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Didática experimental e aquisição da linguagem escrita

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DIDÁTICA EXPERIMENTAL E A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

ESCRITA

Miguel Mata Pereira, ISPA-Instituto Universitário, mmp@ispa.pt

Jacques Fijalkow, Université de Toulouse 2, le Mirail, jfijalko@univ-tlse2.fr Margarida Alves Martins, ISPA-Instituto Universitário, mmartins@ispa.pt

Resumo: A aquisição da linguagem escrita tem sido entendida como um processo psicogenético, durante o qual as crianças vão colocando ativamente hipóteses sobre a natureza da relação entre a escrita e a oralidade (Alves Martins, 1994). Porém, os fatores contextuais deverão também ser considerados (Fijalkow, Cussac-Pomel, & Hannouz, 2009). Neste estudo, colocamos como hipótese geral que o contexto didático influencia o desenvolvimento da escrita. Participaram 36 crianças portuguesas que frequentavam o jardim-de-infância. O seu nível de inteligência, consciência fonológica e conhecimento das letras foi controlado. Os participantes foram distribuídos por três grupos: experimental, comparação e controlo. Utilizámos uma prova de escrita inventada para avaliar o seu nível de escrita no pré-, pós-teste e pós-teste diferido. Entre o pré- e pós-teste as crianças do grupo experimental participaram num programa de intervenção de didática experimental destinado a melhorar a sua consciência silábica; as crianças do grupo de comparação participaram numa intervenção didática destinada a reproduzir práticas pedagógicas habituais; as crianças do grupo de controlo permaneceram nas salas de aula. Os resultados obtidos no pós-teste mostram que as crianças do grupo experimental produzem escritas de nível mais evoluído do que as crianças dos outros grupos, nomeadamente escritas silábicas e fonémicas. Este padrão de resultados repete-se também no pós-teste diferido. A intervenção didática realizada no grupo experimental influenciou o tipo de produção escrita das crianças e este efeito foi sustentável no tempo. O contexto didático e a natureza das tarefas que as crianças realizam são suscetíveis de contribuir significativamente para a aquisição e desenvolvimento da escrita.

Introdução

A compreensão do processo de aquisição da linguagem escrita está ancorada à maneira como as crianças aprendem a relacionar a escrita com a oralidade, ainda antes do início da escolaridade formal. As crianças em idade pré-escolar experimentam muitas vezes escrever – escritas inventadas (Read, 1986), dependendo do seu nível de desenvolvimento – psicogénese da linguagem escrita (Ferreiro & Teberosky, 1979; Alves Martins, 1994), e da sua motivação, muito por via dos contactos que estabelecem com os livros, a escrita funcional e os adultos alfabetizados (Hiebert & Raphael, 1998; Mata, 2003).

As escritas inventadas das crianças parecem evoluir ao longo de pelo menos três níveis (Ferreiro, 1988): no primeiro nível, as crianças não relacionam a escrita com a oralidade – escritas pré-silábicas. Gradualmente começam a estabelecer este tipo de relações, fazendo

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corresponder sílabas da oralidade com letras na escrita – escritas silábicas. Finalmente, com a aquisição do princípio alfabético (Byrne, 1997), estabelecem correspondências entre fonemas e grafemas – escritas alfabéticas. No entanto, o período silábico não parece ser igualmente saliente nas diferentes línguas (Fijalkow, 2007), dependendo de fatores como a língua de aquisição (Alves Martins, Silva, & Mata Pereira, 2010) e/ou o tipo de práticas pedagógicas de iniciação à linguagem escrita experienciadas pelas crianças (Fijalkow, Cussac-Pomel, & Hannouz, 2009).

Na literatura, a influência da didática no ensino da escrita no pré-escolar tem sido considerada um fator secundário em comparação com a influência de fatores do desenvolvimento individual, tais como o nível de conceptualização sobre a escrita ou o nível de consciência fonológica.

Apesar disso, em algumas investigações a aquisição da escrita parece também depender de variáveis contextuais (Brossard, 1994; Fijalkow, Cussac-Pomel, & Hannouz, 2009; Mata Pereira, 2011). Neste sentido, a relação entre o contexto didático e a aquisição da escrita tem sido avançada, tanto em estudos sobre a didática experimental (Fijalkow, Cussac-Pomel, & Hannouz, 2009; Hannouz, 2008; Mata Pereira, 2011) como em estudos sobre a didática comparada (Pasa & Fijalkow, 2000; Pasa & Morin, 2007; Pasa, Armand, & Montésinos-Gelet, 2002).

Assim, é possível argumentar que as escritas que as crianças produzem estão intimamente relacionadas com o tipo de análise da oralidade que são capazes de efetuar. Isto é, as crianças parecem utilizar a consciência que detêm sobre os constituintes linguísticos – competências metalinguísticas – quando tentam escrever (Brossard, 1994). Neste sentido, vários autores têm refletido sobre a influência dos contextos didáticos sobre o desenvolvimento da consciência linguística e fonológica (Brossard, 1994; Fijalkow, 1987; Gombert, 1990; Liberman, 1973; Sprenger-Charolles, 1991; Liberman & Shankweiler, 1985).

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No entanto, as questões relativas às condições didáticas e sua manipulação têm sido menos consideradas. Interessa-nos portanto investigar se os fatores didáticos poderão ter um papel estruturante, em termos cognitivos, sobre o processo de aquisição da escrita. Estabelecemos como hipótese geral que um programa de intervenção de didática experimental terá um papel estruturante na produção de escritas das crianças. O programa terá como objetivo a mobilização de um procedimento silábico de análise, processo mediador das relações entre a oralidade e a escrita, permitindo a exploração do conhecimento sobre o alfabeto e das competências metalinguísticas.

Método Desenho experimental

Este estudo compreende três grupos de alunos que foram avaliados em relação à sua escrita inventada (variável dependente) em três momentos : pré-teste, pós-teste e pós-teste diferido. Entre o pré e o pós-teste os alunos do grupo experimental participaram num programa de intervenção de didática experimental (variável independente). Os alunos do grupo de comparação participaram igualmente num programa de intervenção experimental que visava a reprodução de práticas pedagógicas habituais no jardim-de-infância. Por último, os alunos do grupo de controlo permaneceram nas salas de aula, seguindo as práticas pedagógicas implementadas pelos seus educadores.

Resumidamente, o desenho experimental contém :

(i) Um grupo experimental, sujeito a dois efeitos : ao efeito didático (cognitivo) e ao efeito da intervenção (psicossocial).

(ii) Um grupo de controlo, que não foi sujeito a qualquer efeito.

(iii) Um grupo de comparação, sujeito a um único efeito : o efeito psicossocial. Os alunos deste grupo realizaram uma tarefa diferente das que foram implementadas no grupo

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experimental, mas que corresponde a uma prática habitual dos educadores. As eventuais diferenças existentes entre este grupo de comparação e o grupo de controlo, no que respeita aos resultados no pós-teste, poderão ser imputados à presença do experimentador: efeito Hawthorne.

Participantes

Participaram neste estudo 36 crianças (18 rapazes e 18 raparigas) provenientes de três salas de jardim-de-infância. A sua idade varia entre 65 e 76 meses (média = 70,25 meses; desvio-padrão = 3,01 meses). As três classes são similares do ponto de vista didático, de acordo com as observações realizadas.

No pré-teste, todos as crianças produziram escritas grafo-perceptivas, critério principal que orientou a seleção dos participantes. 12 crianças foram selecionadas de cada uma das três salas, afim de constituir os grupos em estudo (cf. tabela 1).

Tabela 1: Participantes em função dos grupos e das classes a que pertencem

Classe 1 Classe 2 Classe 3

Grupo de controlo 4 4 4

Grupo de comparação 4 4 4

Grupo experimental 4 4 4

Total 12 12 12

Em razão da sua correlação com o processo de aquisição da escrita, foram controladas as seguintes variáveis relativas aos participantes: nível de inteligência, através da aplicação do teste das Matrizes Coloridas de Raven (Raven, Raven, & Court, 1998); conhecimento das letras, por intermédio da prova de nomeação do alfabeto (Silva, 2003); nível de consciência fonológica, através das provas de segmentação silábica e fonémica (Silva, 2002).

A análise de variância mostra que os alunos dos três grupos são equivalentes para as variáveis controladas: nível de inteligência [F (2, 33) = 0.63, p = .541]; conhecimento das

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letras [F (2, 33) = 0.07, p = .936]; nível de consciência fonológica [F (2, 33) = 0.082, p = .921]. A tabela 2 apresenta as médias e os desvios-padrão das variâncias analisadas.

Tabela 2: Média (M) e desvio-padrão (DP) do nível de inteligência, número de letras conhecidas e nível de

consciência fonológica (C. F.) das crianças em função dos grupos

Inteligência Letras C. F. M DP M DP M DP G. Controlo 14.83 3.19 14.50 7.68 9.08 4.08 G. Comparação 13.50 2.81 14.00 4.07 8.42 2.91 G. Experimental 14.58 3.29 13.50 7.78 8.83 4.97 Material

Prova de escrita inventada

A prova de escrita inventada consiste num conjunto de 9 palavras e 9 pseudopalavras que foram apresentadas às crianças com suporte de imagem. As palavras correspondem a animais e as pseudopalavras aos nomes desses animais, representando um diferente número de sílabas e a diferentes estruturas silábicas (cf. tabela 3).

Tabela 3: Palavras e pseudopalavras utilizadas na prova de escrita inventada

Animais Nomes dos animais

ARANHA MICASTI CASTOR FUBRIMI CHIMPANZÉ BRI ESQUILO FUBRI GRILO DOR LEÃO ZIDOR PINGUIM CAS BOI MICAS CANGURU ZIDORFU

Depois de escreverem cada um dos itens as crianças leram o que escreveram e apontaram para o local da folha onde estava escrito cada item. Os comentários metagráficos foram registados e considerados para análise.

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38 Avaliação das escritas inventadas

As produções escritas das crianças foram codificadas em quatro categorias: Escritas grafo-perceptivas: produções sem relação com a oralidade (cf. figura A)

Figura A: Exemplo de escrita grafo-perceptiva

Leonor (5; 7 anos) escreve a palavra ARANHA mobilizando um conjunto de letras aleatórias. Nenhuma destas letras corresponde efetivamente aos sons da palavra; portanto, não é estabelecida qualquer correspondência entre sons e letras.

Escritas com letra inicial correta: produções nas quais a primeira letra representa efetivamente o primeiro som da palavra (cf. figura B).

Figura B: Exemplo de escrita com letra inicial correta

Daniel (5; 9 anos) escreve ARANHA como « ANIOE ». O som inicial da palavra [ɐ] é corretamente representado pela letra A. Nenhuma das outras letras têm qualquer correspondência com os restantes sons da palavra.

Escritas silábicas: produções nas quais cada sílaba da palavra na oralidade é representada por uma letra na escrita, numa correspondência unitária sílaba/letra (cf. figura C).

Figura C: Exemplo de escrita silábica

Rita (5; 8 anos) escreve MICASTI mobilizando uma letra para cada sílaba da pseudopalavra: A para a sílaba inicial [mi], M para a sílaba medial [kɐȓ] e E para a sílaba final [ti]. É estabelecida uma correspondência unitária quantitativa entre sílabas e letras, embora nenhuma destas letras represente os sons das sílabas.

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Escritas fonémicas: produções nas quais todos os sons das palavras são representados na escrita (cf. figura D).

Figura D: Exemplo de escrita fonémica

Catarina (6; 1 anos) escreve a pseudopalavra DOR mobilizando as letras corretas « DOR ». Cada fonema da pseudopalavra é representado por uma letra apropriada: o fonema na posição de ataque [d] é codificado pela letra D, a rima da sílaba [ɔr] é codificada pelas letras OR.

Dois juízes independentes avaliaram as escritas das crianças. O quociente de fiabilidade obtido é aproximadamente de 90%. Em caso de desacordo, os juízes discutiram até chegarem a consenso.

Programas de intervenção de didática experimental Grupo experimental

O programa é constituído por seis sessões de trabalho realizadas em pequeno grupo (quatro alunos) com uma duração aproximada de 20 minutos. Nestas sessões foram propostas aos alunos diferentes tarefas em torno da unidade sílaba: classificação silábica, reconstrução silábica e segmentação silábica.

Grupo de comparação

O programa é igualmente constituído por seis sessões, realizadas em pequeno grupo (quatro alunos), e com uma duração aproximada de 20 minutos. As condições metodológicas deste programa são equivalentes ao programa do grupo experimental, uma vez que se pretende isolar o efeito didático do efeito da presença do experimentador. Foram propostas aos alunos tarefas relacionadas com atividades pedagógicas habitualmente implementadas nas salas de aula: leitura de histórias a partir de livros de infância e desenhos ilustrativos das mesmas.

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40 Resultados

As crianças produziram um total de 648 produções escritas. Analisaremos num primeiro momento as produções das crianças dos diferentes grupos no pós-teste (cf. tabela 4).

Tabela 4 : Média (M) e desvio-padrão (DP) das modalidades de escrita das crianças dos grupos experimental, de

comparação e de controlo no pós-teste

Escritas G. Controlo G. Comparação G. Experimental

M DP M DP M DP

Grafo-perceptivas 15.08 4.96 16.42 2.15 6.00 2.66 Com letra sonora inicial 1.17 1.59 0.92 1.38 1.42 0.99

Silábicas 0.25 0.45 0.25 0.62 7.92 2.58

Fonémicas 1.50 3.37 0.42 0.67 2.67 2.67

A aplicação do teste de Kruskal-Wallis permite verificar a existência de diferenças significativas entre os três grupos, no que respeita a produção de escritas silábicas no pós-teste [H (36, 2) = 27.48, p = .000). As análises post-hoc efetuadas entre os três grupos mostram que as crianças do grupo experimental produzem mais escritas silábicas do que as crianças do grupo de comparação (p = .000) e do que as crianças do grupo de controlo (p = .000). A comparação entre o grupo de controlo e o grupo de comparação mostra que não existem diferenças significativas entre estes grupos (p = 1.000).

A nossa hipótese é assim corroborada. A intervenção didática realizada no grupo experimental teve um impacto positivo sobre as escritas silábicas das crianças, confirmando assim o efeito didático e cognitivo. No entanto, relativamente ao efeito psicossocial, verifica-se que este não parece verifica-ser suficiente significativo para provocar diferenças ao nível das escritas silábicas. Portanto, as diferenças entre as escritas silábicas produzidas pelas crianças dos três grupos parecem refletir o efeito do treino implementado: as escritas silábicas parecem ser, pelo menos parcialmente, uma manifestação da aprendizagem.

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Interessa-nos também perceber se a intervenção didática implementada no grupo experimental tem algum efeito sobre a produção de escritas fonémicas: será que esta intervenção, apesar de se centrar sobre a sílaba, tem um efeito sobre escritas nas quais as correspondências fonográficas se situam para além da sílaba ?

A análise dos resultados obtidos pelos três grupos no que respeita a produção de escritas fonémicas, efetuada mediante a aplicação do teste de Kruskal-Wallis, indica que existe uma diferença estatisticamente significativa entre os grupos no pós-teste. [H (36, 2) = 7.15, p = .028). A análise post-hoc realizada mostra que estas diferenças são significativas entre as crianças do grupo experimental e as do grupo de comparação (p = .027). Em relação às outras análises efetuadas, os resultados obtidos não são significativos: nem a comparação entre o grupo experimental e o grupo de controlo (p = .221); nem entre o grupo de comparação e o grupo de controlo (p = 1.000).

As crianças do grupo experimental parecem ter adquirido uma sensibilidade relativamente a algumas regras fonológicas do Português, nomeadamente a consciência de que os enunciados podem ser decompostos em sílabas. A intervenção didática realizada no grupo experimental parece ter tido um impacto sobre as competências meta-fonológicas das crianças, particularmente a sua capacidade para segmentar, decompor, identificar e recompor as palavras e as pseudopalavras em unidades silábicas. Parece-nos plausível supor que ao longo da implementação do programa didático, através das diferentes tarefas centradas sobre a sílaba propostas nas sessões, a competência metalinguística das crianças foi evoluindo, permitindo-lhes aprender e utilizar novos métodos reflexivos para analisar os enunciados, destacando-se o procedimento silábico de análise.

Depois destes resultados, que demonstram a eficácia do programa de intervenção didática implementado no grupo experimental, interessa-nos perceber se estes efeitos são sustentáveis no tempo. Para avaliar este efeito, realizámos um pós-teste diferido com o intuito

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de comparar as escritas das crianças dos três grupos, três meses depois do pós-teste. Os resultados obtidos no pós-teste diferido são apresentados na tabela 5.

Tabela 5 : Média (M) e desvio-padrão (DP) das modalidades de escrita das crianças dos grupos de controlo, de comparação e experimental no pós-teste diferido

Escritas G. Controlo G. Comparação G. Experimental

M DP M DP M DP

Grafo-perceptivas 16.83 3.43 17.50 0.97 12.08 5.79 Com letra sonora inicial 0.08 0.29 0.30 0.48 0.33 0.65

Silábicas 0.50 1.73 0.20 0.63 3.83 4.35

Fonémicas 0.58 1.44 0.00 0.00 1.75 2.60

A partir da aplicação do teste de Kruskal-Wallis, os resultados obtidos evidenciam a existência de diferenças estatisticamente significativas entre os três grupos relativamente à produção de escritas silábicas [H (34, 2) = 9.82, p = .007). As análises post-hoc realizadas permitem constatar que a diferença entre o grupo experimental e o grupo de comparação é significativa (p = .024), assim como a diferença entre o grupo experimental e o grupo de controlo (p = .019). Entre o grupo de comparação e o grupo de controlo não existem diferenças significativas (p = 1.00).

O efeito do programa de intervenção de didática experimental implementado no grupo experimental mantém-se três meses após o final do pós-teste. A eficácia do treino do procedimento silábico de análise, continua a verificar-se, nomeadamente o seu efeito cognitivo. A ausência de diferenças significativas entre as escritas silábicas das crianças dos grupos de comparação e controlo parece indiciar que o efeito psicossocial da intervenção não é suficiente para introduzir um impacto sobre este tipo de escritas, tal como se tinha verificado anteriormente no pós-teste.

Considerando de seguida as escritas fonémicas das crianças dos três grupos no pós-teste diferido, os resultados obtidos pela aplicação do pós-teste de Kruskal-Wallis mostram que

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existe uma diferença significativa entre os grupos [H (34, 2) = 7.01, p = .030). A análise post-hoc mostra que esta diferença se verifica entre o grupo experimental e o grupo de comparação (p = .025). Para as restantes comparações realizadas, os resultados obtidos não indiciam diferenças significativas: entre o grupo experimental e o grupo de controlo (p = .416); entre o grupo de controlo e o grupo de comparação (p = 0.664).

As crianças do grupo experimental parecem manter uma sensibilidade relativa a algumas das regras fonológicas do Português, denotando uma consciência metalinguística que permanece mesmo considerando que entre o pós-teste e o pós-teste diferido decorreram três meses.

Conclusão

Neste estudo foi implementado um programa de intervenção de didática experimental, com o objetivo de verificar qual o efeito do contexto didático sobre o desenvolvimento da escrita. Os resultados obtidos mostram que as crianças do grupo experimental foram capazes de produzir mais escritas silábicas e fonémicas do as que as crianças dos grupos de comparação e de controlo, quer no momento do pós-teste, quer no momento do pós-teste diferido, sugerindo que a eficácia da intervenção didática se mantém no tempo e que é possível estabelecer intervir experimentalmente desde as fases iniciais da aquisição da escrita.

Os resultados obtidos favorecem a ideia de que a entrada na escrita é um processo de natureza psico-socio-genética. A escrita silábica pode ser treinada, mesmo em crianças que ainda não estabelecem qualquer relação entre a escrita e a oralidade. O procedimento silábico de análise, bem como outras estratégias, é passível de aprendizagem, significando que o desenvolvimento da escrita depende de fatores sociais, para além da psicogénese. Assim, as modalidades de escrita, como a escrita silábica, podem corresponder a momentos do desenvolvimento da escrita, mas também poderão corresponder a uma manifestação da

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aprendizagem, adquirida através da didática centrada sobre um determinado objetivo. Neste sentido, os efeitos da aprendizagem mantêm-se através do tempo, com as crianças do grupo experimental a produzirem mais escritas de tipo silábico e fonémico no pós-teste diferido. Tendo em consideração que este programa de intervenção didática se desenrolou ao longo de seis sessões de trabalho, poderemos refletir sobre a eficácia de um programa que se desenrole ao longo de um ano letivo.

O programa de intervenção implementado no grupo de comparação, consubstanciado para controlar o efeito da presença do experimentador – efeito psicossocial – não parece ter influência sobre as escritas produzidas pelas crianças, dando ênfase aos benefícios cognitivos do programa de intervenção didática conduzido no grupo experimental.

Por último, a metodologia da didática experimental utilizada neste estudo, permite-nos refletir sobre a psico-socio-génese da escrita em Português. Os resultados obtidos indiciam que o contexto didático desempenha um papel importante neste processo de aquisição, promovendo aprendizagens que contribuem decisivamente para a entrada na escrita das crianças em idade pré-escolar.

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