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SENTIDOS DO TRABALHO COM CRIANÇAS: ANÁLISE DE ENUNCIADOS EM AMBIENTE VIRTUAL

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Academic year: 2020

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ISSN 2177-6288

V. 9 – 2018.1 – NEVES, Raíza; DEUSDARÁ, Bruno, ARANTES, Poliana Coeli Costa

SENTIDOS DO TRABALHO COM CRIANÇAS:

ANÁLISE DE ENUNCIADOS EM AMBIENTE VIRTUAL

Raíza Neves

1

Bruno Deusdará

2

Poliana Coeli Costa Arantes

3

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar os sentidos atribuídos ao trabalho dos

profissionais na Educação Infantil. Como perspectiva teórica, partimos da visão dialógica da linguagem de M. Bakhtin, segundo a qual todo texto produz sentido no diálogo que estabelece com outros textos, configurando relações de aliança ou oposição. Para atingir esse objetivo, analisamos enunciados extraídos de um fórum de discussão virtual tematizando as instituições de Educação Infantil*. Com resultados, explicitamos estratégias de apagamento e objetificação do trabalho dos profissionais.

PALAVRAS-CHAVE: discurso; trabalho; Educação Infantil*.

MEANINGS OF WORK WITH CHILDREN: ANALYZING STATEMENTS ON VIRTUAL ENVIRONMENTABSTRACT

ABSTRACT: This article aims to analyze the meanings assigned to the work of professionals in early childhood education. As a theoretical perspective, we assume the dialogical viewpoint of language proposed by M. Bakhtin. According to this author, every text produces meaning in dialogue with other texts, setting agreement or disagreement relations. To achieve this goal, we analyze statements extracted from a virtual discussion forum in which the educational institutions are the subject of conversation. As results, we discuss some linguistic strategies to the invisibility of professional’s work.

KEYWORDS: discourse; work; early childhood education.

Considerações iniciais

No presente artigo, atualizamos as discussões empreendidas em torno dos sentidos atribuídos ao trabalho de formação em instituições escolares, privilegiando o debate que se constrói acerca da Educação Infantil*. Considerando que o sentido de qualquer enunciado advém das relações que este integra com outros enunciados, o projeto deste texto investe na

1 Graduada em Letras (UERJ); Mestranda em Linguística (UERJ).

2 Doutor em Psicologia Social (UERJ); Professor Adjunto do Departamento de Estudos da Linguagem, do

Programa de Pós-graduação em Letras (Instituto de Letras/UERJ) e do Programa de Pós-graduação em Letras e Linguística (Fac. de Formação de Professores/UERJ); Bolsista Jovem Cientista do Nosso Estado (FAPERJ).

3 Doutora em Estudos Linguísticos (UFMG); Professora Adjunta do Departamento de Letras Anglo-germânicas e

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construção de um espaço de debates entre diferentes posicionamentos, tematizando a imagem construída em torno da infância.

Para dar sequência a esta apresentação, parece-nos necessário um esclarecimento preliminar: traremos aqui desdobramentos de uma pesquisa cujo objetivo inicial residia em investigar o modo como se constroem as imagens de estudantes, privilegiadas em campanhas publicitárias, propostas por instituições de ensino particulares, na cidade do Rio de Janeiro. Partindo da noção de prática discursiva (MAINGUENEAU, 1997), segundo a qual um texto não apenas pressupõe uma dada organização de mundo, como também propõe no próprio curso da enunciação, uma comunidade de sustentação desses textos, imaginávamos ser possível investigar a constituição de imagens de “estudantes” que se apresentavam como modelares dessas instituições. Em outras palavras, ao mesmo tempo em que se selecionam e divulgam imagens de seus “estudantes”, essas instituições os sustentam como “performances de sucesso”, modelo do trabalho que realizam e que, simultaneamente, ofertam continuar realizando.

No entanto, algo de surpreendente nos ocorreu nas diversas tentativas de composição de nosso corpus de pesquisa: a reincidência, nos resultados das páginas eletrônicas de busca consultadas, de links que encaminhavam para fóruns de discussão virtual, destinados a mães à procura de creches para seus filhos. Diante dessa reincidência, decidimos reorientar nossos encaminhamentos de pesquisa, passando então a consultar preliminarmente esses fóruns em busca de pistas para as campanhas publicitárias das creches em questão.

Partimos à procura das creches citadas nos fóruns, já que as mães se comunicavam através desses espaços virtuais para saber informações de outras mães sobre as creches nas quais pretendiam inscrever seus filhos. Deve-se assumir assim essa cena como espaço discursivo preliminar a partir do qual as interações se realizam.

Desse modo, reorganizamos nosso projeto de investigação, considerando a composição de um levantamento de sentidos atribuídos ao trabalho em creche, por mães em fóruns virtuais. Em nossas análises, buscamos extrair dos enunciados que expressam avaliações sobre as instituições os modos a partir dos quais se atribuem sentido ao trabalho desenvolvido pelos profissionais na referidas instituições.

A perspectiva dialógica

No presente artigo, discutimos os sentidos atribuídos ao trabalho de formação realizado na Educação Infantil*, a partir da análise de textos que circulam em ambiente virtual. Em articulação com um projeto mais abrangente de investigar os diversos planos em que se organiza o debate em torno dos sentidos e valores atribuídos ao trabalho de formação, trata-se de uma

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proposta de investigação que vem interrogando esses diferentes planos de debate, a partir da consideração de que um profissional se apropria e reelabora, em seu cotidiano de trabalho, não apenas os conhecimentos técnicos de que dispõe ou orientações advindas da hierarquia, mas também dialoga com os valores que circulam em diferentes suportes midiáticos.

A perspectiva dialógica centra-se na premissa segundo a qual o sentido de um enunciado não é localizável em seus elementos linguísticos, mas se constitui a partir da relação que é possível recuperar entre um enunciado e os demais aos quais ele parece dirigir-se. Desse modo, Bakhtin (2004) compreende a linguagem como espaço de um diálogo, por constituição.

Desse ponto de vista, a recepção de um texto deixa de ser apreendida como instância passiva, a quem caberia mera decodificação, caracterizando a recepção como preparação para uma resposta. Suprime-se, com isso, a distância entre os parceiros da interação verbal, tal como pressupunham os modelos que os distribuem em duas instâncias – a saber, a do emissor, como aquele que só emite a mensagem, e do receptor, como aquele que só recebe e decodifica a mensagem.

Na contemporaneidade, é possível contribuir com a ampliação de tal ponto de vista, ressaltando que a proposta de dissolução das distâncias entre os polos participantes da interação verbal teria o mérito de compreender as situações de troca verbal como espaço-tempo para cujo sucesso os participantes seriam corresponsáveis. O que se produziria, então, em uma situação de interação corresponderia a muito mais do que pretendem supor os esquemas comunicacionais que os aprisionam nas intenções pretensamente atribuídas aos falantes.

A partir desse deslocamento do lugar atribuído aos participantes da interação verbal, Bakhtin (2004) contribui para a instauração de uma reflexão sobre a linguagem que a considera como fundamentalmente dialógica. Os enunciados somente produziriam sentido na relação que estabelecem com os demais enunciados. Com efeito, abre-se a possibilidade de interrogar uma concepção informacional da linguagem, em favor da perspectiva que sustenta a coconstrução dos sentidos. A partir de tal perspectiva, o diálogo entre os enunciados deixa de remeter apenas ao que se realiza em presença, em uma situação de troca verbal delimitada, e passa a se referir a um movimento constitutivo da linguagem: todo enunciado inscreve seus sentidos a partir da relação constitutiva que é capaz de estabelecer, explícita ou implicitamente, com os demais enunciados com os quais interage em uma dada conjuntura.

Levando esta ideia ao nosso material de análise, é possível perceber que, ao presenciarem determinadas atitudes e determinadas cenas nas creches e, ao analisarem os sites das mesmas; as mães logo tiveram uma reação, ou seja, uma espécie de atitude responsiva ativa, ao compartilharem informações sobre as impressões que tiveram e sobre o que viram nas

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creches e nos sites que citam, respectivamente, nos fóruns (veremos com mais detalhes no item “Expectativas em relação ao trabalho em creches”).

Diante das entradas verbais possíveis para análise do que se constrói a partir da complexa dinâmica de relações entre enunciados, elegemos o tema, por considerar seu potencial de reflexão em torno da interface infância e consumo. Ao lado das “evidências” que o referido debate tem mobilizado a investigação do modo de construção desse diálogo, considerando campos do discurso distintos, elegemos também as páginas eletrônicas de fóruns e as diversas, também páginas eletrônicas, sobre as creches citadas.

Para Bakhtin, o tema remete ao “sentido da enunciação completa”, ressaltando, portanto, seu caráter individual e não reiterável (BAKHTIN, 2004, p. 128). Desse modo, o tema é compreendido como indissociável da situação histórica concreta da qual emerge. Em oposição à variação absoluta e ao caráter não reiterável dos temas, Bakhtin propõe a existência de uma estabilidade, que corresponderia à significação – esse “aparato técnico para a realização do tema” (BAKHTIN, 2004, p. 129).

Vejamos como o próprio autor já propunha o vínculo entre um modelo interacional que se sustenta na compreensão responsiva ativa e a problemática do tema como elemento não reiterável da enunciação:

qualquer tipo genuíno de compreensão deve ser ativo, deve conter já o germe de uma resposta. Só a compreensão ativa nos permite apreender o tema, pois a evolução não pode ser apreendida senão com a ajuda de um outro processo evolutivo. Compreender a enunciação de outrem significa orientar-se em relação a ela, encontrar o seu lugar adequado no contexto correspondente (BAKHTIN, 2004, p. 131-32).

Como se vê, a compreensão não se reduz a uma pretensa decodificação. Compreender um enunciado implica inevitavelmente orientar-se em direção a ele, de tal modo que a compreensão se erige na produção de outro enunciado, a que se supõe poder tomar o outro como correspondente a si mesmo. A mediação, o deslocamento de si mesmo em direção ao outro é o movimento constitutivo da compreensão.

A seguir, iniciamos nosso movimento de análise que é, simultaneamente, a construção de um espaço de debate, no qual o trabalho com a infância será compreendido a partir da elaboração de perspectivas em embate.

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Neste item, explicitamos algumas linhas de constituição das investigações acerca da infância e seus vínculos de sociabilidade, procurando evidenciar as temáticas privilegiadas e as abordagens propostas para tais discussões. A nosso ver, esse tipo de levantamento contribui para a construção de um espaço de embates a partir do qual é possível tanto compreender a delimitação de posicionamentos diversos como efeito desses embates, quanto circunscrever as temáticas privilegiadas na sua constituição. Em nossa busca por materiais, observamos a intensa produção que investigação das relações de sociabilidade da infância no contexto das práticas de consumo.

Uma vertente de discussões bastante recorrente se insere no campo sociológico, investindo em aspectos jurídicos da referida interface, apoiando-se tanto em questões teóricas quanto nos textos legais que dão sustentação às críticas empreendidas. A partir dessa articulação, ressalta-se que, em conformidade com a lei, “as crianças não têm autonomia sobre seus atos e dependem dos seus pais, então, não deveriam existir propagandas dirigidas a elas, já que, não poderão comprar sem a autorização de seus pais” (SHUCHSVSKI; PONCIO; SANTOS, 2012, p. 101-102). Como se percebe, os indivíduos são definidos em função de uma pretensa “autonomia”, que se conquistaria a partir de um determinado momento da vida.

A ausência de autonomia, como característica atribuída à criança, demanda do mundo adulto ações de proteção, entre elas, a própria garantia, em lei, dessa ausência como possibilidade de responsabilização legal dos atores sociais que não a respeitarem. Ainda no que tange a ações que privilegiem uma atuação jurídica, o privilégio conferido à criação de normas regulamentadoras da publicidade dirigida às crianças sustenta-se também, segundo Reis e Richter (2014), em “priorizar o direito fundamental a saúde frente à influência publicitária no surgimento de doenças precoces, como nos casos de obesidade infantil” (REIS; RICHTER, 2014, p. 17).

Esse vínculo estabelecido entre a elevada exibição de crianças a comerciais televisivos constitui o interesse de outros estudos, entre eles, registra-se o estudo exploratório empreendido por Dexheimer e Bacha (2011). Pretendendo investigar os aspectos considerados pelas crianças na tomada de decisão pelo consumo e que objetos, em geral, são preferidos por elas, os pesquisadores encontraram resultados que já apontam para oposições socialmente construídas, como a distinção de interesse por meninas (vestuário, alimento e telefonia celular) e meninos (produtos alimentícios, balas e marcas de pães, mas também produtos automotivos e de tecnologia). Entre os aspectos que vêm motivando as campanhas anticonsumismo, as autoras também encontram resultados que apontam para a sugestão de que as crianças seriam “completamente leais às marcas, são conquistadas pelas embalagens, e pelo brinde que

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ocasionalmente ganham comprando determinado produto” (DEXHEIMER; BACHA, 2011, p. 11).

Se os levantamentos que procuram mapear os interesses já anunciavam manifestações que pareciam distribuir de maneira desigual às crianças, segundo os gêneros, registra-se outro tipo de abordagem, a partir da qual o gênero é compreendido não como origem de gostos distintos, mas efeito da relação sugerida pelos próprios brinquedos. Circunscritas nesse tipo de abordagem, Roveri e Soares afirmam que “os brinquedos e outros artigos de consumo trazem, em geral, indicativos de feminilidade e de masculinidade, condicionando comportamentos ao estilo do produto” (ROVERI; SOARES, 2015, p. 12).

Ao observar a reiteração dos signos cristalizados nos brinquedos à disposição das crianças no mercado e identificar a contração do espaço público nos grandes centros urbanos, as autoras manifestam-se a respeito do papel da escola: “a escola, nesse sentido, é um dos espaços privilegiados para diversos tipos de criações e de brincadeiras coletivas” (ROVERI; SOARES, 2015, p. 12).

O que emerge nesse cenário de debates entre perspectivas a respeito do vínculo entre infância e consumo refere-se a outro modo de compreensão a respeito da constituição do tecido social. Nas abordagens anteriores, conferiu-se destaque à família como instituição originária e à mídia, em seu potencial de influência sobre atitudes ou comportamentos. Nesse desenho, as normas jurídicas emergem como fonte de regulação dessa dinâmica social.

A inversão da lógica das práticas de consumo, compreendendo-as não mais como resultado de influências sobre sujeitos previamente constituídos, mas como práticas sociais que produzem sujeitos como seus efeitos vêm permitindo rediscutir o lugar da escola como instituição de formação, na qual essas práticas podem igualmente estar atravessadas. Ressaltando o papel da escola em uma intervenção crítica a respeito das representações que circulam na esfera midiática, o estudo de Sommer e Schmidt entende que essas representações instituem um redesenho das fronteiras tradicionalmente atribuídas à interface mundo adulto/mundo infantil, e “acima de tudo, são produzidas posições de sujeito (identidades) específicas para a infância, que representam modelos com os quais as nossas crianças podem se identificar” (SOMMER; SCHMIDT, 2010, p. 220).

A partir dessa inversão de perspectiva sobre o social, é possível observar outras questões sendo colocadas pelas investigações. Em pesquisa no espaço escolar que aborda a cultura corporal do movimento infantil, Siqueira, Wiggers e Souza . sustentam a necessidade de “estudos sobre o uso da mídia na educação escolar e a aplicação de propostas para o

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desenvolvimento de um olhar crítico das crianças sobre a mídia” (SIQUEIRA; WIGGERS; SOUZA*, 2012, p. 323).

Com efeito, o que tais investigações parecem elucidar é a tentativa de não apenas promover o levantamento dos resultados de certas instituições sobre os indivíduos, mas principalmente compreender circuitos de práticas que se vão constituindo em torno do consumo, buscando suas ressonâncias e reelaborações no espaço escolar. Alguns traços que as crianças compartilham seriam, portanto, a ausência de autonomia; saúde vulnerável à obesidade, entre outras enfermidades; capacidade para influenciar as decisões de consumo dos pais; porém meninos e meninas possuem preferências de consumo distintas integrante de um setor específico de consumo. Isso transforma a escola em um espaço, além de aprendizado em diversas áreas, também há o aprendizado sobre como se comportar em sociedade e, sobretudo, obter um senso crítico, desde criança, sobre as mídias.

Expectativas em relação ao trabalho com crianças em creches

Neste item, privilegiaremos uma breve exposição da construção do levantamento preliminar de enunciados do fórum de discussão, nos quais mães interagem compartilhando informações e avaliações a respeito de creches em bairros da zona norte da cidade do Rio de Janeiro. A partir dessa análise preliminar, será possível delimitar alguns aspectos a respeito do modo com as mães constroem sentidos sobre as creches, atentando especialmente para o lugar atribuído ao trabalho dos profissionais nessas instituições.

Mantendo em sigilo o nome das instituições, recuperamos a seguir alguns enunciados que circularam no fórum, explicitando os embates construídos e os apagamentos que tais embates sugerem. No levantamento realizado, observamos significativa recorrência de enunciados que parece encenar uma descrição do “ambiente”. A esse respeito, destacamos os seguintes exemplos: F1: “Passaram confiança, o ambiente é tranquilo e com crianças felizes, são bem atenciosos” (creche A); F2: “creche simples e ambiente tranquilo” (creche A); F3: “clima acolhedor”; F4: “crianças felizes”; F5: “Bom atendimento” (creche F).

Note-se que, nesses enunciados, a presença de palavras que remetem à avaliações positivas sugere descrições bastante simplificadas que põe em cena um enunciador que tematiza o que se sugere como observável, algo que remeteria à ordem do visível. Nessa sequência de F1 a F5, observa-se um fenômeno que nos chama especial atenção: a referência às ações dos profissionais desloca-se de estruturas verbais “passam [confiança]” e “são [bem atenciosos]” a estruturas nominais “clima acolhedor” e “[bom] atendimento”.

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Considerando esse modo particular de se referir ao trabalho dos profissionais, seguimos em busca de outros enunciados, que pudessem nos oferecer mais pistas a respeito da construção de uma imagem de trabalhador dessas instituições: F6: “Demoraram mais de cinco minutos para mostrarem o berçário” (creche A); F7: “Cinco bebês para duas ‘tias” (creche A); F8: “A atendente mostrou a creche com má vontade” (creche E); F9: “Crianças de seis meses dormindo no colchão no chão” (creche E); F10: “As coisas das crianças são bem gastas” (creche F).

Nessa nova sequência de enunciados, observa-se que o trabalho é explicitamente avaliado, tematizando a acolhida aos responsáveis que se dirigem à instituição. Nos enunciados que sustentam críticas implícitas, a preferência se dá por elementos que manifestam objetividade tais como a oposição “cinco bebês” x “duas ‘tias” ou a identificação pretensamente objetiva “crianças de seis meses”.

Nesses enunciados, não é possível recuperar pelos elementos materiais a respeito da avaliação que se propõe. É preciso supor um pertencimento do coenunciador em uma dada comunidade de produção e circulação de textos a partir das quais se supõe ser conhecida certa regra em torno da distribuição de bebês por profissionais e do acesso de “crianças de seis meses” ao chão. Trata-se, sem dúvida, de saberes que supõem polêmicas diversas e valores éticos que circunscrevem um determinado perfil de atuação profissional.

Nesse sentido, o último enunciado dessa sequência é particularmente curioso. À primeira vista, o sintagma “são bem gastas” parece sustentar uma avaliação negativa. No entanto, recuperando o comentário ao qual ele se dirige, é possível compreender que se imprime às “coisas das crianças” um atributo que remete a, na verdade, seu uso constante: há muitas atividades realizadas pelos profissionais da instituição com as crianças, o que se atesta pelo desgaste do material. Se, nas análises anteriores, observamos procedimentos de apagamento do trabalho dos profissionais das instituições, nesses enunciados saberes, que se mantêm implícitos, parecem se impregnar aos objetos que são alvo de suas ações. Dessa forma, ressaltamos, ao lado do apagamento, estratégias de objetificação do trabalho.

Outro modo de apresentar o trabalho dos profissionais se atualizou na sequência de enunciados a seguir: F11: “A natação está inclusa no preço” (creche B); F12: “Poucas atividades para a estimulação do bebê” (creche B); F13: “Preço 913 reais para o bebê ficar durante doze horas” (creche E). Nessa sequência, a referência às atividades se realiza de modo indireto, ao tematizar a que corresponde o valor pago em mensalidade: seja a “inclusão” de uma determinada atividade (“a natação”), seja a quantificação das atividades correspondentes (pelo indefinido “pouca” ou pela quantificação de “doze horas”). Desse modo, a atividade de trabalho é meramente contabilizada como contraparte do valor mensal pago à instituição.

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Por fim, trazemos mais um enunciado, em que é possível recuperar minimamente um debate a respeito do trabalho na educação infantil. F14: “Oito berços para doze bebês e, por isso, há compartilhamento de berço entre os bebês por cinco horas, mas elas garantem que há troca de lençóis” (creche B). Mais do que o aspecto da infraestrutura, essa enunciação revela, por meio do uso do conector adversativo “mas”, qual seria a preocupação das mães com o compartilhamento de berços com outros bebês: o fato de ser anti-higiênico e, por consequência, comprometer a saúde de seus filhos, pois o fato de haver compartilhamento de berços revela não ser um problema desde que a troca de lençóis seja feita diariamente, o que nos permite inferir que o compartilhamento de berços seria inviável se tais condições de higiene não fossem observadas.

Considerações finais

No presente artigo, buscamos configurar um espaço de diálogo na construção de sentidos sobre a infância a partir do levantamento de investigações em áreas diversas. Os temas recorrentes e seus diversos modos de enfoque indicam preocupações relativas à autonomia, às imagens cristalizadas a respeito do corpo e do gênero, entre outros aspectos.

Na sequência, procedemos à análise da produção de sentidos em enunciados extraídos de um fórum de discussão virtual, cujo propósito residia na troca de informações a respeito de creches. Nas sequências de enunciados analisados, observou-se um apagamento do trabalho realizado nessas instituições, que se atualiza tanto em descrições do “ambiente”, quanto da circunscrição de atividades como contraparte dos valores pagos em mensalidade. Desse modo, as atividades desenvolvidas são pouco tematizadas, não ganhando visibilidade a qualidade de vida e de modos de socialização que se constroem nesses espaços, havendo apenas um privilégio das descrições físicas.

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_________________________ Enviado em: 16/09/2017 Aceito em: 19/02/2017

Referências

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