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PARECER. 3 O despacho de provisoriedade por dúvidas tem por base a seguinte motivação:

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P.º n.º R. P. 60/2012 SJC-CT Registo de aquisição de metade de prédio rústico baseado em escritura pública de justificação. Composse. Título pretensamente omisso quanto a elementos fáticos geradores da usucapião. Qualificação do pedido.

PARECER

1 – Em 4 de abril de 2012, a coberto da ap. n.º ..., foi pedido eletronicamente um registo de aquisição respeitante ao prédio rústico descrito sob o n.º … da freguesia de ..., na conservatória do registo predial de ..., o qual foi reencaminhado em sistema round robin para a conservatória do registo predial de …, aí sendo qualificado como provisório por dúvidas quanto à parte (1/2) adquirida por usucapião.

2 – Para instruir o pedido de registo foram apresentadas duas escrituras públicas, uma, celebrada em 16 de abril de 2002, respeitante à compra e venda de metade do aludido prédio, cuja apreciação não está em tabela, e a outra, de justificação relativa à parte restante, outorgada em 16 de Fevereiro de 2012.

3 – O despacho de provisoriedade por dúvidas tem por base a seguinte motivação: Os justificantes invocaram a usucapião para justificação do direito a metade do prédio, de forma a estabelecer um trato sucessivo quanto a esta parte omissa no registo.

Assim sendo, e uma vez que se trata de posse não titulada, devem mencionar expressamente não só as circunstâncias de facto que determinam o início da posse, mas também as que consubstanciam e caraterizam a posse geradora da usucapião sendo que estas últimas não constam do respetivo título.

Com efeito, não foram invocados os factos que permitem concluir a posse como pacífica e pública, mencionando-se apenas conceitos conclusivos e de direito que se encontram definidos nos artigos 1258.º e segs. do Código Civil. Há, por isso, que completar o título no que respeita aos factos em falta.

Invoca, de direito, os artigos 68.º e 70.º do CRP, bem como o artigo 89.º, n.º 2, do Código do Notariado.

4 – É contra a referida decisão que os interessados, inconformados, vêm interpor o presente recurso produzindo as alegações que aqui damos por integralmente reproduzidas, sem prejuízo de se salientar que consideram o título perfeitamente

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elaborado já que menciona expressamente todos os elementos necessários, caraterizando devidamente o corpus e o animus da posse, dando-se cumprimento não só ao disposto no artigo 89.º, n.º 2, do CN, como também nos artigos 1258.º e 1287.º do Código Civil.

Solicitam, por isso, que o registo peticionado seja efetuado em termos definitivos.

5 – A Senhora Conservadora profere despacho de sustentação da decisão prolatada nos termos e com os fundamentos que aqui damos, de igual modo, por reproduzidos na íntegra, dos quais salientamos, muito sucintamente, os seguintes:

5.1 – Não obstante o título caraterize as circunstâncias de facto que determinaram o início e que consubstanciam a posse, é omisso no que concerne às concretas circunstâncias de facto que permitem concluir que a posse geradora da usucapião foi exercida de forma pública e pacífica (sendo que a posse de boa ou má fé e titulada ou não titulada só releva para efeitos de prazo).

5.2 – Ora, tendo sido utilizados no título termos conclusivos e de direito sem que a matéria de facto tenha sido devidamente alegada, deve a escritura ser retificada no sentido de suprir as deficiências apontadas, isto é, completando-a com os factos que permitem extrair as conclusões de direito nela expressamente invocadas.

II – Saneamento

Descrita sumariamente a factualidade dos autos e a controvérsia que opõe recorrentes e recorrida, e verificando-se que o processo é o próprio, as partes têm legitimidade, o recurso foi interposto tempestivamente, e que inexistem questões prévias ou prejudiciais que obstem ao conhecimento do seu mérito, cumpre emitir parecer.

III – Pronúncia

1 – O adquirente que não disponha de documento para a prova do seu direito pode, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 116.º do Código do Registo Predial (doravante, CRP), obter a primeira inscrição suprindo essa falta mediante o recurso a escritura de justificação notarial (artigos 89.º e segs. do Código do Notariado) ou a decisão proferida no âmbito do processo de justificação previsto no Capítulo I, Título VI, do citado Código.

A justificação traduz-se, assim, num meio de obtenção de um título para registo, quando inexista título formal comprovativo da titularidade desse direito, mas, sublinha-se, não configura, em si, uma causa aquisitiva.

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2 – Os interessados optaram, in casu, pela celebração de escritura de justificação, sendo que, por força do disposto no n.º 2 do artigo 89.º do CN, quando for alegada a usucapião baseada em posse não titulada, devem ser expressamente mencionadas as circunstâncias de facto que determinaram o início da posse, isto é, deve ser explicitado o facto que deu origem à aquisição da posse e determinar-se o momento em que esta se iniciou, bem como as circunstâncias que consubstanciam e caraterizam a posse geradora da usucapião1.

3 – Consabidamente, a posse2, cuja noção é facultada pelo artigo 1251.º do Código Civil, é composta por dois elementos: o corpus e o animus.

O primeiro elemento, material, corresponde aos atos materiais praticados sobre a coisa como exercício de certos poderes sobre essa mesma coisa de modo que por todos possa ser conhecido, enquanto que o segundo, psicológico, equivale à intenção de agir como titular do direito a que o exercício do poder de facto se refere3.

A posse, como observa Orlando de Carvalho4, não é apenas um bem que merece tutela. Na sua força jurísgena, aspira ao direito, tende a converter-se em direito. Daí que o ordenamento, não somente a proteja, como a reconheça como um caminho para a autêntica dominialidade, reconstituindo, através dela, a própria ordenação definitiva. É o fenómeno da usucapião5.

Assim, a usucapião (que se traduz num modo de aquisição da propriedade – artigo 1316.º do CC) requer que a posse tenha certas caraterísticas, que seja, de algum modo, «digna» do direito a que conduz. Donde a exigência, em qualquer sistema possessório,

1 Cfr., sobre o ponto, MANUEL RODRIGUES, in A Posse – Estudo de Direito Civil Português, 1981, págs.181 e segs.

2 No que respeita às caraterísticas da posse – conceitos e efeitos, veja-se FERNANDO PEREIRA RODRIGUES, in

Usucapião – Constituição Originária de Direitos através da Posse, 2008, págs. 26 e segs.

3 O que eleva a detenção a posse é a intenção de exercer um determinado poder no próprio interesse – o animus sibi habendi.

Assim entendido, o animus reveste várias modalidades.

Como nota MANUEL RODRIGUES, in ob. cit., págs. 191 e segs., há um animus domini, isto é, a intenção de exercer o direito de propriedade; um animus possidendi, intenção de exercer um direito real sobre coisa alheia; e pode finalmente haver o animus de exercer sobre a coisa um direito pessoal.

4 In Introdução à posse, publicada na RLJ, Ano 122, n.º 3 780, págs. 66 e 67.

5 A usucapião, assente na excelência duma posse qualificada e com prazos longos, surge como fonte legitimadora do domínio, realizando a velha aspiração histórico-social de reconhecer o domínio a quem, de facto, trabalhe os bens disponíveis e lhes dê utilidade pessoal e social – cfr. MENEZES CORDEIRO, in ROA, n.º 53, 1993, pág.38, bem como OLIVEIRA ASCENSÃO, Efeitos substantivos do Registo Predial na Ordem Jurídica Portuguesa, in ROA, Ano 34, págs. 43/46.

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de uma posse em nome próprio, de uma intenção de domínio – e uma intenção que não deixe quaisquer dúvidas sobre a sua autenticidade.

A usucapião tem na sua base ponderosas razões de ordem económico-social, nomeadamente a necessidade de tornar certa e estável a propriedade a favor de quem mantém e exerce ininterruptamente a gestão económica da coisa6.

4 – Decorre da escritura sub judice que os justificantes possuem em nome próprio metade do imóvel objeto da justificação desde 1990, por compra verbal a Maria A… e António M…, não dispondo, por isso, do respetivo título.

Desde esse ano, entraram na posse de metade do imóvel agindo sempre por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade plena, aproveitando as suas utilidades, cultivando-o e colhendo os produtos e suportando os respetivos encargos7, posse essa que exerceram até hoje, de modo contínuo, pacífica e publicamente e de boa fé, pelo que se afirmam proprietários de metade do referido prédio, justificando a sua aquisição, por usucapião.

Declaram, ainda, que são proprietários da parte restante, por a terem comprado aos titulares inscritos António C… e mulher Alda ...

5 – Verificamos, contudo, que na escritura em apreço não foram abordadas as questões deveras importantes, já que nada se refere nem quanto à existência da comunhão de posses ou composse nem relativamente à alteração do animus domini (nem, tão pouco, foram suscitadas no despacho ora impugnado, sendo que, esclarecemos já, a motivação aduzida pela recorrida se revela infundada, como adiante melhor se explicitará).

É que, na verdade, o prédio terá sido, pelo menos até dado momento, possuído por vários titulares, isto é, concretizando, por Maria de M… e marido Abílio …, casados no regime de comunhão geral, ora justificantes, e, eventualmente, por Carlos … e mulher Alda …, casados na comunhão geral, titulares inscritos desde 1989, ou por outrem que não os proprietários.

6 Vd. RODRIGUES BASTOS, in Direito das Coisas, pág. 79.

7Adiantamos desde já que o pagamento dos encargos invocado pelos justificantes, no preciso contexto em que se insere, poderia ser considerado também como mais um contributo no sentido de que os atos materiais correspondem ao exercício de um direito, embora se saiba que aquele pagamento não permite, por si só, isoladamente, considerar que por tal via se adquire a posse do prédio, visto que se trata de atos que podem ser praticados por qualquer pessoa, não pressupondo uma relação de facto sobre a coisa.

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5.1 – Como se sabe, fala-se em comunhão de posses ou composse quando a coisa é exercida por vários titulares com base num direito ou num acordo comum, ficando assim todos eles na situação de compossuidores (concorrentes de posses à mesma coisa), sendo as várias posses perfeitamente compatíveis entre si8.

Na composse, a posse de cada um não exclui a dos demais, sendo exercida sobre a totalidade do prédio ainda que cada um dos compossuidores não tenha forçosamente que exercer a sua posse sobre a totalidade da coisa.

A quota-parte ou a quota ideal de um prédio é, segundo o entendimento do STJ, usucapível9.

Esta tese vai de encontro à solução anteriormente proposta por Manuel Rodrigues10 para explicar a compropriedade, nos termos da qual cada consorte é titular de um direito de propriedade sobre toda a coisa que, consabidamente, está condicionada no seu exercício pelos direitos dos outros consortes. A simultaneidade de direitos da mesma natureza, sobre uma coisa ou direito dominando-o completamente só é possível na compropriedade.

A composse pode incidir sobre qualquer direito real suscetível de posse, sendo o caso mais vulgar, certamente, o da composse do direito de propriedade.

Esta hipótese encontra-se prevista genericamente no artigo 1286.º do Código Civil11.

5.1.1 – Ora, numa situação de composse, os justificantes devem declarar na respetiva escritura quais são as quotas partes existentes e proceder à identificação dos respetivos titulares.

Como bem se salientou no parecer proferido no proc.º n.º 260/2008 DSJ-CT12, «relativamente ao animus possidendi com dificuldade se concebe a existência de intenção jurídico-real, a vontade de agir como titular de um direito de propriedade, sem que exista o exato conhecimento dos titulares dos demais direitos reais».

8 Vd., sobre o ponto, OLIVEIRA ASCENSÃO, in Direitos Reais, 1978, págs. 286.

9Vd. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1 de Outubro de 1998, cujo sumário se encontra disponível em www.dgsi.pt

10 In ob. cit., págs. 141.º e segs.

11 Em anotação ao aludido preceito, ANTUNES VARELA e PIRES DE LIMA, in Código Civil Anotado, III Volume, págs. 62 e 63, salientam que a figura aqui regulada é a que corresponde à figura da compropriedade – à contitularidade do mesmo direito. Sobre a coisa, e em relação ao direito possuído, os compossuidores, em

conjunto, gozam de todos os poderes a pertencem a um único possuidor. Os seus direitos são qualitativamente

iguais, embora possam ser qualitativamente diferentes. 12 Consultável em www.irn.mj.pt (Doutrina).

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5.2 – Por outro lado, ainda, com a aquisição de metade do prédio aos demais compossuidores, um dos elementos que compõem a posse, o animus domini, isto é, a intenção de exercer o direito de propriedade pelos justificantes foi alterado, resultando desta vicissitude relevantes implicações a nível do prazo legal para usucapir.

5.3 – Sublinhamos ainda, por fim e em tese, que a posse dos antecessores transmitida para os adquirentes, pode, preenchidos que sejam determinados requisitos, ser somada, se necessário for para a aquisição do prédio na sua totalidade, se nessa invocação, que é facultativa, os justificantes tiverem interesse (o efeito não é automático, isto é, ao novo possuidor é atribuído um direito potestativo de invocar a acessão, de juntar as posses), sabendo-se que a acessão na posse, cuja noção decorre do disposto no artigo 1256.º do Código Civil, pode ocorrer sempre que se verifique uma aquisição derivada da posse por título distinto da sucessão por morte13.

6 – Posto isto, cabe perguntar se as dúvidas aduzidas no despacho prolatado pela recorrida revestem pertinência.

A propósito da correta terminologia a utilizar nas escrituras públicas de justificação, o Conselho teve já oportunidade de se pronunciar, designadamente no parecer constante do proc.º n.º 5/96 Not. 314, citado pela recorrida, firmando entendimento no sentido de que «nas escrituras de justificação em que os interessados invoquem como causa de aquisição do direito de propriedade (ou de outro direito real usucapível) a usucapião fundada em posse adquirida unilateralmente ou originariamente, se devem consignar os atos materiais que tiverem praticado e que correspondam ao exercício do direito justificado (corpus), dos quais se infira atuarem com a vontade (a vontade jurídico-real) de agirem como titulares do direito (animus sibi habendi) e, bem assim caraterizar o momento da atividade inicial da apreensão material ou física da coisa, que deu início ao corpus, acolitado pelo animus».

13 Para o efeito, segundo ANTUNES VARELA ePIRES DE LIMA é exigível a validade formal do título, mas a doutrina não é consensual sobre o ponto.

Veja-se MENEZES LEITÃO, in Direitos Reais, 2012, págs. 140 e segs., que além de fazer uma breve súmula das posições perfilhadas por MANUEL RODRIGUES, SANTOS JUSTO e MENEZES CORDEIRO, sufraga o entendimento deste último segundo o qual o artigo 1256.º do Código Civil não exige a validade (substancial ou formal) do negócio para permitir a acessão na posse, mas apenas que a acessão na posse de outrem resulte de um título diverso da sucessão por morte, como a tradição ou o constituto possessório.

14 Publicado no BRN n.º 6/99, II Caderno, págs. 6 e segs.

No mesmo sentido, vejam-se também, entre muitos outros, os pareceres proferidos nos proc.ºs n.ºs R.P. 77/97 DSJ-CT, R.P. 131/2001 DSJ-CT, in BRN n.ºs 3/98, págs. 39 e segs., e 4/2002, págs. 6 e segs., respetivamente.

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Aí se salienta também, mais adiante, que se deve evitar a inclusão no texto da escritura de declarações formais ou conclusivas, designadamente atinentes aos carateres da posse, devendo as declarações das partes dar testemunho de verdade de factos passados.

6.1 – No entanto, se bem se atentar no teor da aludida escritura, concluímos, sem esforço, pela existência de referência expressa não só aos atos materiais conducentes à posse15 exercida pelos justificantes como também que os mesmos foram praticados continuadamente e de forma pacífica (isto é, sem violência), pública (exercida à vista de toda a gente – não oculta) e de boa fé, agindo sempre por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.

E tal entendimento não é prejudicado pelo facto de se terem utilizado na aludida escritura termos que se podem considerar como termos de duplo sentido16, e que por isso, mesmo que tenham inerente determinado sentido jurídico preciso, podem também ser utilizados num sentido vulgar e corrente encontrando-se o conceito perfeitamente assimilados pela comunidade, nada impedindo, portanto, a sua utilização designadamente para caraterizar a posse como pacífica e pública17.

Efetivamente, só a posse exercida de forma pública e pacífica releva para efeitos de aquisição do direito de propriedade por usucapião (que, in casu, será de quinze anos – artigo 1296.º do Código Civil), pois que o artigo 1297.º do Código Civil, no tocante às coisas imóveis, impede expressamente o início do prazo prescricional quando aquela tenha sido constituída com violência ou tomada ocultamente18.

Parece-nos, porém, que os carateres conducentes à boa posse, já que nem toda a posse é sustentáculo da usucapião, estariam patenteados de modo aceitável no documento apresentado para titular o registo, isto é, no título formal que permite a publicitação do direito usucapido, não fosse o caso de se lhe sobreporem outras questões incontornáveis, que a seguir analisaremos.

15 Segundo MANUEL RODRIGUES, in ob. cit., pág. 185, sempre que alguém cultiva um prédio rústico e colhe os seus frutos, pratica atos suficientes para adquirir a posse dele, procedendo como o verdadeiro proprietário.

16 A propósito da distinção entre as questões de facto e as de direito, veja-se ANTUNES VARELA, in Manual

de Processo Civil, 1985, pág. 412, onde defende que há numerosos termos que podem revestir um duplo

sentido: o sentido corrente, envolvendo pura questão de facto; e o sentido jurídico, assumindo já a natureza de verdadeira questão de direito.

17 Neste sentido, veja-se o acórdão do STJ de 20 de Janeiro de 2010, publicado na CJ, Ano XVIII, Tomo I, págs. 36 e segs.

18 Relativamente à boa posse para usucapião veja-se, para mais desenvolvimentos, OLIVEIRA ASCENSÃO, in Direito Civil – Reais, pág. 297, bem como JOSÉ ALBERTO VIEIRA, in Direitos Reais, 2008, pág. 409.

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7 – Em face da doutrina atrás desenvolvida, já se depreende que o magno problema não foi sequer encarado no despacho impugnado, não podendo deixar de ser considerado em sede impugnatória uma vez que a omissão da sua apreciação conduziria inexoravelmente à elaboração de um registo nulo.

Por conseguinte, o princípio da delimitação do objeto do recurso de molde a não conduzir a excesso de pronúncia não pode, in casu, ser observado, pois verifica-se, pela análise do acervo documental carreado para os autos, que a omissão de pronúncia sobre as questões não suscitadas (mas que o deviam ter sido) pela entidade ad quo conduziria à feitura de um registo nulo [artigo 16.º, alínea b) do CRP], o que legitima que tal princípio seja derrogado e colmatada a insuficiência em sede de recurso, decidindo-se em conformidade com os reais obstáculos verificados nos autos19.

8 – Com efeito, da análise dos documentos carreados para os autos infere-se que terá ocorrido uma situação de composse entre os justificantes e os titulares inscritos da parte restante (não se desconhecendo, porém, que os compossuidores podem ser diversos destes), até à data da celebração da escritura de compra e venda que ocorreu em 16 de Abril de 2002, momento a partir do qual os ora recorrentes terão, eventualmente, visto a sua posse expandir-se, passando então a exercer uma posse exclusiva sobre a totalidade do prédio.

Como resulta do disposto no artigo 1264.º, n.º 1, do Código Civil [cfr. também, o artigo 1267.º, n.º 1, alínea c)], se o titular do direito real, que está na posse da coisa a transmite a outrem, não deixa de se considerar transferida a posse para o adquirente, ainda que por qualquer motivo continue a deter a coisa20.

De igual modo, se o detentor da coisa, à data do negócio translativo do direito, for um terceiro, não deixa de se considerar transmitida a posse, por força do prescrito no n.º 2 do citado artigo 1264.º 21.

19 Neste sentido, vejam-se, entre muitos outros, os pareceres do CT proferidos nos proc.ºs n.ºs R.P.2/96DSJ-CT, R.P.77/97 DSJ-CT, R.P. 9/98DSJ-CT, e R.P.83/98 DSJ-CT, in BRN n.º 5/96, 3/98, 7/98 e 2/99, respetivamente.

20 O exemplo clássico que a doutrina tem por costume apresentar nesta situação respeita à venda de um prédio pelo seu proprietário-possuidor, mas que, por acordo com o comprador, continua a habitá-lo como arrendatário.

21 Nesta norma prevê-se um novo caso de dispensa de tradição, e, portanto, de transferência solo

consensu da posse, vale por dizer, é uma aquisição sem necessidade de um ato material ou simbólico que a

revele. O prédio encontra-se, por exemplo, arrendado e pretende-se que o arrendamento continue. Também neste caso a tradição material seria inútil – cfr. ANTUNES VARELA e PIRES DE LIMA, in Código Civil Anotado, III Volume, 1984, pág. 29.

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8.1 – No entanto, tendo o Carlos e a sua mulher transmitido por negócio jurídico de compra e venda metade do prédio aos justificantes ter-se-á verificado a alteração de um dos elementos da posse – o animus domini, passando a posse a ser exercida em exclusividade pelos adquirentes, mediante a prática de atos materiais de posse (o corpus) sobre o prédio em causa na sua totalidade22.

Esta alteração decorre da cessação do exercício da composse até então exercida, iniciando-se uma nova posse conducente à aquisição do todo por usucapião23.

Como se sabe, a inversão do título da posse tanto se pode dar por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía como por ato de terceiro capaz de transferir a posse – cfr. o disposto no artigo 1265.º do Código Civil.

A justificação vertida em escritura pública com vista à titulação do correspondente registo de aquisição do prédio usucapido não é título aquisitivo, nem essa é a sua finalidade visando, tão só, a substituição desse título para efeitos de registo e nada mais do que isso.

9.2 – Como resulta dos termos atrás enunciados, o novo prazo a considerar para efeitos de usucapião começa a correr a partir do momento da celebração da referida escritura de compra e venda, isto é, concretizando, no dia 16 de Abril de 2002.

Assim, a escritura de justificação do prédio em causa apenas poderá vir a ser efetuada após o decurso do prazo legal para usucapir, se entretanto outras vicissitudes não ocorrerem que tal impeçam.

Decorrentemente, o facto em causa é manifestamente nulo pelo que o registo peticionado deve ser recusado, ao abrigo do prescrito na alínea d) do n.º 1 do artigo 69.º e no artigo 68.º, ambos, do CRP.

Assim, como corolário lógico do exposto, a posição deste Conselho vai condensada nas seguintes

Conclusões

I – Na escritura de justificação em que se invoque a usucapião baseada em posse não titulada, devem indicar-se os factos materiais que caraterizem a

22 Relativamente à modificação e transmissão da posse, veja-se CARVALHO FERNANDES, in Lições de

Direitos Reais, 2004, págs. 300 e segs.

23 Em relação à unidade do facto, limitação dos efeitos para fins de registo, e os termos deste, veja-se o parecer proferido no proc.º n.º R.P.41/99 DSJ-CT, in BRN n.º 8/99, II Caderno, págs. 37 e segs.

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posse, mencionando-se expressamente as circunstâncias de facto que determinaram o seu início, bem como as que consubstanciam e caraterizam a posse geradora da usucapião, por força do disposto no n.º 2 do artigo 89.º do Código do Notariado.

II – Numa situação de composse, os justificantes devem declarar na respetiva escritura quais são as restantes quotas partes e proceder à identificação dos respetivos titulares, além de que, havendo acessão de posses, é necessário proceder à invocação desta caso dela se pretenda beneficiar para perfazer o prazo legal para a usucapião.

III – Contudo, verificando a cessação da composse e, consequentemente, a alteração de um dos elementos componentes da posse, designadamente do

animus domini, por inversão do título [cfr. alínea d) do n.º 1 do artigo 1263.º do

Código Civil], o novo prazo a considerar para efeitos de usucapião começa a correr a partir do momento da verificação desse evento.

Nestes termos, e embora por razões diversas das invocadas pela recorrida, o presente recurso hierárquico não merece provimento.

Parecer aprovado em sessão do Conselho Técnico de 18 de dezembro de 2012. Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, relatora, António Manuel Fernandes Lopes, Luís Manuel Nunes Martins, Maria Madalena Rodrigues Teixeira.

Este parecer foi homologado pelo Exmo. Senhor Presidente do Conselho Diretivo em 09.01.2013.

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