vez que é fácil demonstrar que uma evidência é contaminada pela visão que se tem de seu contexto2. A inexistência de uma teoria da cons-ciência suficientemente desenvolvida cria, em particular, problemas para a chamada “metodologia de pesquisa” em reencarnação [3,4]. Entendemos tal metodologia como um processo ou conjunto de etapas que permitem extrair uma conclusão a partir da busca, levantamento, catálogo e análise de dados. O cenário presente é muito nebuloso porque, como afirmamos aqui, falhas na consideração de todos os aspectos da rica dinâmica mental inviabiliza cla-ramente a correta ponderação das evidências colhidas de memórias de longo prazo3.

Junto a questões profundas de caráter filosófico, como a necessidade de uma teoria da mente, que deve ser obe-decida para uma descrição consistente entre o compor-tamento ordinário e anômalo da personalidade humana, enfatizamos a vasta fenomenologia espírita. A teoria con-tida em O Livro dos Espíritos [1] e O Livro dos Mé-diuns [2] é um paradigma fenomenológico [5] proposto pelos Espíritos e sistematizado por Allan Kardec para um conjunto extenso de ocorrências e fatos que se re-lacionam com a natureza dual do ser humano. A ine-xistência de faculdades de percepção mediúnica generali-zada e em grau intenso entre a população torna difícil a apreciação e desenvolvimento de uma teoria abrangente e completa sobre muitos desses fenômenos, reencarnação inclusive. Ainda vivemos numa época em que depen-demos de explicações dadas pelos Espíritos e de relatos de alguns indivíduos, considerados médiuns excepcionais. Porém, a rica fenomenologia espírita permite apreciar a existência de inúmeros caminhos ou vias de percepção que não podem ser desprezados quando se pretende es-tudar um fenômeno exclusivamente. Assim, na pesquisa sobre mediunidade não é possível desprezar aspectos re-encarnatórios associados a eventuais lembranças do mé-dium que pode influenciar o recebimento das mensagens.

Da mesma forma, não se poderá jamais estudar reencar-nação em adultos sob regressão hipnótica ou lembranças expontâneas sem se considerar potenciais interferências psíquicas a que encarnados mais sensíveis estão sujeitos. Esse é um ponto fundamental associado ao que chama-mos “contexto teórico” e que deve servir para orientar uma futura metodologia de pesquisa em reencarnação.

II

O

CASO

RUPRECHT

SCHULZ

(RS)

Pode-se estudar reencarnação sob diversas aborda-gens: antropológica [6,7], mística [11], psicológica [8,18], além da espírita [9,10]. Dentre os pesquisadores mais conhecidos na “abordagem psicológica” estão I. Steven-son (1918-2007) [12–15], J. Tucker4 [16,17] e E. Haralds-son [18–22]. Entre as inúmeras evidências estudadas por Stevenson, o livro Casos Europeus [12,24] descreve ocor-rências tiradas de relatos não orientais, numa tentativa por Stevenson de mostrar que a reencarnação é um fenô-meno “universal”5.

Em particular, em [24] existe um caso que exorbita dos relatos quase uniformes de crianças que se lembram de vidas anteriores. Trata-se do “caso Ruprecht Schulz” (RS, ver também [26]). Por simplicidade, apresentamos aqui um resumo:

Ruprecht Schulz, nascido em Berlim, a 19/10/1887, comerciante, declarou a I. Stevenson, em entrevista feita em agosto de 1960, ter tido memórias (ver

abaixo) de uma vida pregressa por volta do início

da década de 1940 (início da II Guerra Mundial). Nessa descrição, via-se como um rico comerciante, ligado a atividades portuárias, que cometeu suicídio. A força dessas lembranças fez RS escrever a diversas cidades portuárias da Alemanha, a partir de julho de 1952. Uma resposta veio da cidade de Wilhelmshaven afirmando ter sido palco do suicídio de um tal Helmut Kohler (HK), corretor marítimo, em 23/11/1887. Se-gundo informações colhidas por RS com parentes de HK, este teria se suicidado depois de se ver em condi-ções econômicas difíceis e de ter sido roubado por um funcionário mais próximo que fugiu para os Estados Unidos.

As informações tabuladas por Stevenson nas páginas 272-274 de [24] são parte de um relatório construído par-cialmente com as informações que RS conseguiu de Wi-lhelmshaven, quando ele já estava com mais de 50 anos de idade. Além da descrição detalhada dada por Stevenson e de sua defesa do caso, uma das “anomalias” que chama a atenção nele é a inconsistência entre a data do suicídio de HK e o nascimento de RS (suposta reencarnação de HK), indicando uma violação grosseira da relação “causa efeito”, uma vez que a personalidade anterior ainda es-tava encarnada quando seu novo corpo já vivia em outro lugar.

2Para um cético, alguém que afirme ter uma vida anterior será interpretado como doente mental, seus sonhos como criações da fantasia

etc. Para alquém que seja excessivamente crente, qualquer evento pode ser considerado como evidência de sua crença etc.

3Isso também acontece no intervalo de uma única existência, o que dizer entre duas sucessivas... 4Ver nosso post sobre eleaqui.

5Uma das críticas levantadas contra a ideia de reencarnação com base em evidência de fatos é o número muito grande de casos (de

crianças) em países que aceitam tacitamente a noção como a Índia [15]. Críticos levantaram a hipótese de uma raiz “cultural” para o fenômeno [23], o que reduziria sua importância como evidência.

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II.1 Problemas relacionados à origem das me-mórias de RS

Além do problema das datas que deveriam ligar lo-gicamente as individualidades, o que também chama a atençao no caso RS são as descrições de suas “lembran-ças” de uma vida passada. Um Espírito encarnado e de posse de suas faculdades naturais desse estado, deve car-regar consigo suas lembranças, inclusive as de vidas pre-gressas. Isso significa que elas não podem depender, em especial, do lugar onde o encarnado se encontre. Quando me lembro do que passei em minha presente vida, eu me lembro disso quer eu esteja aqui ou em qualquer lugar do mundo. Isso porque a característica “memória” é uma propriedade do ser, possivelmente manifesta com depe-dência a um estado mental subjacente, além da memória psíquica indissolúvel que trazemos como Espíritos. Com relação à “invariância de tempo”, diversos fatores podem alterar a lembrança do encarnado, o que não significa que ele não retenha essa informação como Espírito. En-tretanto, isso não aconteceu no relato de RS.

Conforme atestam as anotações de I. Stevenson sobre as memórias de RS, em 2 de maio de 1964 (p. 266 e 267) em [24]:

“Ele nunca as tinha a não ser quando estava no escritório durante o seu turno aos domin-gos. Estava completamente acordado nessas vezes.

Ele experimentou novamente as emoções da situação lembrada e viu as lembranças como uma imagem inte-rior, não como uma visão projetada.” (Grifos meus)

Depois de enfatizar que RS não estaria em um es-tado “alterado” de consciência, Stevenson reinterpretou a descrição ao anotar que o sujeito “via lembranças como uma imagem interior”. Esse ponto é de fundamental im-portância, pois fica claro aqui o papel das ideias precon-cebidas do pesquisador. Por que é importante afirmar que RS teve as “lembranças” em estado de vigília? A razão é simples: Stevenson (e provavelmente RS) acredi-tava que lembranças só podem ocorrer se o sujeito não estiver em “estado alterado de consciência” (leia-se, “me-diunidade” ou “hipnotismo”). Para Stevenson evidências de reencarnação devem ocorrer sem qualquer outro tipo de interferência. Mas não é assim que acontece dentro da mente. Inúmeros fatores endógenos e exógenos po-dem influir em uma narrativa psicológica. Não se pode estudar o fenômeno como se ele pudesse se manifestar de forma isolada de quaisquer outros fatores. Tomando com base que RS não tenha inventado nada, sua descrição aparentemente em terceira pessoa não deixa dúvidas que suas “visões” apenas ocorriam se ele estivesse em contato com determinado ambiente.

Nossa avaliação parece ser corroborada pela maneira como o próprio RS descreve suas “memórias”. Na p. 266 de [24], no final de sua descrição de como teria se vestido e se matado, afirma RS:

“Podem chamar essas imagens de clarividência,

mas para mim elas são lembranças”. (grifos nossos).

Em suma, RS parece confundir suas lembranças com visão de imagens, pois declara adicionalmente:

“O sentimento foi ficando mais forte e então - não em

um transe ou estado de sono - como algo quase

visí-vel aos olhos, pude me observar como eu naquela

época.” (grifos meus).

Conclusivamente, estamos diante de um problema metodológico que depende de algo que nos diga como se diferenciam memórias de visões desse tipo. Stevenson simplesmente desprezou isso, que a ele pareciam questões irrelevantes. Na verdade, elas são cruciais para determina a “origem” das informações. E, se as informações podem ter outra origem que não “lembranças”, todo o caso pode ser explicado de outra forma.

Ao se ler o caso apresentado em [12], parece que o au-tor deixou de considerar a consistência cruzada de outros relatos de RS. Por exemplo, na p. 265, lê-se:

“As memórias começaram a surgir para mim na época dos ataques de bombardeios em Berlim

du-rante a guerra.” (grifos meus).

Mas, ainda segundo Stevenson, RS cita a data de 1942, quando ele estava com mais de 50 anos. Já na p. 268 da mesma referência, há a citação de uma carta de RS ao filho de Kohler (datada de 1952), dizendo que suas lembranças começaram na infância, “desde muito novo”. Então é lícito se perguntar o que, de fato, aconteceu.

Como é típico da precariedade das lembranças em es-tado de vigília, sobre a cidade de sua alegada desencar-nação, RS afirma na carta “me pareceu mais tarde e mais claramente, que essa cidade era Wilhelmshaven” (ainda na p. 268). Porém, segundo Stevenson (conforme está na p. 263 de [24]), ele reportou inicialmente que sua suposta vida anterior teria sido em “uma pequena cidade portuá-ria”, tendo escrito para várias cidades (existiam poucas “pequenas cidades portuárias” na Alemanha no final do Século XIX, e teria sido óbvio incluir Wilhelmshaven).

Figura 1: Wilhelmshaven, cidade da suposta vida anterior de RS. Nela, RS afirmou ter “reconhecido” prédios (de sua vida no Séc. XIX), mesmo tendo sido destruída na II Guerra Mundial. Figura reproduzida da Wikipedia [31].

Outras afirmações de RS aceitas sem contestação por Stevenson é o “reconhecimento” de construções em Wi-lhemlshaven (Fig. 1) da época de sua suposta vida ante-rior:

Em outubro de 1956, Ruprecht e Emma Schulz foram até Wilhelmshaven, onde se encontraram com Ludwig Kohler. A cidade tinha sido muito danificada pe-los bombardeios durante a então recente guerra. Ru-prect acreditou reconhecer a Prefeitura e um antigo arco. (Grifos meus).

(4)

Sem que se garanta que as construções “reconhecidas” por RS tenham sido reconstruídas, é difícil acreditar que lembranças pudessem ocorrer em um cenário destruído pela guerra.

De qualquer forma, o caso RS, no quesito “memó-ria”, é muito diferente se comparado a outros estudados por Stevenson. Com relação às memórias alegadamente atribuídas à infância, elas podem ter sido criadas à pos-teriori, depois que RS se convenceu que era mesmo a reencarnação de HK. Ainda assim, com relação ao seu comportamento “ex suicida” de infância, o caso se conta-mina pela ausência de “comprovações” (como Stevenson tipicamente insiste em outros casos) por parte de tercei-ros já que, segundo o pesquisador (p. 277, [24]):

“Ruprecht permanece quase que totalmente o único informante das declarações antes de elas serem

confirmadas.” (grifos nossos).

III

EM DIREÇÃO A UMA EXPLICAÇÃO

CON-SISTENTE DO CASO

Em ciência, uma teoria tem valor não porque ela “ex-plica tudo”. De fato, nada é mais fácil do que arranjar uma explicação para um fenômeno. Na história da fí-sica, por exemplo, podemos citar teorias contraditórias que explicavam muito bem um determinado fenômeno6 Explicações restritas a fenômenos muitas vezes recebem a designação de “explicações ad-hoc”7. Mas, dentre inúme-ras opções de explicação, em geral, apenas uma é consi-derada vitoriosa. Por quê? A razão é que explicações em ciência também trazem uma “visão de mundo” para as coisas e não apenas “uma explicação” para um determi-nado fenômeno. Portanto, na busca por esclarecimento sobre o caso de Ruprecht Schulz devemos estar convenci-dos que isso não acontecerá irrestritamente, com prejuízo a uma visão mais ampla dos fenômenos. Não queremos, portanto, explicar tudo, mas explicar bem aquilo que te-mos competência para explicar, guardadas e observadas as nossas limitações e a existência de outros problemas que também devem ser resolvidos.

No nosso entendimento, o problema teórico mais grave levantado pelo caso RS é a aparente quebra de causalidade entre o corpo (efeito) e a causa (espírito) por causa do problema da data. É assim uma explicação ad-hoc admitir que um Espírito possa reencarnar nos moldes de uma “possessão”, depois que seu outro corpo já esteja formado e vivo apenas para salvar as aparências do caso. Mas, a imaginação não para por aí, outros “caminhos lógicos” (explicações ad-hoc) podem ser aventados:

1. Acreditar em que até o momento da “possessão”, o corpo existente tenha vida meramente material; 2. Imaginar algum cenário mais exótico (e, por isso,

esdrúxulo) de “quebra de causalidade” (tipo “via-gem no tempo”). O Espírito de HK reencarnado

viajou para trás no tempo e terminou sua existên-cia com o suicídio;

3. “Divisão do Espírito” (conforme se acredita na ref. [26]). Durante as cinco semanas que separam o nascimento de RS e a desencarnação de HK, o Es-pírito de HK estaria ao mesmo tempo reencarnado em dois corpos;

4. A possibilidade que um Espírito possa “ceder” o corpo para outro Espírito;

5. Imaginar que mais de um Espírito possa usar um mesmo corpo.

A questão da unicidade da consciência é um tema não resolvido em filosofia da mente [28]. É conhecida a famosa crítica de Kant sobre a “multiplicidade de espí-ritos”, critica endereçada ao dualismo Cartesiano. Isso tem um paralelo certo na hipótese ad-hoc 5 que propõe mais de um espírito “habitando” um mesmo corpo. Mas, como diferenciar entre dois, 19 ou 50? Que mais de um Espírito “ocupe” um mesmo corpo pode ser sugerido por quem se entusiasme com interpretações mal feitas de ex-perimentos psicológicos de orientação materialista, como é o caso do famoso experimento de “split-brain” [27,29]. Um caso foi vulgarizado em [30]:

Num experimento mais recente, de considerável inte-resse, Donald Wilson e seus colaboradores (Wilson et al. 1977; Gazzaniga, LeDoux e Wilson 1977) exami-naram um paciente com os cérebros separados, cha-mado ’P.S.’. Depois da operação de separação, ape-nas o hemisfério esquerdo podia falar; mas ambos po-diam entender a fala; mais tarde, o hemisfério di-reito aprendeu também a falar! Evidentemente, am-bos eram conscientes. Além disso, pareciam ser cons-cientes separadamente porque tinham gostos e desejos diferentes. Por exemplo, o hemisfério esquerdo disse que seu desejo era ser desenhista; o direito, piloto de corridas!

Porém, não há porque confundir uma manifestação da mente com a própria mente, isso é confundir causa com efeito. Só porque os dois hemisférios foram divididos e o sujeito reporta ter desejos diferentes nada prova que a causa deixe de ser uma e somente uma. Tais propos-tas expõem uma visão “behaviorista” da mente. Como a crítica a essa visão já adiantou [28], querer explicar a essência pelo comportamento é um problema porque exige uma correspondência entre o comportamento e o estado mental, o que não acontece admitida a hipótese de fingimento. Se o indivíduo finge sentir algo, é evi-dente que seu estado mental não pode ser inferido de seu comportamento. É importante reconhecer que o Beha-viorismo parece ter certa influência em pesquisadores de

6Um exemplo interessante foi o debate imenso entre a noção de “ação à distância” e a ideia de campos em física [25].

7Uma “hipótese ad-hoc” é uma explicação criada com um determinado objetivo. No caso aqui, aceitar a possibilidade de que o Espírito

possa ter um corpo em outro lugar enquanto ainda não desencarnado é uma explicação criada para “salvar as aparências” ou acomodar os dados disponíveis com a tese principal. O que supostamente dizem “os fatos”, interpretados de acordo com determinados pressupostos e sob risco de falhas (erro de data, falsas memórias etc), é salvo pela adoção da hipótese.

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reencarnação, já que a chave da identificação da persona-lidade está, em princípio, ligada empiricamente ao com-portamento do indivíduo8.

Da mesma forma, com a evolução natural da perso-nalidade, o fato de eu mudar de desejos, tendências e interesses ao longo da minha vida, não se deve a vários “eus” dentro de mim. O meu “eu” é uno, integral e in-divisível, apenas mudou o seu foco de interesse ao longo do tempo, que se manifesta no nível consciente e público como uma mudança de desejo. Assim, o comportamento de um indivíduo não permite a identificação indubitável de Espíritos9.

Simplesmente não há como resolver essa questão admitindo-se as coisas por esse caminho, que leva a uma “floresta” de explicações divergentes para a mente em seu estado “normal”10. Seria infinitamente mais fácil para um cético criticar abertamente a tese da reencarna-ção, que sairia como a principal prejudicada. Portanto, o preço a se pagar por aceitar o caso RS como reencarna-ção é relaxar a coerência e lógica da ideia das vidas su-cessivas, com prejuízo grande para toda a tese e reforço considerável das explicações céticas. Mas, seria esse o caso?

III.1 Uma análise espírita da tese RS-HK

O Espiritismo abre um leque grande de possibilida-des, primeiro no que diz respeito à origem das memórias de RS. Não se pode acreditar no caráter “normal” da consciência de RS uma vez excitada por certos detalhes do ambiente. Ao contrário, o fato do “fenômeno” apenas ocorrer quando em contato com certo objetos, cria for-temente a impressão de mudança desse estado. Depois porque acessar as lembranças como algo “quase visível aos olhos” permite inúmeras interpretações dentro da fe-nomenologia mediúnica. Finalmente, a exigência de “es-tado alterado” não é condição sequer necessária para a mediunidade ou “obtenção de informação anômala”. Em O Livro dos Médiuns [2], II Parte, Capítulo XV, Pará-grafo 182, “Médiuns inspirados”, podemos ler:

Todo aquele que, tanto no estado normal, como no de êxtase, recebe, pelo pensamento, comunicações es-tranhas às suas idéias preconcebidas, pode ser incluído na categoria dos médiuns inspirados. Estes, como se vê, formam uma variedade da mediunidade intuitiva, com a diferença de que a intervenção de uma força oculta é aí muito menos sensível, por isso que, ao ins-pirado, ainda é mais difícil distinguir o pensamento próprio do que lhe é sugerido. A espontaneidade é o que, sobretudo, caracteriza o pensamento deste último gênero. (grifos nossos).

Médiuns com variados graus de faculdade descrevem imagens ao contato de objetos, inclusive sensações rela-cionadas a envolvidos na “cena”. É o famoso fenômeno

da psicometria [32,35]. Como as faculdades descritas por Kardec com “segunda vista” não se apresentam sis-tematizadas e bem descritas, pois são elas resultados da emancipação da alma em diversos graus (ver [1], Questão 447), infinitas possibilidades existem para expliar as su-postas lembranças de RS. Por exemplo, podemos aventar a hipótese de que RS teve alguma dessas faculdades em estado algo desenvolvido. Por trabalhar em um ambiente semelhante ao de HK, de alguma forma se envolveu com seu passado por afinidade espiritual. Sua crença ferre-nha em reencarnação e falta de conhecimento adicional fizeram com que ele se identificasse como a personali-dade de HK. Com a ajuda de outra fonte psíquica, não foi difícil a ele descrobrir mais informações.

Contra isso seria possível antepor o argumento de que RS não era médium ou não teria manifestado nenhum tipo de mediunidade em sua vida, o que depende exclu-sivamente da opinião de RS, como citado anteriormente. Dai a ênfase de Stevenson de que RS não se encontraria em um estado modificado de consciência. Mas, este é um ponto questionável no caso: o pesquisador tenta, em geral, raciocionar em termos de sua “hipótese de traba-lho” preferida, já que considerar todas as outras possibi-lidades de influência é como embrenhar-se sem volta em uma floresta escura. Na impossibilidade de saber mais detalhes sobre o grau de psiquismo de RS, fica difícil de-fender a tese de que todas as suas “lembranças” (que, enfatizamos, ele descreve como “visões” a depender de uma posição no espaço) sejam memórias de fato.

Outra violação aparente à “lei de causa e efeito” é que o suposto reencarnante não teve nenhuma sequela de seu suicídio. Inicialmente, consideremos isso do ponto de vista do segundo princípio de identificação usado por Stevenson, sobre inúmeras marcas de nascença [14] provocadas por agressões físicas no corpo do individuo identificado como reencarnante. Além da semelhança de personalidades, marcas de nascença são consideradas uma evidência física de identificação. Porém, se uma agressão compulsória pode deixar uma marca, como é possível um caso em que o suposto reencarnante tenha se matado com um tiro na cabeça e não tenha nenhuma marca, mas apenas retido lembranças que se parecem com “visões”?

E não serão os espíritas que insistirão nesse ponto, mas os céticos. Sem um mecanismo concebível de “ma-terialização de um trauma”, como será possível defender a ideia da reencarnação? Em outras palavras: uma vez aceita a tese de identificação de RS como HK, resta evi-dente questionar todos os outros casos de Stevenson. Um crítico que se interessou por nosso texto preliminar sobre essa questão11, cita T. Tucker sobre a transferência

fí-sica de “memórias traumáticas” entre encarnações, com base em diversas evidências tanto dos “estigmatas” como indivíduos hipnotizados [33]:

8Ou, de outra forma, desaparecido o corpo, aparentemente não tem como “reconhecer” que fulano é ele mesmo se não for a partir do

que existe de mais público sobre ele: traços de seu comportamento.

9Outras evidências propostas pelo método de Stevenson é a das marcas de nascença [14].

10Quer dizer, ao se levantar hipóteses “ad-hoc”, é preciso vasculhar meticulosamente por todas as consequências negativas de sua assunção,

em detrimento da explicação localizada de um fenômeno apenas.

(6)

A questão, aqui, é: a mente consegue promover no corpo mudanças que, no estado atual de nossos co-nhecimentos, são impossíveis de explicar. Quando digo “mente”, não me refiro necessariamente ao cé-rebro. Refiro-me, antes, ao mundo dos pensamentos ou consciência que existe no cérebro (discutirei isso mais detalhadamente ao tratar do materialismo, no Capítulo 4). Se a consciência ou mente pode subsis-tir após a morte do cérebro ? Se uma parte de nós sobrevive ao desaparecimento do corpo e penetra num feto para renascer ?, então se segue que é capaz de causar mudanças no desenvolvimento desse feto, tal qual é capaz de causá-las ao longo da vida. Assu-mindo que o período de desenvolvimento no útero é um período particularmente vulnerável para o corpo, vemos com facilidade que, se a mente ocupar um feto enquanto estiver carregando lembranças traumáticas, as quais, segundo estudos anteriores, podem produ-zir lesões específicas na pele de certas pessoas, essas lembranças com muito mais razão produziriam mar-cas ou mesmo defeitos de nascença semelhantes aos ferimentos que a mente experimentou em outra vida. Se a mente sobrevive a uma vida e passa para outra, os casos de marca de nascença envolveriam logica-mente o mesmo processo responsável pelos episódios de hipnose acima documentados.

Longe de contradizer nosso argumento, o mecanismo lembrado por Tucker reforça o problema da identificação RS-HK, pois tais estigmas (causados pelo suicídio de HK) não existiam no corpo de RS, o que é uma evidência forte de que se tratavam de Espíritos diferentes12. Porém, em

ciência é preciso reconhecer que, da mesma forma como não se fazem generalizações com base em um conjunto finito de fatos, não se pode querer substituir uma teoria ou explicação convincente por evidências mal estabele-cidas, não importa o quão numerosas elas sejam13. O

problema não percebido pelo crítico é que inexiste qual-quer mecanismo físico concebível capaz de ser invocado pela ciência para criar essas marcas seguindo a proposta de Tucker.

Ao se embaralhar ideias espíritas, materialistas (científicas aceitas), espiritualistas e psicológicos como os de Tucker, e leitores desavisados podem pensar que referem-se todos aos mesmos conceitos e resultarão mais ou menos nas mesmas conclusões. Pior ainda é querer invalidar a tese de um contexto teórico (p. ex., do Es-piritismo) com base na proposta de outro (de Tucker). Veja a questão da palavra “mente”, objeto da citação de Tucker. Para o Espiritismo ela é sinônimo de “es-pírito”, que é uma entidade independente da matéria e que não se confunde com “mundo dos pensamentos”, que Tucker equivale à “consciência”. Portanto, segundo Tuc-ker, a sobrevivência se dá pela subsistência do “mundo dos pensamentos”. Como consequência desse racioncínio, torna-se uma questão óbvia buscar por provas que mos-trem a influência do “pensamento sobre a matéria”. Ora, alguém que conheça a fundo a Doutrina Espírita

enten-derá que isso não existe. “Pensamentos” são impressões privadas que ocorrem dentro da mente e são apenas por ela experimentadas, ou seja, “pensamentos” são efeitos e não causas. É pela coincidência da vontade, pensamento e efeito material que se conclui que são todos gerados por uma outra e mesma causa. E mais ainda: existe algo intermediário, mais próximo da matéria, que deve ser pesquisado a fim de que se compreenda à exaustão as condições necessárias e suficientes para que um de-terminado efeito material aconteça. No Espiritismo há o perispírito (ver [1], Questão 93), de forma que não é simplesmente a mente a causa última das mudanças fí-sicas observadas no corpo. Em outras palavras, para o espírita, sem que se reconheça a existência do perispí-rito, suas propriedades e interação com a matéria e com a mente, será sempre precário querer, a partir dos efei-tos finais, decidir pelas causas tão fenomenologicamente distantes como os pensamentos.

Mas toda essa discussão apenas torna parcialmente explícito a complexidade do assunto e os inúmeros desdo-bramentos que ele pode ter na visão espírita. Por exem-plo, admitamos que se encontre uma evidência de alguém que tenha desencarnado como suicida e que, em existên-cia subsequente, não tenha experimentado nenhuma se-quela. Isso é prova de que é possível suicidar-se sem con-sequência alguma? Seria necessário mostrar que sequelas não existiriam em todas as outras existências do Espí-rito14, o que é provavelmente impossível empiricamente.

As provas materiais a que o Espírito está sujeito - e que se manifestam na reencarnação em um corpo, tempo e um lugar no espaço - não dependem apenas e tão so-mente dos atos pregressos, constituição do perispírito e do corpo (genética etc). Obedecem eles a uma espécie de programação em que fazem parte a constituição de um ambiente material propício para a expiação ou prova. Tudo isso inexiste na cabeça de Stevenson ou de Tuc-ker, ou de quem pesquise reencarnação fora do contexto teórico da Doutrina Espírita e, cremos, exerce influência grande no fenômeno reencarnatório. Fora desse contexto, restarão sempre casos “inexplicáveis”, anomalias de ano-malias como produtos do desconhecimento de todos os fatores responsávies pelos efeitos.

III.2 Alguns princípios orientadores

É necessário considerar alguns princípios orientado-res [36], sem os quais tanto a pesquisa será abandonada como infactível como a própria tese da reencarnação será facilmente refutada. Esse é um assunto complexo e aqui, por falta de espaço, nos limitamos a discutir brevemente alguns desses fundamentos. De acordo com [1], alguns desses princípios são:

1. Existe conservação da “individualidade”, isto é, a personalidade humana sobrevive à morte física e conserva sua consciência, que é produto de uma

12Nosso crítico estava interessado em provar o contrário: que mesmo na ausência das sequelas, tratava-se de um caso de reencarnação.

Para salvar as aparências, ele recorreu a explicações ad-hoc a partir de interpretações de influência do “pensamento sobre a matéria”.

13Que remonta à estorinha de B. Russel do “peru indutivista” [34]. 14De novo o “peru indutivista” de B. Russell [34].

(7)

unidade não material (ou incorpórea) chamada “Espírito” (Questões 92 e 150);

2. Para cada Espírito está associado um único corpo durante uma encarnação (Questão 137);

3. O Espírito não pode ser “destruído” (não existe uma “segunda morte”)(Questão 83);

4. Da existência de um interavalo de tempo fixo entre as datas que separam as existências de um mesmo Espírito (é o que se chama de “tempo de erratici-dade”) (Questão 224);

5. A duração da vida humana é limitada pelo corpo (Questão 68). Não existe um limite para a existên-cia do Espírito (conforme o princípio 3);

6. Uma vez dado início a reencarnação, não pode ha-ver substituição de Espíritos (Questão 345); Do ponto de vista espírita, o princípio 2 enunciado acima está relacionado com a questão do livre-arbítrio e tem como corolário o princípio 4. Não obstante a re-lação unívoca entre Espírito e corpo, é possível a vida orgânica em corpos sem um Espírito associado (Ques-tão 356), da mesma forma que a vida espiritual não de-pende da existência de um corpo (Questão 226). Não é difícil ver que esses fundamentos demandam a busca por provas e evidências definitivas que sugerem violação de datas, troca de Espíritos etc, muitas vezes devidas à imprecisão ou falhas de registros de datas, além de er-ros de memória. Finalmente, tais leis dão consistência à pesquisa, que não fica a mercê de interpretações equi-vacadas de dados espúrios, conseguidos por um ou outro pesquisador. Em parelelo com uma sólida investigação sobre a natureza das memórias, lembranças ou quaisquer eventos anômalos associados a um caso que sugere “reen-carnação”, tais fundamentos parecem ser essenciais para a correta identificação dessas anomalias.

IV

CONCLUSÕES

É uma das conclusões deste trabalho que, tão só com base nos relatos levantados por I. Stevenson, não é pos-sível afirmar a identificação de HK como a reencarnação anterior de RS. Que essa conclusão era compartilhada por Stevenson pode-se inferir pelo qualificativo “suges-tivo” que dava a seus casos. Do lado do pesquisador, é provável também que o caso RS tenha sido interpretado forçadamente por I. Stevenson como um caso genuíno, a despeito da marcante diferença na maneira como as “evi-dências” foram obtidas, na inconsistência nas datas e do tipo de relato feito por RS.

No caso específico RS, temos a nítida impressão de que algo está faltando, principalmente relacionado às afirmações de lembranças ou memórias de RS, de sua origem (quando elas surgiram pela primeira vez, se na infância ou quando RS já estava com mais de 50 anos) e sobre sua alegada dependência com o lugar e horário de

manifestação. RS descreve essas lembranças como “vi-sões”, o que sugere a influência de outro agente psíquico. Essas causas podem ter sido responsáveis pelas visões e associadas a suas lembranças posteriormente. Com a confirmação dessas visões, RS conseguiu levantar uma personalidade equivalente em sua busca obsessiva (quiça impulsionada por esses agentes), que deu origem a todas as outras “evidências” que Stevenson discute na referên-cia [12];

O maior problema do caso RS é que a data de nasci-mento do suposto reencarnante é anterior à desencarna-ção da personalidade pregressa, o que está em contradi-ção com a lei de causa e efeito. Do ponto de vista lógico, a existência material tem duas causas: a existência de um “espírito” e de vida material em um “corpo”. A acei-tação inconteste do caso RS leva a ideias extravagantes quando generalizada para outros fenômenos mentais.

Da perspectiva cética, o caso RS é facilmente refutado como uma clara prova da inexistência da reencarnação. Os que defendem de qualquer jeito a reencarnação es-tão expostos à diversas críticas, quando modificam a tese principal com o objetivo de acomodá-la a evidências do tipo do caso RS. A “força” desse caso é maior para crentes que colocam fatos mal interpretados acima da importân-cia da teoria e sua consistênimportân-cia interna. Certamente, a afirmação de Erasto [37] de que é “preferível rejeitar dez verdades a aceitar uma única mentira” é recomendada também na pesquisa de evidências da reencarnação. O caso RS ressalta a importância de uma teoria que integre tanto informações de fatos históricos associados a exis-tências anteriores como memórias em diversos estados da consciência. Portanto, a pesquisa futura da reencarnação não terá êxito se desacompanhada de considerações so-bre a fenomenologia psíquica, que representa outra fonte para a aquisição “anômala” de informação. Tais conside-rações não têm sido consideradas entre aqueles [3] que se propuseram a desenvolver uma metodologia para a reen-carnação.

V

AGRADECIMENTOS

Agradeço a um crítico anônimo do post Ruprecht Schulz: estranho caso de uma suposta reencarnação

(acesso em maio de 2016) que me forneceu várias refe-rências deste trabalho.

R

EFERÊNCIAS

[1] Kardec, A. (1857). Le Livre des Esprits. Paris, Dervy-Livres.

O Livro dos Espíritos. Transl. Guillon Ribeiro, 43a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira.

[2] Kardec, A. (1978). Le Livre des Médiums. Paris, Dervy-Livres, s.d. O Livro dos Médiuns. Trad. Guillon Ribeiro, 59a ed., revista, Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d. [3] Edelmann, J., & Bernet, W. (2007). “Setting criteria for ideal reincarnation research”. Journal of consciousness

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[4] Ameriks, K. (1977). “Criteria of Personal Identity.” Canadian

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[5] Chibeni, S. (1988). “A Excelência Metodológica do Espiri-tismo”, Reformador, Novembro, pp. 328-33, e Dezembro, pp. 373-78.

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[24] No Brasil, há uma edição traduzida da referência [12] com o título “Casos Europeus de Reencarnação”. Ed. Vida e Consci-ência. 1aEdição, 2010. No que é citado neste artigo, seguimos a versão em Português.

[25] Hesse, M. B. (2005). Forces and fields: the concept of action

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[26] Semkiw W. “Past Life Story with Suicide, Karma and Past Life Ability. Reincarnation Case of Helmut Kohler/Ruprecht Schultz.”Página IISIS:(acesso em março de 2016).

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[29] LeDoux, J. E., Wilson, D. H., & Gazzaniga, M. S. (1977). “A divided mind: observations on the conscious properties of the separated hemispheres.” Annals of neurology 2(5), 417-421. [30] Penrose, R. (1999). The emperor’s new mind: Concerning

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Paper-backs.

[31] Wilhelmshaven. Site do Wikipedia https://en. wikipedia.org/wiki/Wilhelmshaven, Acessado em 16 de abril de 2016.

[32] Bozzano, E (1920). Gli Enigmi della Psicometria. Casa Edi-trice Luce e Ombra. Roma. No Brasil, há uma tradução em Português conhecida como “Os enigmas da psicometria”. Ed. Federação Espírita Brasileira.

[33] Tucker, J. (2005). Vida antes da vida. São Paulo: Ed. Pensa-mento.

[34] Russell, K. (1957). The Problems of Philosophy. London: Williams and Nogate.

[35] Miranda, H. C. (2013). Memória Cósmica. São Paulo: Ed. Lachâtre.

[36] Xavier, A. (2011). “Uma abordagem estatística para a de-terminação do tempo de vida entre encarnações sucessivas.” Trabalho apresentado no 7 ENLIHPE, Encontro Nacional da Liga de Historaidores e Pesquisadores Espíritas, São Paulo. [37] Kardec, A (1861). “Dissertações e ensinos Espíritas: Da

influência moral dos médiuns nas comunicações.” Revista

(9)

Title and Abstract in English

Methodological issues in reincarnation research: the Ruprecht Schulz case

Abstract: In this work, we briefly discuss some difficulties in reincarnation research taking into account the Spiritist perspective.

Besides the proposal put forward by the Spirits in The Spirit’s Book, there are essentially two phenomenological data sources feeding reincarnation research: child reports and hypnotic regressions in adults. We illustrate the issues indicated by this analysis with the famous Ruprecht Schulz (RS) case, which was regarded by I. Stevenson as of a “strong” reincarnation type, but which seems to exhibit interpretation problems centered around RS alleged memories. We sustain that such issues are related to both lack of a theory of the mind and flaws in the correct appreciation of mental phenomena that are capable of explaining RS claims and, in particular, the origin of anomalous perceptions, source of several researchers misunderstandings between psychic manifestations and past life memories. Far from representing a counter example to the Spirit’s proposed reincarnation mechanism, RS case exposes researchers limitations when they do not pay sufficient attention to a variety of potential psychic influences upon incarnated minds or disregard the rich Spiritist phenomenology.

Referências

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