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A Economia das redes eletrônicas: rupturas, lógicas sociais e modalidades de regulação. Reflexões preliminares.

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regulação. Reflexões preliminares.

Alain Herscovici *

RESUMO

O desenvolvimento das redes digitais ressalta a relação que existe entre os Sistemas de Informação e de Comunicação e as necessidades do capital social. No âmbito do discurso liberal, essas redes eletrônicas seriam o vetor principal que permitiria implantar esta "nova economia" que corresponde à universalização do mercado; a análise econômica dessas redes é fundamental para entender esta nova economia. No âmbito deste artigo, pretendemos, apenas, estudar as especificidades da economia da Internet e a maneira como o desenvolvimento deste suporte vai gerar uma reconfiguração do sistema cultural, informacional e comunicacional existente. Em função dessas especificidades, analisaremos as diferentes modalidades de regulação que podem ser aplicadas a este setor e a natureza das redes que estão sendo implementadas.

Palavras-chaves: lógicas sociais- convergências tecnológicas- regulação de mercado.

O desenvolvimento da Internet e das redes digitais ressalta a relação que existe entre os Sistemas de Informação e de Comunicação (SIC) e as necessidades do capital social; no âmbito do discurso liberal, essas redes eletrônicas seriam o vetor que permitiria implantar esta "nova economia". Por isto, a análise da economia dessas redes constitui um elemento fundamental para entender o funcionamento global desta nova economia.

O estudo que pretendemos realizar, no âmbito deste artigo, consistirá em estudar as especificidades da economia da Internet e a maneira como o desenvolvimento deste suporte vai gerar uma reconfiguração do sistema cultural, informacional e comunicacional existente. Em função dessas especificidades, analisaremos as diferentes modalidades de regulação que podem ser aplicadas a este setor e a natureza das redes que estão sendo implementadas.

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I) Economia da Informação, da Comunicação e da Cultura: os diferentes modelos e a emergência das redes eletrônicas.

1) Os diferentes modelos

1.1 As lógicas sociais

As lógicas sociais de cada mídia permitem ressaltar suas características específicas assim como suas relações com as lógicas sociais e econômicas do sistema global. É preciso distinguir assim as lógicas sociais e políticas, as lógicas técnicas e as econômicas 2. Cada modelo assim definido representa uma apropriação social específica de determinada técnica combinada com certas modalidades de valorização econômica e cumpre determinada função no sistema global.

A partir dos trabalhos tradicionais do GRESEC3, a tipologia clássica é a seguinte:

i) a lógica editorial caracteriza-se pela discontinuidade da produção e pelo financiamento direto pelo consumidor final; trata-se de produzir produtos culturais a partir de uma matriz original (livros, discos, vídeo) ou serviços (cinema, artes cênicas) para determinados públicos; o acesso a esses bens e serviços é determinado a partir de um preço de entrada a ser pago pelo consumidor final. O editor ou o produtor assume uma papel central nesta economia; finalmente, a valorização econômica é aleatória e as atividades de distribuição são particularmente onerosas.

ii) O rádio e a televisão aberta são característicos da lógica de onda ("Culture de flot", em francês); a difusão é contínua e o consumo instantâneo. O acesso a este tipo de serviço depende da posse do hardware correspondente e é gratuito, ou semi-gratuito, para o consumidor. O financiamento é, parcial ou integralmente, assegurado pelos mercados intermediários, ou seja, pelos anunciantes que compram espaços publicitários. As atividades de programação são fundamentais: elas permitem definir o perfil da rede e fidelizar o público.

iii) A imprensa corresponde à uma lógica mista; por um lado, é possível assimilar esta atividade à lógica editorial, em função do caráter descontínuo da produção; por outro lado, a regularidade da produção corresponde à uma lógica de onda. O financiamento é

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mista: parte provém do pagamento efetuado pelo consumidor, outra da venda de espaços publicitários. A redação constitui a atividade chave.

Segundo certos autores 4, cada um desses modelos corresponde à determinadas

rupturas, em relação ao modelo precedente: a primeira ruptura, ou seja, a passagem da

lógica editorial para a da imprensa, se explica a partir do aparecimento de novos mercados, os ligados aos anunciantes; a segunda, que explicita a diferença entre a imprensa e o modelo de onda, pode ser definida como "uma ruptura de redes". A natureza técnica das redes modifica profundamente o conjunto das atividades: permite, entre outras coisas, diminuir os custos ligados à reprodução e à distribuição.

2) A lógica do clube

2.1 Convergências tecnológicas e lógica do clube

As convergências tecnológicas entre as indústrias de programas, a informática e as telecomunicações, no âmbito da implantação e do desenvolvimento das auto-estradas da informação, constituem uma intensificação desses processos: a oferta integrada de serviços e de programas, no seio dessas redes eletrônicas, se traduz pela emergência de um novo modelo: o modelo do clube 5.

No âmbito do desenvolvimento das redes eletrônicas e das técnicas de compressão dos sinais, a lógica do clube se relaciona com um público segmentado; ela consiste em oferecer, ao público conectado, programas em fluxo contínuo e produtos editoriais que o consumidor pode gravar sobre um suporte individualizado; neste segundo caso, em função do pagamento que corresponde a um direito de entrada, o consumidor tem a sua disposição (virtual), um estoque considerável de programas, de serviços e de produtos. As modalidades de financiamento podem ser a publicidade nos diferentes sites, o pagamento de um direito de conexão e/ou o pagamento efetuado pelo consumidor, no caso de atividades individualizadas. Tendo em vista o fato que o consumidor tem acesso a uma quantidade muito grande de produtos, programas e serviços (por exemplo, as diferentes fórmulas de pay per view ou de bibliotecas virtuais), as atividades de produção/edição e de programação deixam de ser centrais: nesta lógica do clube, as

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atividades ligadas ao tratamento e à disponibilização da informação (constituição de

sites e de portais) se tornam atividades chaves.

A extensão das informações e da própria rede permite alcançar determinados públicos:

as restrições quantitativas ligadas à segmentação do público são compensadas pela extensão da rede, ou seja, pelo fato da rede ser mundial.

2.2 A natureza da ruptura

Qual é a natureza da ruptura entre essas auto-estradas da informação e o modelo ligado à Cultura de onda? Esta ruptura pode ser explicada, em parte, a partir da natureza técnica da rede: o modelo tradicional da Cultura de onda se caracterizava pela

escassez dos canais de transmissão, enquanto, com a digitalização e a compressão dos diferentes sinais (audio, vídeo e gráficos), esta escassez desaparece. Era possível justificar a existência de monopólio e de instâncias de regulação estatais em função da escassez das freqüências disponíveis; a partir do momento que esta escassez desaparece, o monopólio público e a intervenção pública deixam de ser necessários 6.

Por outro lado, esta ruptura se daria a partir da modificação das modalidades de

consumo e de apropriação; muitos autores ressaltam o caráter intrinsecamente

descentralizado e interativo da Internet. Os sistemas ligados à Cultura de massa, ou seja, aos três modelos tradicionais precedentemente evocados, se caracterizavam por sua "centralidade": uma instância central envia mensagens pouco diversificados para um público homogêneo (a "massa"), e as capacidades de resposta desta massa são limitadas. Ao contrário, na World Wide Web, todos os indivíduos são iguais diante das modalidades de acesso do conjunto das informações disponíveis; as relações entre os participantes são dialógicas e interativas 7. Dialógicas pelo fato de escapar à centralidade que caracterizava os sistemas anteriores: trata-se, ao mesmo tempo, de compartilhar um contexto comum e de estabelecer relações individualizadas; as comunidades virtuais seriam representativas deste fenômeno. Interativas, pelo fato dos próprios participantes poderem modificar o contexto no qual eles atuam. Os consumidores reconstroem o contexto no qual eles atuam; o sistema pode ser qualificado de "user-driven" 8: "Os novos processos de intermediação (...) resultam dos próprios indivíduos, e correspondem (...) às necessidades e aos interesses destes"9.

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Apesar do número de participantes desta rede mundial crescer de maneira importante nesses últimos anos, conforme apontam todos os estudos 10, não concordamos com os próprios termos desta tese, e isto pelas seguintes razões:

i) em trabalhos anteriores 11, já ressaltamos o fato que não existe determinismo tecnológico nem econômico; os desenvolvimentos tecnológicos, assim como os desenvolvimentos das chamadas "tecnologias intelectuais", não podem ser explicados a partir de uma lógica "puramente" tecnológica ou econômica. Por exemplo, os desenvolvimentos recentes das telecomunicações e a privatização deste setor se explicam a partir da pressão dos grandes "usuários", ou seja, as grandes empresas privadas, as instituições e os grupos sociais de maior poder aquisitivo 12; nesta perspectiva, os objetivos de redistribuição social, alcançados a partir da implementação de subsídios cruzados, são progressivamente abandonados;

ii) por outro lado, esses Sistemas de Informação e de Comunicação (SIC) se relacionam com uma lógica pós-fordista, a qual se caracteriza por um duplo processo de segmentação e de exclusão 13; a implementação de políticas de cunho liberal se traduze pela concentração da renda e pela diminuição da parte relativa dos salários na renda nacional. Assim, contrariamente à tese de Pierre Lévy, é possível afirmar que os SIC que correspondem ao fordismo, principalmente a Cultura de massa e o serviço público, eram mais abertos que os SIC ligados às Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação) NTIC: os processos de exclusão pelos preços eram menores e permitiam o acesso da maior parte da população ao sistema mundial; as novas contradições aparecem entre os grupos que são conectados a este sistema mundial e os que não têm condições de estabelecer este tipo de conexão 14;

iii) se a estrutura do sistema, em relação ao consumo e às diferentes formas de apropriabilidade, pode aparecer descentralizada, os outros componentes (material e modalidades de acesso às redes) apresentam estruturas oligopolísticas e/ou monopolística, conforme veremos mais adiante.

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II) A economia das redes eletrônicas: características e natureza da concorrência

1) As principais características

1.1 As modalidades de financiamento

Existem várias modalidades de financiamento possíveis; a publicidade, o pagamento de um direito de entrada, ou seja, a taxa mensal que o usuário tem que pagar para ter acesso a um provedor, e o pagamento individualizado no caso de certos serviços (pay per view, por exemplo). Já que a economia deste modelo não se estabilizou ainda, vários cenários são possíveis:

i) o desenvolvimento dos provedores gratuitos constitui uma dessas possibilidades; isto poderia se traduzir pela queda das taxas praticadas pelos provedores pagos e pela diversificação dos serviços oferecidos. Nos Estados Unidos, por exemplo, o preço baixo praticado pelos provedores pagos e a diversidade dos serviços oferecidos foram fatores que limitaram o desenvolvimento dos provedores gratuitos; ao contrário, na Europa, está tendo um desenvolvimento importante desses provedores gratuitos 15.

ii) no que diz respeito às modalidades de financiamento desta economia, é preciso levar em conta as modalidades de cobrança das operadoras telefônicas; todas as análises de cunho liberal ressaltam o fato que a ausência de estruturas competitivas, no que diz respeito às operadoras telefônicas, implicam na inflação dos custos para as empresas da Web e aumentam o preço que o usuário tem que pagar para utilizar a rede 16 . Por outro lado, um sistema de cobrança das ligações locais constituído por uma taxa fixa mensal, como existe nos Estados Unidos, deveria ampliar o número de usuários da rede; um sistema de cobrança das ligações locais baseado no tempo de conexão, como na Europa e no Brasil, reduz o acesso à rede.17.

1.2 As estratégias das firmas

1.2.1 Esta economia da Internet caracteriza-se por uma tendência marcada à integração

vertical entre operadoras telefônicas, indústria de suportes técnicos de difusão (cabo e

satélites), provedores, portais e indústrias culturais18; os movimentos recentes de reestruturação do setor apontam para tal tendência: a compra da Time Warner pela AOL corresponde a este tipo de processo. De um ponto de vista mais geral, a associação entre empresas da Internet e indústrias culturais permitem realizar sinergias importantes: elas

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ampliam as fontes de renda das empresas culturais, ampliando o público e, do outro lado, ela permite diversificar o conteúdo oferecido pelas empresas que atuam na Web; nesta perspectiva, o controle das indústrias de programas parece ser uma estratégia comum para a totalidade das empresas de Comunicação: A Sony comprou CBS, AT&T se associou com operadoras de cabo, etc.

Esta integração vertical pode igualmente explicar-se a partir da evolução da formação

de valor do ramo; a diminuição da escassez e das barreiras à entrada diminuindo o lucro

das atividades ligadas à transmissão à disponibilização de serviços, as firmas precisam operar movimentos de integração vertical afim de diversificar e ampliar suas fontes de financiamento19: o controle das empresas ligadas à informação e às indústria culturais pelas empresas cuja atividade está ligada à transmissão ou à disponibilização de serviços releva desta estratégia de integração vertical, e isto em função da evolução da criação de valor do ramo.

1.2.2. No âmbito desta economia digital, está tendo uma desconexão entre a valorização das empresas, no mercado financeiro, e o lucro efetivamente realizado por essas empresas. A Amazon, por exemplo, nunca deu lucro; em 1999, ela sofreu um prejuízo de 23 bilhões de dólares enquanto, durante o mesmo período, suas ações se valorizaram 42 %; a StarMedia, um provedor que atua em toda a América Latina, teve um prejuízo de 62 milhões de dólares, entre Janeiro e setembro de 1999; durante o ano de 1999, suas ações se valorizaram de 167 % 20.

Existem várias explicações deste fenômeno:

i) para os economistas do mainstream, a concorrência intensa desta economia digital se traduz por uma diminuição das margens de lucro realizadas pelas empresas da Web. Assim, esta economia digital seria altamente concorrencial: a ausência de barreiras à

entrada e a livre circulação da informação permitiria concretizar o mercado concorrencial no qual não existem renda de monopólio nem lucro extra. Neste

contexto, e conforme apontam a maior parte dos relatórios oficiais, a iniciativa privada prevalece e deve continuar a prevalecer.

ii) Esta rentabilidade fraca se explica a partir do fato que não é possível otimizar a tarifação, como isto existe no caso da telefonia. Tanto a telefonia tradicional quanto a Internet constituem atividades cujo custo unitário é decrescente: a indivisibilidade da

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oferta é tal que o custo total é, teoricamente, constante, qualquer que seja a quantidade consumida. Não obstante, as modalidades de tarifação praticadas são diferentes: no caso da telefonia, existe uma escassez à medida que existe "uma reserva de circuito inteiramente dedicada à conversação " 21. Em outras palavras, durante uma conversação entre dois usuários, os outros usuários são excluídos deste serviço; a tarifação em função do tempo de utilização do serviço permite manter a escassez e aumentar as receitas da operadora telefônica. No caso da Internet, esta escassez não existe: as informações disponíveis podem ser apropriadas pelo conjunto dos usuários,

simultaneamente. Consequentemente, não é possível estabelecer uma tarificação em

função do tempo de uso. Essas diferenças relativas à natureza técnica da rede permitem explicar as margens de lucro reduzidas dos provedores da Internet assim como o fato deles serem muito mais atrativas, em termos de preço, para o usuário; em 1999, o tráfico ligado à Internet já ultrapassou o tráfico telefônico mundial. Isto explicaria o interesse das operadoras telefônicas em adquiri-las mesmo a um preço elevado22.

2) A regulação econômica do setor

2.1 Alguns dados empíricos

O paradoxo é o seguinte: enquanto a estrutura da Web é apresentada, nos relatórios oficiais, como intrinsecamente concorrencial, a realidade econômica é totalmente diferente. A desregulamentação operada no mercado americano da telefonia e a exacerbação da concorrência interna permitiu realizar diminuições importantes das tarifas praticadas pelas operadoras; a partir das técnicas de hub e de call-back, houve desvios importantes do tráfico internacional, em favor dos Estados Unidos; isto permitiu realizar importantes economias de escalas, enfraqueceu a posição das operadoras estrangeiras e tornou cada vez mais difícil a manutenção das políticas de serviço público baseadas na prática dos subsídios cruzados 23. O desvio e a concentração de tráfico se acentuou em favor dos Estados Unidos. Isto se extendeu para as conexões com a Web; os custos de conexões praticados pelas firmas européias são vinte vezes superiores aos custos equivalentes praticados pelas firmas americanas. Enquanto o tráfico ligado à Internet já ultrapassou o tráfico telefônico mundial, as treze primeiras firmas fornecedoras deste tipo de conexão são americanas 24; não obstante, os custos de conexão a serem pagos pelas firmas estrangeiras são cem vezes mais caros que os

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praticados para as firmas americanas: assim, é possível afirmar que existe uma subvenção mundial dos fornecedores de acesso não-americanos em favor dos fornecedores de acesso americanos; esta subvenção foi avaliada a 5 bilhões de dólares por ano25.

2.2 A natureza da concorrência

Essas observações tornam necessária uma reflexão a respeito da natureza da concorrência que corresponde à esta economia digital.

i) Uma primeira concepção assimila a concorrência ao modelo de concorrência pura e perfeita; este caracteriza-se, entre outras condições, pela atomicidade da oferta e da demanda; nenhum agente econômico tem poder de determinar o preço de mercado. Os agentes são "price-taker" 26:

ii) uma segunda concepção parte da idéia segundo a qual a concorrência pode se dar através de processos diferentes dos ligados à um estado de concorrência pura e perfeita, notadamente a partir de situações monopolista ou oligopolista: Schumpeter, por exemplo, afirma que o monopólio permite diminuir os preços e melhorar a qualidade dos produtos27. Esta tese encontra seus desenvolvimentos modernas na teoria dos mercados contestáveis28: um mercado é perfeitamente contestável a partir do momento que "a entrada é totalmente gratuita e a saída não implica em custos suplementares"29. A ausência de barreiras à entrada significa que uma firma que queira entrar neste mercado não vai sofrer prejuízos em termos de condições de acessibilidade à tecnologia ou em termos de taxa de lucro; a ausência de barreiras à saída implica que seja possível revender o capital sem perda.

A teoria dos mercados contestáveis tem por objetivo ampliar o conceito de concorrência pura e perfeita: esta teoria pode ser considerada como uma extensão mais realista do processo da mão invisível, ou seja, da eficiência do mercado: em um mercado contestável, não existe lucro-extra; de fato, qualquer lucro extra se traduziria pela intensificação da pressão do mercado, pela entrada de novas firmas atraídas por este lucro-extra e pelo desaparecimento deste.

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Este conceito de mercado contestável permitiu analisar, no caso dos Estados Unidos, os mercados do transporte aéreo e das Telecomunicações30. O processo de desregulamentação e de privatização desses setores utilizou amplamente esta teoria: em um mercado contestável, a concentração permite realizar economias de escala, das quais se beneficia o consumidor, e a pressão do mercado permite manter os preços competitivos; assim, os monopólios ou os oligopólios não podem exercer um poder de mercado. A regulação adotada pelas instâncias reguladoras (como, por exemplo, a Federal Communications Commission, no caso das telecomunicações) consiste principalmente em manter as condições de livre entrada e saída nos mercados; a partir daí, os mercados permanecem eficientes, em termos de bem estar social.

O mercado internacional da Telecomunicações e da Internet não corresponde aos mercados contestáveis:

a) as barreiras à entrada são fortes, conforme salientam os desvios de tráfico internacional. Não obstante, seria possível explicar esta situação a partir do fato que apenas o mercado americano é perfeitamente contestável, enquanto os outros mercados nacionais seriam "ineficientes".

b) O estudo da realidade ressalta o fato que é difícil admitir a hipótese segundo a qual não haveria assimetrias nesses mercados, tanto no que se relaciona com a tecnologia quanto com a informação.

De fato, conforme ressalta a teoria dos mercados contestáveis, as políticas conduzidas para implementar o liberalismo se modificaram: enquanto o liberalismo tradicional

defendia as estrutruras atomísticas do mercado, este novo liberalismo, ao contrário, preconiza a concentração: a aprovação do Telecommunication Act, em 1996, por parte

do Congresso americano, permitiu iniciar vastas operações de fusão e de integração vertical e horizontal no conjunto da Economia, e mais especificamente no setor ligado à Comunicação31.

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Considerações finais

Em conclusão, é possível afirmar que a emergência e o desenvolvimento das redes eletrônicas está provocando transformações importantes, no seio da Economia da Cultura e da Informação; por outro lado, esta infra-estrutura de redes é um elemento fundamental no que diz respeito á universalização do mercado 32. Assim, das modalidades de funcionamento e de regulação dessas redes depende, no âmbito do movimento de globalização, a viabilização desta universalização.

Enquanto todos os relatórios oficiais preconizam uma desregulamentação do setor e a primazia do jogo do mercado e da iniciativa privada, é preciso questionar a capacidade de autoregulação do mercado; no âmbito de uma análise heterodoxa, já mostramos33 que o mercado não pode ser considerado como uma instância que gera estabilidade e que permite realizar uma alocação eficiente dos recursos. Esta problemática se relaciona diretamente com dois níveis: o que corresponde às especificidades da economia das redes e o que corresponde à totalidade da Economia. Por uma lado, a economia das redes eletrônicas não soube manter as condições concorrências e leva à certas posições dominantes; por outro lado, à medida que as redes eletrônicas são concebidas como uma extensão do mercado, elas representam uma extensão da instabilidade a ele ligada: as

crises financeiras e as diferentes formas de vulnerabilidade financeira são a conseqüência lógica deste processo de universalização do mercado.

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NOTAS

*

Doutor em Economia pelas universidades de Paris I e de Picardie, coordenador do Grupo de Trabalho "Economia Política da Comunicação" da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), membro do Núcleo de Extensão e Pesquisa em Comunicação (NEXO) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e Professor do Departamento de Economia da UFES. (e-mail: alhersco.vix@zaz.com.br)

2

Jean-Michel Salaün, "L'aménagement de la Culture" in Médias et Communication eu Europe, sous la direction de Bernard Miège, PUG, Grenoble, 1990, p. 27.

3

L'industrialisation de l'audiovisuel, B. Miège, P. Pajon, J.M. Salaün, Aubier, Paris, 1986.. 4

Jean-Michel Salaün, op. cit., p. 36 e seguintes. 5

Gaëtan Tremblay, " La théorie des industries culturelles face aux progrès de la numérisation et de la convergence", Les autoroutes de l'information. Un produit de la convergence, Presses de l'Université du Québec, J.G. Lacroix et G. Tremblay org., 1995, p. 19.

6

São as conclusões do Green Paper on the convergence of the telecommunications, media and

information technology sectors, and the implications for regulation. Towards na Information Society Approach, European Commission brussels, 3 December 1997 p. 29.

7

É a tese de Pierre Lévy, a respeito da "inteligência coletiva"; ver, por exemplo, "A revolução contemporânea em matéria de comunicação", in Para navegar no Século XXI, F.M.Martins, J.M. da Silva, organizadores, EDIPUCRS, Porto Alegre, 2000.

8

Green Paper on the convergence of the telecommunications, media..., op. cit., , p. 14. 9

Pierre Lévy, op. cit., pp. 210 e 211 10

Ver, por exemplo: The emerging Digital Economy, US Department of Commmerce, 1999, ou A

Framework for Global Electronic Commerce, White House, July 1997.

11

Alain Herscovici, Economie Politique, espace public et structuration de l'espace. Les enjeux de la

globalisation, 4ème Colloque franco-brésilien des chercheurs en Communication, 11 e 12 de novembro

de 1996, Grenoble. 12

Márcio Wohlers de Almeida, "A reforma dos sistemas nacionais de telecomunicações: globalização e pressões para mudança ", in Revista Brasileira de Comunicação, INTERCOM, Vol. XVIII, n° 2, Julho/Dezembro de 1995, São Paulo, 1995.

13

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Telecomunicações, desregulamentação e Convergência Tecnológica. Uma análise comparada,

organizado por Jorge R. Biton Tapia e Alain Rallet, Unicamp, 1999. 14

É, igualmente, a posição de Manuel Castells em La société en réseaux, Fayard, Paris, 1998. 15

Manoel Fernandes, "O que vale é o conteúdo", Veja, 19 de Janeiro de 2000. 16

A Framework for Global Electronic Commerce, The White House, July1, 1997, p. 15. 17

Manoel Fernandes, "O que vale é o conteúdo", op. cit. 18

César Bolaño, Daniel de Santana Vasconcelos, Economia da Internet: convergência, poder e

hegemonia na rede, Congresso da ALAIC 2000, Santiago do Chile.

19

Green Paper..., op. cit., p. 21. 20

Esses dados provêm do artigo de Ricardo Galuppo, Nova economia. O mouse que ruge, Veja, op. cit.. 21

Denis Phan, Godefroy Dang N'Guyen, Economie des télécommunications et de l'Internet, disponível na Internet via WWW.URL: www-eco.enst-bretagne.fr/biblio/ecotel.pdf

22

César Bolaño, Daniel de Santana Vasconcelos, op. cit. 23

Ver Philippe Quéaud, Les termes inégaux de l'échange électronique, Le Monde Diplomatique, Février 1999.

(15)

24 Idem 25 Ibid. 26

Raymond Barre, Economie Politique, vol 1, PUF, Paris, 1985, p. 579. 27

Joseph Schumpeter, Capitalisme, Socialisme et Démocratie, Payot, Paris, 1984, p. 128 e seguintes. 28

W. Baumol, Contestable Markets: Na Uprising in the Theory of Industry Structure, American

Economic Review, vol 72, n.1, 1982.

29

Idem, p. 3. 30

W.J. Baumol, R.D. Willig, Contestability: developments since the book. 31

Gustavo Gindre, O Papel das Comunicações nas Sociedades da Crise, paper apresentado no IX Encontro da Compós, Porto Alegre, junho de 2000.

32

A este respeito, ver Alain Herscovici, Globalização, sociedade "informacional" e universalização do

mercado: elementos de análise, IX Encontro Anual da Associação Nacional de Programas de

Pós-Graduação em Comunicação (COMPÓS), Porto Alegre, junho de 2000. 33

Alain Herscovici, Economia da informação: análise teórica e papel econômico dos Novos Sistemas de Informação e de Comunicação, in Economia e sociedade da informação, Revista virtual IE/UFRJ, volume 1, número 1, Maio a Agosto de 2000 (disponível na Internet: http://www.race.nuca.ie.ufrj.br/revistas/socinfo/).

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