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Os alimentos geneticamente modificados no contexto da globalização e da sociedade de risco / Genetically modified foods in the context of globalization and the risk society

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Academic year: 2020

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Os alimentos geneticamente modificados no contexto da globalização e da

sociedade de risco

Genetically modified foods in the context of globalization and the risk society

DOI:10.34117/bjdv6n2-154

Recebimento dos originais: 30/12/2019 Aceitação para publicação: 14/02/2020

Anna Beatriz Nunes Avelino

Mestre em Ciências Sociais e Humanas pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte Instituição: Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Endereço: Campus Universitário da UERN (Laboratório de Ecologia Aplicada, DGA/FACEM), Br. 110, km 46, Bairro: Costa e Silva,

Mossoró – RN. CEP. 59600-970 E-mail: annabeatriz_n@hotmail.com

Geovânia da Silva Toscano

Professora, Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte Instituição: Universidade Federal da Paraíba – UFPB. Departamento de Ciências Sociais. Centro de

Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA. Endereço: Campus I – Jardim Cidade Universitária, João Pessoa, PB - Brasil, CEP. 58051-900

E-mail: geotoscano@cchla.ufpb.br

Maria da Conceição Farias da Silva Gurgel Dutra

Professora, Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte Instituição: Universidade Federal da Paraíba – UFPB/Campus III, CCHSA/Departamento de

Educação, Rua João Pessoa, s/n, Bananeira, PB – Brasil. CEP: 58220-000 E-mail: concefarias@gmail.com

Alexandre de Oliveira Lima

Professor, Doutor em Geodinâmica e Geofísica pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte Instituição: Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Endereço: Campus Universitário da UERN (Departamento de Gestão Ambiental, DGA/FACEM), Br. 110, km 46, Bairro: Costa e Silva,

Mossoró, RN – Brasil. CEP. 59600-970 E-mail: alexandrelimarn@gmail.com

Márcia Regina Farias da Silva

Professora. Doutora em Ecologia Aplicada pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo.

Instituição: Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Endereço: Campus Universitário da UERN (Departamento Gestão Ambiental, DGA/FACEM), Br. 110, km 46, Bairro: Costa e Silva,

Mossoró, RN - Brasil. CEP. 59600-970 E-mail: mreginafarias@hotmail.com

RESUMO

O atual cenário mundial de globalização e revoluções biotecnológicas gerou repercussões nos mais diversos âmbitos da modernidade, refletindo até mesmo na produção dos alimentos. Nessa perspectiva, surgiram os alimentos geneticamente modificados ou transgênicos. Originários da incorporação de técnicas de engenharia genética à alimentação, eles podem ser considerados o resultado de um pacote biotecnológico introduzido na agricultura pela revolução verde, simbolizando o avanço das ciências em uma sociedade cada vez mais consumista, e traduzindo uma necessidade de

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produção em massa com economia de tempo e dinheiro. O objetivo deste trabalho foi evidenciar a conjuntura de surgimento dos alimentos geneticamente modificados. Como resultado, observou-se que esses alimentos são um produto do processo de globalização e da sociedade de risco. Dessa maneira, em razão da insegurança e dos perigos atrelados ao surgimento de novas tecnologias, impõe-se cautela no impõe-seu uso e respeito às demandas ambientais.

Palavras-chave: Alimentos Geneticamente Modificados, Globalização, Agricultura Moderna. ABCTRACT

The current global scenario of globalization and biotechnological revolutions has generated repercussions in the most diverse areas of modernity, even reflecting on the production of food. In this perspective, genetically modified or transgenic foods appeared. Originating from the incorporation of genetic engineering techniques to food, they can be considered the result of a biotechnological package introduced in agriculture by the green revolution, symbolizing the advance of science in an increasingly consumerist society, and translating a need for mass production with saving time and money. The objective of this work was to highlight the conjuncture of the emergence of genetically modified foods. As a result, it was observed that these foods are a product of the globalization process and the risk society. Thus, due to insecurity and the dangers linked to the emergence of new technologies, caution is required in their use and respect for environmental demands.

Key words: Genetically Modified Food, Globalization, Modern Agriculture.

1 INTRODUÇÃO

A domesticação dos primeiros animais e o cultivo das plantas podem ser consideradas técnicas para que o homem domine a natureza, lhe impondo leis (SANTOS, M., 2006), bem como podem ser analisadas como os primórdios dos processos biotecnológicos, os quais permitiram aos povos primitivos iniciarem seus hábitos sociais, possuírem uma regular fonte de alimento e deixarem de ser nômades (VIEIRA; VIEIRA JÚNIOR, 2005). Nesse contexto, surgiu a agricultura, processo considerado preponderante para o aparecimento das primeiras civilizações (BORBA, 2017).

Utilizando-se da biotecnologia, sem saber, o homem fez surgir o vinho, o pão e a cerveja, por exemplo. A evolução das técnicas agrícolas foi sendo processada de forma lenta. Pouco a pouco foi se observando que as plantas eram de espécies diferentes, que algumas eram mais produtivas que outras e, assim, as sementes passaram a ser guardadas e semeadas em colheitas seguintes (MACHADO, 2014). Com o melhoramento das técnicas de cultivo e produção, as células e os mecanismos de hereditariedade foram descobertos. Respectivamente, em 1665, Robert Hooke através de um microscópio observa pela primeira vez a estrutura celular da cortiça (VIEIRA; VIEIRA JÚNIOR, 2005) e Gregor Mendel, no século XIX, descobre o processo de transmissão das características hereditárias.

A prática agrícola, apesar dos impactos causados a natureza durante milênios, manteve um certo equilíbrio em relação à sustentabilidade ambiental, desenvolvendo-se sem recorrer a máquinas

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pesadas ou insumos químicos (ROEL, 2002). Foi somente após a Segunda Guerra Mundial que a agricultura passou por uma série de modernizações, as quais resultaram na intitulada “Revolução Verde”, um processo que consistiu na intensificação da monocultura, uso de máquinas, insumos e agrotóxicos (ALVES, 2004).

Historicamente, no Brasil, a agricultura familiar nunca foi prioridade, e com o novo padrão agrícola consolidado nas décadas de 60 e 70 do século XX, o pequeno agricultor foi ainda mais relegado, pois a produção no campo começou a seguir uma lógica cada vez mais próxima à da indústria com foco na economia, na produtividade e na reorientação das políticas públicas agrícolas para o desenvolvimento da agroindústria (CASTRO, 2017).

O agrônomo Norman Borlaug ficou conhecido como o pai da Revolução Verde, pois por meio da aplicação da ciência e da tecnologia a agricultura tradicional revolucionou o meio rural de diversas partes do mundo com a redução da pobreza, aumento da produção, irrigação da lavoura, utilização de pesticidas e fertilizantes, controle de pragas e seleção genética de grãos. Contudo, a utilização cada vez maior de agrotóxicos contribuiu para o surgimento de sementes cada vez mais resistentes e da contaminação de alimentos e do solo (LEITE, 2015).

Os alimentos geneticamente modificados, viabilizados pelas inovações científicas, fazem parte da chamada nova revolução verde, a qual tem como objetivo aumentar a produtividade das lavouras para seguir o crescimento da população do planeta. Este papel é atribuído aos transgênicos na medida em que representam a associação dos agrotóxicos, a modificação genética dos grãos com a finalidade de trazer soluções para o futuro da agricultura, entre as quais, alimentar a população mundial (LEITE, 2015).

As políticas de modernização, que caminharam junto com a revolução verde, reuniram o sistema agropecuário, com o industrial, mercantil, financeiro e tecnológico, estruturando o agronegócio (CASTRO, 2017). Mais do que uma forma do capitalismo se inserir na agricultura, o agronegócio representa a inclusão do mercado global no local, através da presença do capital estrangeiro por meio de corporações transnacionais. Por um lado, aumentou-se a produtividade da terra e o crescimento econômico, por outro, se intensificou o desmatamento, as queimadas e a erosão. Portanto, além de ser um processo de desenvolvimento financeiro, o agronegócio representa, também, a continuidade do sistema exploratório de concentração de terras e riquezas, uma lógica fundamentada no grande capital agroindustrial.

Paralelo a esses acontecimentos, no século XX surge o termo gene. De início, ninguém sabia ao certo o que era um gene, porém a análise de organismos mais simples, como bactérias e vírus, levou a sua determinação. Trata-se do material orgânico que permite a continuidade da transmissão de características hereditárias entre os seres vivos (VIEIRA; VIEIRA JÚNIOR, 2005). Com a

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confirmação de que os genes eram constituídos de DNA, foi definido por genoma todo o conjunto de genes de um organismo.

Outro marco na história da genética e da biologia molecular se deu com James Watson e Francis Crick que propuseram um modelo que explicava a estrutura da molécula de DNA e a forma como suas informações genéticas seriam transmitidas (VIEIRA; VIEIRA JÚNIOR, 2005). Foi a partir dessas descobertas e dos estudos sobre o DNA que o homem percebeu que poderia alterar geneticamente a sequência da cadeia genética modificando características dos seres vivos (VARELLA, 2005).

Nesse contexto de crescimento demográfico, população humana dependente de aprimoradas técnicas de produção agrícola para sua alimentação, revolução verde e expansão biotecnológica que surgem os transgênicos. Mais precisamente na década de 1970, quando pesquisadores da Universidade de Stanford e da Califórnia, nos Estados Unidos, por meio de experiências com o DNA, comprovaram que o código genético é algo universal, havendo compatibilidade até mesmo entre espécies distantes (VIEIRA; VIEIRA JÚNIOR, 2005).

Posteriormente, os cientistas Herbert Boyer e Stanley Cohen transferiram um gene de uma rã para uma bactéria e com isso concluíram o primeiro experimento exitoso usando técnica de engenharia genética (SILVA, 2015). Esta importante descoberta abriu os caminhos para o surgimento de organismos híbridos, por meio da recombinação de genes de espécies diferentes, ou seja, os organismos geneticamente modificados. Dessa forma, o homem alcança novos rumos que não seriam atingidos espontaneamente pela natureza, pois consegue intercambiar genes de espécies distintas.

De forma ampla, o termo biotecnologia refere-se a qualquer técnica que utilize organismos vivos para, a partir deles, produzir ou melhorar plantas e animais, ou para desenvolver microrganismos para uso específico. Por sua vez, em sentido restrito, designa as técnicas advindas da bioquímica, biologia celular e molecular, as quais podem trazer benefícios aos seres humanos (VIEIRA; VIEIRA JÚNIOR, 2005).

A biotecnologia moderna também é conhecida como engenharia genética ou tecnologia do DNA recombinante, e envolve a possibilidade de manipulação do material genético. Segundo Maluf (2015), a biotecnologia ocupa-se de aplicar os processos biológicos visando a produção de materiais e substâncias para uso industrial, medicinal, farmacológico, entre outros. Já para Varella (2005) o conceito de biotecnologia é utilizado por toda tecnologia empregada à vida, inclusive para atividades de seleção de melhores espécies, feita pelo homem, há muitos séculos, para melhor produção agrícola e pecuária.

Ao tomar como base a reflexão supracitada, buscou-se evidenciar elementos que alicerçam as circunstâncias de surgimento dos alimentos geneticamente modificados. Para tanto foi realizada uma

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pesquisa bibliográfica e documental por temas, como globalização, sociedade de risco, Revolução Verde, transgênicos, entre outros, riscos ambientais.

2 A CIÊNCIA, TÉCNICA E GLOBALIZAÇÃO: A NATUREZA COMO PRODUTO

Atualmente, observa-se um cenário, no qual há uma profunda interação entre ciência e técnica sob a égide do mercado, o que permite ao ser humano, não apenas utilizar o que encontra na natureza, mas, fazendo uso de sua inteligência, criar novos produtos em laboratório. A informação, nessa conjectura, tem um papel de destaque, pois impulsiona as mudanças sociais, permitindo a sua difusão e a formação de centros de desenvolvimento. É visível a interação científica, tecnológica e informacional, fazendo com que o espaço artificial seja, cada vez mais, o predominante – universal e padronizado – face a dominação e alteração do meio natural. Este espaço, faz-se presente, até mesmo, no ambiente rural, seja através de agrotóxicos, fertilizantes, ou dos alimentos geneticamente modificados (SANTOS, 2006, 2008).

A ideia de ciência, a ideia de tecnologia e a ideia de mercado global devem ser encaradas conjuntamente e desse modo podem oferecer uma nova interpretação à questão ecológica, já que as mudanças que ocorrem na natureza também se subordinam a essa lógica (SANTOS, 2006, p. 159).

Com o extraordinário progresso da ciência e das técnicas, as questões ecológicas devem ser analisadas sob o foco, também, do mercado global, pois as transformações sofridas pela natureza encontram profunda conexão com a nova conjuntura mundial. Para exemplificar, com o adentramento da biotecnologia no mercado foi concedida a primeira patente de um ser vivo, nos Estados Unidos. Outra decisão igualmente importante foi a que permitiu a pioneira liberação intencional de um organismo geneticamente modificado no ambiente, em 1983 (VIEIRA; VIEIRA JÚNIOR, 2005).

Nessa direção, porque não falar do fato de que na Europa, pouco a pouco os países foram aprovando suas regulamentações para engenharia genética, sob a ameaça de grandes indústrias, como a farmacêutica, transferirem seus laboratórios para os Estados Unidos (VIEIRA; VIEIRA JÚNIOR, 2005).

O poder do comércio mundial, latente no processo de globalização, é o direcionador dos avanços biotecnológicos, ou seja, em decorrência do modo de produção capitalista e, consequentemente, do anseio de se obter lucro, o progresso da tecnologia na área biológica vem se expandindo, muitas vezes, sob pressão do mercado.

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O domínio da biotecnologia representa a nova fronteira do conhecimento, logo, para se atender a uma demanda global por produção de alimentos que corresponda as expectativas do mercado (larga escala, padronizado, de forma a se economizar tempo e gerar lucro), o plantio, cultivo e fabricação, devem fazer uso das mais modernas tecnologias, representando os alimentos artificiais, transgênicos, a associação da ciência, tecnologia e informação, a serviço do mercado e da satisfação de uma necessidade global de uniformização.

Os produtos geneticamente modificados nascem, assim, em um cenário de alterações científicas e revoluções biotecnológicas, diante do qual o processo da globalização ganha força através do mercado global e da informação. Surgem como um reflexo do meio técnico cientifico informacional, seguindo a tendência hegemônica de uma necessidade de produção alimentícia padronizada, com o fim de se economizar tempo de produção, mas sobretudo, dinheiro.

A empresa multinacional destaque na produção de sementes e insumos transgênicos, a Monsanto, ganhou ainda mais relevância por ter sido a primeira a solicitar, no Brasil, a legalização do plantio de sementes geneticamente modificadas, em 1998, tendo conseguido, no mesmo ano, a liberação comercial da soja RR. Essa liberação levou à contestação judicial por parte do IDEC (Instituto de Defesa do Consumidor) e do Greenpeace (PELAEZ; SCHMIDT, 2000). Já em 1999, o Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional (FBSAN), entre outras instituições, lançaram a campanha “Por um Brasil livre de transgênicos”, o que contribuiu para adiar a legalização no país (CASTRO, 2016).

A legalização dos organismos geneticamente modificados no Brasil ocorreu de forma provisória em 2003, através da Lei nº 10.688 e, definitivamente, em 2005 com a Lei de Biossegurança (BORBA, 2017). Atualmente, sobre área cultivada com sementes transgênicas no Brasil, os números, em grande parte, apresentados pela imprensa e usados pelo governo são provenientes de uma organização não governamental internacional criada para esse fim, o ISAAA (Serviço Internacional para Aquisição de Aplicações de Agrobiotecnologia). Apesar da carência de dados, afirma-se que, da safra 2008/2009, foi plantado no Brasil um total de 1 milhão de hectares de milho transgênico, produzindo-se 4,5 milhões de toneladas de milho modificado (FERMENT, 2010). Já na safra de 2016, estima-se que tenha sido observado em torno de 49 milhões de hectares de produção transgênica, principalmente, entre milho, soja e algodão (CURY, 2016).

O eucalipto e a cana-de-açúcar emergem como as novas promessas de investimentos em pesquisas com modificação genética. O primeiro ligado à indústria papeleira e a produção de agro combustíveis e o segundo, a produção do etanol combustível (FERMENT, 2010).

Segundo o Serviço Internacional para Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia (ISAAA), no ano de 2016, a área plantada com semente geneticamente modificada cresceu 3%

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mundialmente. No Brasil, o aumento foi de 11% liderando a expansão do plantio. Ainda segundo a mencionada entidade, os Estados Unidos são o país com a maior área plantada de transgênicos, com 72,9 milhões de hectares, o Brasil vem em seguida com 50,2 milhões de hectares no ano de 2017, os quais representam 26% de todo o cultivo global de biotecnologia (CONSELHO DE INFORMAÇÕES SOBRE BIOTECNOLOGIA, 2018).

Outro dado que impressiona, em matéria de transgênicos, é que apenas cerca de seis empresas transnacionais controlam o mercado do gênero em nível global, as maiores são: a Monsanto (EUA), Syngenta (Suíça), Dupont (EUA), Basf (Alemanha), Bayer (Alemanha) e Dow (EUA). No Brasil, todos os cultivos liberados até 2013 foram de alguma dessas empresas, com exceção da nacional Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). As Gigantes da Genética (Gene Giants), como são apelidadas essas seis empresas, controlam 59,8% do mercado mundial de sementes comerciais e 76,1% do mercado de agroquímicos (THUSWOHL, 2013).

Portanto, no cenário globalizado, regido pela ciência, tecnologia e anseios do mercado, as transformações biotecnológicas ganham força. Na mesma proporção estimula-se o debate de suas inovações trazidas para a sociedade, o que impõe a necessidade de se estabelecerem conceitos.

3 OS ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS E TRANSGÊNICOS SOB A ÓTICA DA LEGISLAÇÃO

Os Organismos Geneticamente Modificados (OGM) ou transgênicos, são definidos no Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (recepcionado no ordenamento brasileiro através do Decreto nº 5705/2006, em seu artigo 3º, alíneas g, h e i) da seguinte forma:

[...]

g) por "organismo vivo modificado" se entende qualquer organismo vivo que tenha uma combinação de material genético inédita obtida por meio do uso da biotecnologia moderna;

h) por "organismo vivo" se entende qualquer entidade biológica capaz de transferir ou replicar material genético, inclusive os organismos estéreis, os vírus e os viróides; i) por "biotecnologia moderna" se entende:

a. a aplicação de técnicas in vitro, de ácidos nucleicos inclusive ácido desoxirribonucleico (ADN) recombinante e injeção direta de ácidos nucleicos em células ou organelas, ou

b. a fusão de células de organismos que não pertencem à mesma família taxonômica, que superem as barreiras naturais da fisiologia da reprodução ou da recombinação e que não sejam técnicas utilizadas na reprodução e seleção tradicionais.

A referida convenção internacional assevera que é a partir de um ser vivo que se origina um organismo vivo modificado, através do uso da biotecnologia moderna.

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Na legislação brasileira, conforme a Lei nº 11.105/05, em seu art. 3º, incisos V e VI, define-se:

[...]

V – Organismo geneticamente modificado – OGM: organismo cujo material genético – ADN/ARN tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética;

VI – derivado de OGM: produto obtido de OGM e que não possua capacidade autônoma de replicação ou que não contenha forma viável de OGM.

Em outras palavras, os organismos geneticamente modificados, também conhecidos como transgênicos, são aqueles que sofreram alteração em seu genoma, utilizando-se alguma técnica de engenharia genética, conforme preleciona a referida Lei Federal, recebendo parte(s) de gene(s) de outro(s) organismos, com a finalidade de se tornarem resistentes a pragas, potencializar determinada qualidade, aumentar seu prazo de validade, entre outros fins. Já derivados dos OGM são produtos obtidos a partir deles, mas que não possuem capacidade autônoma de replicação ou forma viável.

Nesse sentido, segundo Souza e Queiroz (2015) organismos geneticamente modificados (OGM’s) são os de organização e estrutura biológica composta por ácidos desoxirribonucleicos ou ácidos ribonucleicos, os quais sofrem alterações de origem genética, a partir de técnicas de engenharia genética, para acréscimo ou remoção de uma nova característica fenotípica e/ou genotípica. Tais técnicas tem o poder de conferir a esses organismos novos atributos que antes não existiam em determinada espécie ou, até mesmo, permitir que ele sintetize substâncias que antes não eram produzidas.

De acordo com Ribeiro e Marin (2012, p.360), organismos geneticamente modificados são:

Aqueles organismos, no caso as plantas, que têm seu material genético modificado pela introdução de um ou mais genes através da técnica de biologia molecular. Assim, genes oriundos de diferentes vegetais, animais ou microrganismos podem ser introduzidos em um genoma vegetal receptor, conferindo às plantas, novas características para a otimização da produção de alimentos, fármacos e outros produtos industriais.

Tanto no conceito trazido por Souza e Queiroz (2015) como no de Ribeiro e Marin (2010), observa-se a tecnologia transgênica atrelada a possíveis melhoramentos na qualidade, produção do alimento, criação de novos produtos ou substâncias a partir dele.

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A União Europeia, através da Diretiva nº 2001/18/CE, a qual trata da liberação no ambiente de organismos geneticamente modificados, estabelece que “na definição de ‘organismos geneticamente modificados’ para efeitos da presente diretiva, os seres humanos não são considerados organismos”. Portanto, para a regulamentação europeia, o homem não está incluso no que se entende por um organismo com alteração genética.

Para Vieira e Vieira Júnior (2005, p. 33) alimentos transgênicos são:

Aqueles oriundos de uma planta transgênica ou de frutos, cereais ou vegetais delas extraídos, que são consumidos diretamente pelos seres humanos ou indiretamente, através dos produtos alimentares produzidos ou elaborados a partir da mencionada matéria-prima.

Ou seja, plantas, sementes ou frutos com modificação genética, ou produtos alimentícios fabricados a partir deles, são alimentos geneticamente modificados.

Alimentos transgênicos são aqueles produzidos a partir de modificações gênicas de espécies distintas, o que se mostra o maior desafio, pois o simples melhoramento genético sempre foi feito, mesmo que de maneira natural, por populações que buscavam a seleção das melhores sementes, por exemplo.

Nesse contexto, uma questão relevante reside nas implicações ao meio ambiente que surgem a partir desta prática. Os seres vivos habitam ecossistemas onde o equilíbrio é fundamental, a introdução de um novo ser, ainda que natural, mas não pertencente a dado biossistema, pode descompensar essa harmonia, Já um organismo artificial é capaz de desestruturá-lo permanentemente, uma vez que uma competição entre plantas ou animais naturais e transgênicos poderia ter resultados catastróficos para o meio ambiente.

Muitas vezes não se tem ciência, mas ações cotidianas provocam reflexos globais. A decisão, por exemplo, de se consumir um determinado tipo de alimento pode contribuir para um processo de deterioração ecológica com potenciais consequências para toda a humanidade (GIDDENS, 1997).

Para se atingir os níveis de desenvolvimento técnico-científico observados na atualidade e impulsionados pela competitividade econômica, o preço pago foi a exploração de recursos naturais e a degradação ambiental. O cultivo de plantas transgênicas em larga escala tem o potencial de afetar a biodiversidade ao ocasionar efeitos indesejados, como mudanças na dinâmica populacional de um ecossistema, geração de superpragas, poluição genética, entre outros (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2018).

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A questão dos alimentos transgênicos adquire maior relevância em razão, principalmente, das consequências atreladas a seu consumo e comercialização. Se por um lado eles atendem uma demanda científica, tecnológica e mercadológica, por outro, a sua introdução, sem a devida cautela e análise, põe em risco a saúde das pessoas e o equilíbrio dos ecossistemas.

Nas últimas décadas, o mundo vem experimentando um fenômeno que apresenta reflexos no campo da economia, política, sociedade, cultura e, até mesmo, na alimentação, é a globalização (SANTOS, 2002). Trata-se de um acontecimento multifacetado com dimensões religiosas, políticas, sociais e jurídicas interligadas, tendo no capitalismo um dos seus principais aspectos difundidos.

Ao longo da história, a globalização já viveu diversas fases. Desde de seu início com as expansões marítimas no século XV, começo da integração de mercados internacionais e mudanças na estrutura social; à segunda fase com a expansão da dominação europeia sobre a Ásia e África, e intensificação na interligação dos mercados; passando pela terceira fase, com o fim da Segunda Guerra Mundial e da Guerra Fria com grandes avanços na tecnologia; culminando com a quarta fase, vivida até os dias de hoje, marcada pelo encurtamento das distâncias (PENA, 2018).

As transformações enfrentadas pela globalização também se refletiram na economia. O capitalismo, sistema econômico existente na atual realidade globalizada, caracteriza-se pelas relações de produção assalariadas, nele o trabalho gira ao redor da obtenção de capital e da geração de lucro, a mais valia. Para isso, prega-se a subordinação dos interesses do trabalho ao capital, posição de destaque às multinacionais (SANTOS, 2002), o consumismo, livre comércio e indústria, entre outros. Segundo Santos (2002), as amplitudes e os aprofundamentos das interações transacionais permitiram ao mundo vivenciar um acontecimento multifacetado, com reflexos no campo da economia, política, sociedade, cultura e até mesmo na alimentação, trata-se da globalização. O processo de globalização conduz à uniformização de características, contudo, esse fenômeno está longe de ser consensual. Há um vasto e intenso conflito entre grupos sociais, Estados e interesses hegemônicos, de um lado, e por outros grupos sociais, Estados e interesses subalternos de outro.

Para Giddens (1991, p. 64), a globalização compreende “a intensificação das relações sociais globais, as quais interligam localidades distantes de forma que acontecimentos locais são moldados por eventos que ocorrem a muitas milhas de distância, e vice-versa”. Ou seja, para ele, a globalização é uma consequência da modernidade, na qual as relações sociais em âmbito mundial se tornam mais ativas, o que gera um encurtamento de distâncias.

Contudo, ao mesmo tempo que o fenômeno da globalização causa uma aproximação das diversidades, ele gera uma padronização, uma uniformização, seja do modo de produção, da economia, da política, da cultura, da maneira de se vestir ou se comportar e, até mesmo, da forma de se alimentar. Isto é, se por um lado a globalização leva à aproximação de culturas diferentes, por

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outro lado ela ocasiona uma certa homogeneização, perda das particularidades, o mundo todo se torna cada vez mais parecido, assim como as pessoas que nele vivem (FONSECA, 2011).

Santos (2002) ressalta que a globalização pode ser distinta em dois processos: a globalização hegemônica e a contra-hegemônica. A hegemônica é a tendência mundial predominante de uniformização em diversos aspectos: jurídicos, políticos, econômicos, culturais, entre outros. Este fenômeno tem atrelado a si o globalismo localizado, que diz respeito às influências das práticas transnacionais nas culturas locais, bem como o localismo globalizado, pelo qual determinado acontecimento local é globalizado com sucesso, como é o caso das multinacionais, da língua inglesa e das cadeias de comida rápida. Interessante perceber que até propriamente o termo “cultura” passa uma ideia de local, logo ao se falar em “localismo globalizado”, esta concepção já traz consigo um valor de cultura global (FONSECA, 2011).

Nesse sentido, Santos (2002, p. 63) afirma que “no processo de produção da globalização, o que se globaliza é o vencedor de uma luta pela apropriação ou pela valorização dos recursos ou pelo reconhecimento da diferença”. Ou seja, é como se ocorresse uma “desterritorialização”, como um enfraquecimento das amarras culturais em razão da interconectividade gerada pelo processo de globalização (TOMLINSON, 1999) e, com isso, uma determinada condição peculiar que é tida como útil, em qualquer parte, é incorporada e universalizada no processo de globalização pelas vantagens que pode trazer.

Apesar disso, é importante ressaltar que a adoção das influencias globalizantes não ocorre de modo igual em todo o planeta, tanto existe a adaptação destas características às realidades locais, como há “ilhas de resistência” à adesão desse fenômeno. A própria globalização contra hegemônica representa uma resistência, são iniciativas locais de oposição à globalização hegemônica, isto é, oposição às pressões mundiais de padronização (SANTOS 2002), o que se reflete, por exemplo, em um resgate ao modo de produção agrícola tradicional, familiar e sustentável.

No que diz respeito aos alimentos, os transgênicos se alinham ao processo da globalização, em particular à tendência hegemônica, pois sua condição própria de melhoramento genético com a finalidade de potencializar uma determinada qualidade, aumentar a resistência, entre outros fins, justificam sua difusão e apoio, afinal, coadunam-se à lógica da realidade globalizada guiada pelo mercado. Em outras palavras se quer dizer que esses alimentos permitem uma produção em larga escala, por meio das transnacionais, e em menor tempo que um alimento convencional, em razão das técnicas de engenharia genética presentes em seu cultivo e fabricação, o que tem o poder de potencializar a comercialização.

As multinacionais fazem uso de modernas técnicas para propiciar produções que permitam a obtenção do lucro com o menor dispêndio de tempo e capital possível. No ramo dos transgênicos, um

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pequeno número de empresas exerce o monopólio sobre o mercado mundial e domina a cadeia agroalimentar, desde a produção de sementes até o transporte e exportação (THUSWOHL, 2013).

A globalização tem imposto aos países (desenvolvidos ou não) serem menos atentos com as questões ambientais diante da competitividade econômica. Esse fato agrava-se nos países menos desenvolvidos, tendo em vista que quanto maior a população, maior é a pobreza, e menores os recursos econômicos para a recuperação, preservação e educação ambiental (MIRANDA; HANSEL, 2006).

Esses fatos se observam nos dados. Dezessete anos após a sua introdução, em 1996, variedades transgênicas são cultivadas em 28 países, em uma área total de 170,3 milhões de hectares. Em 2012, pela primeira vez, os países em desenvolvimento plantaram mais transgênicos (52%) do que os países industrializados (48%). Além disso, o ISAAA estima que 90% dos 17,3 milhões de agricultores que cultivaram transgênicos em 2012 eram pequenos produtores de países em desenvolvimento (ALMEIDA, 2015).

Segundo Shiva (2004), vive-se uma era de produção desmedida de ignorância sobre os riscos ecológicos, que destrói o estilo de vida ecologicamente sustentável de comunidades tribais e artesanais ao redor do mundo. Para grande parte da população mais pobre do planeta, seu sustento vem da natureza e tem sido ameaçado pela degradação do meio ambiente, a consequência é o patenteamento e o monopólio de suas plantas e sementes, com a desvalorização do conhecimento tradicional. O livre comércio global intensificou a devastação ambiental, uma vez que a economia internacional controlada pelas empresas de nações desenvolvidas, exploram cada vez mais os recursos dos países periféricos e semiperiféricos em suas atividades globais. A base da sobrevivência dos pobres é agora matéria-prima para os negócios e indústrias globais conduzindo ao lançamento de novas tecnologias como a biotecnologia (SHIVA, 2004).

A competitividade econômica internacional se traduz, no contexto do meio ambiente, na competição das grandes empresas pelos recursos naturais que os países pobres precisam para sua sobrevivência. A globalização e a liberação do comércio criam o crescimento da destruição do meio ambiente e dos meios de vida tradicionais e sustentáveis (SHIVA, 2004). Paradoxalmente, as comunidades indígenas e locais são reconhecidas como proprietárias da diversidade biológica, do conhecimento e da tecnologia para a sua utilização sustentável, segundo a Convenção sobre a Biodiversidade (SANTOS, 2004).

Logo, no campo das demandas ambientais, o discurso hegemônico do mercado, inclusive, no meio rural faz surgir o agronegócio que ganha corpo e toma forma financiado pelo capital e pelos países do norte, desenvolvidos. Por outro lado, o discurso contra hegemônico da sustentabilidade e da preservação da biodiversidade é negligenciado e posto em segundo plano.

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Para Marcuse (1973), no atual capitalismo, as pessoas se submetem a um modo de vida de consenso inquestionável aos valores do mercado, ou seja, está-se sob o domínio do homem unidimensional, aquele que pertence a uma sociedade globalizada e faz avançar pressupostos mercadológicos além do terreno econômico para o social, político, cultural, científico, tecnológico, entre outros.

Assim, vivemos em uma sociedade consumista alimentada pelo capitalismo na era da globalização, na qual o que somos capazes de consumir define quem somos. Dessa forma, a cidadania é expressa através das relações de consumo.

No mundo contemporâneo, o consumidor é produzido antes mesmo de se produzir o produto (SANTOS, 2001), uma vez que as necessidades são fabricadas, e, consequentemente, quanto mais carências, maior a demanda, o comércio e o lucro.

Nesse sentido, Santos (2001, p. 129) assevera:

Nessa situação, as técnicas, a velocidade e a potência criam desigualdades e, paralelamente necessidades, porque não há satisfação para todos. Não é que a produção necessária seja globalmente impossível. Mas o que é produzido - necessária ou desnecessariamente - é desigualmente distribuído.

Isto significa que a produção artificial de carências, no mundo globalizado, gera um consumo desigual, em virtude, não da limitação de produção, mas, sobretudo, em razão da desigual distribuição, levando à escassez.

As necessidades existem para todos, contudo, o consumo desproporcional por algumas camadas da sociedade, em virtude do fomento de infinitas demandas criadas pelo mercado, gera não só o desequilíbrio entre o que é produzido e as reais carências, como também conduz a insuficiência, aprofunda as desigualdades e degrada o meio ambiente. A evolução da tecnologia e da ciência impulsionadas pelo modelo econômico vigente teve, como consequência, a degradação dos recursos naturais, pondo em risco a vida humana e de outras espécies.

Nesse sentido, Bauman (2016) denomina estado de crise, uma realidade na qual a soberania dos mercados sobrepõe-se à soberania dos estados, isto é, a lógica mercadológica conduz a atuação política das nações modernas. Contudo, conforme afirma o próprio Bauman (2016, p. 19) “estamos dolorosamente conscientes de que, se deixados a seus próprios mecanismos, os mercados voltados para o lucro levam a catástrofes econômicas e sociais”. Isso porque a lógica do mercado conduz a uma realidade de desgaste, cada vez maior, das relações sociais e ao esgotamento dos recursos

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naturais do planeta. A dialética da exploração não se sustenta, a falência do meio ambiente implica não só o fim do homem, mas também das condições de vida na Terra.

Portanto, como anteriormente afirmado, a globalização tem imposto aos países o descaso com as questões ambientais, em troca de uma maior competitividade, o que tem levado aos riscos ecológicos, os quais ameaçam os seres humanos de várias formas (HANSEL e CALGARO, 2007).

4 SOCIEDADE, RISCO E INCERTEZAS: REFLEXÕES FINAIS

É perceptível que se vive nos dias atuais uma ruptura dentro da modernidade, em razão da profunda transformação na coletividade, a qual faz surgir uma sociedade de risco. Neste cenário, a antiga concepção de controlabilidade, segurança e certeza, tão comuns à primeira fase da modernidade, entram em colapso, pois, novos tipos de capitalismo, sociedade, economia e percepção do ser humano surgem com a segunda modernidade, originando uma nova referência (BECK, 2010).

Para o citado autor passou-se da lógica da distribuição de riquezas na sociedade da escassez, para a da distribuição de riscos na modernidade tardia, em razão do nível atingido pelas forças produtivas e tecnológicas, bem como dos perigos e potenciais ameaças alcançadas por elas. Essa nova fase da modernidade caracteriza-se pela globalização e pelos avanços tecnológicos além de ser em si, ao mesmo tempo, uma problemática e um tema para análise sendo também intitulada de modernidade reflexiva.

O significado do risco diz respeito a perigos futuros tematizados no presente resultantes dos avanços civilizatórios. Os riscos significam, historicamente, oportunidades e perigo como ocorreu nas grandes navegações e na industrialização, representam um modelo de pensamento social confrontado com a abertura e a insegurança e não mais determinado pela religião, tradição ou poder superior da natureza (BECK, 2007). Se antigamente os riscos eram, em sua maior parte, individuais, hoje são situações de ameaça global, a própria palavra “risco” trazia em si, há séculos atrás, um sentido de ousadia e aventura e não de possível autodestruição da vida na Terra. Em outras palavras, o risco é o perigo em potencial, universal na sociedade contemporânea, isto é, globalizado, para todos independente da classe social, e representa oportunidades de mercado, sob a regência da ciência, da mídia e da informação. O que quer dizer que, a mercantilização do risco ocorre na medida em que o conhecimento, principal matéria prima da modernidade, é produzida através da ciência e difundida por meio dos veículos de comunicação. Trata-se de uma irresponsabilidade organizada, onde as corporações, a ciência e o Estado se unem para compactuar com riscos que nem eles conhecem os efeitos (BECK, 2010).

Segundo Lenzi (2006, p. 132) “perigos e riscos acompanham a história humana desde o seu início e, de certo modo, o risco pode ser visto como um fenômeno inerente a toda e qualquer ação

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humana”, tal conceito permite concluir que os riscos variam de acordo com a época. Na contemporaneidade, por exemplo, os riscos não se limitam ao ambiente, abarcam a saúde, insegurança laboral, entre outros.

Os impulsos dados às inovações fizeram surgir riscos até então inexistentes, é em razão disso que não se sabe os perigos que se corre com os alimentos geneticamente modificados, para exemplificar (HANSEL; CALGARO, 2007).

Nesse sentido, afirma Beck (1992, p.27):

Muitos dos mais novos riscos (contaminações nucleares e químicas, poluentes em gêneros alimentícios, doenças da civilização) escapam completamente da capacidade humana de percepção direta para as vítimas; perigos que, em alguns casos, podem nem produzir efeitos no tempo da vida dos atingidos, somente durante aquele de suas crianças; perigo que seja como for, requerem os “órgãos sensores” da ciência – teorias, experimentos, instrumentos de medida – a fim de torná-los visíveis ou interpretáveis como perigos.

Os riscos estão em todos os lugares, a incerteza passou a ser uma constante e sua percepção através do conhecimento científico é essencial para identificar as próximas vítimas. Isto é, a ciência passa a ter uma relevância cada vez maior em elucidar para a sociedade os perigos das novas tecnologias e prever seus potenciais vítimas.

Para Beck (2010), a sociedade de risco é essa na qual a incerteza prepondera, portanto, é difícil limitar o que é ou não tóxico, o que pode ou não contaminar pessoas e o meio ambiente, já que diante das novas tecnologias ainda não existem estudos conclusivos e a praxe é liberar as substâncias duvidosas no ambiente. Ocorre que, em decorrência da própria incerteza não se pode determinar com precisão o que de fato representa perigo ou não, portanto, a elucidação do que é um risco envolve a produção do conhecimento sobre os riscos, a disseminação desse conhecimento através da mídia e a recepção e reação a essa noção. São essas percepções que influenciam a informação, as notícias, os dados e o próprio conhecimento em relação aos perigos ambientais (LENZI, 2006).

O sistema econômico estimula a crise ambiental na proporção em que excita a acumulação de riquezas, a geração do lucro provoca uma dependência ao sistema e torna as pessoas cada vez mais consumistas (HANSEL; CALGARO, 2007).

O sentido da descartabilidade de tudo, inclusive do ser humano, está presente no modelo desenvolvimentista que prioriza o mercado, o qual ao mesmo tempo que ensejou avanços nas ciências, não permitiu o acesso de toda a sociedade a essas inovações (HANSEL, 2003). Logo, o

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relevante em uma sociedade de consumo é consumir e não produzir condições de vida digna, até mesmo o próprio indivíduo é transformado em mercadoria.

O consumismo cego é uma das características da pós-modernidade, cenário no qual, segundo Beck (2010), é clara uma ruptura dentro da modernidade, em razão de profunda transformação na coletividade, fazendo surgir uma sociedade de risco.

Os antigos entendimentos sobre segurança e certeza, não possuem mais o crédito anteriormente dado, já que emerge uma sociedade que reconhece os benefícios da tecnologia, mas também tem ciência das suas consequências indesejadas.

A nova modernidade, ou modernidade reflexiva, não é nada mais do que aquela presente na sociedade industrial, se tornando global ou reflexiva (Beck, 1997). Segundo Giddens (2004) quando a sociedade era guiada pelos costumes e tradições, se vivia de maneira mais irrefletida. Já na contemporaneidade, a ciência e a tecnologia interferem nas decisões individuais e colocam a sociedade cara a cara com os riscos das incertezas científicas.

Enquanto que na sociedade industrial os riscos estavam ligados à distribuição de riquezas, na sociedade de risco a disputa é, primordialmente, no sentido de se evitar os males advindos da modernização, como o risco nuclear, genético e químico. Dessa maneira, os riscos ecológicos de grandes consequências não atingem apenas uma determinada classe social, pois não seguem a segregação social tradicionalmente observada, uma vez que todos sofrem seus impactos independente da religião, cor da pele ou classe social (LENZI, 2006).

De acordo com a modernidade reflexiva, a crise ambiental se explica pela interação do capitalismo como o industrialismo, pois o capital está nas mãos de poucos que manipulam o mercado, lançando cada vez mais produtos para serem consumidos, o que gera lucro para as empresas e coloca em colapso o meio ambiente. O ciclo de produção e consumo exauri os recursos naturais, leva a incertezas científicas e põe em risco a sociedade (HANSEL; CALGARO, 2007).

Há, nessa nova fase da modernidade, uma elevação do papel da ciência na produção de verdades e, consequentemente, do conhecimento acerca dos riscos, o que aproxima o sistema científico do político. Em verdade, nos últimos dois séculos, a tradição nas sociedades ocidentais foi substituída pelo saber científico, todavia, paradoxalmente, as definições de risco quebram o monopólio da racionalidade científica justamente pelo fato de colocarem em dúvida a certeza da ciência face a incerteza dos novos tempos (BECK, 2007, 2010).

Lenzi (2006) defende que Giddens, assim como Beck, consideram a ciência e a tecnologia responsáveis pela criação de riscos de grandes consequências e geração de incertezas, impulsionando a modernidade reflexiva.

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Os riscos modernos, em particular os ecológicos, configuram traço marcante da modernidade, contudo, a incerteza que paira sobre a sociedade e sobre os avanços científicos e tecnológicos, não invalida, mas pelo contrário, torna necessário o estabelecimento de metas ambientais, primordiais para orientar a interferência no meio ambiente (LENZI, 2006).

Assim, a sociedade de risco representa uma fase de insegurança nos mais diversos âmbitos da vida coletiva em razão das inovações trazidas pela pós modernidade com relativização, inclusive, do saber científico e com potencial para comprometer a sustentabilidade vital do planeta Terra. Nesse contexto, os alimentos geneticamente modificados são um exemplo de novidade tecnológica dos novos tempos, que trazem consigo a imagem do risco e incerteza característicos da sociedade contemporânea.

Dessa forma, estimulados pela realidade mercantilizada da globalização, os avanços biotecnológicos, em particular, expõem aos perigos dessa tecnologia tanto os seres humanos quanto o ambiente, impulsionando a necessidade da realização de pesquisas científicas, com o cuidado que a situação exige, respeitando-se a opinião pública e os instrumentos regulatórios, conscientizando a sociedade e seus representantes sobre as demandas ecológicas, bem como se estimulando a educação ambiental, a sustentabilidade e o consumo racional, como alternativas para propiciar um mínimo equilíbrio dentro dessa complexa estrutura mundial.

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