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Academic year: 2020

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Maria Antonieta Pereira1

SOUZA, E. M . de, MIRANDA, W. M . (Org.). Navegar épreciso, viver: escritos para Silviano Santiago. Belo Horizonte: Ed. da UFMG; Salvador: EDUFBA; Niterói: EDUFF, 1997.

A Editora da Universidade Federal de Minas Gerais vem se destacando no cenário cultural do país ao publicar obras de reconhecido interesse, n ã o só para o mundo a c a d ê m i c o , mas t a m b é m para u m público mais amplo, dedicado a atividades de pesquisa, de c o m u n i c a ç ã o e de crítica literário-jornalística. A obra Navegar é Preciso, Viver (1997) - cujo subtítulo, escritos para Silviano Santiago, revela uma homenagem ao escritor e crítico brasileiro - é um bom exemplo desse trabalho editorial. Organizado por Eneida Maria de Souza e Wander M e l o Miranda, professores da U F M G , em parceria com a E D U F B A , de Salvador, e a EDUFF, de Niterói, o livro conta com a p a r t i c i p a ç ã o de intelectuais de todo o país e assim cumpre t a m b é m uma importante função: a de efetivar u m recenseamento das perspectivas críticas da atualidade brasileira.

Dividida em três partes, na primeira delas, a obra edita depoimentos sobre a vida e a obra de Silviano Santiago, na segunda parte, apresenta diversas reflexões críticas inspiradas na p r o d u ç ã o do ensaísta-escritor e, na terceira, oferece uma coleção de estudos que dialogam com a sua obra. A homenagem a Silviano funciona como uma amostra de seu p r ó p r i o pensamento c r í t i c o , à medida que se pauta pela heterogeneidade. Nela encontramos " E m Liberdade", de Lélia Coelho Frota, que remete ao relato mais famoso do romancista, através de um texto-poema "co-assinado por R . M . Rilke", cujos versos são réplicas do próprio pensamento de Silviano Santiago. Dessa forma, em "O barulho do mundo n ã o deixa/que escutemos a voz do v i v i d o " , murmura toda a d i s c u s s ã o desencadeada pelo ensaísta sobre a p o l ê m i c a q u e s t ã o relativa às distinções entre experiência e vivência.

Quanto aos depoimentos, podemos ler em " U m mineiro de Formiga", de Ezequiel Neves, ou "Elogio de Silviano Santiago", de Francisco Iglesias, a estreita r e l a ç ã o entre o homenageado e os acontecimentos culturais da Belo Horizonte dos anos 50, até o inevitável f e n ô m e m o da diáspora que atingiu a toda uma g e r a ç ã o de intelectuais mineiros. O intenso p é r i p l o do escritor pelo mundo, detalhado no texto de A n t ô n i o Torres intitulado " V i a g e m com Silviano a Paris, Frankfurt, M u n i q u e , B e r l i m , Copacabana, Ipanema, Leblon" mostra as experiências multiculturais que, aos poucos, comporiam sua visão de mundo enquanto e s p a ç o de c o n v i v ê n c i a simultânea entre o transnacional e o local.

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O texto "Improviso em abismo para homenagem", de Italo Moriconi, estabelece uma produtiva r e l a ç ã o entre os romances Em Liberdade, de Silviano Santiago, e Respiração Artificial, de Ricardo Piglia, mostrando como ambos estabelecem novos paradigmas de produção ficcional, especialmente no que tange às relações entre história e História. Ivete Lara Camargos Walty, no texto "O eu migrante: crítica e ficção em

Viagem ao México", ao apontar como esse romance-ensaio é "o e s p a ç o de u m duelo de monstros: Artaud e Silviano; francês, brasileiro, mexicano e cubano; colonizador e colonizado", indica t a m b é m a crise identitária do objeto literário e do sujeito que o engendra, no Brasil c o n t e m p o r â n e o .

As perspectivas críticas desencadeadas pela obra de Silviano ressoam, ainda, em textos t ã o diferentes entre si como "Montaigne no Brasil: a viagem de Jean de L é r y " , de A n a L ú c i a Almeida Gazolla, "O crítico e seu n ã o - l u g a r " , de L u i z Costa Lima, e "Da mortalha de Alzira ao esquife de Aluísio", de Marisa Lajolo. A participação de dezenas de colaboradores de todo o país, a multiplicidade temática e formal, o alto nível teórico dos textos e a linguagem intimista de outros transformam essa obra numa publicação importante não só pela homenagem ao pensador: ela passa a constituir uma espécie de acervo, muito útil para os estudiosos de sua obra, e t a m b é m um roteiro do pensamento crítico do Brasil finissecular.

A Editora da U F M G t a m b é m tem se preocupado em divulgar entre n ó s alguns importantes títulos internacionais, como Os cinco paradoxos da modernidade, de Antoine Compagnon. A reflexão interdisciplinar promovida por essa obra aponta a Modernidade como o e s p a ç o de quatro paradoxos fundamentais:

1) culto m e l a n c ó l i c o do sempre novo - fato que desencadeia um processo incessante de p r o d u ç ã o de ruínas, conforme foi apontado por Baudelaire;

2) posicionamento das vanguardas estéticas no sentido de transformar o futuro em objeto de v e n e r a ç ã o e ao mesmo tempo desenvolver narrativas ortodoxas;

3) m a n u t e n ç ã o da crítica e da auto-crítica como fundamento da arte moderna, embora tais p r á t i c a s nunca tenham produzido a arte canonizada pela p r ó p r i a Modernidade;

4) distanciamernto cada vez maior entre arte de massa e arte de elite, apesar da crítica aos conceitos de obra original e artista-gênio.

A mesclagem dessas contradições resulta, atualmente, no beco sem saída do quinto paradoxo: a ruptura da arte com o moderno resulta no paradoxo de se manter a tradição moderna da ruptura. Indispensável para todos aqueles que pretendem compreender a produção artística e cultural do final do século X X , a obra de Compagnon constitui um minucioso levantamento dos impasses a que levaram, nos tempos modernos, as relações entre arte e teoria crítica, cultura de massa e de elite, novidade e antiguidade.

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Se uma das formas de navegar pelo hipertexto de valores, linguagens e identidades em crise é a produção teórica, torna-se fundamental a circulação de obras que permitam a existência desse exercício intelectual. Os títulos da Editora da U F M G , ao definirem a i m p o r t â n c i a dos projetos editoriais da atualidade, t a m b é m sugerem que navegar é preciso, inclusive porque o pensamento crítico cada vez mais terá que viver, no sentido de proporcionar a análise dos instáveis acontecimentos c o n t e m p o r â n e o s , por meio da e l a b o r a ç ã o de objetos teórico-culturais.

SARLO, Beatriz. La máquina cultural: maestras, traductores y vanguardistas. Buenos Ayres: Planeta, 1998. 296p.

E m La máquina cultural - maestras, traductores y vanguardistas, l a n ç a d o em Buenos Aires em 1998, Beatriz Sarlo2 transgride novamente as fronteiras de g ê n e r o

quando, no lugar do discurso solene do ensaio, p r o p õ e uma fecunda mesclagem entre narrativa e pensamento crítico. Explorando a intimidade dos relatos pessoais, o livro aborda três importantes eventos que mostram a história cultural da Argentina, ao final do século X I X e durante o século X X , sob o prisma da f o r m a ç ã o da nacionalidade.

A primeira narrativa, intitulada "Cabezas rapadas y cintas argentinas", é constituída por fragmentos de lições destinadas ao público escolar infantil e t a m b é m por reflexões da professora Rosa dei Rio. Nascida em 1883, filha de imigrantes italianos e atuando como professora ou diretora em escolas pobres de Buenos Aires, Rosa desenvolve uma intensa atividade de ajustamento de si p r ó p r i a e dos alunos a u m ideal de argentinidade. Nessa pedagogia, a escola deveria servir como "templo de la p á t r i a " : local de v e n e r a ç ã o das imagens de San M a r t i n , Belgrano, M o r e n o , Rivadavia e Sarmiento. Construir a nacionalidade encerrava, contudo, certos paradoxos: a cabeça das crianças deveria, literalmente, sofrer intervenções culturais, seja sob a forma de uma d e p i l a ç ã o completa para evitar "bichos muy asquerosos", seja recebendo uma delicada fita em que as cores azul e branco recordavam a pátria.

N o segundo relato, cujo título é "Victoria Ocampo o el amor de la cita", desenvolve-se uma espécie de balanço da atuação dessa intelectual no início do século X X . E m Una modernidad periférica: Buenos Aires 1920 y 1930, Beatriz Sarlo j á afirmara que, ao fundar a revista Sur, Ocampo tinha sido a primeira mulher a tomar uma iniciativa cultural-institucional que afetava "destinos intelectuales masculinos".

2 Beatriz Sarlo é professora de Literatura Argentina na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade

de Buenos Aires. Dirige, desde 1978, a revista Punto de Vwto.Obras: El império de los sentimientos

(1985), Una modernidad periférica: Buenos Aires 1920 y 1930 (1988), La imaginación técnica: suenos modernos de la cultura argentina (1992), Escenas de la vida posmoderna (1994), Borges, un escritor en las orillas (1995), Instantâneas (1996), Ensayos argentinos: de Sarmiento a la vanguardia (1997).

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O p i n i ã o semelhante está presente em La máquina cultural, quando as atividades tradutoras de Victoria Ocampo são vistas como importante estímulo às trocas culturais entre a Argentina p e r i f é r i c a e a m e t r ó p o l e e u r o p é i a . Contudo, nessa segunda abordagem, Beatriz Sarlo destaca episódios em que a paixão tradutória se torna vacilante e a c o n s t r u ç ã o do sentido passa a configurar u m campo de batalha entre o nacional e o estrangeiro. Privilegiando os e q u í v o c o s lingüísticos entre Ocampo e autores como Rabindranath Tagore, Keyserling e Valéry, Sarlo mostra o desconforto de uma intelectual latino-americana que se depara com a impossibilidade de tradução completa entre culturas.

O c o m e ç o do terceiro relato chamado " L a noche de las c â m a r a s despiertas" -lembra uma história de suspense: " L o que voy a contar parece realmente muy extrano. Sin embargo s u c e d i ó . " E a narrativa que se segue é, no m í n i m o , muito curiosa. Decididos a lutar contra a censura com que a Universidad Nacional dei Litoral ameaçava seu próprio Instituto de Cinematografia, vinte portenhos ligados à área do cinema produziram, da noite para o dia, u m "manifesto fílmico de vanguarda", c o n s t i t u í d o por meia dúzia de curtas em 16 m m , rodados febrilmente num estúdio improvisado. N o entanto, apresentadas no dia seguinte, em grande ato p ú b l i c o de Santa F é , as cenas irreverentes das películas - entre as quais havia Omar Sharif caracterizado como Che Guevara - foram vistas como uma p r o v o c a ç ã o de r e a c i o n á r i o s "vendidos à Coca-cola". A impossibilidade de diálogo entre a vanguarda estética e a vanguarda política exacerbou o happening cinematográfico, cujo último ato foi a auto-destruição dos filmes, gravados sobre película reversível.

E m entrevista a Graciela Speranza (Clarín, Buenos Aires, 09/04/98), Beatriz Sarlo define o trabalho desenvolvido em La máquina cultural como uma " a t e n ç ã o dispersa sobre o mundo s i m b ó l i c o " . Trocado em m i ú d o s , isso significa ultrapassar os limites do ensaio a c a d ê m i c o e dedicar-se t a m b é m à crítica cultural. Para Sarlo, trata-se de utilizar o que aprendemos, lendo os c o m p l e x í s s i m o s discursos da literatura, para ler o mundo extra-literário. Tal deslocamento é que permite à autora apontar tradutores, mestres e vanguardistas como sujeitos que elaboram u m conceito de nacionalidade, seja através da r e p r o d u ç ã o ou da refutação de mundos imaginados.

A melhor imagem para ilustrar esse processo pode ser retirada da p r ó p r i a obra de Sarlo, quando ela descreve o curta-metragem de Luis Zanger, que mostrava uma m á q u i n a de escrever e a l g u é m datilografando u m roteiro de filme:

O roteiro que se escrevia na máquina era o do filme que se estava filmando ... lia-se o roteiro completo que ia desenvolvendo justamente o que se via na tela ... Tomada um: se introduz uma folha de papel em uma máquina de escrever e se começa a escrever 'tomada um: se introduz uma folha de papel' etc. Todo o curta consistia de um plano fixo da máquina de escrever, das duas mãos e de detalhes intercalados do que se ia escrevendo.

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Dobrada sobre si mesma, a película relembra o claustro a que se tem destinado a alta cultura. Contudo, paradoxalmente, t a m b é m colabora na e x p a n s ã o do sentido à medida em que nela contracenam a tela e o texto, o que favorece a r e c e p ç ã o da cultura de elite por um público mais amplo. Assim, um texto sobre u m filme torna-se o p r ó p r i o filme e, mais tarde, volta a ser texto na obra de Beatriz Sarlo. Azeitada, a m á q u i n a cultural vai produzindo versões de versões, dissensos e diferenças e, nesse sentido, provocando e renovando as narrativas sobre o conceito de nacionalidade.

Referências

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