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SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS: PROBLEMÁTICA, ESTUDO DA LEGISLAÇÃO ATUAL E DA SUA ADEQUAÇÃO FACE À REALIDADE

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Academic year: 2020

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SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS: PROBLEMÁTICA,

ESTUDO DA LEGISLAÇÃO ATUAL E DA SUA

ADEQUAÇÃO FACE À REALIDADE

PSYCHOACTIVE SUBSTANCES: ISSUE, ANALYSIS OF THE CURRENT

LEGISLATION AND ITS APPROPRIATENESS TO THE REALITY

André Jacinto

Mestre em Ciências Farmacêuticas, Faculdade de Farmácia de Lisboa

Sofia Oliveira-Martins

Doutorada em Farmácia, ramo de Farmacoepidemiologia, Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. iMed.UL – Research Institute for Medicines and Pharmaceutical Sciences

Resumo

O consumo de substâncias psicoativas tem acompanhado a humanidade desde os primórdios da civilização, tanto pelas suas propriedades medicinais como para fins religiosos e recreativos. O seu consumo, no entan-to, gera dependência e, subsequentemente, tráfico ilícito. Desde o início do século passado, várias nações e organismos internacionais têm trabalhado – sem sucesso – no desenvolvimento de estratégias de eliminação deste problema. Parte do insucesso advém dos modelos legislativos atuais, uma vez que, quando uma nova substância psicoativa é criada, ocupa um vazio legal, tornando a sua distribuição e consumo livres, sendo necessárias atualizações recorrentes à legislação. Um exemplo desta situação foi o que se verificou nos es-tabelecimentos habitualmente denominados smartshops. Nesse sentido, propomo-nos compilar a legislação

referente às substâncias psicoativas, analisar as suas vantagens e desvantagens e sugerir um novo modelo legislativo, baseado em novos conhecimentos científicos, que permita ultrapassar este problema.

Palavras-chave: Novas substâncias psicoativas, smartshops, legislação.

Abstract

The consumption of psychoactive substances has followed Humanity since the primordial of the civilization, not only by their medicinal proprieties as well as for religious and recreational purposes, however, its usage creates dependence and, subsequently, illicit traffic. Since the beginning of the previous century, many nations and international organisms have worked, without success, in the development of elimination strategies to this problem. Part of this failure is due to the current legal forms, because, when a new psychoactive substance is created, it occupies a legal void, in which its’ distribution and consumption are free, being recurrent updates to the legislation needed. An example of this situation was the one verified in the establishments commonly called smartshops. We purpose to compile the psychoactive substances’

legislation, analyse its’, advantages and disadvantages and to suggest a new legal form, based in new scientific facts, that allows to contour this situation.

Keywords: New psychoactive substances, smartshops, legislation.

Introdução

Para que se possa caracterizar os problemas asso-ciados ao consumo abusivo de algumas substâncias é importante defini-las e classificá-las. Desta forma, surgiram os conceitos de substância psicotrópica e de estupefaciente. Uma substância psicotrópica é qualquer substância medicamentosa que atua sobre o psiquismo, sem distinção entre os seus efeitos

esti-mulantes e depressivos1. Por outro lado, um estupe-faciente, também definido como narcótico, pode ser classificado como uma substância que, geralmente, provoca habituação e cujos efeitos são a supressão da dor e alterações do sistema nervoso, tendo con-sequências nocivas para a saúde tanto a nível físico como mental2. A legislação nacional sobre a matéria, nomeadamente o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro,

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que regula o regime do tráfico e consumo de «estupe-facientes e psicotrópicos», e posteriores, não fornece uma definição exata destes termos, reportando-se a estas substâncias em função da sua classificação numa das seis tabelas que são parte integrante dos mesmos documentos legislativos. Publicações mais recentes adotaram um terceiro termo, mais genérico e abrangente, o de substância psicoativa, sendo esta qualquer substância que tenha efeitos psíquicos, me-dicamentosa ou não.

Na sociedade atual, a saúde é tida como um bem essencial e um direito de todos os seres humanos3.

Assim, com o intuito de manter um elevado nível de saúde pública, é necessário identificar e controlar os fatores que o possam reduzir, sendo um deles o con-sumo abusivo de substâncias psicoativas. As substân-cias psicoativas mais consumidas são extraídas (ou são análogos sintéticos) de plantas com propriedades psicoativas, cujo consumo tem um longo historial na sociedade4. De facto, já na Antiguidade as

proprieda-des psicoativas proprieda-destas plantas foram reconhecidas, e por isso mesmo foram utilizadas para fins medicinais ou recreativos até meados dos séculos XVIII e XIX, muitas vezes sem qualquer tipo de controlo.

Em todas as substâncias psicoativas é possível iden-tificar alguns pontos comuns, podendo-se destacar o aspeto prejudicial para a saúde, com o seu consumo abusivo, e também o facto do desconhecimento das suas propriedades aditivas, e outros malefícios, ter contribuído para o enraizamento do consumo destas substâncias na sociedade.

Problemática – Novas Substâncias

Psicoativas

Paralelamente às substâncias psicoativas «clássicas», isto é, substâncias psicoativas cujo uso para fins re-creativos existe já há décadas, ou até mesmo séculos, e que por isso se encontram controladas a nível inter-nacional, como a heroína, a cocaína ou o tetrahidro-canabinol (THC), verificou-se recentemente o apa-recimento de novas substâncias psicoativas (NSP) e, com o decorrer do tempo, o aumento da sua taxa de consumo. Este grupo de substâncias é vasto, visto que os seus constituintes têm origem, mecanismo de ação e efeitos no ser humano muito variados.

Deste modo, fazem parte das NSP, entre muitos ou-tros, derivados das fenetilaminas, das triptaminas, das catinonas e da cocaína, assim como canabinoides sintéticos e também os constituintes ativos de plantas ou fungos, como a Salvia divinorum, a Mitragyna speciosa e

o Amanita muscaria. Estas substâncias têm também

al-vos moleculares muito distintos, como as

monoamino-xidases, os recetores dos canabinoides ou os recetores do GABA, podendo ter, por isso, efeitos depressivos ou estimulantes do sistema nervoso central4.

Apesar de todas as diferenças previamente mencio-nadas, todas as NSP partilham entre si o facto de serem substâncias cujo consumo, para fins recreati-vos, é recente. Neste sentido, podem-se incluir subs-tâncias novas, como os canabinoides sintéticos, mas também os constituintes ativos do Amanita muscaria,

cujos efeitos psicotrópicos estavam discriminados mas sem que fosse reconhecido o seu consumo para fins recreativos.

Por serem substâncias novas, a produção, distri-buição, importação, exportação, divulgação, venda, disponibilização e consumo das NSP não se encon-travam legisladas, e por isso podiam ser livremente comercializadas. Este facto contribuiu para a criação de uma nova designação das NSP, a de «legal highs»

(drogas legais). Este vazio legal foi colmatado, em Portugal, a 17 de abril de 2013, com a publicação do Decreto-Lei n.º 54/2013 e da Portaria n.º 154/2013, que legislaram e proibiram as referidas atividades de 159 NSP comercializadas. No entanto, foi já reportada a existência de NSP não referidas na legislação que, por terem surgido após a publicação dos devidos do-cumentos legais, gozam do mesmo vazio legal que as suas antecessoras.

Padrão de Consumo das NSP

O consumo de NSP provoca efeitos nefastos na so-ciedade, não só pelos seus impactos diretos na saú-de pública, mas também pela criação saú-de um mercado de produção e distribuição associado a este5. Como

o próprio nome indica, o fenómeno das NSP é re-cente. Nos últimos anos, foi registado um aumento recorrente não só da prevalência de consumo des-tas substâncias, mas também do próprio número de NSP identificadas, isto é, enquanto no final de 2009 estavam identificadas 166 NSP, em 2012 estavam já identificadas 251 NSP, traduzindo-se num ritmo de aparecimento médio de duas a três NSP por mês, du-rante este período. Neste intervalo, pela primeira vez, o número de NSP identificadas ultrapassou o valor de substâncias psicoativas já sujeitas a controlo interna-cional (234). Apesar de as prevalências de consumo das NSP serem mais elevadas na Europa e na América do Norte, crê-se que estas são produzidas, principal-mente, no Este e Sudeste asiáticos, em países cujas indústrias química e farmacêutica são mais desenvol-vidas4. Em 2013, o número de NSP atingiu um novo

máximo, com 348 NSP identificadas, ou seja, surgi-ram mais de oito por mês, no período compreendido

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entre 2012 e 2013. Também em 2013 foi reconhecida a escala global do seu consumo, tendo-se registado o maior aumento da prevalência de consumo na Europa e em África6.

Na Europa, em 2011, estimou-se que cerca de 5 por cento dos jovens entre os 15 e os 24 anos de idade já tinham consumido NSP, estando a prevalência de consumo, na maioria dos países, entre 3 e 5 por cen-to. Na Letónia, Polónia e Reino Unido verificaram-se, porém, prevalências de consumo de 10 por cento, e na Irlanda de 16 por cento, estando por isso o consumo de NSP nestes países muito acima da média europeia5.

Em Portugal, a prevalência de consumo de NSP é in-ferior à média europeia, tendo sido registado, no ano de 2012, uma prevalência de 0,2 por cento em jovens entre os 15 e os 24 anos de idade e de 0,4 por cento em jovens adultos (dos 25 aos 34 anos de idade)7.

Legislação

Convenções das Nações Unidas

Só em 1961 foi realizada a primeira convenção de-dicada às drogas narcóticas, descrevendo quais as substâncias proibidas e quais as medidas políticas capazes de unir a maioria dos países, para combater esta situação. Nesta convenção, emendada em 1972, ficaram estabelecidas as medidas e metas de contro-lo da produção da papoila do ópio, das plantações de coca e de cannabis. Posteriormente foram

adiciona-das novas substâncias ao documento, sendo que em 1990 estavam já regulamentadas mais de 120 plantas, preparações ou substâncias psicoativas, divididas ao longo de quatro tabelas8. Além desta convenção

rea-lizaram-se outras duas – uma em 1971, sobre as subs-tâncias psicotrópicas9, e outra em 1988 –, traçando

metas e estratégias para combater o tráfico ilegal de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas10.

Legislação europeia

Foi a partir das convenções previamente referidas que se desenvolveram as políticas de controlo de substâncias psicoativas na União Europeia. Contu-do, o carácter legislativo dos documentos europeus é pouco específico relativamente aos documentos de cada uma das nações. Isto é, enquanto nas legis-lações acerca de substâncias psicoativas de cada um dos países estão definidas quais as sanções a aplicar em caso de incumprimento do disposto nos referidos documentos legais, nos regulamentos e diretivas dos órgãos europeus apenas é discriminada e definida a proibição das substâncias psicoativas e das substân-cias necessárias à sua produção. Assim, foram criadas autoridades competentes a nível europeu e definidas

estratégias de fiscalização, compelindo os países a reconhecer todas estas e a tratar como criminosos todos os que não cumprirem o definido pela União Europeia, mas deixando ao critério de cada país quais as consequências e sanções aplicáveis.

Decisão 2005/387/JAI do Conselho, de 10 de maio

Esta Decisão do Conselho Europeu consistiu num documento legal essencial para a formulação da re-cente legislação portuguesa referente às NSP, na figu-ra do Decreto-Lei n.º 54/2013, de 17 de abril, dado que implementou um modelo de intercâmbio de informa-ção, avaliação de riscos e controlo de novas substân-cias psicoativas entre os vários países pertencentes à União Europeia.

Alguns dos pontos cruciais desta Decisão foram as próprias definições, âmbito de aplicação e conside-rações prévias a esta. Em primeiro lugar, é de referir que este documento partiu do pressuposto de que a qualidade dos cuidados de saúde humanos e veteri-nários não se poderia deteriorar. Deste modo, qual-quer substância com valor medicinal estabelecido e reconhecido estaria excluída das medidas de controlo apresentadas e sujeita a legislação e controlo próprios. Foi também determinado que a Decisão se referiria apenas a substâncias não incluídas nas tabelas das convenções das Nações Unidas e que apenas seriam considerados os produtos finais, identificando-se as substâncias necessárias à produção destas num ou-tro documento. Foi ainda definido e adoptado nesta Decisão o termo único de nova substância psicoati-va, compreendendo qualquer novo estupefaciente ou psicotrópico, puro ou em preparação.

O protocolo europeu de intercâmbio de informações acerca de NSP previsto nesta Decisão estabelecia o dever de cada Estado-membro de informar a Europol (força policial europeia) e o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT) acerca do fabrico, tráfico e utilização, incluindo informa-ções complementares sobre a sua eventual utiliza-ção médica, de NSP e de preparações que contenham essas substâncias. Estas duas entidades passaram a ter a obrigação de comunicar estas informações aos representantes nacionais da Europol e da Rede Europeia de Informação sobre a Droga e a Toxicode-pendência (REITOX), a cada Estado-membro, assim como à Comissão Europeia e à Agência Europeia de Medicamentos (EMEA, atual EMA). Caso a Europol e o OEDT deliberassem que as informações fornecidas por um Estado-membro acerca de uma NSP justificassem a recolha de informações adicionais,

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deveriam compilá-las e apresentá-las ao Conselho Europeu, à EMEA e à Comissão Europeia, sob a forma de relatório conjunto. Este relatório deveria incluir informações como as propriedades físico-químicas e farmacológicas da substância, o envolvimento da criminalidade organizada na produção e no tráfico da mesma e uma primeira indicação dos riscos, sociais e para a saúde, associados ao seu consumo.

Ficou também estipulado que o Conselho Europeu poderia solicitar uma avaliação mais detalhada dos riscos associados a qualquer NSP, pedindo ao OEDT a elaboração de um relatório de avaliação dos riscos, podendo ainda, a partir deste relatório, a Comissão Europeia apresentar ao Conselho Europeu uma inicia-tiva para sujeitar as NSP a medidas de controlo. Caso o Conselho decidisse submeter as NSP a medidas de controlo, os Estados-membros deveriam adotar, com a maior brevidade possível e no prazo máximo de um ano desde a data da Decisão, as medidas necessárias e as sanções de controlo, segundo o respectivo direito interno e em cumprimento das suas obrigações de-correntes das convenções das Nações Unidas de 1961 e de 1971. Por último, ficou também definido que o OEDT e a Europol deveriam apresentar um relatório anual ao Parlamento Europeu, cobrindo todos os as-pectos necessários para uma avaliação da eficácia e dos resultados do sistema instituído11.

Legislação portuguesa

DL n.º 15/93, de 22 de janeiro

Também a legislação portuguesa foi formulada ba-seando-se nas normas impostas nas convenções das Nações Unidas de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas e ainda na convenção contra o tráfico ilegal destas substâncias. Assim, em 1993 foi aprova-do o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que tem como objeco a definição do regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas. Até à data, este já sofreu alterações em 19 ocasiões, sendo a adição de substâncias às tabelas a razão da maioria destas modificações. Assim, neste Decreto-Lei, as plantas, as preparações ou as substân-cias sujeitas a controlo foram separadas em seis tabelas (I-VI), tendo as primeiras quatro um regime jurídico e entidades reguladoras distintos das últimas duas. Neste DL ficaram igualmente definidas quais as enti-dades reguladoras e as autorienti-dades responsáveis dos vários elementos das tabelas. Assim, competiria ao Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, agora denominado INFARMED – Autoridade Nacio-nal do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., esta-belecer condicionamentos e conceder autorizações

para o cultivo, produção, fabrico, emprego, comércio, distribuição, importação, exportação, trânsito, trans-porte, detenção por qualquer título e uso de plantas, substâncias e preparações identificadas nas tabelas I a IV, dentro dos limites das necessidades do país12.

A regulamentação do consumo e da procura de tra-tamento da dependência de substâncias psicoativas ficou determinada neste DL. No texto original, es-crito em 1993, no artigo 40.º, podia ler-se que quem consumisse, ou, para o seu consumo, cultivasse, ad-quirisse ou detivesse plantas, substâncias ou prepa-rações compreendidas nas tabelas I a IV, seria punido e, além disto, se a quantidade de plantas, substâncias ou preparações cultivada, detida ou adquirida pelas autoridades excedesse a necessária para o consu-mo médio individual durante o período de três dias, a pena aplicada seria a de prisão até um ano ou de multa até 120 dias12. No entanto, com a aprovação da

Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, este artigo foi revogado, com excepção do respeitante ao cultivo, passando Portugal a ser dos poucos países do mundo, e o primeiro da Europa, onde o consumo de drogas, leves ou pesadas, passou a estar descriminalizado13.

Neste regime jurídico ficou então estipulado que a aquisição e a detenção, para consumo próprio, das substâncias, plantas ou preparações que estivessem compreendidas nas tabelas I a IV não poderiam ex-ceder a quantidade necessária para o consumo médio individual durante dez dias14.

No DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, estavam definidas as condicionantes inerentes à dispensa, por parte do far-macêutico, de substâncias presentes nas tabelas, sen-do necessária a apresentação de receita médica normal para as substâncias na tabela IV e receita médica espe-cial para as constantes nas tabelas I a III, assim como o protocolo associado aos casos de urgente necessidade.

DL n.º 54/2013, de 17 de abril

Tal como foi mencionado previamente, o ritmo de ino-vação sob o qual eram criadas as NSP ultrapassava os meios previstos na legislação, isto é, o DL n.º 15/93, de 22 de janeiro. Assim, sabendo que o grau de dependên-cia, física e psicológica, provocado por estas substâncias se aproximava, e em determinadas situações excedia, aquele que era causado por muitas substâncias ilícitas «convencionais», e tendo sido identificado clinicamen-te um nexo de causalidade com distúrbios psiquiátri-cos, neurológicos e cardíacos graves, foi elaborado e aprovado o DL n.º 54/2013, de 17 de abril.

Neste documento foi definido qual o regime jurídico da prevenção e proteção contra a publicidade e o co-mércio das NSP, isto é, definiu, classificou, proibiu,

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definiu autoridades competentes e previu as sanções a quem não cumprisse o que dispunha. Desta forma, as NSP, quer em estado puro ou numa preparação, foram definidas como sendo substâncias não especi-ficamente enquadradas e controladas ao abrigo de le-gislação própria. Estas podiam constituir uma amea-ça para a saúde pública comparável à das substâncias previstas naquela legislação, com perigo para a vida ou para a saúde e integridade física, devido aos efeitos no sistema nervoso central, capazes de induzir alte-rações significativas a nível da função motora, bem como das funções mentais, designadamente do racio-cínio, juízo crítico e comportamento, muitas vezes com estados de delírio, alucinações ou extrema eufo-ria, podendo causar dependência e, em certos casos, produzir danos duradouros, ou mesmo permanentes, sobre a saúde dos consumidores. A classificação de substâncias, bem como os derivados, os isómeros e os sais daquelas substâncias, como NSP ficou ao encar-go do membro do Governo responsável pela saúde, definindo as mesmas através de uma lista a aprovar por portaria, sendo a única portaria aprovada até à data, e que está em vigor, a Portaria n.º 154/2013, de 17 de abril. Além disso, neste DL, ficaram definidas as autoridades responsáveis sobre este assunto15.

A Problemática das Smartshops

Na sequência do mencionado anteriormente, um dos fatores essenciais do problema das NSP era a sua livre comercialização. A aquisição de NSP, em Portugal, pôde ser feita através de vários meios, dos quais se podem destacar a compra através de amigos (13,8 por cento) e através das smartshops (53,1 por cento), sendo

este último o principal meio de obtenção de NSP por parte de estudantes universitários16.

As smartshops são locais de venda que publicitam e

vendem, como inócuas para a saúde, drogas, plan-tas e fungos que são objeto de alerta por instâncias internacionais e pela União Europeia. Nestes locais, as NSP são comercializadas sob a forma de incensos, sais de banho, pílulas, ervas, fungos ou fertilizantes, sem menção das suas propriedades farmacológicas17. Embora o aparecimento das smartshops seja um

fe-nómeno recente em Portugal, datando a abertura da primeira loja, tanto física como online, Cogumelo

Má-gico, de 200718, estas existem desde a década de 1990 na Holanda19 e desde 2000 na Irlanda20.

Posteriormente, abriram várias smartshops em

Portugal, assumindo a cadeia de lojas Magic Mushroom a liderança do mercado21, com uma de-zena de lojas físicas em funcionamento simultâneo e uma loja online22. Assim, em 2012 existiam já cerca

de 40 smartshops em todo o território português23, que

foram encerradas em termos físicos pela autoridade competente, em abril de 2013, com a aprovação de DL n.º 54/2013, de 17 de abril, continuando no entanto abertos, até à atualidade, os seus websites21,24.

Com o aparecimento da primeira smartshop em Portugal

surgiram dúvidas quanto à legalidade dos produtos lá vendidos. Desta desconfiança resultou uma acusa-ção e julgamento do proprietário de uma destas lojas, pelo crime de tráfico de estupefacientes, do qual foi ilibado25. A expansão da rede de smartshops resultou

num aumento do número de internamentos de jovens com crises resultantes do consumo de «legal highs»,

tendo sido confirmada, no final de 2012, a relação en-tre mais de 30 complicações de saúde e o consumo abusivo de NSP. Além destas situações, houve tam-bém a suspeita de que o consumo destas substâncias tivesse provocado duas mortes26. Todos estes fatores culminaram em contestação social relativamente à existência destes estabelecimentos, pressionando as entidades reguladoras a criar medidas que permi-tissem o controlo dos produtos comercializados nas

smartshops23.

Assim, a 17 de abril de 2013 foi aprovado o DL que tor-nou ilegal a produção, distribuição, venda e consumo de cerca de 160 NSP, todas vendidas em smartshops15.

No entanto, esta proibição não resolve definitivamen-te o problema associado às NSP, visto estas definitivamen-terem um padrão de aparecimento de tipo hidra4, ou seja, com

um carácter de drug-by-design e um ritmo de

apareci-mento de substâncias novas tão elevado, a proibição de NSP apenas resulta na ocupação desses nichos de mercado por novas substâncias, sobre as quais ainda não existem documentos legislativos27.

Perante o intervalo de seis anos em que muitas destas NSP foram comercializadas e consumidas livremen-te, torna-se premente determinar em que princípios assenta a legislação em vigor e, se os houver, quais os pontos que necessitam de modificações que permitam resolver a problemática das NSP de forma eficiente.

Proposta de Alteração à Legislação

Durante muito tempo, o número de substâncias psi-coativas disponíveis para consumo foi bastante re-duzido, sendo o mercado constituído, quase exclu-sivamente, pela heroína, pela cocaína, pela cannabis

e por algumas anfetaminas. Não só as suas grandes prevalências de consumo e os efeitos nefastos a nível pessoal e para a saúde pública justificavam, como ain-da justificam o grande foco de atenção que lhes era atribuído pelas diferentes legislações de controlo do tráfico e consumo de substâncias psicoativas. Neste

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sentido, os modelos legislativos foram desenvolvidos através de um sistema discriminativo individual de substâncias, no qual quaisquer substâncias que es-tivessem nos referidos documentos legais estavam sujeitas a controlo e a sua produção, distribuição, co-mercialização, posse e consumo era proibida. Mesmo quando, em 1980, o mercado das anfetaminas foi do-minado pela produção de novas substâncias por de-sign, da qual resultaram substâncias como o ecstasy 28,

o número de substâncias psicoativas novas não justi-ficou uma modificação dos modelos legislativos, pelo que estes se mantiveram em vigor até à atualidade. No entanto, as NSP têm um efeito tão ou mais nefasto para a saúde quando comparadas com as drogas «clás-sicas» e, com o ritmo extremamente elevado com que surgem, apresentam-se como um grande desafio para as entidades legisladoras. De facto, estas duas carac-terísticas de NSP estão intimamente ligadas, uma vez que o desenvolvimento do conhecimento científico e de novas técnicas de síntese química tornou possível a concepção de várias substâncias por design, tendo

como ponto de partida as drogas já existentes e os seus farmacóforos, já extensamente estudados. As-sim, muitas NSP têm farmacóforos idênticos aos de outras drogas, pelo que têm o mesmo mecanismo de ação e efeitos semelhantes. Porém, como as molécu-las são efectivamente diferentes, estas NSP gozam de uma lacuna legal que permite a sua produção, distri-buição, comercialização, posse e consumo.

Para combater esta problemática foram desenvolvi-das várias soluções legislativas em Portugal, como a apresentada pelo DL n.º 54/2013, de 17 de abril. Neste, 160 NSP foram discriminadas e consideradas proibi-das, encontrando-se entre elas canabinoides e cocai-náceos sintéticos, assim como algumas substâncias com o núcleo anfetamínico. No entanto, caso sejam criadas NSP com alterações mínimas, estas já não se encontram legisladas e voltam a gozar do mesmo vazio legal, comprovando que o modelo legislativo não é o mais apropriado para lidar com esta proble-mática. Como alternativa, pode-se considerar uma atualização no modo em que é formulada a legislação, recorrendo aos mesmos conhecimentos científicos e farmacológicos que permitem a invenção das NSP. Sabendo que muitos farmacóforos de substâncias psicoativas, como o canabinoide, o opioide, o cocai-náceo e o anfetamínico, entre outros, se encontram já definidos, pode ser feito o estudo, e subsequente formulação, de um documento legislativo que subme-ta a medidas de controlo não só algumas substâncias psicoativas de forma individual, mas também quais-quer substâncias que, na sua composição molecular,

apresentem estes mesmos farmacóforos. Com este modelo legislativo, não só se poderia obviar o pro-cesso de discriminação individual de cada uma das NSP que se enquadram em grupos como o dos cana-binoides sintéticos, o dos derivados da catinona, o da cocaína ou o das triptaminas, cujos farmacóforos já se encontram determinados, como também resulta-ria a salvaguarda de que seresulta-riam proibidas quaisquer NSP que surgissem e fossem classificadas, pelas au-toridades competentes, como pertencentes a um dos grupos discriminados. Isto é, bastaria que uma nova substância fosse classificada como, por exemplo, um canabinoide sintético, para que se encontrasse auto-maticamente e imediatamente sujeita às medidas de controlo respeitantes às restantes NSP, diminuindo a necessidade de constantes atualizações à legislação e controlando, de forma mais eficiente, o aparecimento das drogas por design. Esta proposta de modificação

deixa ainda a oportunidade de discriminar, de forma individual, algumas substâncias específicas, criando-se uma ressalva para o eventual caso de aparecimento de NSP cujos farmacóforos não se encontrem deter-minados e estudados até à altura. Este novo modelo legislativo dependeria, tal como o modelo em vigor na atualidade, do cumprimento dos protocolos de intercâmbio de informações acerca de NSP entre os países e consequente avaliação destes dados através dos canais previamente mencionados, de modo a que se mantenha constantemente atualizado.

Analogamente à legislação referente às NSP, também a legislação geral acerca das substâncias psicoativas poderia seguir este modelo, uma vez que muitos dos farmacóforos de outras substâncias psicoativas se en-contram igualmente descritos, deixando novamente a possibilidade de discriminar, de forma individua-lizada, qualquer substância cujo farmacóforo ainda não tivesse sido estudado.

Deste modo, o modelo legislativo proposto apresen-ta-se como uma solução, baseada no conhecimento científico, para o problema associado ao surgimento de quaisquer NSP e às atualizações legais que estas exigem sem, no entanto, descurar as substâncias psi-coativas previamente descritas e legisladas.

Conclusão

O consumo de substâncias psicoativas de forma ilí-cita é uma das grandes ameaças para a saúde pública atual, sobretudo a nível da população mais jovem. O desenvolvimento científico dos modelos de produção por design provocou um aumento de produção de

no-vas substâncias psicoatino-vas em laboratórios clandes-tinos e, subsequentemente, um aumento do ritmo de

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aparecimento de novas drogas no mercado. Desta si-tuação resultou um problema alarmante para a saúde pública, uma vez que as novas substâncias psicoati-vas, no momento do seu aparecimento, ocupam um vazio legal e, por isso, podem ser livremente comer-cializadas, transmitindo a ideia, errónea, de que o seu consumo não está associado aos riscos do consumo de outras substâncias psicoativas.

Deste modo, é importante estudar e desenvolver no-vos modelos legislatino-vos que respondam de forma adequada e eficaz ao novo paradigma das substâncias psicoativas, tendo como base os mais recentes conhe-cimentos químicos e farmacêuticos.

É assim apresentado um modelo legislativo alternati-vo, que se apresenta como uma proposta de solução viável e moderna, permitindo acompanhar a evolução desta problemática.

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Referências

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