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Memórias da repressão política na Primeira República: relatos jornalísticos, memorialísticos e literários da repressão florianista durante a Revolta da Armada (1893-1894)

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Academic year: 2020

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS – FGV

CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

MESTRADO ACADÊMICO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

MEMÓRIAS DA REPRESSÃO POLÍTICA NA PRIMEIRA REPÚBLICA: RELATOS JORNALÍSTICOS, MEMORIALÍSTICOS E LITERÁRIOS DA REPRESSÃO

FLORIANISTA DURANTE A REVOLTA DA ARMADA (1893-1894)

CHRISTIANNE THEODORO DE JESUS

ORIENTADOR: BERNARDO BORGES BUARQUE DE HOLLANDA

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2 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV

Jesus, Christianne Theodoro de

Memórias da repressão política na Primeira República: relatos jornalísticos, memorialísticos e literários da repressão florianista durante a Revolta da Armada (1893-1894) / Christianne Theodoro de Jesus. – 2018.

121 f.

Dissertação (mestrado) – Escola de Ciências Sociais da Fundação Getulio Vargas, Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais.

Orientador: Bernardo Borges Buarque de Hollanda.

Inclui bibliografia.

1. Peixoto, Floriano, 1839-1895. 2. Brasil - História - Revolta da

Armada, 1893-1895. 3. Perseguição política. I. Hollanda, Bernardo Borges Buarque de, 1974-. II. Escola de Ciências Sociais da Fundação Getulio Vargas. Programa de Pós- Graduação em História, Política e Bens Culturais. III.Título.

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4 Sumário

Agradecimentos ... 5

Resumo ... 6

Introdução ... 7

Capítulo 1. A memória da repressão política na prisão: o jornal manuscrito A Justiça ... 17

Capítulo 2. As memórias da repressão política após o fim do governo Floriano Peixoto (1894-1895) ... 37

2.1. As memórias dos ex-prisioneiros políticos ... 37

2.2. O papel da imprensa na divulgação das memórias da repressão florianista ... 46

2.2.1. Os fuzilados em Sepetiba no Jornal do Brasil ... 46

2.2.2. Os mysterios da Correção no jornal O Commercio de São Paulo ... 52

Capítulo 3. As memórias da repressão florianista em Coelho Netto e Lima Barreto .... 61

3.1. Coelho Netto e a repressão florianista ... 61

3.2. Lima Barreto e a repressão florianista ... 76

3.2.1. Policarpo Quaresma e seus antecessores: ficção e verossimilhança nas memórias do major ... 94

3.2.1.1. Literatura e memórias acerca da repressão política durante a Revolta da Armada ...95

3.2.1.2. Lima Barreto e o uso de indivíduos reais na construção de seus romances ... 97

3.2.1.3. As possíveis conexões entre personagens de Triste fim de Policarpo Quaresma e antigos prisioneiros políticos do governo Floriano Peixoto ... 99

Considerações finais ... 115

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5 AGRADECIMENTOS

Esta dissertação é resultado de uma trajetória que se origina do trabalho desenvolvido por mim como pesquisadora da Fundação Biblioteca Nacional, na qual ingressei em 2006. Um projeto que recebeu muito apoio e contribuições em diferentes momentos.

Gostaria de agradecer primeiramente ao meu orientador, Bernardo Buarque de Hollanda, por ter confiado e acreditado no meu projeto e pela dedicação e carinho com que conduziu a orientação.

Agradeço aos colegas da Coordenadoria de Pesquisa da Fundação Biblioteca Nacional, Lia Jordão, Iuri Lapa, Irineu Corrêa, Pedro Lapera e Rafaella Bettamio, por todas as sugestões, leituras críticas, debates, mas também pelo acompanhamento constante, a torcida animada e incondicional, me ajudando a seguir em frente, desde o processo seletivo até a redação final da dissertação.

Aos colegas da Coordenadoria de Editoração, Raquel Fabio, Simone Muniz, Valéria Pinto, Francisco Madureira e Janilda Souza, meu agradecimento por estarem dispostos a me ajudar sempre que precisei.

Aos colegas dos setores de acervo da Fundação Biblioteca Nacional, Eliane Perez e André Lippman (Manuscritos), Rutonio Santanna e Anna Maria Naldi (Obras Gerais), Mônica Carneiro e Luciana Muniz (Iconografia) e Bruno Brasil (Periódicos) que atenderam sempre com generosidade às minhas solicitações.

Meus agradecimentos vão também para os servidores das instituições em que pesquisei, com destaque para Leonardo Pereira da Cunha, da Fundação Casa de Rui Barbosa e Frederico Antônio, da Biblioteca Histórica do Itamaraty.

Recebi valiosas contribuições dos professores Américo Freire, João Marcelo Ehlert Maia, Leonardo Pereira, Mariana Chaguri, Antônio Brasil, Lúcia Lippi e Alexandre Morelli, aos quais também deixo meu agradecimento.

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6 Resumo

A proposta desta dissertação é analisar um conjunto de escritos de cunho memorialístico e testemunhal que vieram à tona na esteira da repressão que o governo Floriano Peixoto empreendeu durante o período da Revolta da Armada de 1893. Produzidas em diferentes contextos e com diferentes finalidades, estas fontes permitem acessar de que forma a repressão florianista foi documentada por presos políticos, pelos jornais e por literatos, notadamente Coelho Netto e Lima Barreto que, também testemunhas dos atos praticados pelo governo do marechal, incorporaram estas memórias à sua produção cronística e ficcional. Tentaremos mostrar, portanto, de que forma o conjunto destas memórias se inter-relacionam, tanto pela sua temática quanto pelas relações de sociabilidade mantidas entre seus autores.

Abstract

This dissertation aims to analyze a group of memoirs and testimonial written works that surfaced following the repression undertaken by the Floriano Peixoto government in response to the Armada Revolt of 1893. Produced under distinct contexts and with varied purposes, these works allow one to access in which ways the Floriano repression was documented by its political prisoners, by the press and by literary writers, most notably Coelho Netto and Lima Barreto. As eye witnesses of such acts of repression, both of these renowned writers incorporated their recollections to fictional and chronicle writings. We shall, therefore, try to demonstrate the way in which these varied groups of memories are interrelated, both thematically-wise and through the sociability links held by the wide array of authors.

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7 Introdução

Meu primeiro contato com as memórias da repressão florianista aconteceu por volta dos 14 anos: Triste Fim de Policarpo Quaresma ia cair na prova de literatura. Minha principal frustração ao ler o romance pela primeira vez era não saber o fim do personagem, afinal de contas, a palavra fim estava no título do livro, deveríamos saber se o que aconteceu com ele no final do livro. Acredito que com muitas pessoas tenha-se dado o mesmo: a primeira referência da repressão no início da República brasileira era o personagem literário Policarpo Quaresma. As edições de Triste Fim são incontáveis, incluídas neste número as traduções do romance para outros idiomas. Na Biblioteca Nacional, por exemplo, estão contabilizadas 98 exemplares do romance, em diversos formatos (quadrinhos, audiobooks, edições de bolso, etc). O tradutor José Leonardo Buzelli, em dissertação defendida em 20091, listou sete traduções do romance. A mais recente de que tive notícia foi uma edição em russo publicada em 2016, em São Petersburgo.2

Na historiografia da repressão florianista acontece algo semelhante. Os trabalhos encontrados sobre esse tema específico geralmente o abordam pela ótica do romance de Lima Barreto. O historiador Edgar de Decca (1997) utiliza o exemplo de Policarpo Quaresma para discutir a violência da ordem republicana: o major seria um dos primeiros de uma longa série de indivíduos que são vítimas da repressão estatal por tentar afirmar sua cidadania na República brasileira. O historiador Valdeci Rezende Borges (2010) também analisa Triste Fim de Policarpo Quaresma como uma das formas de acesso às representações de momentos ditatoriais do Brasil. Dada a multiplicidade de temas abordados no romance de Lima Barreto, a historiografia utilizou-se das memórias do major para discutir o nacionalismo ufanista, como a socióloga Lucia Lippi (1990) e o crítico e tradutor Bethold Zilly (2013).

Evidentemente, o relato sobre Policarpo Quaresma não é a única memória da repressão florianista, embora seja possivelmente a mais famosa. Outros indivíduos que passaram pela experiência da repressão ou a testemunharam também deixaram suas lembranças registradas. Tendo em vista que, de acordo com Beatriz Sarlo, “o núcleo do testemunho é a memória” (SARLO: 2007, p. 58), o objetivo desta dissertação é descobrir de que forma essas memórias sobre a repressão florianista circularam desde entre fins do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Essas memórias e testemunhos se materializam em

1

BUZELLI, José Leonardo Sousa. Episódios da vida do major Quaresma. Dissertação de Mestrado, Instituto de Estudos da Linguagem, UNICAMP, São Paulo, 2009.

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8 escritos – crônicas, romances, literatura carcerária, séries jornalísticas – que serão as nossas fontes para acesso a esta memória coletiva da repressão empreendida por Floriano Peixoto.

Primeiramente, devemos entender o contexto no qual essa repressão se desenvolve. Floriano chega à presidência da República como efeito da renúncia de Deodoro, pressionado pela marinha revoltada em 1891, sob a liderança de Custódio de Mello. Deodoro havia dado um golpe de estado em 3 de novembro de 1891, ocasião na qual cercou o Congresso Nacional de tropas e suspendeu-lhe os trabalhos. Deodoro considerava que os atos de seu governo estavam sendo boicotados pelo Congresso Nacional, especialmente em virtude da aprovação da Lei das Responsabilidades. Segundo o historiador naval Hélio Leôncio Martins,

“A lei de responsabilidades era um verdadeiro código penal, listando crimes que poderiam ser cometidos pelo presidente, como traição, mudança na Constituição por meios violentos, impedimento do livre exercício legal dos direitos políticos e individuais, ações que afetassem a honorabilidade e gastos indevidos dos dinheiros públicos” (MARTINS: 1997, p. 57-58)

O projeto havia sido vetado por Deodoro, mas depois derrubado pelo Congresso. Dado o golpe de Estado levado a cabo por Deodoro, Custódio José de Mello reuniu parte da Marinha entre 22 e 23 novembro de 1891, tendo Saldanha da Gama como opositor, pois este havia sido empossado como oficial da Armada e foi um dos elementos da reação governista. Deodoro, fisicamente debilitado, não teve forças para comandar a defesa de seu governo e renunciou. (MARTINS: 1997, p. 63-66). Floriano assume a presidência e tem a seu cargo a tarefa de reorganizar o país, que ainda sofria com os efeitos negativos das políticas econômicas assumidas no governo Deodoro, sobretudo o Encilhamento, e lidar com as lideranças estaduais, muitas das quais haviam prestado suporte a Deodoro quando do golpe de Estado. Os que haviam se mantido leais a Deodoro foram afastados, sendo substituídos por indivíduos leais a Floriano. A interferência na política interna dos Estados, com a deposição de governadores com o auxílio das forças armadas da União, representava uma quebra no pacto federativo e da autonomia dos Estados (MARTINS: 1997, p. 72). Esta interferência adquiriria contornos dramáticos no Rio Grande do Sul, e daria origem, em fevereiro de 1893, à Revolução Federalista. (PESAVENTO: 1983).

No Rio de Janeiro, em 6 de abril de 1892, é publicado o Manifesto dos 13 generais, no qual os oficiais signatários pedem a convocação de novas eleições. A imprensa carioca ecoa o pedido contido no manifesto e, em 10 de abril, é organizada uma marcha até a casa do marechal Deodoro. Na marcha estavam jornalistas, políticos e essa manifestação foi

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9 considerada como um moimento conspiratório, o que ocasionou a prisão e o desterro de Olavo Bilac, José do Patrocínio, Clímaco Barbosa, Jacques Ourique, J.J.Seabra e outros cidadãos apontados como suspeitos da conspiração para derrubar Floriano. No mesmo ano, todos seriam beneficiados por uma lei de anistia.

Em 1893, a situação só piorava: a situação no sul se agravava, bem como a ação de seus opositores no Rio de Janeiro. No Congresso Nacional, a oposição a Floriano vinha de políticos como J.J. Seabra e Jacques Ourique, que impetraram no Congresso Nacional, em maio de 1893, uma denúncia contra o presidente . Segundo Felisbelo Freire3, o processo por crimes de responsabilidade iniciado pelos dois congressistas era baseado em alguns pontos: ilegalidade dos decretos de reforma de oficiais do Exército e da Marinha entre 7 e 12 de abril, os gastos desenfreados da União, o fato de o presidente estar legislando em matérias privativas do Congresso, como a emissão de papel moeda e a criação de instituições financeiras, a intervenção de Floriano na política interna do Rio Grande do Sul e o recrutamento forçado. O processo de denúncia foi arquivado pelo Congresso Nacional. (FREIRE: 1982, p. 41- 51).

Em 30 de abril de 1893, Custódio de Mello e Serzedello Correia se demitiam do ministério de Floriano. Em sua carta de demissão, Serzedello fazia uma defesa incisiva do trabalho do Tribunal de Contas – instituição que ele havia criado – e de seu papel como fiscal das despesas do país. Lembrava a Floriano de que várias vezes o havia advertido sobre ações para o controle das despesas do governo e discorda sobre o uso que se faz dos créditos orçamentários. Custódio, por sua vez, citava em sua carta a necessidade de encontrar uma solução para a pacificação da situação no Sul do país, dado que esta pacificação era imprescindível para a estabilidade do regime republicano. Terminava sua carta da seguinte forma: “Dou assim minha demissão, mas fora do governo servirei à República, defendendo e sustentando as suas instituições e as autoridades legalmente constituídas, com a mesma dedicação e com o mesmo valor que a servi como ministro”.4 Meses depois, liderava a Revolta da Armada de 1893, pedindo que Floriano renunciasse à presidência. A deflagração da revolta teria tido como motivo determinante o veto de Floriano à Lei das Inelegibilidades, o que o tornaria apto a disputar uma nova eleição quando terminasse seu mandato (JANOTTI, 1986, p. 68).

3

História da Revolta de 6 de setembro. Brasília: Editora da UNB, 1982. O livro de Freire foi originalmente publicado em 1896.

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10 Assim, para entendermos a repressão empreendida por Floriano Peixoto devemos enumerar quais eram as forças que estavam atuando a seu favor no momento da Revolta da Armada. Primeiramente, falemos dos jacobinos. Este grupo foi estudado pela historiadora Suely Robles de Queiroz (1986) e, segundo a autora, formavam um conjunto heterogêneo, que se constituía de membros das camadas médias da sociedade, especialmente no funcionalismo público, jornalistas e membros das forças armadas, principalmente do Exército. As bases de sua atuação estão centradas em três características principais: o nacionalismo extremado, a defesa do militarismo e a defesa da República como forma ideal de governo, daí seu antimonarquismo. Os jacobinos viram na figura de Floriano durante a Revolta da Armada o líder capaz de realizar suas aspirações mais caras: um governo forte, nacionalista, centralizador e militarizado. A atuação deste grupo era, muitas vezes, marcada pela violência: depredavam lojas comerciais pertencentes a estrangeiros – sobretudo portugueses - e também redações de jornais. Na imprensa carioca, os dois principais promotores do jacobinismo eram Raul Pompéia e Diocleciano Martyr. O jacobinismo de Raul Pompéia o levou ao rompimento com seus amigos de imprensa, notadamente Olavo Bilac e Luiz Murat.5

O segundo grupo era o dos florianistas, estudado pelo historiador Lincoln de Abreu Penna (1996). Segundo este autor, o Florianismo está diretamente ligado à Revolta da Armada e é “um fenômeno que se expressou de duas maneiras, um vinculado ao aparelho de Estado e ambientado no próprio governo, e outro que se formou ao largo das conveniências do poder” (PENNA: 1996, p. 29). A eclosão da Revolta da Armada teria norteado as decisões de Floriano em torno de duas vertentes:

“Na grande política, trabalha no sentido de reconstituir as bases de apoio, arregimentando regionalmente as lideranças em torno de seu governo, autoproclamado de salvação nacional; e na pequena política busca aproximar-se de contingentes sociais excluídos da cidadania convencional, através de iniciativas populares tais como o combate sistemático aos especuladores, e de assistência alimentar e habitacional às famílias retirantes dos bairros mais pobres do centro urbano” (PENNA: 1996, p. 32)

Estes dois grupos, segundo Penna, forneceriam os recursos materiais e humanos para a formação dos Batalhões Patrióticos que auxiliaram o marechal durante a revolta. A relação entre jacobinos e florianistas foi mais bem descrita por Suely Robles de Queiroz: “nem todo admirador de Floriano era jacobino, mas todo jacobino era florianista”. (QUEIROZ: 1986, p. 128).

5

Ver, a esse respeito, MISKOLCI, Richard e BALIEIRO, Fernando Figueiredo de. O Drama Público de Raul

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11 Floriano contava com o apoio do Exército e da Guarda Nacional, embora alguns indivíduos destas instituições tenham sido presos pelo regime florianista, como se pode ver na lista de prisioneiros políticos da Casa de Correção. Aumentavam as fileiras da repressão florianista indivíduos que eram recrutados à força pela Guarda Nacional e colocados na linha de combate contra os marinheiros revoltados. Apesar da proibição do recrutamento forçado, a Guarda Nacional continuava com a prática arbitrária, como testemunham os funcionários da Alfândega em carta enviada ao seu inspetor e publicada no jornal O Paiz:

“Os abaixo assinados trabalhadores da repartição de que V. Ex. é mui digno chefe, vem ante V. Ex. se queixar e ao mesmo tempo com todo o acatamento pedir-lhe interceda dos poderes competentes as necessárias providências afim de terminarem as extorsões, os abusos inqualificáveis de que ora estão sendo vítimas pelo recrutamento a que está procedendo a guarda nacional.

Debalde alguns colegas exibem documentos comprobatórios de sua profissão artística e operária, e os agentes recrutadores rasgam-nos e trancafiam seus portadores.

Acrescem duas circunstâncias ponderosíssimas: a primeira é que o sr. comandante superior daquela briosa e assaz patriótica milícia por mais de uma vez terminantemente proibiu o recrutamento. A segunda é que empregados e operários de outras repartições exibem e são aceitos documentos passados pelos respectivos chefes.”6

Na imprensa do Rio de Janeiro, Floriano contava principalmente com o apoio dos jornais O Paiz, tendo à frente Quintino Bocayuva, O Tempo, de Frederico Borges e O Diário de Notícias, de Antonio Azeredo, todos ativos na propaganda governista contra a Revolta da Armada. Foram os principais veículos por meio dos quais eram divulgados os propósitos supostamente monarquistas da Revolta da Armada: as matérias de capa sobre o conflito em O Paiz, por exemplo, eram intituladas A Revolta Restauradora.

Na oposição a Floriano, por outro lado, estava primeiramente o movimento monarquista, muito atuante na imprensa desde a proclamação da República mas que, segundo a historiadora Maria de Lourdes Janotti (1986), não conseguia articular ações mais concretas em torno da restauração, embora alguns monarquistas tivessem ocupado posições políticas no governo republicano como por exemplo o Barão de Ladário, que conseguiu eleger-se senador. Houve algumas tentativas de conseguir apoio financeiro da Família Real no exílio para financiar ações de monarquistas no Brasil - aproveitando a situação ainda frágil da república

6

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12 após a renúncia de Deodoro e os primeiros meses da presidência de Floriano - mas estas, no entanto, foram repelidas. Uma delas pela própria Princesa Isabel:

“Meu pai com seu prestígio teria provavelmente recusado a guerra civil como meio de tornar a voltar à pátria. Não me julgo eu autorizada a melhor ver o que convém a nosso país do que os senhores que lá se acham, mas, declaro, lamento tudo quanto possa armar irmãos contra irmãos. Repugna-me sempre a ideia de guerra civil... de qualquer maneira, porém que os senhores encarem as circunstâncias, por minha dignidade e mesmo para mais tarde melhor poder ser útil ao país e ao conservar-me imparcial, julgo de meu dever não tomar responsabilidade alguma do que se está dando... Meus princípios e meu amor à pátria, para lá nos farão voltar logo que esta por convicção geral tiver se declarado pela monarquia.”7

As acusações de que forças restauradoras estavam atuando eram comuns, sendo os federalistas desde fevereiro de 1893 os principais acusados. O monarquismo restaurador era tratado pela imprensa republicana fiel a Floriano pelo termo pejorativo “Sebastianismo”, que seria também o termo pelos quais seriam tratados os rebeldes de Antônio Conselheiro, no arraial de Canudos, em 1897. A propaganda contra os supostos restauradores monárquicos foi tão poderosa que teria criado na historiografia da Revolta da Armada o mito da Marinha monarquista (ARIAS NETO, 2006). De qualquer forma, a acusação se tornou mais crível a partir da adesão de Saldanha da Gama à Revolta da Armada. Alguns trechos de seu manifesto, a exemplo do que será transcrito a seguir, davam margens a interpretações de que o almirante era partidário da causa monárquica:

“Brasileiro, é meu interesse concorrer com meus esforços para pôr termo a este terrível período em que lançaram a pátria na anarquia, no descrédito, na asfixia de todas as suas liberdades.

“A lógica assim como a justiça dos fatos autorizaria que se procurasse à força das armas repor o governo do Brasil onde estava em 15 de novembro de 1889, quando em momento de surpresa e estupefação nacional ele foi conquistado por uma sedição militar, de que o atual governo não é senão uma continuação. O respeito, porém, que se deve à vontade nacional livremente manifestada aconselha que ela mesma escolha solenemente e sob a sua responsabilidade a forma de instituições sob que deseja envolver os seus gloriosos destinos” (BONAVIDES: 2002, p.353)

Na imprensa republicana, como já tivemos oportunidade de mencionar, a oposição a Floriano Peixoto vinha sobretudo dos jornais O Combate e Cidade do Rio, nos quais jornalistas de peso como José do Patrocínio, Olavo Bilac, Luiz Murat, políticos opositores de Floriano como Jacques Ourique e J.J.Seabra e militares como Honorato Caldas, que assinava

7

Carta da Princesa Isabel a Ouro Preto, 4 de dezembro de 1892. Transcrita em Os subversivos da República, p. 63.

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13 uma coluna no jornal O Combate, militavam contra sua administração. A atuação do jornal O Combate neste contexto foi objeto de análise de Ana Carolina Feracin da Silva (2001).

O aparato de repressão de que se serviu Floriano Peixoto já estava consubstanciado na legislação do regime republicano desde seus primórdios. A Constituição de 1891, em seu artigo 80, permitia que se declarasse estado de sítio naquelas localidades do país onde se verificassem “comoções intestinas” ou que se achassem ameaçadas por forças estrangeiras. Durante o período de sítio, que não poderia ser indeterminado, estariam suspensas as garantias constitucionais. Floriano, na época da Revolta da Armada, baixou diversos decretos aumentando seu poder repressivo. Um exemplo é o decreto 1565, publicado em 13 de outubro de 1893, que regulava a liberdade de imprensa enquanto durasse o período de estado de sítio. A regulação da imprensa, segundo o decreto, era indispensável pois “uma parte da imprensa tem contribuído para animar a revolta com publicações inconvenientes umas, falsas outras, e todas constituindo elemento de perturbação e alarme, em prejuízo da ação de governo e da tranquilidade pública”.

O decreto era draconiano e por vezes até vago. No artigo 2º são explicitadas as proibições que recaíam na atividade da imprensa:

“Art. 2. Fica proibido:

a) Fazer publicações que incitem a agressão externa ou possam aumentar a comoção interna e excitar a desordem;

b) defender qualquer ato contrário à independência, integridade e dignidade da Pátria, à Constituição da República e a forma de seu governo, ao livre exercício dos poderes políticos, à segurança interna da República, à tranquilidade pública.

c) publicar notícias a respeito da revolta que não tenham sido comunicadas pelo governo constitucional ou que não tenham essa origem;

d) comunicar ou publicar documentos, planos, desenhos e quaisquer informações com relação ao material ou pessoal de guerra, às fortificações e às operações e movimentos militares da União ou dos Estados;

e) Apregoar notícias, fatos ou assuntos, verdadeiros ou falsos, contidos nas publicações que se ofereçam à venda ou se distribuam gratuitamente ou de qualquer outro modo.”8

O decreto deixava ao arbítrio do poder público, na figura do Coronel Valadão, a prerrogativa do fechamento dos jornais que se considerassem nocivos ao esforço do governo. E, de fato, apenas os jornais reconhecidamente oposicionistas sofriam as punições, uma vez que os jornais pró-governo incorriam em várias proibições previstas no decreto e continuavam funcionando.

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14 A repressão florianista pode ser então sumarizada nos seguintes pontos: vigilância constante da cidade por forças policiais regulares e pelos “agentes secretos”; perseguições políticas e prisões efetuadas contra indivíduos considerados suspeitos; participação da Administração Pública no aparato repressivo, envolvendo, além das autoridades policiais e carcerárias, funcionários em outras instâncias do serviço público9; a atuação das forças de Floriano Peixoto contra civis considerados suspeitos; fechamento de jornais críticos ao governo como, por exemplo, The Rio News, Gazeta da Tarde, de Moura Brito – encarcerado na Casa de Correção – e Cidade do Rio, de José do Patrocínio, que ficou escondido durante a Revolta da Armada.

A historiografia do período da presidência Floriano Peixoto se concentra, em geral, nos aspectos políticos, a exemplo dos já citados estudos de Maria de Lourdes Janotti e Suely Robles de Queiroz – que tratam dos grupos antagônicos que coexistiram durante o governo Floriano Peixoto: monarquistas e radicais jacobinos. Na história diplomática, tem destaque o trabalho do embaixador Sérgio Corrêa da Costa, A diplomacia do Marechal, publicado pela primeira vez em 1945, que dá destaque à atuação das marinhas estrangeiras durante o conflito na Baía de Guanabara. Um terceiro traço de destaque é o estudo desenvolvido por Lincoln de Abreu Penna sobre a constituição do florianismo, de que já falamos anteriormente.

A abordagem de nosso trabalho se centra na memória dos aspectos da repressão florianista, que é transmitida em um primeiro momento através de uma literatura carcerária fabricada dentro da prisão da Casa de Correção e de crônicas publicadas na imprensa que descrevem o clima geral no Rio de Janeiro – as prisões, a atuação de agentes secretos, a propaganda do governo. Em que pesem serem materiais de uso e objetivos distintos, eles atuam nas duas noções testemunhos estudadas por Seligmann-Silva (2003): o testemunho como testis, aquele que testemunhou o fato objeto de sua narrativa, e o supertestis, indicando um indivíduo que passou por uma provação. Assim,

“Se a noção de testemunho como terceiro já anuncia o tema da verificação da verificação da verdade, ou seja, traz à luz o fato de que o testemunho por definição só existe na área enfeitiçada pela dúvida e pela possibilidade de mentira, a acepção de testemunho como sobrevivente e mártir indica a categoria excepcional do real, que o testemunho tentar dar conta a posteriori” (SELIGMAN-SILVA: 2003, P. 378).

9

Tome-se como exemplo duas cartas de Felisbelo Freire sob guarda da Biblioteca Nacional. Nelas, o então ministro da Fazenda de Floriano Peixoto no período da Revolta da Armada deseja ser informado acerca da existência de funcionários públicos a serviço da Caixa de Amortização que sejam críticos ao governo.

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15 Nesse sentido, trabalharemos também com o amplo conceito de testemunho definido por Beatriz Sarlo. Segundo a autora, são componentes do testemunho

“[d]aquilo que um sujeito se permite ou pode lembrar, daquilo que ele esquece, cala intencionalmente, modifica, inventa, transfere de um tom ou gênero a outro, daquilo que seus instrumentos culturais lhe permitem captar do passado, que suas ideias atuais lhe indicam que deve ser enfatizado em função de uma ação política ou moral no presente, daquilo que ele utiliza como dispositivo retórico para argumentar, atacar ou defender-se, daquilo que conhece por experiência e pelos meios de comunicação, e que se confunde, depois de um tempo, com sua experiência, etc” (SARLO: 2007, p. 59)

Após o fim do governo Floriano Peixoto, em novembro de 1894, começam a surgir na imprensa e no meio editorial uma série de textos de cunho memorialístico e testemunhal que podem ser analisados pela ótica da formação de uma literatura subterrânea no sentido propugnado por Pollak: em momentos de maior liberdade política – o fim de um regime autoritário, por exemplo – há uma tendência à

“irrupção de ressentimentos acumulados no tempo e de uma memória de dominação e de sofrimentos que jamais puderam se exprimir publicamente. Essa memória ‘proibida’ e, portanto, ‘clandestina’ ocupa toda a cena cultural, o setor editorial, os meios de comunicação, o cinema e a pintura [...]” (POLLAK: 1989, p.5).

A documentação de que tratamos neste trabalho é plural: jornais manuscritos, periódicos de grande circulação, correspondências privadas, obras memorialísticas. Tratados em conjunto, esse grupo documental nos permite descobrir relações entre seus autores e temáticas.

Nesse sentido, esta dissertação está dividida em três capítulos. O primeiro tratará do jornal A Justiça, periódico manuscrito fabricado na Casa de Correção que, à época da Revolta da Armada, serviu de cárcere para os prisioneiros políticos do governo Floriano Peixoto. É um testemunho da repressão florianista escrito diretamente da prisão, podendo ser qualificado como “literatura carcerária”. É também um documento raríssimo: fabricado no cárcere como um meio de comunicação entre os presos, ganha o status de fonte histórica ao ser incorporado ao acervo da Biblioteca Nacional, guardiã da memória bibliográfica do Brasil.

O segundo capítulo, dividido em duas partes, dá conta de como a memória e os testemunhos da repressão Florianista foram divulgados entre 1894 e 1895: na primeira parte, trataremos das memórias dos ex-prisioneiros políticos, que foram publicadas no meio editorial

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16 em 1895. A segunda parte tratará de como as memórias e os testemunhos da repressão florianista foram divulgados em periódicos entre 1894 e 1895. A metodologia de prospecção do material deste capítulo teve como base a lista de prisioneiros políticos da Casa de Correção publicada no último número do jornal A Justiça. Os nomes constantes da lista foram encontrados primeiramente nos acervos de Manuscritos, Obras Raras e Obras Gerais da Biblioteca Nacional e, numa segunda etapa, nos periódicos digitalizados na Hemeroteca Digital Brasileira. Nosso objetivo nesta parte não é dar conta de todo o material encontrado, mas apenas dar algumas amostras de como essas memórias circularam na imprensa e no meio editorial brasileiro no final do século XIX.

O último capítulo trata das memórias da repressão florianista nos escritos de Coelho Netto e Lima Barreto. Na época da Revolta da Armada, ambos os literatos foram testemunhas da repressão empreendida pelo governo do marechal Floriano e seus testemunhos e memórias aparecem em suas produções, seja em crônicas ou em contos/romances. Tentaremos mostrar como esta produção de Coelho Netto e Lima Barreto se relaciona com as memórias e os testemunhos tratados nos dois primeiros capítulos de nossa dissertação.

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17 Capítulo 1

A memória da repressão política na prisão: o jornal manuscrito A Justiça (1894)

Imagem 1. Capa da coleção do jornal “A Justiça”, redigido pelos prisioneiros políticos do regime florianista em 1894. (Fundação Biblioteca Nacional, Biblioteca Nacional Digital, Divisão de Manuscritos)

Em 1911, a Fundação Biblioteca Nacional adquiriu um documento incomum: uma coleção de jornais manuscritos redigidos em 1894 por prisioneiros políticos do governo Floriano Peixoto. A coleção não está completa, compondo-se dos números II, IV, VI, VIII, XI e XIII. O vendedor do documento foi o professor Lafayette Cortes, conhecido no Rio de Janeiro por suas atividades como educador. Infelizmente, não foram encontradas outras informações sobre a negociação que envolveu a aquisição do material mas resta o fato de que

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18 o vendedor reconheceu na Biblioteca Nacional um local onde este item seria preservado no longo prazo.

O jornal foi editado pelos ocupantes das celas 103 e 106 da 5º galeria da Casa de Correção, o engenheiro Lício Clímaco Barbosa e o comerciário Afonso Otero, respectivamente.10 Ricamente ilustrado, A Justiça traz alguns detalhes da vida na prisão, denúncias sobre o tratamento dispensado aos prisioneiros e, em seu último número, a lista de prisioneiros políticos que foram mantidos na penitenciária entre 1893 e 1894.

Dezessete anos separam a redação de A Justiça e a venda de seus exemplares à Fundação Biblioteca Nacional. Como o jornal, que a princípio pertenceria a Lício Clímaco Barbosa e Afonso Otero, poderia ter passado a pertencer a Lafayette Cortes? Na falta de uma resposta precisa a esta pergunta, sobram apenas algumas pistas. Uma delas é o elo entre Lício Clímaco Barbosa e Lafayette Cortes: o senador Rui Barbosa, tio e padrinho de Lício11. Rui Barbosa e Lafayette Cortes eram sócios do Club Civil Brasileiro, o qual foi ativo durante a campanha de Rui à presidência da República em 1913.12 Essa proximidade talvez possa explicar como o jornal passou a ser propriedade de Lafayette.13

A Casa de Correção14, onde os autores do jornal ficaram encarcerados entre 1893 e 1894, foi o projeto modelo do Império para inserir o Brasil na modernidade carcerária: construída no Rio de Janeiro, no bairro do Catumbi, teve como base o modelo panóptico preconizado por Bentham, já aplicado na Europa e nos Estados Unidos, sendo inaugurada oficialmente em 1850, apesar de já estar em funcionamento antes de sua construção estar finalizada. A prisão previa o isolamento celular dos prisioneiros durante a noite e o trabalho em oficinas durante o dia para que o preso, ao terminar o cumprimento de sua pena, pudesse se reinserir na sociedade. Na década de 1870, iniciou-se o projeto de identificação dos prisioneiros por fotografia, o que deu origem ao álbum “Galeria dos Condenados”, atualmente sob guarda do setor de Iconografia da Biblioteca Nacional.

A adoção da pena de restrição da liberdade num país onde grande parte da população já não era livre por definição – afinal de contas, o número de escravos na sociedade brasileira

10

Jornal O Apóstolo, 20 de fevereiro de 1895, p. 3.

11

Conforme as cartas que compõem o Dossiê Lício Barbosa, sob guarda da Fundação Casa de Rui Barbosa.

12

Indicação, em 1º de março de 1913. Fundação Casa de Rui Barbosa, Dossiê Lafayette Cortes.

13

Na lista de prisioneiros políticos do jornal A Justiça não há nenhum prisioneiro de nome ou sobrenome

Lafayette.

14 A Casa de Correção foi renomeada, no século XX, de Presídio Frei Caneca. Todo o complexo foi demolido em

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19 era considerável – constituía-se um paradoxo não percebido pelos idealizadores da Casa de Correção (KOERNER: 2001). A realidade brasileira, no entanto, bateu às portas da penitenciária: não entendendo a proposta da penitenciária, senhores levavam seus escravos rebeldes para serem punidos com chicotadas num ambiente prisional que tinha por base a abolição das penas cruéis. Em muitos casos, escravos idosos que não mais podiam servir aos seus senhores eram abandonados na penitenciária. Não apenas isso: a própria polícia levava para a Casa de Correção escravos fugidos ou que tivessem cometidos crimes, o que fez com que o moderno espaço prisional da Casa de Correção tivesse que criar um calabouço – outro ícone do atraso em matéria prisional – para alocar estes indivíduos. Um problema adicional foi criado pela existência de “africanos livres” – uma categoria constituída por indivíduos que eram apreendidos nos navios negreiros apreendidos após a abolição do tráfico e que ficavam sob a tutela do Estado brasileiro. Sem um local adequado para abrigá-los, eles eram também enviados à Casa de Correção, onde desempenhavam diversos serviços, podendo também ser requeridos para trabalhar em obras ou repartições públicas.15

A transformação da Casa de Correção em prisão política ocorre em 15 de dezembro de 1893: como a Fortaleza da Conceição – a primeira instituição a receber prisioneiros políticos durante a repressão florianista – já não era suficiente para alocar o alto número de prisioneiros políticos apreendidos pelas forças do marechal Floriano, foi publicada naquela data uma portaria do Ministério da Justiça, assinada por Cassiano do Nascimento, determinando que

“enquanto permanecerem as condições anormais produzidas pela revolta de uma parte da armada nacional, tem resolvido o governo que continuem reservados para a detenção de réus de crimes políticos os pavimentos 3º, 4º e 5º deste estabelecimento, não devendo, pois, ser recolhido a qualquer um dos ditos pavimentos nenhum réu de crime comum” (CALDAS: 1895, p. 186)

A partir da data de vigência da portaria, os presos da fortaleza passam a ser transferidos para a Casa de Correção.

15

Sobre a Casa de Correção, ver os trabalhos de SANTANNA, Marilene Antunes. De um lado, punir, de outro,

reformar: projetos e impasses em torno da implantação da Casa de Correção e do Hospício Pedro II no Rio de

Janeiro. Dissertação de Mestrado, UFRJ, 2002. KOERNER, Andrei. O impossível panóptico tropical escravista: práticas prisionais, política e sociedade no Brasil do século XIX. IN: Revista brasileira de Ciências criminais. vol. 35, jul de 2001, p.211-224. Sobre os africanos livres na Casa de Correção, ver MAMIGONIAN, Beatriz. To

be a liberated african in Brazil: labour and citizenship in the nineteenth century. Tese de doutorado, Canadá,

2002. Na Biblioteca Nacional, consultar o álbum Galeria dos Condenados, pertencente à coleção Thereza Cristina, que contém fotografias de prisioneiros da Casa de Correção no século XIX.

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20 A falta do volume I do jornal impede que saibamos com certeza qual era a intenção de Lício Barbosa e Afonso Otero ao redigir o jornal. No entanto, a despeito de seu caráter lúdico, não se pode negar a natureza testemunhal do periódico: ele dá indícios de que aqueles indivíduos estavam encarcerados e vivos naquele período e que haviam caído nas malhas da repressão de Floriano Peixoto.

Os materiais para a redação do periódico – papel quadriculado e tinta nanquim, ambos de excelente qualidade – possivelmente chegaram até a prisão por meio de contrabando dos parentes que visitavam os prisioneiros. Esse contrabando era uma via de mão dupla: no volume XI, os redatores escrevem a nota “Passamos a perna nos cérberos deste bazar” no qual declaram que “Fizemos sair às escondidas a coleção d’A Justiça. A propósito, saibam os nossos leitores encarcerados que o nosso circulante e anti-jacobino jornal tem obtido da parte dos leitores ainda livres um sucesso estupendo!” (A Justiça, vol XI). Talvez este fato explique o motivo de a coleção vendida para a Biblioteca Nacional estar incompleta: nem todos os volumes podem ter sido devolvidos aos redatores.

Tempo não era problema para Lício e os demais redatores do jornal: presos em suas celas na maior parte do tempo, podiam ser bem cuidadosos e detalhistas na confecção do jornal. Além disso, os recursos para que as ideias surgissem não faltavam: sabemos pelo jornal da entrada de outros itens na penitenciária como periódicos, sobretudo O Paiz, alimentos, correspondências.

O Paiz foi um dos jornais que continuou circulando no Rio de Janeiro apesar das restrições impostas pelo decreto 1565 de 13 de outubro de 1893. O decreto começa com uma interessante definição de “liberdade de imprensa”, que consistiria no “direito de colaborar com o poder social nos fins a que se propõe a ordem moral e política em suas múltiplas exigências e modalidades”. Esse parágrafo dá mostras que, naquele momento, o direito à liberdade de imprensa seria garantido apenas aos veículos que fossem ideologicamente alinhados aos atos do governo. Daí a proibição de circulação de jornais como O Combate – para o qual contribuía Honorato Caldas, um dos prisioneiros da Correção – e Cidade do Rio, de José do Patrocínio. Esse aspecto da repressão florianista não escapava aos presos da Correção, que passaram a ter somente o jornal O Paiz como fonte de suas informações. Como os exemplares não entravam em grande número na penitenciária – na verdade às vezes eram fruto de contrabando trazido por seus familiares – O Paiz passava de mão em mão pelos prisioneiros políticos. A sátira do jornal A Justiça não deixa de observar

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21 que o jornal O Paiz era supervisionado de perto pelos florianistas, a despeito de sua óbvia tendência governista.

Imagem 2. Preso político atuando como guarda do único exemplar de O Paiz disponível para os presos políticos.

O motivo do encarceramento dos presos políticos, no entanto, não é em nenhum momento declarado em A Justiça. Os jornais que ainda tinham permissão de circular na capital, como O Tempo e O Paiz fizeram a cobertura de certos fatos que se deram na cidade e que permitem que saibamos, em um primeiro momento, a causa dos encarceramentos. Lício, por exemplo, era suspeito de participar de uma conspiração para detonar explosivos nos túneis da Estrada de Ferro Central do Brasil. Também são apontados como suspeitos Nilo Deodati, engenheiro e um dos desenhistas do jornal A Justiça, o engenheiro Adolfo Leyret, amigo de Lício e Emilio Rouède, amigo dos escritores Coelho Netto e Olavo Bilac e ex-diretor do jornal Cidade do Rio.16 Ao saber da prisão de Rouède, Coelho Netto sai em defesa do amigo na coluna Correio Fluminense, que o escritor publicava no jornal O Commercio de São Paulo:

A tentativa em questão revela a mais requintada perversidade da parte de seus autores. Por isso justamente é que não hesito em jurar sobre a inocência do meu amigo Rouède.

Rouède é um admirável coração, meigo e afetuoso. É capaz, como homem de brio, de um movimento inopinado e brusco, mas não tem alma para tentativas

16

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22 covardes como essa que preocupa atualmente a justiça da capital. Duvido muito que nele encontrem o procurado criminoso. Vive com a família no Rodeio, onde tem um sítio que é o seu paraíso e que móvel levaria o amável companheiro a tão bárbara tentativa? Não, a polícia enganou-se desta vez – Rouède pode ser um demolidor de fúteis, mas de túneis... nunca!17

De fato, Rouède foi liberado das acusações, enquanto Lício Clímaco, Adolfo Leyret e Nilo Deodati foram mandados para a Correção.

O periódico era alvo de constante vigilância por parte dos carcereiros. Lício Clímaco denuncia, no volume VIII, os maus tratos a que foi submetido pelo guarda Madeira:

O guarda mandante, que anda fulo de raiva por casa da “A Justiça”, chamou aos bolos o redator 103 [Lício Barbosa]. Coitado! Não pode habituar-se à ideia de ser enforcado como um Judas, ele, de cuja vida nada há que dizer!... (menos 25 anos de cadeia, consta-nos com que foi presentado no Paraná! Havemos de verificar isso).

O Madeira, que tanto tem auxiliado o Governo nessa difícil emergência, daria de boa vontade a província da Santa Catarina para reduzir a pó, cinza e nada os redatores da “A Justiça” de cambulhada; e para que lhe nascesse outra orelha, poria fogo a um cartório do Paraná, onde deve estar arquivado certo documento!... (A Justiça, vol. VIII)

O texto de Lício é acompanhado da charge abaixo:

Imagem 3. Lício Barbosa sendo punido com a palmatória por ter redigido no jornal A Justiça sobre as denúncias existentes contra um dos carcereiros. (Fundação Biblioteca Nacional, Divisão de Manuscritos).

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23 O uso da palmatória seria denunciado também na imprensa carioca em abril de 1894, após findada a Revolta da Armada. O Coronel Vespasiano, chefe da Estrada de Ferro Central do Brasil, aplicava a palmatória contra indivíduos que reclamassem do governo Floriano Peixoto. Usava, para isso, o carro-vagão 136V, apelidado de Carro fatídico, pois dentro dele eram aprisionados indivíduos que não haviam cometido crimes, mas que haviam feito queixas contra a administração pública. A atuação do Coronel Vespasiano contava com a ajuda de um destacamento de polícia que ficava estacionado na Praça da República. Testemunhas escreviam para os jornais denunciando a existência do vagão 136v e das punições que ocorriam dentro dele. Ângelo Agostini, “a pedido de muitas vítimas”, publicou em seu jornal Don Quixote uma ilustração do vagão:

Imagem 4. Ilustração do carro 136v no jornal Don Quixote.

Outros abusos eram cometidos contra os prisioneiros da Casa de Correção. Um deles se deu na madrugada de 25 de março de 1894, quando foram privados de sono por ordem do diretor da penitenciária:

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24 As matracas

Na noite de 5ª para 6ª feira santas fomos despertados por um barulho infernal. Sobressaltados, com o espírito agonizado, perguntáramos se seria o Bouças, cantando modinhas baianas; ou o Alvim, trauteando salvas de Waldtenffel, ou a trombeta de Jericó! Ou o Couto, tangendo as campainhas de galo; ou o Barboza brigando com todo o mundo; ou o General Honorato Caldas chamando à ordem o pobre Madeira; ou o Huet Bacellar discutindo com um ex-ministro; enfim, lembramo-nos de que era a Semana Santa, e que os sinos tinham ido para Roma.

Eram as matracas!...

O caritativo e católico Coronel das Chaves veio recomendar aos guardas que tocassem bastante forte, para serem ouvidos no Itamaraty. (A Justiça, vol. VIII)

.

Imagem 5. Os guardas da Correção acordam os prisioneiros na madrugada. (A Justiça, vol)

Em uma terceira ocasião, também com o intuito de privar os prisioneiros de sono, o diretor da penitenciária ordenou que se soltassem rojões no pátio da Casa de Correção:

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25 Imagem 6. O diretor Farias solta rojões para acordar os presos políticos do regime florianista (A

Justiça)

Havia carcereiros na Casa de Correção que não eram tiranos como o guarda Madeira e o diretor Farias. Pelo menos um deles mereceu ser homenageado no jornal de Lício: o guarda Diogo, que muitas vezes facilitava o acesso dos prisioneiros políticos aos livros da biblioteca da Casa de Correção, a qual inicialmente não podiam frequentar por não poderem sair de suas galerias.

Imagem 7. O guarda Diogo – que se tornou amigo dos presos da quinta galeria – é representado no jornal A

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26 Quando Diogo fica doente e não pode mais trabalhar os presos da Correção declaram que vão fazer uma subscrição ao carcereiro:

“Já uma vez na Justiça teve a honra de ser o órgão das manifestações de gratidão da 5ª galeria para com o Diogo; hoje, tem ela o profundo pesar, tanto mais sincero quanto o pobre homem decerto nunca lerá estas linhas, de fazer-se eco da simpatia de todos os presos políticos da Casa de Correção para essa grande alma, perdida neste Cafarnaum, por ocasião do lastimável acidente de que foi vítima o nosso bom guarda e amigo. Achando-se o infeliz na Stª. Casa de Misericórdia, a 5ª galeria em peso enviou-lhe uma prova de pesar de que se acha possuída, e todos os presos políticos concorreram para uma subscrição, cujo produto que montou a... é destinada a suavizar-lhe os sofrimentos. Fazemos sinceros votos para que seja de pronto entre nós, restabelecida sua saúde”. (A Justiça,vol. XI)

Não deixa de ser curioso que os presos desejem o retorno de seu carcereiro ao serviço: é prova de que o guarda Diogo de fato se preocupava com os prisioneiros e tentava minorar as dificuldades da prisão. O jornal foi escrito sem o valor da subscrição, pode ter sido um esquecimento do redator. As subscrições eram listas nas quais os assinantes destinavam certa quantia a determinada causa. Foram muito comuns durante a Revolta da Armada: havia subscrições pelos órfãos, por feridos nas ruas pelos estilhaços do conflito, para ajudar Floriano em seu esforço de guerra.

Enquanto o carcereiro era alvo de afeto dos prisioneiros, o mesmo não se podia dizer do diretor, o Coronel Aureliano Pedro de Farias. Uma das reclamações dos prisioneiros era o tratamento diferenciado que o diretor dava aos prisioneiros de maior prestígio social e econômico:

“Privilégios?

Cabe hoje o lugar de honra de nossas colunas ao nosso bom e amável Coronel das Chaves.

Temos que fazer a esse senhor algumas perguntas, às quais ele responderá quando a altiva, independente e austera A Justiça lhe chegar às mãos, de que Deus nos livre.

Há já muito tempo que a 5ª galeria, cujo jornal de maior circulação é A Justiça18, observa que é sempre a última no conceito da reta administração deste Capharnaum. A 6ª e a 8ª galerias, sobretudo, têm banhos, barbeiro, as mais amiudadas vezes que a nossa bem amada 5ª. As portas lá estão constantemente abertas, ao passo que nós vivemos sub regimini gradi.

18

Os redatores de A Justiça mencionariam que mais dois jornais estariam sendo fabricados na prisão: o Busca Pé e A Lei.

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27 Será porque o Coronel das Chaves teme a língua do General HC na 6º e a blague do Dr. T...inha na 8ª?

Ou será porque lembrando-se do hodie mihi cras tibi, trata de angariar a gratidão daqueles que mais perto estariam do leme deste grande barco?...”19

Uma outra reclamação recorrente dos presos eram as condições precárias em que eram mantidos. A comida era de má qualidade, o ambiente da prisão favorecia a proliferação de doenças – alguns presos morreram de beribéri. Não havia atendimento médico regular, o que piorava a situação daqueles que se achavam enfermos. Tal situação não passou despercebida de Joaquim Nabuco, cujos amigos presos na Casa de Correção – como os irmãos Barros, Alfredo e Adolfo – são fonte de sua preocupação, especialmente com respeito à epidemia de febre amarela que acometia frequentemente o Rio de Janeiro Em carta20 a seu cunhado Hilário de Gouveia - que também havia sido prisioneiro da Casa de Correção mas que, na época em que o jornal foi escrito, já havia fugido – datada de 14 de fevereiro de 1894, confessa:

“O que me faz medo a respeito de nossos presos, entre os quais temos tantos amigos, é a epidemia da época. Dizem-me, porém, que o Silva Costa e o Maia Monteiro estão na Polícia, o que é sempre melhor do que a Bastilha do Catumbi. O pobre do Siqueira continua preso, e o Adolfo dizem que bem doente, tendo-se-lhe negado remoção. Enfim é um horror e eu penso no futuro com muito desânimo: o que vai ser da recordação destes tempos, o crescimento destes ódios, a divisão intestina das famílias e as represálias recíprocas quando acabar o estado de sítio é um véu negro que eu pelo menos não quisera levantar [...] (NABUCO: 1949 p. 225)

Outro fato que impressiona Nabuco é que o florianismo não é arrefecido mesmo após uma temporada na prisão. Em outra carta o Hilário de Gouveia, enviada em 10 de maio de 1894, Nabuco se mostra incrédulo:

“O A. de Siqueira21

, este foi solto, e segundo me dizem, não está nada queixoso do Floriano, que ele reputa o homem talhado para a situação do país. É já filosofia. Eu a princípio tomei por pura ironia este modo de falar do nosso amigo, mas me asseguraram que realmente ele não tem queixa da prisão atribuindo-a ao estado atrasado de nossa sociedade e não à perversidade do Floriano. Essas prisões são simplesmente miseráveis, são requintes de crueldade fria, são atos de barbarização, que o caráter deste povo (menos do que o de qualquer outro), não justifica de forma alguma. Dar a um antigo conselheiro de Estado um cubículo, com um estrado e um vaso por mobília, como dão ao Silva Costa, sem falar dos generais, etc, é o que só se terá visto na história das

19

A Justiça, vol. VIII.

20

A coleção de cartas de Joaquim Nabuco foi publicada em 1949 por iniciativa de sua filha Carolina. É possível, no entanto, que algumas cartas estejam faltando.

21

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28 prisões de Nápoles, no tempo dos Bourbons e quem sabe ainda?” (NABUCO: 1949 p. 234)

A Revolta da Armada terminou em 13 de março de 1894. No entanto, Lício e seus companheiros permaneceram prisioneiros, alguns até junho daquele ano. Na esteira da vitória do Marechal sobre os revoltosos, seus apoiadores corriam para organizar festividades no intuito de comemorar o triunfo de Floriano. O serviço público mandava cartas para o Itamaraty, assinadas por seus funcionários, para parabenizá-lo; eram organizados meetings na cidade para celebrar a vitória das forças governistas. Uma dessas demonstrações mereceu figurar no jornal A Justiça. O jornal O Paiz, em 25 de março de 1894, anuncia em matéria de capa o desfile do Batalhão das Senhoras pela cidade:

Ao governo do marechal Floriano, como à imprensa fluminense, foram objeto de extremo penhor as demonstrações de apreço e as felicitações que lhes trouxeram ontem as senhoras brasileiras, formando um batalhão garrido pelo aspecto, sorridente pelas expansões joviais que espalhavam em sua passagem, entusiástico e vibrante porque vinha dos corações das nossas compatriotas, encarnação perfeita dos sentimentos nobres, símbolo da própria tenacidade que delas receberam os nossos soldados e que por elas bateram-se defendendo heroicamente a República.

Toda a cidade viu o desfilar desse préstito gentilíssimo, coberto de flores e saudado com tantas palmas triunfantes e estrepitosas, desde a partida de São Cristóvão até o palácio Itamaraty, desde aí até a rua do Ouvidor e ponto do seu debandar.22

A formação de Batalhões Patrióticos foi um importante componente da repressão florianista. Não é de espantar que um batalhão de mulheres causasse comoção na cidade. Como diz a reportagem, o destino da comitiva de senhoras é o Palácio do Itamaraty, onde esperam ser recebidas pelo marechal:

No palácio Itamaraty, onde, por ligeiro impedimento, o marechal não pode receber o estado-maior do batalhão das senhoras, acolheu-o com as maiores demonstrações de apreço o sr. capitão Siqueira, seu secretário;

E a S.S. coube ouvir da secretaria desse corpo garrido os cumprimentos de parabéns que as senhoras brasileiras iam apresentar ao chefe do Estado, a quem se destinavam também as seguintes palavras escritas:

“Marechal. Nós somos as filhas do povo, que durante seis meses sofríamos o desgosto e o pranto pelo desaparecimento dos nossos queridos pais, filhos, irmãos, maridos e noivos. A ambição armou o braço de alguns desnaturalizados brasileiros para ensanguentar a nossa cara Pátria. A vós devemos a tranquilidade e a paz no lar. Viemos, gratas e orgulhosas, vos dizer que ainda uma vez cumpristes o dever de soldado e de brasileiro.

22

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29 Nós, as filhas de sinceros republicanos e futuras mães de família, guardaremos este nome para a história – Floriano Peixoto – a quem saudamos de coração. Viva o marechal Floriano Peixoto. Viva o Exército. Viva a Armada Legal. Viva a guarda nacional. Vivam os patriotas. Vivam os antigos voluntários da pátria. Carolina Bruce – 24 de maio de 1894.

Retribuindo tão elevado e cativante procedimento, o digno sr. capitão Siqueira agradeceu com viva alegria, em nome do marechal, a presença ali do batalhão das senhoras, significou a satisfação de que por isso estava possuído o vice-presidente da República e levantou vivas às senhoras brasileiras, à República Federativa, aos Estados Unidos da América do Norte, à armada legal, ao exército e à guarda nacional, aos corpos patrióticos e ao povo fluminense.23 Lício e seus companheiros fazem referência às senhoras do batalhão n’A Justiça:

“Batalhão das Amazônicas Filhas do Povo. Soubemos com pasmo, misturado de ardente entusiasmo, da formação do batalhão com o título acima. [...] Lembramos às elegantes patriotas que devem imitar as fabulosas Amazonas, extirpando o seio direito, tanto mais quanto as armas modernas de repetição são muito coiceiras. Então, declaram também guerra ao casamento? Pois é pena!... De que projetis se servirão elas? De beijos d’estalo ou de olhares fulminantes? Se assim é, vamos colocar-nos na trajetória. C.L.B.” (A Justiça, vol. VIII)

Imagem 8. Lício Clímaco parodia no jornal o batalhão patriótico de mulheres que foram felicitar o marechal Floriano em 1894.

O último número do jornal A Justiça termina de modo melancólico. Lançado no dia 13 de julho de 1894, data em que o Conselho de Guerra formado para julgar Lício, Nilo Deodati e outros prisioneiros havia dado a sentença final do processo a que respondiam: haviam sido condenados à morte pelo crime de traição. O processo por que passaram Lício e os outros prisioneiros havia sido um tanto estranho: o Conselho de Guerra não funcionava num tribunal

23

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30 regular, mas foi montado no interior da própria Casa de Correção, numa das salas do pavilhão destinado às mulheres. Lício, então, escreveu seu desabafo no jornal:

Nos cabe hoje uma rude e dura tarefa; como redator-chefe desta folha única e original, e como tal único responsável por tudo quanto nela se tem rabiscado, como redator-chefe, dizemos, explicaremos em poucas palavras o motivo deste suplemento extraordinário; como condenado à morte, vamos tomar uma barrigada de riso sobre tal condenação. .Já estava em circulação o nosso último e mortal número 13 quando nos chegou a notícia de que dos 13 (!) que haviam passado juntos diante d’um Conselho de Guerra presidido por um distinto Coronel, 11 haviam sido condenados à morte de uma só penada. Eis porque decidimos este suplemento, em que alguns dos fuzilados em perspectiva fazem questão, mas mesmo questão séria, de agradecer ao sublime conselho a sua magnanimidade. [...] (A Justiça, suplemento)

O tenente da Armada Arthur Alvim, preso do cubículo 108, condenado à morte pelo mesmo conselho, também deixou seu “testamento”. Estranhando a situação em que se encontrava, sendo julgado sem nenhum tipo de formalidade na prisão das mulheres:

[...] uma vez aí [na sala do Conselho], vi acumulados ao redor de uma pequena mesa sete sujeitos, presididos pela figura elegante, judaica do Coronel B. Gonçalves.

Abraçado, beijado, não, beijado não, que eu não deixaria, enfim muito bem tratado, as[i de lá contentíssimo. E dizia comigo: decididamente o hábito não faz o monge... Farsantes!

Sabem o que eu trazia? Um abraço e um passaporte para o outro mundo! E o Bentinho fazia as coisas com tal jeito, com tal fingimento, que um meu risinho, que já foi reconhecido urbe et orbi como habilíssimo atalaia, caiu no laço e trouxe também o seu passaportezinho! [...] (A Justiça, suplemento)

Mas, apesar da preocupação de Lício, Alvim e Deodati, a sentença de fuzilamento não foi cumprida: todos os prisioneiros foram soltos em setembro de 1894, beneficiados por um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal. Teriam, então, possibilidade de contar suas histórias em outra publicação, como será visto no próximo capítulo.

A o medo do fuzilamento pode ter estimulado a formulação da lista de prisioneiros que acompanha o último número do jornal, possivelmente pelo receio de que alguns daqueles prisioneiros pudessem simplesmente “desaparecer” sem deixar qualquer rastro. A lista é composta pelas mais diversas classes sociais da República: ex-ministros, como Serzedello Correia; militares, como Atanagildo Barata Ribeiro, Honorato Caldas e Armínio Guaraná; jornalistas, como Tobias Monteiro e Alfredo de Paiva. Ao lado dos mais famosos estavam

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31 presos também funcionários públicos, estudantes, padres, pequenos negociantes, grandes fazendeiros... a repressão florianista não excluía classes sociais.

No próximo capítulo, mostraremos como as memórias dos ex-prisioneiros políticos da Casa de Correção vieram à tona em 1895, quando Floriano Peixoto já havia deixado de ser presidente. Além disso, mostraremos como a imprensa, além de publicar as experiências de repressão na Casa de Correção, também deu lugar a narrativas sobre a repressão florianista contra a população em outras localidades do Rio de Janeiro.

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32 Imagem 10. Primeira página da lista de prisioneiros políticos publicada pelo jornal A Justiça.

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33 Anexo ao capítulo 1 – Lista de prisioneiros da Casa de Correção publicada no jornal A

Justiça em 1894

Nome Profissão Galeria

Abrahão Ben-Chimol Negociante 8

Acacio de Aguiar Advogado 8

Adolpho de Barros Conselheiro 6

Adolpho Leyret Engenheiro 5

Affonso Moreira Médico 5 – 7

Affonso Otero Empregado de Comércio 8 – 5 – PS

Alberto Bouças Guarda-livros 5 – 7

Alberto Lapeyre Aluno da Escola Militar 5 – 7

Albino Meira de Vasconcellos Advogado e Senador 7

Alexandre Galdino da Veiga Capm. Tenente 6

Alexandre de Oliveira Monteiro Negociantte 5 – 8

Alfredo Augusto de Lima Barros Capm. Tenente 6

Alfredo de Barros Major honorário 6

Alfredo José de Mello Empregado do Comércio 8

Alfredo Ortiz Engenheiro 5

Alfredo de Paiva Jornalista 7

Alfredo Pinto Negociante 7

Alvaro Antunes Baptista Capm. da Guarda Nacional 5

Adriano Augusto do Valle Industrial 7 – 5

Alvaro Medeiros Chaves 1º tenente da Armada 5 – 8

Andre Cueto Foguista 5 – PS

Andronico Tupinamba Advogado 7 – 5 – 8

Angelo Caziraghi Negociante 7

Angelo Rezard Guarda-livros 7

Antonio Alves de Melo Cardozo Empregado Público 6 – 7

Antonio Alves dos Reis Embarcadiço 7 – 5 – PS

Antonio Baptista Embarcadiço 7 – 5 – PS

Antonio Barrozo Fernandes Fazendeiro 8

Antonio de Castro Operário 7

Antonio Giovanni Negociante 7

Antonio Jacobina Fazendeiro 8

Antonio Lins Cavalcante de Oliveira Capm. de Fragata 6

Antonio Joaquim de Rezende Negociante 5

Antonio de Oliveira Marques Negociante 7

Antonio de Siqueira Corretor – advogado 8

Aristides Arminio Guaraná Coronel Honorário Engenheiro 6

Arlindo Pinto Duarte Aspirante de Marinha 8

Arlindo de Souza Gomes Corretor 8

Arthur Alvim 1º tenente da Armada 8 – 5

Arthur Niemeyer Empregado do Comércio 7

Arthur Rinaldo Guimaraes Jornalista 5 – 7

Arthur Rockert Representante de comércio 5 – 7

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34

Augusto de Oliveira Xavier Empregado público 6 -7

Azevedo Alves (Alfredo) 1º tenente da Armada 6

Baldomero Fuentes de Carqueja Jornalista 6

Cacio Farinha Jornalista 6 – 7

Calixto Gaudencio da Silva 2º tenente Commº 5 – 8

Camillo Henrique Darchanchy Empregado Público 7

Carl Axel Wilhelm Krum von Linden Engenheiro 5

Carlos da Silveira Martins Advogado 8

Carlos Vianna Bandeira Negociante 5 – 8

Carneiro Leão (Barão de Paraná) Fazendeiro 7

Coriolano de Alencastro Major honorário 6

Celso Bayma Estudante 8

Couto Magalhaes General 6

Dimitri Kuka Operário 5

Dioclecio Pinto de Oliveira Estudante 5

Domingos Jesuino de Albuquerque Tenente e ex-deputado 7 – 6

Domingos José da Silva Guimaraes Negociante 5

Duarte Huet Bacellar Pinto Guedes Capº Tenente engenheiro naval 6

Eduardo da Silva Tavares Negociante 8

Elyseu Guilherme (ex- governador de Santa Catharina)

Coronel (farmacêutico) 7 – 8

Eneas de Farias Ramos Capm. tenente 6

Ephraim Nogueira de Macedo Negociante 7 -8

Ernesto Climaco Barboza Estudante 7 – 5

Eugenio de Menezes 7 – 5 – PS

Euzebio de Paiva Legey Contra-almirante 6

Firmino Martins de Sá Negociante

Francisco Alves dos Santos Operário 5 – PS

Francisco Augusto de Paiva Bueno Brandão

Capitao de fragata Engenheiro mecânico

6

Francisco Braz Cerqueira e Souza 2º tenente maquinista 6 – 8

Francisco do Couto Soares Negociante 5

Francisco Gavião Pereira Pinto Capm. de fragata 6

Francisco José Fereira Negociante 5

Francisco Marques do Couto Empregado público 5 – 7

Francisco Rodrigues dos Reis Embarcadiço 7 -5

Francisco da Silveira Negociante 5

Frederico Edel von Hoonholtz 1º tenente da Armada 5 – 8

Genesco Bandeira de Mello Advogado 7 – 5 – 8

Gregorio Thaumaturgo de Azevedo Tenente Coronel de Engenheiros Advogado

6

Henry Bernard Tenente da Guarda Nacional 6

Honorato Candido Ferreira Caldas General 6

Innocencio Serzedello Correia Engenheiro (ex-ministro) 6

Jayme Estany Corretor 5

Jesuino Pereira de Lima Campos Contra-almirante 6

João Ferreira de Castro Embarcadiço 7 – 5

(35)

35 João José de S. Paulo de Aguiar Capitão da Guarda Nacional 6

João Maciel da Costa General 6

João Maximiliano Algemon Sidney Schieffer

1º tenente da Armada 6

João Pereira Teixeira Advogado 8

João Pinto do Couto 1º tenente medico da armada 6

João Pinto de Vasconcellos Barreto Advogado 5

João Piragiba Advogado 5 – 7

Joaquim Barcelos Goveia Aspirante de Marinha 5 – 8

Joaquim da Costa Frederico Negociante 5

Joaquim José de Souza Negociante 7

Joaquim de Pinho Bastos Negociante 8 – 5

Joaquim Teixeira de Vasconcellos Negociante 7 – 5

Jonathas Ascagne Arquiteto 7 – 5

José de Almeida Marques Negociante 5

José Basson de Miranda Ozorio Advogado ex-ministro 6

José da Cruz Saldanha Padre 8

José Ferreira dos Santos Foguista 5

José Garcia Operário 5

José Gonzales Representante de Comércio 5

José Martins de Sá Negociante 5 – 7

José Nogueira Jaguaribe Farmacêutico 7

José Pedro de Oliveira Galvão Coronel Senador Federal 6

José Ricardo Pereira Pitta Farmaceutico 5

José da Silva Costa Advogado (conselheiro) 8

José Victor Delamare Capitao de mar e guerra 6

Julio do Nascimento Engenheiro mecânico 8

Julio Ribas Advogado 5 – 8

Laureano Alves Portella Negociante 7

Leite Ribeiro 2º tenente exército 7

Leonardo Fortunato Padre 8

Leopoldo de Freitas Advogado 6 – 7

Licio Climaco Barbosa Engenheiro 7 – 5

Luiz Alves da Silva Penna Operário 5 – PS

Luiz Augusto de Carvalho Junior Estudante 7

Luiz Bartholomeu da Silva Alferes 6

Luiz Carlos Barboza de Oliveira Engenheiro 8

Luiz José do Rozário Empregado do Comércio 8

Luiz Moreau Agrimensor 7 – 5

Luiz de Moura Brito Jornalista 5 – 7

Luiz Pinto Pereira Negociante 5 – PS

Maia Monteiro (barão de) Capitalista 8

Manoel de Borges Lima Tenente coronel 6

Manuel Carneiro da Silva Tenente honorário 6

Manoel Gouveia Jardim Sacristão 7

Manuel Leopoldino de Vasconcellos Farmacêutico 5

Manoel José Fernandes Capitão honorário 6

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