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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

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Academic year: 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO

NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO

RENATA ALVAREZ ROSSI

CONFLITO E REGULAÇÃO DAS ÁGUAS NO SALITRE

BAHIA (1997-2013)

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CONFLITO E REGULAÇÃO DAS ÁGUAS NO SALITRE

BAHIA (1997-2013)

Tese apresentada ao Núcleo de Pós-Graduação em

Administração, Escola de Administração, Universidade

Federal da Bahia, como requisito para a obtenção do

título de Doutora em Administração.

Orientadora: Profª Dra. Maria Elisabete P. dos Santos

Co-orientador: Prof. Dr. José Esteban Castro

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CONFLITO E REGULAÇÃO DAS ÁGUAS NO SALITRE

BAHIA (1997-2013)

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Administração, Escola de Administração, da Universidade Federal da Bahia

Aprovado em 14 de setembro de 2015

Maria Elisabete Pereira dos Santos

Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas Universidade Federal da Bahia

José Esteban Castro

Doutor em Ciência Política pela Oxford University University of Newcastle upon Tyne

Fabya Reis dos Santos

Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento e Gestão Social - CIAGS

Eduardo Costa Pinto

Doutor em Economia da Indústria e da Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro Universidade Federal do Rio de Janeiro

Elsa Sousa Kraychete

Doutora em Administração pela Universidade Federal da Bahia Universidade Federal da Bahia

Luiz Roberto Santos Moraes

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Era o São Francisco, ouviam falar dele em suas terras de sol e seca. Nunca tinham visto tanta água e associavam a visão da água à ideia de fartura, imaginavam que aquelas terras próximas seriam de uma fertilidade assombrosa. E se admiravam que os camponeses chegados da beira do rio fossem andrajosos e fracos, os rostos amarelos de sezão, piolhentos e sujos. Com aquele farturão de água era de esperar que toda gente por ali estivesse nadando em dinheiro. Não tardaram, no entanto, em descobrir que todas aquelas terras ubérrimas pertenciam a uns poucos donos e que aqueles homens magros e paludados trabalhavam em terras dos outros, na enxada de sol a sol, nos campos de ouricuri, nos carnaubais e nas plantações de arroz e algodão, ganhando salários ainda inferiores àqueles que pagavam pelo sertão.

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RESUMO

Este trabalho tem como objeto de estudo o conflito e regulação das águas e como objetivo a análise das contradições entre interesses públicos e privados pelas águas, na bacia hidrográfica do rio Salitre (BA), envolvendo trabalhadores rurais (sem terra e pequenos proprietários) e o agronegócio, no contexto da regulação das águas instituída pela Lei das Águas (Lei no 9.433/97). Trata-se de discutir a seguinte questão: o que caracteriza os conflitos entre interesses públicos e privados pelas águas na bacia hidrográfica do Rio Salitre (BA) envolvendo trabalhadores rurais (sem terra e pequenos proprietários) e o agronegócio, no contexto do atual modelo de regulação das águas? O trabalho discute a tese de que os conflitos no Salitre envolvem o dano provocado ao interesse público, aqui entendido como o interesse pelas condições de produção e reprodução da vida, e que se constituem por meio da organização e da luta política, com uso da água pelo interesse privado como meio para a produção de mercadorias. Nesse caso, a flexibilização da regulação das águas, marcada por pressupostos e instrumentos típicos do mercado, acirram e não equacionam as causas dos conflitos. Esta discussão se justifica pela necessidade de aprofundar o conhecimento sobre o atual padrão de regulação das águas no Brasil e por contribuir para o estudo dos conflitos pelas águas. A experiência escolhida se justifica, pois, no Salitre, a concentração de água tem produzido a concentração de terras e a precarização do trabalho, provocando os conflitos. As principais fontes de pesquisa são documentos oficiais sobre a política e gestão das águas e entrevistas semiestruturadas, além da revisão bibliográfica dos trabalhos de autores como Joachim Hirsch, Alketa Peci, Esteban Castro, Henri Acserald, Andrea Zhouri, entre outros que discutem a complexa relação estado, natureza e sociedade, além de autores associados à vertente neoliberal na discussão sobre a operacionalização da regulação no campo ambiental, como Ronald Coase, Elinor Ostrom, Garrett Hardin e Mancur Olson.

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ABSTRACT

The purpose of this study is to analyze the contradictions between the public and the private interests concerning the waters, located in the basin of Salitre River (BA), involving rural workers (landless and smallholder) and agribusiness in the context of water regulation

established by the Water Law (Law 9,433 / 97). The object of study is the water’s conflict

regulation. The main problem discussed is: what characterizes the conflicts between public and private interests by the waters located in the basin of Salitre River (BA), that involves rural workers (landless and smallholder) and agribusiness, in the context of the current water model regulation? The present study discusses the hypothesis that the conflicts in Salitre involve the clash between the public interest, here understood as the interest in the conditions of production and reproduction of life, that are constituted by the organization and the political struggle, and the private interest, the production of goods. In this case, the flexibility in the regulation of the waters, mainly characterized by assumptions and instruments typical of the market, not only exacerbate but also do not solve the causes of the conflict. This

discussion is justified by the need in deepening the knowledge about the current water’s regulation standards in Brazil, and also by contributing to the study in water’s conflicts. The

Analysis of the Salitre experience is justified by the fact of associating the mentioned conflict to particular ways of access and concentration of land and water, and for their precarious work. The main sources used in this research are official documents about politics and water management, and semi-structured interviews, in addition to literature reviews of some studies of authors like Joachim Hirsch, Alketa Peci, Esteban Castro, Acserald Henri, Andrea Zhouri, and others that also discuss the complex relationship between state, nature and society, as well as authors associated to the neo-liberal approach, which discuss the implementation of regulation in the environmental field, like Ronald Coase, Elinor Ostrom, Garrett Hardin and Mancur Olson.

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Figura 1 Modelo para tipificação de bens e serviços, segundo Elinor Ostrom

(1999) 36

Quadro 1 Comparação entre os modelos regulatórios: Estados Unidos e Brasil 51

Figura 2 Estrutura do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos

Hídricos (SINGREH) 58

Quadro 2 Atribuições dos entes integrantes do SINGREH 59

Figura 3 Evolução da instalação dos Comitês de Bacia no Brasil (1988-2012) 62 Figura 4 Situação da implementação dos Planos Estaduais de Recursos

Hídricos (2012) 65

Figura 5 Pontos de Avaliação do Índice de Conformidade ao Enquadramento

(ICE) 68

Figura 6 Pontos e captação referente a outorgas emitidas em rios de domínio

da União (2012) 71

Figura 7 Situação atual de implantação da Cobrança pelo Uso das Águas 74

Figura 8 Localização da Bacia Hidrográfica do Rio Salitre 104 Quadro 3 Conflitos atuais associados ao impedimento do acesso à água, devido

à construção de barramentos na região do Salitre (Juazeiro, BA) 118 Figura 9 Áreas Irrigadas na Bahia – destaque para região de Juazeiro (BA) 130

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Tabela 1 Casos de conflitos pela água e quantidade de famílias envolvidas

por ano 90

Tabela 2 Produção de Manga no município de Juazeiro (BA) 131

Tabela 3 Produção de Uva no município de Juazeiro (BA) 131

Tabela 4 Produção de Cana-de-Açúcar no município de Juazeiro (BA) 132

Tabela 5 População economicamente ativa por classe de rendimento (%) 133

Tabela 6- Evolução do Índice de Gini – Juazeiro/BA (1920 - 2006) 136

Tabela 7 Unidades e área de estabelecimentos da agricultura familiar 137

Tabela 8 Estabelecimentos com área irrigada, por método utilizado 139

Tabela 9 Outorga e cobrança em perímetros irrigados administrados pela

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ANA Agência Nacional das Águas ACM Antonio Carlos Magalhães

AGEVAP Agência de Bacia Pioneira na Gestão das Águas CAC/CC Cooperativa Agrícola de Cotia Cooperativa Central CEBs Comunidades Eclesiais de Base

CERB Companhia de Infraestrutura Hídrica e de Saneamento do Estado da Bahia CNARH Cadastro Nacional dos Usuários de Recursos Hídricos

CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNRH Conselho Nacional de Recursos Hídricos

CODEVASF Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba COPPETEC Fundação Coordenação de Projetos, Pesquisas e Estudos Tecnológicos CPT Comissão Pastoral da Terra

DGP Diretório de Grupo de Pesquisa

DNAEE Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica EBC Empresa Brasileira de Comunicação

FASE Federação de Órgãos para Assistência Social e Educaciona FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz

FMI Fundo Monetário Internacional FSP Folha de São Paulo

GRH Grupo de Recursos Hídricos

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICE Índice de Conformidade ao Enquadramento IEs Instrumentos Econômicos

IPCC Intergovernmental Panel on Climate Change MAB Movimento por Atingidos por Barragens MARE Ministério da Reforma do Estado

MIT MMA

Massachusetts Institute of Technology Ministério do Meio Ambiente

MS Ministério da Saúde

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ONU Organização das Nações Unidas

PAC Programa de Aceleração do Crescimento PCJ Bacia dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí PERH Planos Estaduais de Recursos Hídricos

PLANGIS Plano de Gerenciamento Integrado da Bacia do Rio Salitre PNRH Plano Nacional de Recursos Hídricos

RHs Regiões Hidrográficas

SABESP Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo SEI Superintendência de Estudos e Informações

SINGREH Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos SNIRH Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos. SUDENE Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste SUVALE Superintendência do Vale do São Francisco

UFBA Universidade Federal da Bahia UHE Usinas Hidrelétricas de Energia

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1 INTRODUÇÃO 15

2 CRISE AMBIENTAL NO CONTEXTO DE GLOBALIZAÇÃO 19

2.1 MUDANÇAS NO MODO DE REGULAÇÃO 22

2.2 REGULAÇÃO ECONÔMICA DA NATUREZA 29

2.3 ÁGUAS COMO MERCADORIA 39

3 FLEXIBILIZAÇÃO DA REGULAÇÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL 49

3.1 FUNDAMENTOS DA LEI DAS ÁGUAS BRASILEIRA (Lei no 9433/97) 54

3.2 DESCENTRALIZAÇÃO E DEMOCRATIZAÇÃO DA GESTÃO 59

3.3 INSTRUMENTOS DE GESTÃO DAS ÁGUAS 64

3.3.1 Plano de Recursos Hídricos 64

3.3.2 Enquadramento dos corpos de água 67

3.3.3 Sistema de Informações 69

3.3.4 A Outorga 70

3.3.5 A Cobrança 73

4 REGULAÇÃO DAS ÁGUAS E CONFLITO 79

4.1 A NATUREZA NO CENTRO DOS CONFLITOS SOCIAIS 81

4.2 ADMINISTRAÇÃO DOS CONFLITOS 86

4.3 CONFLITOS PELAS ÁGUAS NO BRASIL 89

5 METODOLOGIA 94

6 CONFLITOS ENTRE INTERESSES PÚBLICOS E PRIVADOS

PELAS ÁGUAS DO SALITRE 103

6.1 AVANÇO DAS RELAÇÕES DE MERCADO NO SALITRE 106

6.1.1 Interiorização às margens do São Francisco e o Latifúndio Agropastoril 108

6.1.2 Concentração de Água, de Terra e Assalariamento 116

6.1.3 Campo dos Cavalos: Explosão da Contradição sobre as Águas do Salitre 123

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6.3 O PÚBLICO E PRIVADO NO SALITRE 155

7 SEM ÁGUA NÃO ADIANTA TER TERRA 165

REFERÊNCIAS 169

APÊNDICE A - Roteiro de Entrevista – Trabalhadores Rurais do Salitre 183

APÊNDICE B - Roteiro de Entrevista – Dirigentes do MST 184

APÊNDICE C - Roteiro de Entrevista – Representantes do Agronegócio 185

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objeto de estudo o conflito e regulação das águas e como objetivo a análise das contradições entre interesses públicos e privados pelas águas, na bacia hidrográfica do rio Salitre (BA), envolvendo trabalhadores rurais (sem terra e pequenos proprietários) e o agronegócio, no contexto da regulação das águas instituída pela Lei das Águas (Lei no 9.433/97). Os objetivos específicos podem ser assim apresentados: (i) caracterizar a flexibilização da regulação ambiental no contexto de crise da sociedade produtora de mercadorias; (ii) discutir o significado do processo de subordinação do valor de uso pelo valor de troca das águas, em particular, em contextos de escassez (iii) discutir os fundamentos do atual padrão de regulação das águas no Brasil, instituído pela Lei das Águas, e caracterizar a implementação dos instrumentos de gestão das águas, enfocando o significado da descentralização e democratização da gestão; (iv) discutir o processo de avanço das relações de mercado no Salitre e das contradições que envolvem os interesses públicos e privados pelas águas; e (v) caracterizar os conflitos e a regulação das águas no Salitre.

Trata-se de discutir a seguinte questão: o que caracteriza os conflitos entre interesses públicos (coletivos/comuns) e privados pelas águas na bacia hidrográfica do Rio Salitre (BA) envolvendo trabalhadores rurais e o agronegócio, no contexto do atual modelo de regulação das águas? O trabalho discute a tese de que os conflitos no Salitre envolvem o dano provocado ao interesse público, aqui entendido como o interesse pelas condições de produção e reprodução da vida, e que se constituem por meio da organização e da luta política, com uso da água pelo interesse privado como meio para a produção de mercadorias. Nesse caso, a flexibilização da regulação das águas, marcada por pressupostos e instrumentos típicos do mercado, acirram e não equacionam as causas dos conflitos.

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pelos impactos de atividades econômicas intensivas na utilização de água, como ocorre nas atividades de irrigação, setor que consome 70% do total de água utilizada no país. Os efeitos da escassez se agravam quando levamos em conta as desigualdades no acesso a terra, o que se reflete no desequilíbrio das relações de poder no processo de apropriação e acesso à água e no controle da sua gestão. A relevância deste trabalho se explicita, em primeiro lugar, pela atualidade da discussão sobre conflitos ambientais que recupera a necessidade de estabelecermos uma adequada interdependência entre questões sociais e ambientais, considerando a intrínseca relação entre sociedade e natureza. Em segundo lugar, pela necessidade de aprofundar a crítica aos fundamentos do modelo de gestão das águas instituído no Brasil, no atual contexto de regulação, que notadamente atribui um caráter circunstancial aos conflitos, sendo as discussões técnicas relativas ao combate ao desperdício, consideradas suficientes para equacioná-los. Por último, porém não menos relevante, justifica-se por preencher uma lacuna na produção de conhecimento sobre a regulação das águas, visto que parte significativa da literatura sobre este tema no Brasil situa-se no âmbito do paradigma e operacionalização da política e não exatamente no questionamento dos pressupostos que a fundamentam.

A experiência escolhida – localizada na bacia hidrográfica do rio Salitre, região semiárida – se justifica por encontrar nesse território elementos para a reflexão sobre a relação entre interesses públicos, aqui entendido como o interesse pelas condições de produção e reprodução da vida dos trabalhadores rurais da região, e que se constituem por meio da organização e da luta política e interesses privados no acesso às águas, objeto desta investigação. Nesta bacia, os desafios da produção e reprodução da vida dos trabalhadores rurais (sem terra e pequenos proprietários) estão intimamente relacionados ao processo de expansão da atividade do agronegócio, que conta com apoio e incentivo decisivo por parte do Estado. Nesta experiência, a concentração de água produz a concentração de terra e a precarização do trabalho, revelando ser cada vez mais atual o debate sobre as formas de acesso e controle dos bens ambientais, em particular, em regiões semiáridas.

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atuais de regulação da natureza. Enfocamos os trabalhos de autores contemporâneos que discutem a regulação dos bens ambientais desde uma perspectiva que enfoca os instrumentos típicos de mercado e a diluição do papel do Estado como regulador das contraditórias relações entre o público e o privado, e confrontamos com autores de inspiração marxista, cuja abordagem questiona o significado da subordinação do valor de uso pelo valor de troca das águas e, em particular, seus efeitos no acirramento das desigualdades sociais. A abordagem das distintas vertentes, em nosso entendimento, pode contribuir para a problematização do tema.

Este trabalho está composto pelos seguintes capítulos, além desta introdução: o primeiro, dedicado à discussão da crise ambiental no contexto de crise da sociedade produtora de mercadorias, no qual emergem as teses que defendem a subordinação do valor de uso pelo valor de troca da natureza e o primado dos mecanismos de mercado na regulação dos bens ambientais; o segundo, dedicado a discussão do atual padrão de regulação das águas no Brasil, instituído pela Lei no 9.433/1997, quando será enfocado na tensão entre a dimensão econômica das águas como fundamento da gestão (materializada nos instrumentos econômicos) e sua condição de bem universal, além da preponderância de certos usos – o setor de irrigação. O terceiro capítulo discutirá o conceito de conflitos socioambientais, enfocando na vertente da justiça ambiental, que considera que os danos provocados pela atividade de grandes empreendimentos econômicos geralmente recaem sobre parcelas da sociedade mais fragilizadas em termos políticos e econômicos. O quarto capítulo será dedicado a reflexões de natureza teórico-metodológica. O quinto capítulo deve, então, ser dedicado à análise dos conflitos pelas águas da bacia hidrográfica do rio Salitre (BA) envolvendo o agronegócio e os trabalhadores rurais (sem terra e pequenos proprietários) quando, então, buscaremos os elementos que consubstanciem a discussão da hipótese de que os conflitos entre interesse público e privado pelas águas do Salitre repousam sobre a concentração da água e da terra, além da precarização do trabalho. Em seguida, as conclusões da tese e desafios teóricos para o aprofundamento desta discussão, que não se encerra neste trabalho.

(19)

Stigler, Richard Posner, Ronald Coase, Elinor Ostrom, Garrett Hardin e Mancur Olson. As fontes de pesquisa são documentos oficiais, de instituições locais, regionais, nacionais e internacionais relativas à política de gestão das águas (histórico da constituição de mecanismos e instrumentos de gestão, atas de reuniões dos Comitês de bacia, leis, decretos, deliberações e resoluções) e documentos produzidos por movimentos sociais e entidades vinculadas ao agronegócio. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com implementadores da política, com representantes dos segmentos estudados (agronegócio e trabalhadores rurais), com representantes de movimentos sociais e pesquisadores sobre o tema.

(20)

2 CRISE AMBIENTAL NO CONTEXTO DE GLOBALIZAÇÃO

A intensificação da degradação ambiental e os limites para o acesso aos bens da natureza são temas que passam a ocupar a agenda internacional desde finais do século passado. Em 1972, a publicação do Relatório Meadows, resultado do estudo elaborado pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) sob encomenda do Clube de Roma, grupo então formado por intelectuais, empresários e lideranças políticas de vários continentes, ganhou notoriedade. O Relatório foi um alerta sobre os impactos da produção industrial no contexto do modo de acumulação do capitalismo fordista, baseado na produção em escala e na intensiva utilização de recursos naturais não renováveis. Como pano de fundo destas discussões, no entanto, está a profunda crítica à capacidade do Estado de garantir as condições políticas para a manutenção das robustas taxas de acumulação experimentadas durante todo o meado do século XX, através de um modelo de regulação fundado na cooperação intercapitalista entre frações do capital (OLIVEIRA, 1999b) e na harmonização de interesses de classes1, como um meio para realização do planejamento econômico anticíclico e controle das crises (PINTO, 2005).

Desse modo, a identificação dos limites para o crescimento estava muito além das questões relacionadas estritamente ao tema da agenda ambiental e atacava as raízes de uma profunda crise de natureza estrutural do capital. Essa crise, que autores como Mézáros (2002) caracterizam como sendo uma crise de legitimidade de relações sociais hierarquizadas e desiguais, teve como elemento central o acirramento da luta de classes, instigado pela experiência soviética e estimulado, por outro lado, pelo próprio modo de organização da produção fordista, que resultou no fortalecimento da organização sindical. As teses e políticas visando à “harmonia” entre as classes por meio de concessões à classe trabalhadora, como experimentada nas experiências norte americanas do New Deal e europeias do Estado de Bem-Estar (ou como nos países periféricos, não exatamente pela concertação, mas pela coerção das ditaduras militares) e à “harmonia” intraclasse, via incremento da demanda agregada e investimentos no setor produtivo começavam a perder força e, em seu lugar, assumem as políticas de reestruturação produtiva com o foco no enfraquecimento da

(21)

organização dos trabalhadores, por um lado, e, por outro, na redução das taxas de investimento, sobretudo, pelas incertezas do setor produtivo (PINTO, 2005). A saída conservadora para a crise recorre ao deslocamento de recursos para o setor financeiro –

internacionalizado, no que se convencionou chamar de globalização financeira – de tal modo que se aprofunda o desequilíbrio entre a proporção de capital “real”, fruto do processo

produtivo, e do capital “fictício” destinado à especulação. É quando também se destaca o direcionamento de dinheiro público para salvar bancos e instituições financeiras, sem que isso implique na transferência do controle de tais instituições, revelando uma intensa tendência à privatização do Estado (MESZÁROS, 2002). Nesse contexto, a formatação institucional constituída para capitanear a fase pretérita, marcada pela articulação entre estados nacionais, pela coordenação da economia e pelo planejamento de longo prazo, já não correspondia às demandas emanadas da financeirização e transnacionalização do capital em curso. Assim, como afirma Nelson Oliveira (1999),

As apostas num mercado desregulado crescem no mesmo grau da desmoralização das práticas concertadas. Põe-se como exigência uma ruptura com as limitações impostas pelos controles institucionais à valorização dos capitais, em vista de liberdades concorrenciais plenas e da apropriação de novos espaços, num vigor proporcional ao tamanho da própria crise. (OLIVEIRA, 1999, p.137)

Ainda segundo o autor, do ponto de vista ideológico, trabalha-se pela desqualificação das instituições como se tivessem sido estas a causa das turbulências experimentadas, sobretudo, pelas políticas de investimento e distribuição de renda, as quais teriam garantindo um ambiente de equilíbrio social, o “ovo da serpente” da luta de classes e, portanto, nesse

caso, da crise. Desse modo

Nas novas condições que são estabelecidas, continua-se a defender a harmonia, mas esta deixa de ser pressuposto para se transformar numa consequência do lucro. É a queda deste que passa a constituir numa ameaça àquela, não a ausência de sua regulação, como supunha ser a visão socialdemocrata dominante. (OLIVEIRA, 1999, p. 137)

O ataque às instituições e, em particular ao papel do Estado, revela os conflitos na sua relação com o capital (mesmo que, em todo caso, este seja sempre parte do processo de acumulação). Salvaguardando-se em premissas liberais, reanimadas pelas formulações de Friedrich Hayek (1898-1992), os representantes dos interesses privados passam a defender o retorno ao governo limitado, ao comércio livre, livre empreendimento e à redescoberta das

chamadas “virtudes burguesas”, que tinham estado na base da Inglaterra liberal do século

(22)

as tradições, a saudável desconfiança em relação ao poder e à autoridade” (HAYEK, 2009, p.

31)2.

A ação do Estado (ou de uma instituição centralizada), ao regular a economia de mercado, constitui-se, nesses marcos, em uma ameaça letal às liberdades econômicas e políticas – trilhando o caminho para a servidão. Assim, nascem e se consolidam as experiências neoliberais que se espalham feito ondas nos países da Ásia, do Leste europeu e, por último, nos países latino-americanos em processo de redemocratização, hegemonizando um processo marcado pela desregulação da economia, pela redução do custo da força de trabalho, dos insumos produtivos, maior liberdade de circulação de mercadorias e menos regulação social (HIRSCH, 1998). É, também, nesse contexto em que se desarticulam os movimentos dos trabalhadores organizados, criando-se uma conjuntura de forte tensão social e de abertura de novas possibilidades de acumulação do capital, com destaque para a abertura de mercados relacionados aos bens ambientais, sejam como insumos produtivos ou eles mesmos, como novos tipos de mercadorias.

A complexidade deste contexto de crise sugere, portanto, que as reflexões repercutidas pelo Clube de Roma não tratavam apenas de criticar o modelo fordista de produção e consumo como gerador dos desequilíbrios ambientais, mas, sim, de apontá-lo como incapaz de sustentar os níveis de acumulação experimentados nas décadas anteriores. Sugere, por fim, a natureza política da regulação que se transforma, assim como se alteram as bases da construção de um programa de recuperação do sociometabolismo do capital3, mirando nas potencialidades oferecidas pela natureza como meio para a acumulação e para a regulação da sociedade. Segundo Carvalho (2011), o documento Limites para o Crescimento

serviu ao propósito de sustentar o nascente neoliberalismo no afã de superar o keynesianismo, causador de uma crise de superprodução. O relatório configura a crise de superprodução com uma crise ambiental, e passa a atacar seus efeitos, dentre os quais, crescimento populacional. Com o foco nas consequências, fica à míngua a análise da estrutura do sistema produtivo que causou a crise, não apenas ambiental, mas econômica e social. (CARVALHO, 2011, p. 07)

2 O Caminho da Servidão foi publicado pela primeira vez em 1944 em Londres, no contexto de ascensão e consolidação do comunismo soviético e de emergência do Estado de Bem-Estar. Suas teses são, portanto, resgatadas, quase quarenta anos depois, nas primeiras experiências baseadas nos referidos princípios, notadamente nos Estados Unidos de Reagan e na Inglaterra de Margareth Thatcher.

3 Segundo Mészáros, o sistema de sociometabolismo do capital é um complexo composto pela ”interação

(23)

É nesse sentido que a constatação dos limites e incertezas quanto ao acesso e uso de recursos naturais, para a produção em massa, incita a instituição de novas formas de regulação capazes de restabelecer as condições de alocação de recursos e maximização dos resultados do sistema, e não exatamente a conservação da biodiversidade e a universalização do acesso aos bens ambientais. Ao contrário, é dessa combinação de ataque aos interesses públicos e de abertura de novos nichos de mercado em setores ainda inexplorados que resulta o avanço da espoliação do meio ambiente. Este passa a ser visto “como espaços subutilizados e passíveis,

portanto, de apropriação por grandes empreendimentos agroexportadores ou complexos

industriais” (ZHOURI, LASCHEFSKI, 2010, p.26), com destaque para as riquezas naturais dos países da periferia do capitalismo, dentre os quais, está o Brasil, por possuir a maior biodiversidade do mundo, como sua reserva de água doce, a maior do planeta. Nesse contexto, dissolve-se a condição da natureza como direito, acirra-se a desigualdade no acesso aos bens ambientais, ampliando-se os conflitos e as tensões envolvendo estado, mercado, natureza e sociedade.

2.1 MUDANÇAS NO MODO DE REGULAÇÃO

Acompanhando o debate sobre os limites alcançados pelo modo fordista de produção e consumo em massa, para a manutenção das taxas de acumulação experimentadas nos anos de ouro do capitalismo, ganha corpo na literatura econômica e política de inspiração neoliberal o ataque ao conjunto de instituições e normas que caracterizavam o exercício da regulação sobre os assuntos econômicos. Em particular, tratou-se da formulação de críticas à imposição de limites, pelo Estado, à conduta dos agentes econômicos, como meio para aliviar os efeitos da excessiva competição (PECI, 2007).

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modo, como argumenta Fadul (2007), discutir a regulação implica em ir além de questões relacionadas ao conteúdo das regras e do papel das instituições na imposição de tarifas, de metas de desempenho, restrições de espaço de atuação do mercado, mas exige

entender como e por que, em determinado momento, o Estado assumiu certos serviços, o que levou, em seguida, a transferi-los para a iniciativa privada, que papel assume a partir de então e como se redefine a sua relação com a sociedade nesse novo modelo de provisão. (FADUL, 2007, p.10)

Além disso, para autores da vertente marxista, como Joachim Hirsch (2010), antes de estabelecer uma relação funcional ou causal entre um determinado regime de acumulação e um modo de regulação, é preciso lembrar que se trata, na verdade, de uma relação de

articulação entre ambos de tal maneira que “eles devem ser considerados como nexo entre

complexos contextos de ação e práticas relativamente independentes” (HIRSCH, 2010,

p.108), cujo desfecho não pode ser pré-definido, sobretudo, porque resulta das ações e das lutas sociais que se desenrolam em diferentes planos da sociedade. Para esse autor, enquanto o modo de regulação é aquele conjunto de instituições e normas que sustentam determinadas relações econômicas, ao qual pertencem “empresas e suas federações, os sindicatos, as

entidades científicas e educacionais, os meios de comunicação, todo o aparato do sistema político-administrativo e, não por último, a família como local da reprodução da força de

trabalho”, o regime de acumulação caracteriza-se por um determinado modo de produção no qual se desenvolvem relações entre as condições materiais de produção e de consumo social (HIRSCH, 2010, p. 10).

(25)

Ao falar de interesses públicos, parece-nos que o autor não está aqui se reportando apenas à garantia de alguma proteção em relação aos efeitos das atividades econômicas, que se convencionou denominar, na literatura de inspiração neoliberal, de falhas de mercado, mas aos interesses que se opõem à acumulação privada das riquezas socialmente produzidas em um determinado regime de acumulação. Do mesmo modo, tão pouco se trata de associarem interesses públicos à livre possibilidade de escolha, pelos sujeitos, da melhor maneira de alocar os recursos, o que exigiria uma ampla concorrência entre aqueles que os ofertam, sobretudo porque, no contexto do modo capitalista de produção, as possibilidades de escolha variam na mesma proporção das possibilidades de acesso aos recursos socialmente produzidos. Quando nos referimos aos interesses públicos, para além de sua condição de objeto de regulação, estamos tratando de interesses que se opõem aos interesses privados, isto é, àqueles voltados à manutenção da vida privada que, na sociedade capitalista, se expressam na produção de riquezas voltada para a acumulação, mesmo que isso implique em prejuízos para o conjunto da sociedade. Além disso, interesse público se constitui em oposição ao interesse privado, na superação de relações sociais primárias e pessoais gestadas no lar, cujo chefe de família exerce o domínio sobre o destino de todos os demais (CHAUÍ, 2013). Como afirma essa autora, a esfera ou espaço público (que não se confunde com o estatal), é o espaço do exercício da política, no qual se expressam conflitos, opiniões e interesses contraditórios, ou, como nos diz Francisco de Oliveira (1999), inspirado em Jaques Rancière, a esfera ou espaço público (aqui compreendidos como equivalentes) é o espaço da

da reivindicação da parcela dos que não têm parcela, a da reivindicação da fala, que é, portanto, dissenso em relação aos que têm direito às parcelas que, é, portanto, desentendimento em relação a como se reparte o todo, entre os que têm parcelas ou partes do todo e os que não têm nada. (OLIVEIRA, 1999, p.60-1)

(26)

No contexto de crise do regime de acumulação fordista e do modo de regulação baseado na concertação entre classes sociais, a discussão sobre a regulação passa a pautar as academias norte-americana e francesa, no esforço de compreender, à luz das profundas mudanças no regime de acumulação, marcadas pelo acirramento da luta de classes, quais seriam (ou deveriam ser) as bases das mudanças no modo de regulação necessárias à recomposição das relações entre Estado e sociedade. Entre as duas linhagens teóricas, destaca-se a discussão sobre a possibilidade de manutenção da condição do Estado como protetor de direitos sociais, compatibilizando-a com as reformulações necessárias no campo da regulação econômica, posição sustentada por autores como Reich (2006) que defende a

constituição de uma regulação social, isto é, aquela que “pressupõe um Estado de bem-estar social, tentando maximizar a alocação de recursos, prevenindo externalidades e com instrumentais de coalizões empreendedoras que articulam ‘interesses difusos’” (REICH, 2006, p. 25).

Apesar das diferenças históricas da relação entre Estado e mercado nos Estados Unidos e no continente europeu, Reich (2006) reconhece a influência do debate norte-americano sobre as reformas que se processariam em diversos países naqueles anos de constituição da hegemonia neoliberal. Nesse contexto, a crise de legitimidade econômica e de legitimidade social do Estado ensejou as propostas de desregulamentação tanto em relação ao funcionamento do mercado, como a proteção de interesses sociais. Na experiência norte- americana, a desqualificação da intervenção do Estado sobre a economia teria sido, portanto, acompanhada pela desqualificação de seu papel como regulador também dos direitos sociais. Como resultado, põe-se em prática as reformas das instituições reguladoras, de modo que, como afirma Peci (2007),

a desregulamentação apresentou-se como um dos principais objetivos da reforma, marcando a extinção de diferentes agências reguladoras (como ICC), a preferência para as regras do mercado e o desmantelamento dos marcos regulatórios existentes no país. (PECI, 2007, p. 75)

Desse modo, para Reich (2006), no debate norte-americano, “o foco político deixou de

centrar-se nas falhas de mercado e passou a focar as falhas regulatórias” (REICH, 2006, p.18).

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Os remédios regulatórios designados a curar defeitos do mercado tornaram-se agora sujeitos à aprovação do mercado. Um obtornaram-servador crítico do desenvolvimento do capitalismo dos dois lados do Atlântico ficaria surpreso com o fato de a crise econômica ter aparentemente não enfraquecido, mas sim fortalecido a fé nos mecanismos de mercado. (REICH, 2006, p.18)

Na experiência norte-americana, o exercício da regulação se materializou na constituição de agências reguladoras que se caracterizavam por relativa independência em relação à dinâmica política-eleitoral e por exercer uma combinação de poderes entre eles, o poder de legislar através da emissão de regras, o de outorgar permissões para o funcionamento de empresas, além de exercer a fiscalização (PECI, 2007). Esta combinação de diversas funções que marcou o modelo de regulação inaugurado com Programa do New Deal (1933) nasce, segundo Sunstein (2004), da necessidade de promover o afastamento dos interesses públicos de interesses particularistas por meio da constituição de uma burocracia independente, politicamente neutra e dotada de conhecimento técnico (SUNSTEIN, 2004). Tais interesses particularistas expressavam-se, segundo o autor, tanto no âmbito do poder judiciário, através do “insulamento da distribuição existente de riqueza e de benefícios legais em relação ao controle coletivo”, que teria marcado o poder da common law (que havia sido a base do poder legislativo do país), quanto no plano do poder executivo. Este último espaço, sobretudo nas esferas locais, argumenta o autor, convertia-se, com freqüência, em arenas paroquialistas, nas quais “o domínio de grupos privados bem organizados tornou difícil continuar alimentando a velha crença de que a autodeterminação local poderia ser

verdadeiramente atingida pela autonomia do Estado” (SUNSTEIN, 2004, p. 134).

Desse modo, a figura pioneira das agências reguladoras no contexto norte-americano nasce combinando o reconhecimento de novos direitos, como direito a emprego, a moradia, saúde, educação, bem como a um ambiente livre dos efeitos da concorrência desleal, com a centralização por parte do poder executivo, em nível nacional, das tarefas administrativas de regulação tanto da economia, como das questões sociais (SUNSTEIN, 2004). No contexto de crise dos anos 70, segundo Reich (2006), o modo de lidar com o que o autor qualifica como

sendo “condição de legitimidade dupla e precária do moderno Estado de bem-estar” (REICH,

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Esse argumento ganha corpo com as formulações de autores como George Stigler (1911-1991) e Richard Posner (1939-), os quais se tornaram expoentes de formulações da academia norte-americana ao defenderem que, na experiência de regulação da economia pelo Estado norte-americano, as falhas de mercado, isto é, os problemas que não podem ser solucionados no âmbito do mercado, como a regulação de bens públicos e as externalidades produzidas pela atividade econômica, eram superadas pelas falhas de governo. Segundo Posner (2004), os agentes reguladores protegiam determinados setores em detrimento do pleno funcionamento da concorrência intercapitalista, de modo que as agências reguladoras teriam sofrido de um grave problema relacionado a questões comportamentais dos sujeitos que nelas atuam. Argumenta o autor que, visando maximizar seus interesses privados, como, por exemplo, manterem-se nos espaços de poder, os agentes públicos vinculados às políticas regulatórias ofereceriam proteção a certas indústrias em troca de apoio político. Essa prática configuraria a captura dos agentes reguladores pela indústria através daquilo que o autor qualifica como sendo um verdadeiro comércio regulatório4. Para Posner (2004), portanto, a regulação econômica ao mesmo tempo em que expressa o poder coercitivo do governo na esfera econômica é, também, “um produto cuja alocação é governada pelas leis de oferta e procura” (POSNER, 2004, p. 60).

Para os referidos autores, o modelo de regulação norte-americano, ao proteger determinados setores econômicos, teria inviabilizado a ampla concorrência e, portanto, o pleno exercício de escolha, por diversos setores econômicos, sobre os investimentos a serem realizados. São estas escolhas livres, no entanto, que podem provocar perda de bem-estar ao conjunto da sociedade, quando, então, caberia a atuação de um ente regulador visando minimizá-la. A regulação, portanto, ao mesmo tempo em que atua sobre as falhas de mercado, matéria-prima da existência das agências reguladoras, deve promover o ambiente para a ação desimpedida de interesses privados. Desse modo, Stigler (2004) proclama que “as tarefas

centrais da teoria da regulação econômica são justificar quem receberá os benefícios ou quem arcará com os ônus da regulação, qual forma a regulação tomará e quais os efeitos desta sobre

a alocação de recursos” (STIGLER, 2004, p. 23). Neste caso, no entanto, ao criticar a capacidade da regulação de viabilizar a livre concorrência, o autor desqualifica o aparato regulatório e, junto com ele, a possibilidade de conciliação entre pleno desenvolvimento das forças de mercado e proteção de direitos por uma instituição centralizada, como o Estado.

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A crítica ao papel do Estado e a exaltação do mercado perpassam, portanto, pelo ataque às agências reguladoras, símbolo de um período de forte centralização do poder de intervenção sobre a economia e sobre os direitos sociais. Mas, afinal, como compatibilizar a garantia de direitos, como aqueles relacionados às questões ambientais, com as demandas oriundas da economia pela ampliação da concorrência e poder das firmas? A regulação deve ser capaz de, por um lado, estimular a ampla concorrência e, por outro, atuar sobre seus efeitos? Afinal, seria a regulação o remédio ou o complemento que se desenvolve no campo institucional e da política de um determinado modo de acumulação e que, sob o domínio do capital, termina por aprofundar suas contradições?

Essas questões revelam que, diferentemente do que sugerem as leituras norte-americanas, não é possível encontrar soluções simples e lineares para problemas que envolvem relações sociais contraditórias no seio do desenvolvimento do sistema do capital. Além disso, duas variáveis importantes se escondem sob as leituras dos autores neoliberais: a primeira delas é a dimensão propriamente política pela qual perpassam as variadas possibilidades de combinação entre as dimensões econômicas e sociais, sendo a luta de classes o motor das mudanças, tanto do regime de acumulação como do modo de regulação da sociedade; a segunda é a relevância do papel do Estado na compatibilização dos diversos interesses em jogo, visando às condições para a reprodução do sistema do qual participa como elemento estruturante. Estas observações permitem um olhar crítico sobre as soluções pretensamente imunes à dinâmica de classes, baseadas, ademais, em uma narrativa que dispensa o papel do Estado como elemento chave do processo de acumulação.

Afinal, as duras críticas ao papel regulador do Estado, como vimos nas leituras de Stigler (2004), ensejaram as transformações do papel do Estado que passa a assumir a função de agir complementarmente aos agentes do mercado, financiando sua expansão na busca por novos espaços de acumulação e na consolidação de sua condição como eficiente alocador de recursos. Esta concepção se materializaria na onda de privatizações de ativos estatais que perdurou durante toda a década de oitenta e noventa, nos países centrais e periféricos do capitalismo, e no avanço de mecanismos privados de gestão dos bens até então considerados públicos e dos direitos universais, como saneamento, saúde, educação. Por outro lado, também se inaugura um conjunto de formulações que utilizam a lógica do próprio mercado para regular as suas falhas, dentre as quais, destaca-se o problema das externalidades

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desregulação ao propor a discussão sobre o uso de instrumentos econômicos nas políticas ambientais.

É destas formulações que emergem teses baseadas no princípio do usuário

poluidor-pagador e em proposições como uma “clara” definição dos direitos de propriedade sobre bens

ambientais, até então considerados livres e de acesso universal. Em comum, tais abordagens evitam o tema dos conflitos, como se estes se constituíssem uma anomia diante das promessas de desenvolvimento e como se fosse possível equacioná-los, tão somente, através de métodos e procedimentos técnicos nos marcos da análise de custos e benefícios, própria da lógica de mercado. Ao contrário, argumentaremos que os conflitos sociais que emergem da lógica da apropriação privada de bens comuns desafiam tanto o Estado como o mercado. Deve-se

considerar que esse “corpo de doutrina coerente, autoconsciente, militante, lucidamente

decidido a transformar todo o mundo à sua imagem, em sua ambição estrutural e sua extensão

internacional” (ANDERSON, 1995, p.22) está sujeito a diversas combinações que dependem do modo como se articulam as forças políticas em cada contexto de desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais que as correspondem.

2.2 REGULAÇÃO ECONÔMICA DA NATUREZA

Fundamentando-se em uma concepção de racionalidade estritamente individualista, que reporta à capacidade subjetiva de efetuar escolhas visando à maximização de interesses privados, a economia do ambiente, de inspiração neoliberal, constitui argumentos para a gestão eficiente do que se convenciona chamar de recursos comuns. Esse debate tem como suas principais referências autores como Garrett Hardin que, com o trabalho A Tragédia dos Comuns (1968), discute os efeitos da pressão da superpopulação sobre os recursos naturais. Inspirado na tese malthusiana (sobre o colapso na produção de alimentos devido a um crescimento exponencial da população), o autor argumenta que, em não havendo mecanismos que regulem a liberdade de uso pelos indivíduos dos recursos naturais considerados como de livre acesso, a contradição entre racionalidade individual e racionalidade coletiva seria inevitável, o que levaria à exaustão da natureza. Sob esta perspectiva, o tema da

superexploração do meio ambiente aparece como resultado do crescimento “natural” da

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a qualquer tempo, à maximização dos benefícios individuais mesmo que em prejuízo dos interesses coletivos. A busca pela maximização de tais benefícios está amparada na tese da escolha racional, que credita ao indivíduo a possibilidade de decidir sempre a melhor maneira de alocar os recursos. Leitura semelhante é feita por Mancur Olson (1995), em seu trabalho The logic of collective action: public goods and the theory of group. Este autor argumenta que não há razão para supor que os indivíduos irão cooperar na gestão de um bem comum, sobretudo se este indivíduo puder se beneficiar do que é comum sem necessariamente empreender esforços para obtê-lo (ou conservá-lo). Nestes casos, a maximização dos benefícios individuais poderá acarretar prejuízo para outros agentes, configurando a produção de externalidades que afastam a atividade econômica do ideal de “ótimos-paretianos”, isto é,

da alocação eficiente de recursos através do mercado de modo que os custos marginais privados não excedam os custos marginais sociais. Estamos nos referindo, na verdade, às situações em que a apropriação privada dos benefícios da atividade econômica ocorre a partir da socialização dos prejuízos provocados pela mesma atividade. É o caso, por exemplo, de um empreendimento da agricultura irrigada que retira água de um rio produzindo, por um lado, lucros apropriados privadamente e, por outro, a diminuição da quantidade de água disponível para abastecimento da população do entorno.

Diante desse dilema – afinal, como frear o comportamento oportunista dos indivíduos e como atuar sobre as externalidades do processo produtivo, quando estamos tratando da exploração de recursos finitos e essenciais? – três vertentes teóricas ganham espaço na proposição de modos de regulação dos bens ambientais. Todas elas, no entanto, amparadas em uma concepção que retira do Estado o poder de “circunscrição aos indivíduos e grupos da gama de condutas permissíveis” (PECI, 2007, p.75), atribuindo tal tarefa a uma espécie de autorregulação baseada em uma racionalidade individual instrumentalizada por mecanismos típicos de mercado, a qual estabelece uma estreita relação entre valor econômico e preço e bens ambientais considerados tão somente como recursos passíveis de uma eficiente – e não necessariamente justa – alocação. Isso não significa que se trata de um modo de regulação livre de um sujeito dirigente – como afirma a tese da mão-invisível –, ainda que este sujeito, em relação ao tema ambiental, seja funcional quanto à compatibilização entre os interesses do mercado e as condições de acesso e apropriação da natureza.

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provocado por sua atividade (LANNA; RIBEIRO, 2001). O princípio da internalização da externalidade é de que, ao ser penalizado – particularmente, ao ser cobrado em termos monetários – pelo ato consumo ou comprometimento de ativos ambientais, o usuário tenderia a atuar de forma mais eficiente (mais racional) no combate ao desperdício e à poluição, bem como seria estimulado a atitudes que visam à conservação. Segundo Peixoto (2013), com base nas formulações de Pigou (1948), considera-se necessário

a atribuição de um preço aos custos sociais marginais, pois, caso contrário, um grupo beneficia-se à custa da sociedade, que é obrigada a absorver as externalidades negativas consequentes do processo produtivo, enquanto um pequeno grupo enriquece, por meio da chamada “privatização de lucros e socialização de perdas’. (PEIXOTO, 2013, p.36)

Em outras palavras, a diminuição do consumo seria maior quanto maior fossem os custos implicados para adquiri-lo. São instrumentos típicos deste princípio, que ficou conhecido como usuário-pagador/poluidor-pagador, a aplicação de taxas por emissão de poluentes e cobrança pelo uso da água bruta, amplamente difundidos e implementados em diversos países, como França, Alemanha, Estados Unidos, Japão, México, Chile (JURAS, 2009).

Os então chamados instrumentos econômicos de gestão recebem críticas dirigidas tanto por autores que questionam a efetividade de sua aplicação na garantia da universalização do acesso aos bens ambientais, quanto de autores que visualizam que tais mecanismos são ineficientes para efetivamente impedir o livre acesso – razão da exaustão dos recursos naturais. Para autores como Martins (2003), está implícita na atribuição do valor econômico aos bens ambientais e na lógica do usuário-poluidor-pagador uma contradição: a estipulação do preço dos bens e sua elevação até o ponto de inibir a atividade poluidora ou estimular a readequação de métodos de uso (que implicaria em custos para a produção das firmas) dissolveriam o pressuposto da escolha livre e racional do agente. Tal medida seria típica dos Instrumentos de Comando e Controle, aos quais os Instrumentos Econômicos vieram a se somar ou substituir (MARTINS, 2003).

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oitenta com a privatização e cobrança pelo acesso a tais serviços, o que levou ao endividamento e exclusão de pessoas em relação aos serviços (CASTRO, 2007). Para o autor, portanto, com a implementação de instrumentos típicos do mercado, como a cobrança pelo uso e acesso a serviços, o que ocorreu foi o aprofundamento da exclusão e, consequentemente, a concentração por alguns usuários, particularmente aqueles aptos a pagar pelo acesso e uso dos bens regulados pelos instrumentos econômicos.

Já para autores como Ronald Coase (1937), a implementação de instrumentos econômicos na regulação dos bens ambientais não é capaz de promover a eficiente alocação dos recursos, sobretudo, porque os custos, para conter o comportamento oportunista, responsável, portanto, pela produção das externalidades, podem superar os benefícios obtidos pelo agente com destaque para os custos implicados na ação do Estado como agente regulador. Por essa razão, o autor defende a criação de condições para a livre negociação entre as partes envolvidas (aqueles que se beneficiam do uso do recurso e aqueles que sofrem o dano), prescindindo da ação de agentes, como o Estado, na regulação da atividade econômica. Segundo Coase (1960),

Se estamos discutindo o problema em termos de causalidade, ambas as partes causam o dano. Se quisermos alcançar uma melhor repartição dos recursos, é desejável, portanto, que ambas as partes tenham o efeito nocivo (incômodo) em consideração ao decidir sobre seu curso de ação. (COASE, 1960, p.13, livre tradução da autora)

São diversas as experiências analisadas pelos autores sobre a aplicação deste princípio, em particular, refletindo sobre as externalidades muitas vezes implicadas nas atividades econômicas, como, por exemplo, quando a implantação de um empreendimento ou uma atividade produtiva incorre em danos ao seu vizinho. Os chamados “custos sociais” da

atividade econômica, com base nesta visão, devem ser olhados de “maneira global”, incluindo no processo de decisão tanto aqueles que causam o dano como aqueles que sofrem seu efeito, de modo que seja possível constituir mecanismos que permitam uma barganha mutuamente satisfatória, tendo em vista a busca pela maximização da relação geral entre custos e benefícios.

Para Coase (1937), há que se considerar que o funcionamento do sistema econômico incorre, necessariamente, em custos que estão além dos custos de produção5. Tais custos, denominados custos de transação, resultam das incertezas sobre o processo de alocação de

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recursos, sobretudo, as incertezas relacionadas à aplicação de regras institucionais e às normas que orientam o comportamento dos agentes. Segundo Williamson (1993), custos de transação

são “os custos ex-ante de preparar, negociar e salvaguardar um acordo, bem como os custos ex-post dos ajustamentos e adaptações que resultam, quando a execução de um contrato é afetada por falhas, erros, omissões e alterações inesperadas” (WILLIAMSON, 1993, p.14). São, portanto, os custos que incidem sobre as operações dos sistemas econômicos, tais como os custos para obtenção de informações, para especificação e fiscalização do cumprimento de contratos e para contornar situações de conflitos que emergem da contrariedade da execução dos acordos firmados entre os agentes.

Visando minimizar os custos (condição para ampliar a capacidade de participar da concorrência), o autor sugere a importância de que sejam definidos claramente os direitos de propriedade, através dos quais o proprietário poderá decidir sobre como dispor dos seus ativos, evitando os custos contratuais de uma transação que envolve demasiados atores. A vantagem de poder decidir sobre como dispor de seus ativos está na possibilidade de minimizar os custos de transação, “sem a necessidade de barganhas entre os proprietários dos meios de produção” (COASE, 1960, p.16, livre tradução da autora)6. Além disso, como

afirma Araújo Júnior (1996, p. 42), “toda autoridade do proprietário provém do poder de excluir os trabalhadores do uso dos ativos que possui”. Sob este enfoque, as relações contratuais dependem, fundamentalmente, de quem possuiu o direito de decidir sobre os usos alternativos de ativos.

Para o autor, portanto, não há motivos para supor de imediato que a regulação via Estado seja mais apropriada que a solução encontrada pela firma, porque tais medidas governamentais não estão isentas de custos, de maneira que nem sempre é possível afirmar que sua intervenção trará melhores resultados do ponto de vista da alocação de recursos. É por essa razão que, para o autor, “o governo é, em certo sentido, uma super-firma (mas de uma forma muito especial), desde que este está apto a influenciar o uso dos meios de produção através de decisões administrativas” (COASE, 1960, p. 16, livre tradução da autora). O Estado, portanto, deve ser tão somente capaz de acionar o aparato burocrático e coercitivo, além de sua capacidade de mobilização de recursos, visando minimizar os custos de transação

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entre as firmas, em especial, viabilizando a delimitação de direitos de propriedade sobre os meios de produção.

As formulações de Coase (1937; 1960), portanto, ficaram conhecidas por aprofundar o processo de transferência para o mercado da decisão sobre a alocação dos recursos, minimizando a participação direta do Estado. Tais premissas se materializariam na constituição de mercados nos quais se transacionam direitos de uso dos recursos naturais. Um dos paradigmas desse modelo é a experiência de regulação das águas no Chile, na qual a venda dos títulos de direitos de uso das águas torna-se um bem patrimonial do concessionário, sendo esse direito registrado em cartório e podendo ser vendido, cedido, passado como herança ou objeto de qualquer tipo de transação, não havendo, inclusive, limite na sua validade (CARRERA, 2002). Na experiência chilena, as outorgas estão praticamente

esgotadas, sobretudo para a área considerada mais desenvolvida. “Essa sistemática criou um

mercado de águas, em que os títulos de direito sobre o uso são vendidos a preço que variam de acordo com a disponibilidade, a necessidade e a rentabilidade do uso que se pretenda dar a

água” (CARRERA, 2002, p. 82).

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Uma terceira via, proposta por Elinor Ostrom (1990), também parte do questionamento sobre o papel do Estado como ente mais adequado para exercer uma eficiente regulação dos bens ambientais, sobretudo, aqueles que a autora qualifica como sendo bens de

acesso comum, isto é, recursos “cuja utilização não gera uma subtração perceptível do total e que podem ser usados conjuntamente, sendo difícil a exclusão, pois o uso por uma pessoa não limita o uso por outra” (SABBAGH, 2012, p. 1628). São exemplos utilizados pela autora, para ilustrar o significado dos bens de acesso comum, os recursos pesqueiros em um oceano ou a água que repousa no subsolo de uma bacia hidrográfica. Nestes casos, ações visando restringir o uso, dificilmente, seriam capazes de evitar o “efeito-carona”, isto é, a

possibilidade do indivíduo de se beneficiar do acesso a um bem, mesmo sem dispender esforços para obtê-lo ou conservá-lo. Assim, medidas de restrição seriam ineficientes do ponto de vista da alocação de recursos, pois os custos para a regulação seriam superiores aos resultados obtidos.

Diferentemente das vertentes baseadas em Pigou (1948) e Coase (1937; 1960), Ostrom, em seu trabalho Governing the commons (1990), defende que, nesses casos, é possível que os indivíduos prescindam de agentes externos para a regulação dos recursos naturais, uma vez que os mesmos podem organizar formas mais adequadas (socialmente pactuadas e, portanto, menos custosas) de gestão. Tais formas de gestão, segundo Lauriola (1999, p. 3), teriam, entre outras vantagens, “a eficiência administrativa promovida por regras

institucionais e estratégias de zoneamento compartilhadas diretamente pelos usuários, a internalização de externalidades e baixos custos de transação. Nesse sentido, a autora argumenta que nem Estado e tão pouco o mercado competitivo são, necessariamente, os espaços mais adequados para a definição da alocação desses recursos, sendo mais recomendáveis as soluções encontradas no âmbito das próprias comunidades de usuários.

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Figura 1 –Modelo para tipificação de bens e serviços, segundo Elinor Ostrom (1999) Possibilidade de Exclusão do Uso e Consumo

Exequível Inexequível

Co ns um o Ind iv id ua l

Bens privados: pão, sapatos, automóveis, livros etc.

Bens Partilhados: Teatro danceteria, serviço de telefonia, TV a cabo, energia

elétrica

Co

let

iv

o Bens Pedagiados: água captada do subsolo de uma bacia, peixe capturado no oceano, óleo cru extraído de um campo de óleo

Bens públicos: paz e segurança, defesa nacional, previsão do tempo, TV

“pública”

Fonte: elaboração própria com base em Ostrom e Ostrom (1999).

Excetuando-se, portanto, o caso dos bens de acesso comum, a autora propõe a tipificação daqueles bens cujo uso por um indivíduo implica na inviabilidade de serem consumidos por outro, como sendo bens privados sobre os quais, ademais, podem ser criados mecanismos de regulação que tornem possíveis (ou não) a exclusão. Esta característica tornaria o bem apto a ser regulado pelas leis de oferta e demanda, conforme rezam os princípios da microeconomia que têm no problema da formação de preços no mercado seu principal objeto de análise. Segundo Alvim e Carraro (2006, p.5), “sendo a água um bem privado, ela é consumida por um indivíduo em caráter de exclusividade, sendo apropriada por um único consumidor. Assim, os mecanismos correntes de mercado são adequados para fixar os preços da água a níveis corretos”. Portanto, a “visão romântica” atribuída a Ostrom (1999), por considerar a possibilidade de auto-organização da sociedade, se limita à gestão dos bens comuns, de modo que, para os demais – como, por exemplo, os bens ambientais em profundo processo de degradação e escassez –, seguem valendo os princípios do mercado. Além disso, mesmo revisando experiências exitosas de auto-organização na gestão de bens ambientais, trata-se de questionar as reais possibilidades e o real significado do pretenso rompimento com a lógica da regulação pelo Estado e pelo mercado, como sugere a autora, sobretudo, em contextos de acirramento das desigualdades políticas e econômicas, e de flexibilização de direitos e de conflitos.

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sujeito oportunista pode ser tanto uma grande firma, como um agricultor familiar, desde que pratique o ato de utilizar um bem à sua maneira, não importando se para a sua subsistência e manutenção das condições de vida ou se para a irrigação de grandes latifúndios agroexportadores ou para o funcionamento de uma mineradora. A noção de interesse perde, aqui, para esses autores contemporâneos, toda a sua dimensão estrutural relativa às condições de produção e reprodução individual e social, sendo todos, em tese, guiados, indistintamente, por um mesmo tipo de comportamento utilitário e egoísta.

O primado do interesse privado sobre o interesse público se justifica, assim, pela indistinta associação deste primeiro a todos os sujeitos, independente do lugar que ocupa nas relações sociais de produção. Segundo Norberto Bobbio (2007), o primado da esfera privada se sustentaria, sobretudo para os pensadores da economia liberal, pelo “fato” de que esta

esfera se refere às relações “naturais” entre os homens, anterior, portanto, às relações

politicamente constituídas pela imposição de leis, no Estado. Desse modo, a condição

“natural” da esfera privada conferiria a solidez (a validade absoluta, a condição jurídica

“pura”) desta esfera em relação à esfera pública – suscetível às influências e transformações da relação de poder. Esta é, pois, a dimensão propriamente ideológica da ação humana sobre a natureza que, no contexto do capitalismo, passa a ser considerada como um fato, sendo o uso intensivo ou descontrole das formas de apropriação – que levam à exaustão dos bens ambientais – um resultado inexorável do avanço da humanidade no curso do seu desenvolvimento, cabendo, então, ao homem tão somente, o desafio de administrá-lo.

Um segundo aspecto, portanto, se refere ao fato de que, em todos os casos, a questão central repousa sobre as formas de limitar o acesso aos recursos naturais, visando assegurar a viabilidade econômica no longo prazo, o que, nesse caso, termina por afirmar a perenidade do capitalismo – e suas desigualdades estruturais – como modo de produção hegemônico. É por essa razão que a abordagem dos autores da economia ambiental, mesmo apontando a degradação ambiental como uma assombrosa mazela, não tem sido suficiente para propor a superação das reais implicações contidas na dinâmica de reprodução da sociedade produtora de mercadorias. Tais autores terminam, então, por realizar uma crítica “romântica” ao

capitalismo, sendo o avanço deste sistema quase que um “destino de nossa época, um destino do qual ninguém pode escapar” (LUKÁCS, 2010, p.64).

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comum a partir de modelos que articulam e, por que não dizer, calculam a possibilidade de exclusão do consumo). A natureza operacional das formulações aqui apresentadas, antes de revelar a fragilidade teórica dos autores, transparece o caráter complementar à acumulação reservado ao Estado (não deixando este, no entanto, de ser peça essencial desta engrenagem) e, além disso, a determinação de imunizar a economia em relação à presença das lutas sociais por direitos – que marcou a crise do modo de acumulação sob o Walfare State ou Estado de Bem-Estar –, visando equacionar conflitos entre interesses divergentes através de mecanismos de decisão pautados em racionais escolhas (individuais) sobre melhores maneiras de alocação dos recursos, tendo o direito à propriedade como princípio fundamental. No entanto, o que se observa, é que as saídas associadas a estes princípios, em particular aquelas que destacam a dimensão econômica dos bens ambientais, adotam como remédio ou solução para o processo de degradação ambiental a reafirmação do sistema de mercado, lócus de produção e alocação de recursos – o que, na verdade, é o fundamento dos conflitos em torno dos usos e apropriação das águas. Como argumenta Esteban Castro (2004), para essas leituras,

a principal consideração continua sendo a estabilidade e continuidade dos sistemas sócio-econômicos e políticos existentes, mesmo quando evidentemente os mesmos constituem uma das causas fundamentais da exclusão e desigualdade social. Por essa razão, talvez, se possa argumentar que a principal contribuição desta literatura tenha sido a de aplicar um marco teórico e por que não, também, ideológico à expansão sem precedentes de mecanismos de mercado a praticamente todas as esferas de interação humana, incluindo a gestão dos recursos naturais e da água, em particular. (CASTRO, 2002, p.8)

Embora navegando em um mar de incertezas – por exemplo, como assinala Adam Przerworski (1993), como ampliar a propriedade privada em contextos democráticos nos quais os consumidores também são cidadãos? –, os autores vinculados à economia neoclássica abandonam as determinações políticas de suas estruturas de análise e enfocam soluções prescritivas e pretensamente técnicas, visando operacionalizar a premissa de que é preciso recuperar o poder das firmas ou mesmo, como sugere Ostrom (1999), de estruturas das governanças coletivas, em substituição à pesada e incômoda burocracia estatal. Como resultado, tem-se o abandono de um conjunto de conquistas experimentadas no campo dos direitos sociais, sobrepujados pela supremacia do direito de propriedade que os autores vão defender como princípio de regulação da sociedade.

Imagem

Figura 1  –  Modelo para tipificação de bens e serviços, segundo Elinor Ostrom (1999)  Possibilidade de Exclusão do Uso e Consumo
Figura 2  –  Estrutura do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (SINGREH)
Figura 3  –  Evolução da instalação dos Comitês de Bacia no Brasil (1988-2012)
Figura 4 - Situação da implementação dos Planos Estaduais de Recursos Hídricos (2012)
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