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Academic year: 2020

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Gragoatá

Uma casa chamada exílio

Recebido 13,ju1.2005/ Aprovado 15, set. 2005

Simone Pereira Schmidt

Resumo

O artigo discute a experiência do exílio re-presentada na literatura moçambicana atu-aI, abordando especialmente a questão das identidades. A partir da leitura de dois ro-mances de Mia Couto, Terra sonâmbula (1992) e Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra (2002), procura examinar como é vivenciado o exílio dentro do próprio país, enfocando a experiência dramática da guerra civil e a difícil reconstrução da nação no período posterior à guerra.

Palavras-Chave: exílio; identidades pós-colo-niais; Mia Couto.

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Gragoatá Simone Pereira Schmidt

Se há uma palavra que traduz bem o sentimento daqueles que vivenciam os deslocamentos, as idas e vindas que a condi-ção pós-colonial propõe, e por vezes impõe, esta palavra é o exílio. É bem verdade que o exílio tornou-se, para todos nós que vivemos na pós-modernidade, uma experiência demasia-do familiar. Stuart Hall identificou nesta experiência a sensa-ção quase universal de des-locamento, ou seja, o sentimento, por todos conhecido, de que "não estamos em casa" (HALL, 2003, p. 27). Edward Said (SAlD, 2000, p. 54-55) percebe, entre os múltiplos sentidos que a palavra carrega, o exílio como uma forma de (mal-)estar-no-mundo, que caracteriza e explica a permanente desadaptação de muitos intelectuais (atitude, aliás, de certo modo preconizada pelos românticos ... )

Mas ao falar do exílio como marca da condição pós-colo-nial, temos que entender o nâo pertencimento, a desadaptação, o sentimento enfim de estar "fora de casa" num sentido menos metafórico, e dolorosamente impregnado de historicidade. Ao pensarmos na experiência dos exilados, traçamos mentalmen-te o mapa de longos percursos, de grandes distâncias percorri-das, de mares atravessados, em situações geralmente dramáti-cas, de escravidão, perseguição política, fome, diáspora. E de fato há muitos registros dessas e de outras experiências, que devem ser enfocados, ao falarmos neste tema. Há no entanto uma outra condição de exílio na experiência pós-colonial, e gostaria de me dedicar a examiná-la: trata-se do exílio dos que não partem, e que, por força dos acontecimentos históricos, vêem-se transformados em testemunhas da perda de sua casa, sua família e seu país. Para aqueles que vivenciaram as mudan-ças traumáticas promovidas pelas guerras coloniais e pós-colo-niais, e a difícil construção de um momento histórico pós-inde-pendência, permanecer em casa ganha um sentido a mais, para além do exílio como sensação comum a todos os sujeitos mo-dernos. Aqueles que ficaram em sua terra, e a viram devastada por guerras e miséria, experimentam uma outra situação de exílio, que as faz testemunhas das profundas mudanças vivi-das, e no seio de tais diferenças, negociam novos significados para si, como sujeitos. O drama que vivenciam é, em última instância, o drama de sua própria identidade. Onde reencon-trar os vínculos perdidos? Como reconstruir a vida, a partir de que novos paradigmas?

Na literatura moçambicana recente, encontramos dois exemplos paradigmáticos dessa condição de exílio vivenciado dentro do próprio país, e gostaria de colocá-los em diálogo. Trata-se da experiência de personagens que, de maneira dife-rente, vivem as tensões e os embates travados entre o antigo e o novo, o passado colonial e o presente pós-colonial, o tribal e o "civilizado", e se vêem visceralmente envolvidas nas disputas

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de poder e identidade que subjazem a este contexto. As perso-nagens a que me refiro encontram-se nos romances de Mia Couto, Terra sonâmbula (1992) e Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra (2002).

É interessante observarmos como o elemento terra se

ins-creve no título dos dois romances, a assinalar uma centralidade que a terra, como espaço geográfico e metafórico, efetivamente ocupará nas duas narrativas. No segundo romance, o mais re-cente, as palavras casa e terra encontram-se associadas, o que não ocorre no primeiro. E aqui temos já uma diferença impor-tante: a terra sonâmbula de que nos fala o primeiro título é uma terra sem casa, porque, preso ao cenário da guerra, é justamen-te da destruição da casa (enquanto espaço geográfico do país, e enquanto metáfora da nação) que este romance nos fala. A

es-trada, em contraponto à casa, é um elemento presente em toda

a narrativa, já que esta se desenvolve exatamente a partir da deambulação, da perambulação, sonambúlica, dos personagens, tanto de Tuahir e Muidinga, protagonistas da ação, quanto de Kindzu, sujeito da escrita dos cadernos, lidos pela dupla de protagonistas para espantar a morte que os rodeia.

Além da estrada, há dois outros lugares muito significati-vos para o desenrolar da trama: o machimbombo e o navio, dois lugares de passagem, de movimento, que, paradoxalmen-te, encontram-se em absoluta imobilidade. Nesta história, é a estrada que se move, como observam os personagens; todo o resto se imobiliza, e espera. Parece ser bastante produtivo aqui empregarmos o conceito de cronotopo, que, como se sabe, foi formulado por Bakhtine (1978), a partir da teoria da relativida-de relativida-de Einstein, para assinalar a indissociabilidarelativida-de do espaço e do tempo, num todo inteligível e concreto, dentro da literatura. Assim, podemos identificar o machimbombo e o navio como cronotopos do exílio, uma vez que nestes espaços há uma du-pla inscrição, do passado colonial e do presente, que se insinua no espaço, fazendo da condição dos personagens uma experi-ência onde os deslocamentos não se dão apenas no espaço geo-gráfico, mas também nas temporalidades distintas evocadas por sua experiência. Opera-se no romance uma curiosa inversão: em lugar da casa, que já não há, os personagens encontrarão suas provisórias casas no machimbombo (Tuahir e Muidinga) e no navio (Farida e Kindzu). O machimbombo, marcado pela morte que carrega (todos os passageiros que transportava es-tão mortos, e seus corpos ainda ali se encontram, carboniza-dos), transforma-se, no tempo da sobrevivência, ou da sobrevida

dos protagonistas, em sua própria casa. É dentro do

machim-bombo que Tuahir e Muidinga dormem, é a ele que retornam de suas andanças, e, o que é mais importante no desenrolar da

história, éjunto ao machimbombo, também, que se entregam à

leitura dos cadernos de Kindzu.

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o

navio, por sua vez, é lugar de perigo e sedução: as

imen-sas mercadorias que contém (as xicalamidades) seduzem os

ha-bitantes de Matimati, mas, tal como uma feroz divindade, o mar espanta e mata quem da embarcação se aproxima ... só uma mulher permanece a bordo; esta mulhe.r é Farida, a representa-ção mais aguda da figura da exilada no romance.

Farida, personagem feminina de grande força em Terra

Sonâmbula, representa todo o sofrimento vivido pela mulher na sociedade tribal. Sobre seus frágeis ombros recai o peso de uma tradição que exclui as mulheres dos círculos de poder, e, de forma ainda mais terrível, desamparada por essa tradição, que a repele, ela se torna vítima da voracidade do colonizador. Por ter nascido gêmea de sua irmã, de quem é desde logo apartada, ela se torna uma espécie de agressão ao seu povo. Algumas etnias africanas, como é sabido, acreditam que o nascimento de gêmeos representa uma grande ameaça para toda a comunida-de. Mãe e filhos devem ser submetidos a ritos de purificação e, em alguns casos, devem ser afastados do convívio com os de-mais (CAVACAS, 2001, p.82-92). Submetida às duras prova-ções impostas por seu próprio povo, Farida não resiste e parte, tornando-se uma errante órfã e abandonada. Acolhida por uma família portuguesa, ela será violada pelo chefe desta família branca, e, grávida, será mais uma vez repudiada por sua co-munidade. Quando Kindzu a conhece, e por ela se apaixona, Farida vive a forma mais concreta de seu exílio, isolada dentro do navio que, se está repleto de bens, está, também, totalmente abandonado. A bordo deste abandono, ela espera, "pronta para toda a viagem", que os donos do barco um dia venham buscá-lo, e é com certo alívio que se isola no navio-fantasma, pois "em terra ela já não tinha nenhum lugar" (COUTO, 1992, p. 90). Do fundo de sua experiência de exílio, emerge seu desejo de esboçar sua identidade: ela deseja contar sua história, im-plora a Kindzu que a ouça, e sua história começa com seu nome:

"Me chamo Farida, começou a mulher o seu relato" (COUTO, 1992, p. 77).

Kindzu e Farida, enlaçados pelo amor, possuem em co-mum mais do que seus corpos que se desejam. São dois exila-dos que encontram sua casa, provisória e errante como eles mesmos, no navio que hesita entre partir e não partir. São tam-bém dois sujeitos que buscam desesperadamente contar-se, para construir, ainda que de maneira provisória como a casa-barco em que habitam, a sua história, aquela que lhes possa dizer quem são: por isso Farida conta e reconta os fatos de sua vida; para isso Kindzu escreve seus cadernos, que só ganharão senti-do e leitura nas mãos e na fala de Muidinga.

Nos relatos de Farida e Kindzu, encontramos duas temporalidades distintas, duas formas de registro da experiên-cia pessoal e coletiva: o passado da tradição oral, e o presente

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da cultura escrita. O convívio dos dois personagens assinala a passagem de uma tradição a outra, e mais do que isso, a mistu-ra das duas tmistu-radições. No trecho abaixo, vemos com clareza essa tensão vivida pelos personagens:

Entendia o que me unia àquela mulher: nós dois estávamos divididos entre dois mundos. A nossa memória se povoava de fantasmas da nossa aldeia. Esses fantasmas nos falavam em nossas línguas indígenas. Mas nós já só sabíamos sonhar em português. E já não havia aldeias no desenho do nosso fu-turo (COUTO, 1992, p. 102-103).

Como sujeitos divididos, intervalares, Farida e Kindzu têm suas identidades a flutuar entre dois tempos, entre o presente vazio - da guerra, da terra devastada - e o passado irrecuperável, o passado das "línguas indígenas" e das "aldeias", impossíveis de vislumbrar no futuro. Por isso sua ação se paralisa, entre ficare partir: Ambos queríamos partir. Ela queria sair para um novo mundo, eu queria desembarcar numa outra vida. Farida queria sair de África, eu queria encontrar um outro continente dentro de África (COUTO, 1992, p. 103) .

. Essa espécie de fusão entre duas temporalidades e duas culturas, presente e passado, oralidade e escrita, se encontra simbolizada na belíssima imagem que encerra a narrativa, quan-do as palavras escritas por Kindzu em seu caderno escorrem em direção ao chão, fundindo-se com a terra ...

De sua mão tombam os cadernos. Movidas por um vento que nascia não do ar mas do próprio chão, as folhas se espa-lham pela estrada. Então, as letras, uma por uma, se vão con-vertendo em grãos de areia e, aos poucos, todos meus escritos se vão convertendo em páginas de terra (COUTO, 1992, p. 218).

É também de fusão, entre tempos e espaços distantes, que

nos fala o romance Um rio chamado tempo, uma casa chamada ter-ra. Nele, o protagonista-narrador retorna à sua ilha de origem

para assistir à morte de seu avô, Dito Mariano. A casa,

Nyumba-Kaya -uma expressão de consenso para agradar, como explica

o narrador, a todos os membros da família, já que nyumba

sig-nifica casa nos idiomas do norte, e kaya tem o mesmo significa-do nos idiomas significa-do sul (COUTO, 2002, p. 28) -, ocupa neste ro-mance um lugar central:

Uma vez mais, matrona e soberana, a Nyumba-Kaya se ergue de encontro ao tempo. Seus antigos fantasmas estão, agora, acrescentados pelo espírito do falecido Avô. E se confirma a verdade das palavras do velho Mariano: eu teria residências, sim, mas casa seria aquela, única, indisputável (COUTO, 2002,

p.29). .

A centralidade da casa para o clã dos Marianos, em torno dos quais se organiza a narrativa, torna ainda mais visível a sua intrigante condição: aquela é a casa de um clã governado

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por um morto, que não morreu de todo. Para que o velho Dito Mariano efetivamente morra, e possa enfim descansar, será necessária uma transição de saber e de poder, efetuada entre o avô e o neto Mariano. A narrativa se desdobra em torno da consciência que o protagonista pouco a pouco vai adquirindo, de que é para isso que retornou a sua ilha de origem: para efe-tuar uma reconciliação do avô com seu passado, e de si mesmo

com o presente. Mariano, o neto, é o único elemento da família

capaz de fazer a passagem entre o passado e o futuro, entre as duas margens do rio, que separam a cidade (onde vive o neto) da ilha (onde o avô está morrendo). Mas para que a terra se acalme, e receba o corpo do avô Mariano, será preciso que an-tes o neto receba do avô todos os seus segredos, todos os seus erros, inclusive a revelação de sua paternidade. Dito Mariano, o neto (e filho) do velho Mariano, terá que reconciliar as temporalidades distintas, atravessadas pelo rio (que, como

to-dos sabemos, é signo incontestável do tempo). Temos

portan-to, na ilha de origem, que está morrendo junto com o avô, e que clama por ser renascida pela ação do neto Mariano, uma terra atravessada pelo rio, um espaço atravessado pelo tempo.

Em termos históricos, podemos identificar em Um rio

cha-mado tempo ... a representação de um momento posterior aquele que encontramos em Terra sonâmbula. Neste, a guerra é a expe-riência única, esmagadora, que envolve todos os personagens, fazendo emergir seus diferentes exílios, como formas de viver o abandono, a errãncia e o desamparo provocados por uma si-tuação catastrófica que lhes parece interminável (essa guerra al-gum dia há-de acabar? - pergunta Farida a Kindzu) (COUTO, 1992, p.l14). Já Um rio chamado tempo ... é um romance posterior a guerra, quando o país busca sua reconstrução a partir dos escombros de si mesmo. Por isso, ao retornar a sua ilha, o pro-tagonista se lamenta:

De novo me chegam os sinais de decadência, como se cada ruína fosse uma ferida dentro de mim. Custa a ver o tempo falecer assim. Levassem o passado para longe, como um cadá-ver. E deixassem-no lá, longe das vistas, esfarelado em poeira. Mas não. A nossa ilha está imitando o Avô Mariano, morrendo junto a nós, decompondo-se perante o nosso desarmado assom-bro (COUTO, 2002, p. 89-90).

Mariano, o neto, tendo cumprido o caminho de saída e de volta a ilha de origem, percebe sua missão de unir as pontas do tempo e do espaço do pós-guerra. Essa missão está intimamen-te ligada a sua condição de exilado, pois apenas como elemen-to próprio aquela comunidade, mas ao mesmo estrangeiro a ela, é que pode interpretá-la e atuar sobre sua fraqueza. Pois, como define o escritor angolano Arlindo Barbeitos, o exílio con-siste num "esforço do espírito e, tantas vezes, do corpo, a que a adaptação ao novo espaço força". No entanto, ao operar sobre

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a distância entre o indivíduo e sua origem, "ele [o exílio] pode ainda nos conduzir a modalidades de meditação adormecidas em ambiente natal" (BARBEITOS, 200l, p. 1). Este pensar sobre

a terra de origem é, na perspectiva do exilado, ainda segundo

Barbeitos, freqüentemente um exercício doloroso, mas ainda assim muito esclarecedor, porque permite vislumbrar soluções para os impasses vividos no país natal.

Pensar neste lugar intermediário, intervalar, ocupado por Mariano, e a ele reservado como verdadeira missão no corpo da família, leva-nos de volta às dualidades vividas por Kindzu

e Farida em Terra sonâmbula. Ao despedir-se da mulher amada,

Kindzu recorda as palavras de seu pai: "Agora, somos um povo de mendigos, nem temos onde cair vivos", e sua advertência, para que nâo se metesse "a mudar os destinos". Enfim, assu-mindo seu (nâo-)lugar de errante, Kindzu conclui que em nada obedeceu ao seu pai: Eu não estava a deixar o tempo quieto. Talvez, quem sabe, cumprisse o que sempre fora: sonhador de lembranças, inventor de verdades. Um sonâmbulo passeando entre o fogo. Um sonâmbulo como a terra em que nascera

(COUTO, 1992, p. 117).

Igualando-se à terra, sonâmbula, o personagem reafirma sua identidade, fragilmente mantida, através do desejo de se tornar um guerreiro naparama (pois queria encontrar um outro continente dentro de Africa ... ), ou através da busca ao filho perdi-do de Farida. A mulher a quem ama, Farida, salva-o "da misé-ria de existir pouco", pois, como ele percebe, ela era enfim "al-guém que mantinha a esperança, louca que fosse" (COUTO, 1992, p. 114).

Considerar o exílio como uma marca da experiência pós-colonial nos leva a pensar sobre o caráter contrapontística da condição do exilado, de que falou Edward Said (2003, p. 46-60). O exilado, segundo Said, experimenta a dor do exílio e também a aprendizagem que ele enseja; viver o exílio significa viver, em contraponto, duas experiências simultâneas: o sofrimento e a sabedoria, o estar aqui e lá ao mesmo tempo.

Os personagens que analisamos nos dois romances, Kindzu e Farida em Terra sonâmbula, e Mariano em Um rio cha-mado tempo, uma casa chamada terra, oscilam entre o lugar de fora e de dentro de suas culturas. Colocados para fora de suas tradi-ções por motivos alheios ao seu desejo (a violência e a guerra para os primeiros, o imperativo familiar para o segundo), eles procuram retornar a elas quando percebem suas identidades ameaçadas, mas seu retorno nunca será definitivo nem com-pleto: permanecem como sujeitos intermediários, num lugar oscilante que os faz simultaneamente estranhos e familiares às suas culturas. Neste seu movimento, para dentro e fora da cul-tura, podemos identificar a visão contrapontística de que

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mos antes, e que, segundo Said, assinala a condição do exílio. Diz Said:

Embora talvez pareça estranho falar dos prazeres do exílio. há certas coisas positivas para se dizer sobre algumas de suas

condições. Ver" o mundo inteiro como uma terra estrangeira"

possibilita a originalidade da visão. A maioria das pessoas tem

consciência de uma cultura, um cenário, um país; os exilados

têm consciência de pelo menos dois desses aspectos. e essa pluralidade de visão dá origem a uma consciência de

dimen-sões simultâneas, uma consciência que - para tomar

empres-tada uma palavra da música -é contrapontística (SAID, 2003, p.59).

Assim como ocorre aos personagens dos romances, tal-vez a experiência de exercitarmos nosso olhar e nosso juízo a partir da perspectiva do contraponto constitua uma ferramen-ta absoluferramen-tamente necessária para conhecermos e interpreferramen-tar- interpretar-mos as experiências de sujeitos pós-coloniais, tais como os en-contramos representados na ficção de Mia Couto e de outros autores contemporâneos. Helder Macedo assinalou, em capí-tulo memorável de Partes de África, nossas práticas ocidentais, constantemente reencenadas em diferentes contextos, de estar-mos sempre a "reconhecer o desconhecido" (MACEDO, 1999, p. 233-245) na cultura do outro. Para nâo incorrermos neste sem-pre repetido equívoco, a proposição de Said parece bastante apropriada: ver o mundo inteiro como uma terra estrangeira talvez seja o modo mais acertado de interpretarmos o mundo em sua diversidade. E já que" não estamos em casa" , como lem-bra Stuart Hall, ver as culturas em contraponto nos permite agir, conforme Said, "como se estivéssemos em casa em qualquer lugar" (SAID, 2003, p. 60). Talvez, segundo a sugestâo de lain Chambers (apud HALL, 2003, p. 28), "seja mais uma questão de buscar estar em casa aqui, no único momento e contexto que temos".

Abstract

This article analyses the identity of exilic subjects in Moçambique's contemporary literature. It focuses the exilic experience of those people who stayed inside the country, facing the hard years of civil war, and the hard times of nation 's reconstruction, in the last years.

Keywords: exile; postcolonial identities; Mia Couto.

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Referências

BAKHTlNE, Mikhall. Esthétique et théorie du romano Paris: Gallimard, 1978.

BARBEITOS, Arlindo. O colonialismo, a guerra civil e a crise da angolanidade. Lisboa, 2001. (texto gentilmente cedido pelo autor).

CAVACAS, Fernanda. Mia Couto: acrediteísmos. Lisboa: Mar

Além, 2001.

COUTO, Mia. Terra sonâmbula. Lisboa: Caminho, 1992.

_ _ _ o Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra. Lisboa: Caminho, 2002.

HALL, Stuart. Pensando a diáspora: reflexões sobre a terra no

exterior. ln: . Da diáspora: identidades e mediações

cultu-rais. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2003.

MACEDO, Helder. Partes de África. Rio de Janeiro: Record, 1999. SAID, Edward. Exílio intelectual: expatriados e marginais. ln:

_ _ _ o Representações do intelectual: as palestras de Reith de 1993.

Lisboa: Colibri, 2000. p. 51-62.

-:-__ . Reflexões sobre o exílio. ln: . Reflexões sobre o

exí-lio e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 46-60.

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