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A Matemática nos Exames do Ensino Primário das Escolas Isoladas de Porto Alegre ( )

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A Matemática nos Exames do Ensino Primário das Escolas

Isoladas de Porto Alegre (1873-1919)

Joseane Leonardi Craveiro El Hawat1

Este resumo tem como objetivo apresentar algumas apreciações iniciais, advindas de pesquisa em desenvolvimento em nível de mestrado que se interessa em compreender a matemática presente nos exames do ensino primário nas escolas isoladas. Pretende-se conhecer a definição estabelecida pela legislação quanto à aplicabilidade dessas avaliações anuais, os conteúdos exigidos e os sujeitos envolvidos: alunos, professores, inspetores e examinadores. Interessa, ainda, entender as representações acerca do êxito ou fracasso escolar dos alunos no período, a partir dos resultados dos exames.

O estudo detém-se entre os anos de 1873 e 1919, uma vez que a análise documental parte de um conjunto de livros contendo os registros de atas2 de exames e as visitas de inspeções realizadas em oito aulas públicas de Porto Alegre no respectivo período. A partir da apreciação dos apontamentos das avaliações, juntamente com outras fontes – programas de ensino, relatórios de instrução pública, regimentos de estabelecimentos de ensino, livros didáticos – intenciona-se identificar os conteúdos de aritmética e geometria, estabelecidos como programa a ser desenvolvido nas escolas isoladas e aqueles que eram efetivamente exigidos nas avaliações, visando identificar as continuidades e rupturas de tais exigências.

O referido estudo ampara-se na perspectiva da história cultural. Segundo Peter Burke (2008), nessa perspectiva, o campo historiográfico de investigação torna-se extenso por considerar as diferentes possibilidades de analisar a trajetória do homem no tempo e espaço. Seus estudos compreendem as mais variadas produções do próprio homem, procedendo à observação das representações, da cultura letrada, da cultura popular, das diferentes manifestações sociais de determinados grupos, a produção cultural de sociedades diversas, cotidianos, religiões, normas de condutas, sistemas de educação, cultura material. Outro aspecto relevante destacado pelo autor é que a história

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Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob orientação da Profa. Dra. Natália de Lacerda Gil.

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Livros localizados no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.

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A Constituição dos Saberes Elementares Matemáticos: A Aritmética, a Geometria e o Desenho no curso primário em perspectiva histórico-comparativa, 1890-1970

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2 cultural é “multidisciplinar, bem como interdisciplinar; em outras palavras, começa em diferentes lugares” (2008, p.170). O historiador Roger Chartier indica, em sua obra A

História Cultural, entre práticas e representações, que

A história cultural, tal como a entendemos, tem como objeto principal identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler (Chartier, 2002, p. 16-17).

Pensar sobre a realidade social nos remete ao conceito de representação, o qual será mobilizado ao longo da pesquisa. Segundo Chartier, as representações são “esquemas intelectuais incorporados que criam as figuras graças às quais o presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser decifrado” (2002, p.17). São estratégias de pensar a realidade e construí-la. Conforme o autor, as percepções do social

não são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas (Chartier, 2002, p. 17).

É no estudo das representações, entendendo-as “como estando sempre colocadas num campo de concorrências e de competições” que se intenciona refletir sobre os exames como práticas escolares de classificação. Tais práticas de classificação, os exames das escolas isoladas, são compreendidas nesta pesquisa como integrantes da cultura escolar, que Dominique Julia (2001) descreve como

um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização) (Julia, 2001, p.10).

Quanto ao estudo dos saberes matemáticos presentes nos exames, entendidos como distintos, entre os programas de ensino e aqueles exigidos nos exames, compete resgatar as considerações delineadas por André Chervel sobre as disciplinas escolares:

A descrição de uma disciplina não deveria então se limitar à apresentação dos conteúdos de ensino, os quais são apenas meios utilizados para alcançar um fim. Cabe-lhe dar uma

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3 descrição detalhada do ensino em cada uma das etapas, descrever a evolução da didática, pesquisar as razões da mudança, revelar a coerência interna dos diferentes procedimentos aos quais se apela, e estabelecer a ligação entre o ensino dispensado e as finalidades que presidem o seu exercício (Chervel, 1990, p. 192).

Aponta-se nesta pesquisa um interesse em desdobrar quais conhecimentos matemáticos estavam contemplados “em cada uma das etapas”, aqui propostas como ensino e exame de tais conhecimentos, assim como verificar a existência de uma “coerência interna” entre os mesmos e as possíveis “razões de mudança”.

Interessando-se, portanto, em compreender os saberes matemáticos elementares envolvidos nos exames, esta pesquisa busca em Wagner Rodrigues Valente a perspectiva da história da educação matemática no Brasil. Valente (2004) nos orienta que, para o estudo histórico da matemática vivida no interior das escolas, devemos analisar os frutos dessa cultura de ensino. Afirma, ainda, que documentos como provas, exames, livros, arquivos escolares e materiais de alunos e professores “foram elaborados ao longo do tempo, [e] deixaram traços que permitem o seu estudo”. Ainda complementa o autor:

Tais ingredientes para elaboração da história da matemática escolar precisam ser vistos como elementos produzidos pela cultura escolar em sua relação com outras esferas, outras culturas (Valente, 2004, p. 81).

O autor propõe que o percurso histórico da matemática elementar deve ser analisado como componente da cultura escolar, rompendo com a perspectiva tradicional de que a matemática escolar está fundamentada no desenvolvimento da própria matemática. Dessa forma, a escrita da história da matemática escolar, diferente da história da matemática, buscaria apreender a trajetória dos saberes matemáticos ensinados nas escolas, assim como o percurso “para enquadrar-se e desenvolver-se segundo o modelo disciplinar” (Valente, 2004, p. 81).

Os exames no Rio Grande do Sul

Ao longo da década de 1870 a legislação provincial destinada aos interesses da instrução pública passou por intensa movimentação3. A Lei 771 de 4 de maio de 1871,

3

Entre a legislação do período, estão incluídas as seguintes leis e ato referentes à instrução pública: Lei 771 de 4 de maio de 1871, Ato de 19 de fevereiro de 1872, a Lei 979, de 19 de abril de 1875, a Lei 988, de 27 de abril de 1875 e a Lei 1108, de 8 de maio de 1877 (Schneider, 1993).

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4 de alcance mais geral, reformulou o Conselho Diretor da Instrução Pública, separou a Província em 6 “distritos literários”, indicou reformas na Escola Normal, regulamentou o ensino privado, reorganizou o ensino primário e reafirmou sua obrigatoriedade, apesar dessa questão já estar prevista anteriormente em lei4.

Aspecto de importante apreciação na instrução pública encontra-se a inspeção escolar. Decretada como uma fiscalização severa e vigilante estava longe de cumprir sua função(Giolo, 1994, p.92). Aos inspetores incumbia inspecionar frequentemente os estabelecimentos de ensino de sua região, realizar o registro das visitas, verificar a escrituração das escolas, validar o exercício do professor e o seu respectivo pagamento. Até abril de 1877, a inspeção das aulas públicas provinciais estava confiada aos inspetores de comarcas e delegacias paroquiais, que apesar da habilitação profissional, não eram remunerados, ocasionando um número mínimo de visitas e de rigor. Há de se destacar que com a chegada da República as dificuldades dos trabalhos dos inspetores não se extinguem: continua um número insuficiente de inspetores para atender todo o território, grandes distâncias percorridas, os precários meios de transporte e os caminhos com difíceis condições de locomoção.

No período republicano, aos poucos foi sendo instalado em todo o Brasil o modelo escolar seriado. Ainda assim, o modelo da escola isolada continua concentrando um número expressivo de alunos no RS, conforme dados apresentados pela pesquisadora Natália Gil em seu artigo sobre a questão. Concordando com a autora, para além do significativo número de escolas isoladas e da concentração de matrículas5, a ênfase deve ser dada ao papel desempenhado pelas mesmas. As escolas “de apenas uma sala” foram defendidas em documentos oficiais como aquelas “capazes de levar educação à população dispersa pelo território gaúcho” (Gil, 2013, p. 9), sendo este território tanto urbano, quanto rural. É nesses alunos que esta pesquisa tem interesse. O grupo de alunos que, entre o período imperial e início da república, passa gradativamente a estar nas escolas isoladas, apesar de todas as dificuldades que a instrução pública apresenta. Focalizando essa escola, e os alunos que ali estavam inseridos, pretende-se compreender como os mesmos eram avaliados através dos exames e exercícios. Os “exames” ou “exames finais” eram realizados pelos alunos que

4

A obrigatoriedade do ensino estava prevista no Regulamento de 17 de fevereiro de 1854 na Corte, e posteriormente introduzida no Regulamento Provincial de 1857 (Schneider, 1993).

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No artigo de Natália Gil estão contemplados dados de unidades e matrículas das escolas isoladas, escolas complementares, colégios elementares, grupos escolares, escolas subvencionadas e escolas municipais.

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5 poderiam obter “aproveitamento” ou não. Já os “exercícios” eram realizados para conhecer o “grau de adiantamento” dos demais alunos.

Os exames e os exercícios, ou exames de progressão como vieram a ser chamados posteriormente, eram realizados anualmente conforme orientações do regimento em vigor, sendo que, comumente, eram coordenados pela inspetoria geral. A mesma definia com antecedência a data e horário do exame e constituía a banca examinadora, com dois integrantes convidados. Em tais avaliações, que eram individuais e para todas as matérias que constituíam o respectivo programa de ensino em vigor, cada aluno era “interrogado” pelo examinador. Para as avaliações de caligrafia e ortografia, o aluno deveria escrever um pequeno texto e, para aritmética, deveria resolver por escrito alguns problemas.

É interessante observar que durante esta cerimônia as capacidades dos professores eram igualmente avaliadas, uma vez que o resultado das avaliações era fruto do trabalho desenvolvido pelos mestres, segundo análise de Clarice David em seu texto sobre os examinadores das escolas públicas do interior de Minas Gerais no final do século XIX. No que se refere aos exames, a autora destaca que é no ritual do exame que “são estabelecidas hierarquias referentes ao saber que são sancionados ou desqualificados por aqueles que estão no posto de avaliar as aprendizagens dos alunos das escolas” (David, 2008, p. 2). Sabe-se que na situação mineira os critérios que balizavam as escolhas dos examinadores eram tanto a formação dos mesmos, quanto as relações sociais entre os sujeitos e o presidente do ato (David, 2008, p.11). Interessa aqui investigar como esse processo se desenvolveu no Rio Grande do Sul, quais os fatores aplicados para a escolha dos examinadores, quais as atribuições desses sujeitos no momento do exame e suas capacidades de julgamento.

Ao final do exame era redigida uma ata contemplando as informações mais pertinentes sobre a realização do mesmo: quantidade de alunos avaliados, resultados finais, principais conteúdos, votos de louvor ao professor responsável pela aula e assinatura do inspetor e examinadores. Este documento era lido perante os alunos e demais presentes, uma vez que este evento era público. Após a conclusão dos trabalhos a ata deveria ser arquivada.

Quanto aos conteúdos, e aqui especialmente os saberes matemáticos envolvidos nos exames das escolas isoladas, entende-se que tais saberes não permaneceram estáticos, assim como a própria matemática escolar. Nesse sentido, a pesquisa pretende investigar quais os conteúdos matemáticos – aritmética e geometria – foram

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6 contemplados em tais avaliações e a possibilidade de acompanhar uma relação direta entre os programas de ensino e as avaliações e, ainda, identificar continuidade de exigências ao longo do período.

Referências

BURKE, Peter. O que é história cultural? Zahar, 2005.

CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & educação, v. 2, p. 177-229, 1990.

CHARTIER, Roger. Práticas culturais. In: A história cultural: entre práticas e

representações. 2ª ed. Lisboa: Difel, p. 13-28, 2002.

DAVID, Clarice Lisandra. Os examinadores das escolas públicas primárias de Itabira do Matto Dentro/MG na segunda metade do século XIX: formação e sociabilidade. VI

Congresso Brasileiro de História da Educação. 2008.

GIL, Natália de Lacerda. “Pequenos focos de luz”: as escolas isoladas no período de

implantação do modelo escolar seriado no Rio Grande do Sul. Texto apresentado no

19º encontro da Associação Sul Riograndense de Pesquisadores em História da Educação, Pelotas, 2013. (mimeo)

GIOLO, Jaime. Lança e grafite: a instrução no RS da primeira escola ao fim do

Império. Passo Fundo: Gráfica e Editora UPF,1994.

JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de

História da Educação, v. 1, n. 1, p. 9-43, 2001.

SCHNEIDER, Regina Portella. A instrução pública no Rio Grande do Sul,

1770-1889. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1993.

SOUZA, Rosa Fátima de. Um itinerário de pesquisa sobre a cultura escolar. In: Ideário

e imagens da educação escolar, v. 73, p. 3-23, 2000.

VALENTE, Wagner Rodrigues. Uma história da matemática escolar no Brasil,

1730-1930. Vol. 103. Annablume, 1999.

__________. Considerações sobre a matemática escolar numa abordagem histórica.

Cadernos de História da Educação. nº. 3. jan./dez. 2004.

__________. Dos exames para as provas e das provas para os exames: contribuição à história da avaliação escolar em matemática. IV Congresso Brasileiro de História da

Educação. 2006. XI Seminário Temático

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