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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC CENTRO DE ARTES – CEART PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS – PPGAV

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC CENTRO DE ARTES – CEART

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS – PPGAV

SABRINA MAURILIA DOS SANTOS

LAURA LIMA: corpo e arte contemporânea

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SABRINA MAURILIA DOS SANTOS

LAURA LIMA: corpo e arte contemporânea

Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do CEART/UDESC, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rosângela Miranda Cherem.

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2 Ficha catalográfica elaborada pela biblioteca Central da UDESC

S237l Santos, Sabrina Maurilia dos

Laura lima : corpo e arte contemporânea / Sabrina Maurilia dos Santos -- 2012.

120 p. : il. 30 cm

Orientadora: Rosângela Miranda Cherem. Bibligorafia: p.98-104

Dissertação (mestrado) -- Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Artes, Mestrado em Artes Visuais, Florianópolis, 2012.

1. Lima, Laura. 2.Corpo na arte. 3. Arte Contemporânea - Brasil, I. Cherem, Rosângela Miranda. II. Universidade do Estado de Santa Catarina. Mestrado em Artes Visuais. III. Título.

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SABRINA MAURILIA DOS SANTOS

LAURA LIMA: corpo e arte contemporânea

Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do CEART/ UDESC, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais, na linha de pesquisa Teoria e História das Artes Visuais.

Banca examinadora

Orientador: _____________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Rosângela Miranda Cherem

CEART/UDESC

Membro: ______________________________________________________________ Prof. Dr.ª Anita Prado Koneski

CEART/UDESC

Membro: ______________________________________________________________ Prof. Dr. Felipe Scovino Gomes Lima

BAH/UFRJ

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a energia suprema de amor, chamada Deus.

À minha mãe, pela doçura, amor e contentamento incondicionais. Ao meu pai, por sua humanidade e retidão de caráter. À minha irmã, Ana Paula, pela cumplicidade nos momentos em que mais precisei de um ombro amigo e à minha irmã, Beatriz, exemplo de força e bondade.

A todos os meus amigos e amigas, em especial à Amanda e à Julia, por me acolherem e me ajudarem de todas as formas imagináveis e inimagináveis.

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RESUMO

A presente dissertação trata a respeito de algumas obras da artista Laura Lima e as relações dessas obras à temática do corpo humano nas artes visuais contemporânea. As obras que serão estudadas aqui pertencem à produção artística de Laura Lima no que confere alguns trabalhos do período dos anos 90 até os dias atuais. Esta dissertação toma como fio condutor o estudo no qual, em decorrência dos diferentes questionamentos surgidos a partir de tais trabalhos, priorizaram-se algumas ferramentas para refletir acerca da forma como a artista trabalha o corpo humano em suas obras. Com base no exposto, foi priorizada a teoria de diferentes autores, como filósofos, críticos e historiadores de arte, bem como uma entrevista com a própria artista na sua casa/ateliê no Rio de Janeiro.

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ABSTRACT

This dissertation is about some works of artist Laura Lima and the relationships of these works to the theme of the human body in contemporary visual arts. The works will be studied here belong to the artistic production of Laura Lima gives some works in the period of 90 years to the present day. This dissertation takes as its guiding principle the study to the different questions prioritized are some tools to reflect on how the artist works the body in their works. Based on the foregoing, the theory has been prioritized by different authors, and philosophers, critics and art historians as well as an interview with the artist herself in her home / studio in Rio de Janeiro.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO OU FIO DA MEADA 10

BLOCO I 13

CORPO COISA

1.1.Marra: corpo entre as coisas, preso no tecido do mundo. 15 1.2.Nuvem: corpo em pedaços. Procuro um homem! 24 1.3.Puxador: corpo paisagem. 37

BLOCO II

CORPO MUNDO 44

2.1. O Mágico Nu: ordem e caos. 46

2.2. Escolha: genius e vazio. 53

2.3. Rede + Pelos: o ser especial, profanação e sensação. 58

2.4. Baixo: o homem contemporâneo e o corpo achatado pelo mundo. 64 BLOCO III

CORPO EXCESSO 71

3.1. Nômades: a paisagem como dispêndio. 72

3.2. Costumes: acostumar-se aos ornamentos. 82

3.3. Galinhas de Gala e Galinheiros de gala: os excessos 93

CONCLUSÃO OU ARREMATE 96

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 99

REFERÊNCIA DE IMAGENS 101

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LISTAS DE ILUSTRAÇÕES

Laura Lima: Marra 16

Laura Lima: Marra 18

Laura Lima: Marra 19

Foto do ateliê de Laura Lima 22

Laura Lima: Candelabro Diógenes 25

Laura Lima: Mãos 27

Laura Lima: Charutos 28

Mathis Grunewald: O retábulo de Isenheim 32

Laura Lima: RhR, Jarbas partindo para a Espanha 36 Laura Lima: Puxador 37

Laura Lima: O mágico nu 47

Laura Lima: O mágico nu 49

Grandjean de Montiny: desenho da antiga praça do comercio, atual Casa França Brasil 51

Laura Lima: O mágico Nu 52

Laura Lima: Escolha 53

Laura Lima: Rede + Pelos 59

Laura Lima: Rede + Pelos 63

Lygia Clark: A casa é o corpo: Labirinto 68

Laura Lima: Nômades 73

Laura Lima: Nômades 74

Laura Lima: Nômades 76

Laura Lima: Nômades 77

Fotografia do deserto de Naska 79

Laura Lima: Novos Costumes 83

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Laura Lima: Costumes 86

Laura Lima: Novos Costumes 88

Laura Lima: Novos Costumes 89

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INTRODUÇÃO OU FIO DA MEADA

Esta dissertação nasceu de questões que se constituíram a partir da imagem da figura humana nas artes visuais contemporânea. Tais pontos buscavam refletir acerca dos desdobramentos avançados na representação da figura humana, a partir do século XIX, até o período contemporâneo. Um tema que gerou pesquisa e que culminou na realização de um Trabalho de Conclusão de Curso, elaborado nesta mesma instituição. O desenvolvimento da pesquisa no trabalho da graduação versava a respeito da figura humana, como um não aparecer, com consistência na dúvida, como devir que se dá justamente pela realidade de um ser incrédulo e desarraigado. A força procedente da figura incômoda que se apresenta como imagem da condição da dor humana se desdobrou em um projeto de mestrado, que tinha como foco pensar a condição da imagem do corpo nas artes plásticas contemporânea, difícil de ser lida, que vem como estranhamento.

O tema da pesquisa avançou e se modificou em seu percurso, desse modo, optou-se por escolher como objeto, alguns trabalhos da artista Laura Lima e as relações da temática do corpo humano nas artes visuais contemporânea. Para tanto, foi dada preferência a produção artística de Laura Lima no que confere alguns trabalhos do período dos anos 90 até os dias atuais. Esta dissertação toma como fio condutor o estudo de algumas obras da artista, no qual, em decorrência dos diferentes questionamentos surgidos a partir de tais trabalhos, priorizaram-se algumas ferramentas para refletir acerca da forma como a artista trabalha o corpo humano em suas obras. Tais ferramentas são os estudos bibliográficos de diferentes autores, como filósofos, críticos e historiadores de arte, bem como uma entrevista com a própria artista em seu ateliê.

O estudo de algumas obras de Laura Lima resultou em uma noção operatória desenvolvida em três alicerces principais que permearam tais reflexões, a primeira é a idéia de

corpo coisa, o que é o corpo coisa na obra de Laura Lima? A segunda noção é a respeito do

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reflexivo, estabelece-se a idéia de um alicerce que permeia os três blocos e se configura como questão central da presente dissertação: Quais as principais nuances que o trabalho artístico de Laura Lima remete? Na investigação desenvolvida no primeiro bloco, refletiu-se a respeito de três principais nuances: o que é o corpo tratado nas obras de Laura Lima? Bem como a definição desse corpo para a artista. Depois, foi delineado um percurso acerca da relação do corpo com o espaço, e, por fim, os paradoxos que o corpo como obra de arte remete. As obras de Laura Lima, no primeiro bloco, tratam de um corpo que é coisa, que aparece em trabalhos sensoriais, na conjunção das chamadas formas de percepção da imagem do corpo humano, ao passo que também sugere um corpo no espaço, irradiando no espaço do mundo e em seus desdobramentos conceituais, ao mesmo tempo em que é matéria moldante da obra. Trata-se de uma discussão sobre a idéia da coisa viva, do corpo como matéria indomável e, nesse sentido, muito especificamente sobre a matéria corporal.

A partir da análise das obras Marra e Puxador, bem como de algumas obras que fizeram parte da exposição Nuvem, chegou-se a uma reflexão acerca das nuances suscitadas por tais obras, em decorrência disso, foi necessária a busca por ferramentas teóricas para tais interlocuções e dessa forma chegou-se a teoria de dois principais pensadores, Maurice Merleau-Ponty e Georges Didi-Huberman. Através da leitura de alguns textos desses autores, foram priorizados dois conceitos reflexivos sobre a questão da carne como matéria das obras de Laura Lima: o conceito de visão encarnada da teoria de Didi Huberman, bem como o conceito de Quiasma do pensamento de Merleau-Ponty.

Na discussão do segundo bloco foram analisadas as obras de Laura Lima que compuseram a exposição GRANDE, realizada em 2011. Com base no estudo das obras, chegou-se numa implicação e num aprofundamento, através das diferentes nuances, sobre um corpo que é presença no espaço e que permite que o conheçamos pelas sensações. O filósofo da Lógica da Sensação1 fala que existem duas violências que se diferem, uma é a do representado, o clichê, o sensacional ou o lugar comum, o outro tipo de violência, que se opõe à primeira é a violência presente na sensação, que age sobre nossos órgãos dos sentidos e nosso sistema nervoso e é sobre esse corpo, o das sensações, que será tratado no segundo bloco.

As obras da exposição GRANDE suscitaram uma reflexão a respeito do corpo que se relaciona com as coisas do mundo, nesse caso, do mundo contemporâneo. Com base em tal

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conclusão, chegou-se a leitura do filósofo Giorgio Agamben. As nuances que serão tratadas a partir de quatro obras da Exposição GRANDE, serão apoiadas em alguns conceitos estabelecidos por Agamben: O que é o tempo e o dispositivo na obra O mágico nu? O que é

Genius na obra Escolha? O que é a profanação e o ser especial na obra Rede + Pêlos? E, por fim, o que é o ser contemporâneo na obra Baixo?

O corpo mundo, que vem como sensação, tratado no segundo capitulo é o ser essencial, é aquela espécie do ser cuja crueza não definida se torna contínua e não substancial, porque é o impessoal em nós, aquele que ninguém conhece porque não está iluminado. Em contraste, existe outra face desse mesmo corpo, que é espetáculo, uma vez que o corpo no contemporâneo não encontra sua espécie, o ser genérico, e que, nas palavras de Agamben não há nesse ser (corpo espetáculo) a possibilidade do amor, já que ele não se vê em essência.

O terceiro bloco da pesquisa, por sua vez, debruça-se nas principais nuances remetidas nas obras de Laura Lima, que tratam do ornamento e que serão apresentadas como a condição do corpo e excessos, e dessa forma o que é o corpo como paisagem na obra. Assim, o que se percebe na obra Nômades é uma discussão a respeito da paisagem e a forma como a qualificamos na arte, na vida animal e humana de uma forma geral. Dessa forma, priorizou-se para tal abordagem a teoria de Gilles Deleuze, Roger Caillois e Rosalind Krauss. No estudo dos dois filósofos, buscaremos uma reflexão acerca da idéia de nomadismo, presente na teoria de ambos de forma distinta. Para complementar tal discussão, recorreu-se a teoria de Rosalind Krauss, relacionando suas idéias à questão da obra Nômades, quando ela analisa a obra de David Smith.

Na obra Costumes, temos ornamentos para vestir o corpo, ornamentos que são dispostos como a roupa que é vendida em uma loja, só que os Costumes de Laura Lima, foram confeccionados para cobrir partes do corpo que uma roupa comum não se destina. Tal idéia se torna tão nonsense quanto o tema do ornamento em épocas de arte conceitual. Emanuele Coccia, ao tratar o tema da roupa, irá pensar ao mesmo tempo no ser do sensível,

que é a imagem, porque para ele o ser imagético, não é uma forma de existência propriamente corpórea2. Então quando o corpo se acostuma aos ornamentos, veste os

Costumes inventados por Laura Lima, é como se este completasse o corpo orgânico. Nesse subcapítulo busca-se o estudo que confere o que é esse corpo ornamento na obra.

E, por fim, na obra Galinhas de Gala e Galinheiros de Gala, voltamos à teoria de

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Roger Caillois, ao perceber que a obra trata de um tema recorrente quando pensamos a idéia de excesso. Com base nisso, busca-se a reflexão do que é o corpo excesso na obra, atando a esse corpo o conceito de teleplastia, como um delírio que acontece no bicho e como tal idéia também pode ser pensada na arte, porque a arte, assim como o delírio do olho psicastênico, também é ornamento.

CORPO COISA

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15 Homem=Carne/Mulher=Carne é uma discussão escultórica, que aparece no ano de 1995 e trata da carnalidade das coisas, do mundo e da vida, da carne como matéria prima pura e absoluta. Nesse conceito, criado por Laura Lima, as pessoas participam das imagens e recebem tarefas a serem cumpridas, porém, não há ensaio prévio de tais instruções, elas devem ser seguidas no exato momento em que a obra está acontecendo. Então na obra Marra, primeira obra a ser tratada aqui, concebida no ano de 1996, o toque, o movimento e a força entre dois corpos são elementos integrantes da ação, nesse caso, são forças que colidem e que vêm de lados opostose a relação com o espaço ocupado pela obra. Com base nisso,faz-seum cruzamento a respeito de tal análise para a abordagem de questões referentes ao corpo e carnalidade, priorizando aqui a teoria de Merleau-Ponty e em decorrência disso, também, a união da vida e obra de Laura Lima, através de questões referentes ao inicio da carreira da artista, para entender seu percurso e, conseqüentemente, o contexto em que está presente o seu trabalho.

Num segundo momento, será versado a respeito de algumas obras que fizeram parte da exposição intitulada Nuvem da artista, apresentada no ano de 2009 no Rio de Janeiro. Trata-se de um desdobramento das idéias pertencentes ao conceito Homem=Carne/Mulher=Carne, em queo corpo é apresentado em seus fragmentos e de forma estática com relação ao movimento dos corpos em Marra, por exemplo. O corpo aqui irradia sobre a arquitetura do espaço expositivo, se tornandoaderente ao cubo branco e a carne moldante remete muito mais a idéia de escultura do que de performance. Uma fumaça inebriante vela e revela as obras presentes na mostra, já que é permitido fumar em todo o espaço expositivo.Na luz acesa de Diógenes3, a procura por Um homem a partir de seus fragmentos se revela um sacrifício, já que o que se encontra na mostra não é um homem verdadeiro, mas fragmentos deste homem encarnado em obra. Para a reflexão de tais obras será priorizada uma discussão com base na idéia de visão encarnada da teoria de Didi Huberman, apoiada também num cruzamento com o conceito de

Quiasma do pensamento de Merleau-Ponty.

Ao trazer o tema do corpo e da carnalidade mais uma vez, o que percebemos em

Puxador (ultima obra a ser tratada no presente capítulo), assim como em Marra, é um corpo em movimento onde sua força também é testada, só que dessa vez não se trata de um combate

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entre dois homens, mas um combate entre homem e paisagem. O homem que puxa a paisagem tem o intuito de trazer o mundo para dentro do espaço expositivo, a mesma paisagem que também é coisa do mundo e nesse gesto, mais uma vez posso concordar com Merleau-Ponty porque é verdade que “as coisas” de que se trata são minhas, que toda a operação se passa, “em mim”, em minha paisagem, ao passo que agora se trata de nela instaurar um outro4.Um outro que está fora de mim, porque são duas matérias específicas de paisagem, e a paisagem no caso como uma forma de que o homem deve puxar. Puxador

também trata do sacrifício do homem, do movimento de carregar o mundo nas costas no gesto de Sísifo lindamente escrito por Albert Camus, priorizado no seu texto O Mito de Sísifo, Ensaio sobre o Absurdo.

Esse capitulo trata a respeito das obras que fazem parte da instancia

Homem=Carne/Mulher=Carne, na forma do corpo humano e carnalidade das coisas pensado nas obras que fazem parte de tal conceito, com apoio dos teóricos supracitados o intuito é levantar questões acerca da discussão do corpo como coisa, como material puro e moldante na obra e sua relação com as coisas do mundo.

1.1. Marra: corpo entre as coisas, preso no tecido do mundo

O visível entre nós parece repousar em si mesmo. É como se a visão se formasse em seu âmago ou

como se houvesse entre ele e nós uma familiaridade tão estreita como a do mar e da praia5.

Na exposição individual de Laura Lima, em meio à arquitetura desenhada por Niemeyer, no Museu da Pampulha em 2002, o que se podia presenciar era uma cena de luta entre dois homens desnudos6. Nesse caso os homens trajam somente um capuz que encobre a

4 MERLEAU-PONTY, 1984, p. 137. 5 Ibid., p. 128.

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visão de ambos. Marra7 é uma luta sem vencedores, de dois corpos espelhados, relacionando-se sobremaneira com o espaço onde a obra acontece, uma vez que, dependendo do lugar em que o trabalho é exposto, a obra terá diferentes percepções para quem a observa. Quatro anos antes, em 1996, Marra foi apresentada em Inhotim. No texto para a exposição Nuvem8 da artista, na galeria Laura Alvin no Rio de Janeiro, Rodrigo Moura escreve sobre Marra e faz uma comparação entre os dois diferentes anos e lugares em que foi apresentada. Tal idéia ganha destaque e forma em seu texto De corpos e de fragmentos de corpos, nesses escritos, Rodrigo Moura lembra que no Museu da Pampulha a obra causava um tipo de sensação, já em Inhotim, o resultado era distinto:

Deixavam manchas nas paredes pelas vezes que resvalavam na sua luta. O ruído abafado que produziam e o cheiro de seus corpos saíam pelas salas contíguas, uma obra que não se percebia apenas estando na sala ou olhando para seu interior.9

Laura Lima: Marra, da Série Homem=Carne / Mulher=Carne, 1996. Capuz duplo de tecido, amarra interna de couro e duas

pessoas = carne.

7 O vídeo da obra está disponível no site de vídeo em: <http://vimeo.com/40654188> acesso em 14 de mai de 2012.

8 Exposição de Laura Lima, concebida no ano de 2009, que será tratada com maiores detalhes no próximo subcapítulo. Apesar da obra Marra, não fazer parte da exposição mencionada, Rodrigo Moura utiliza como exemplo Marra para abordar a relação entre arquitetura e obra.

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No ano de 2011, Marra também foi exposta, só que agora internacionalmente, em Stocolmo na Suécia, num encontro de vários artistas brasileiros, no espaço expositivo

Bonniers Konsthall. Laura Lima expôs ao lado de Rivane Neuenschwander, Cildo Meireles e Cao Guimarães. Um dos assuntos tratados na mostra era a respeito das possíveis traduções dentro das obras de arte - adotando o termo traduções num sentido literal, assim como foi escrita num texto sobre a exposição encontrado no site do espaço Bonniers Konsthall - da obra de arte como uma fala que extrapola os limites que aparentemente as diferenças entre culturas e idiomas podem suscitar. Afinal, a arte como uma linguagem universal que dispensa tradução, intraduzível ou ao contrário, a tradução de algo através da arte.

What happens in translations between cultures, between languages, between a viewer and an artwork? In The Spiral and the Square. Exercises in Translatability, the works are varied exercises in translatability: Rivane Neuenschwander’s phantom draughtsman translates the visitor’s description of their first love into a portrait on paper. Cildo Meireles’ simple paper bags are translated into a series of volume units. Laura Lima’s living sculpture lends an image to the process of translation as a physical and demanding struggle. Cao Guimarães’ full-length film Ex Isto challenges how history is written by transferring European historical events to the Amazon rainforest10.

Como traduzir o esforço físico de uma luta cega sem vencedores? O palíndromo, termo utilizado por Laura Lima para definir Marra, é uma palavra ou frase que é lida da mesma forma tanto da esquerda, como da direita. No vídeo em inglês, em que a artista fala sobre a obra 11, Laura Lima elucida que se trata de duas peças, duas matérias vivas moldantes, nesse caso lutadores, um de frente para o outro, colidindo através de forças contrárias. Quando o visitante observa Marra ele verá peças, homens que lutam, porém, em alguns casos o expectador não os verá lutando, porque em qualquer instante a luta pode começar. Em toda a exposição às peças estarão lá, mesmo que a mostra dure dois meses, enfim, o tempo em que

10 O que aconteceu com as traduções entre as culturas, entre línguas, entre um espectador e uma obra de arte? A Espiral e o Quadrado tratam dos exercícios variados de traduzibilidade. A obra de Rivane Neuenschwander é um retrato em papel em que a artista traduz a descrição do visitante sobre seu primeiro amor. Os simples sacos de papel de Cildo Meireles são traduzidos em uma série de unidades de volume. As esculturas vivas de Laura Lima emprestam uma imagem para o processo de tradução de como uma luta física é exaustiva. Full-length de Cao Guimarães trata dos desafios de uma a história que é escrita por transferência, eventos históricos europeus na floresta amazônica. Disponível em: <http://www.bonnierskonsthall.se/en/Exhibitions/Exhibitions/Cultural-Translations/>acesso em: 11 de jun de 2012.(tradução livre)

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a exposição permanecer, mas o visitante nunca verá somente os aparatos dos corpos, porque a artista não está versando a respeito de objetos, trata-se de peças formadas por coisas vivas e isso é de fundamental importância para a autora da obra.

No mesmo vídeo, Laura Lima descreve os pontos principais de Marra e explica que é essencial destacar que em alguns momentos o publico vai ver as peças lutando com mais vigor, em outros com menos, porque nesse caso a energia dos corpos se exauriu. Sobretudo, deve-se enfatizar que os homens nunca chegarão a um estado de extrema exaustão, segundo Laura Lima, porque é muito importante para a imagem que haja a força vital entre os corpos. São duas forças que vem de lados contrários e o ponto decisivo da obra é que se trata de duas forças que se chocam, como um corpo que é entendido numa circunstância em que se você faz uma força contrária, essa mesma força responderá na mesma intensidade.

Laura Lima: Marra, 1996-2011. Da Série Homem=Carne/Mulher=Carne. Capuz duplo de tecido, amarra interna de couro e duas pessoas = carne.

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erigem a obra.

Com o aprofundamento a respeito da forma como a autora da obra trabalha o corpo, é acessível o entendimento do corpo aqui como coisa, como matéria, corpo como coisa entre as coisas. Em Marra, existe a analogia entre o movimento e o toque. Há uma relação de principio, um parentesco, entre as duas peças, porque são corpos feitos da mesma matéria moldante, corpos que tocam o tocar. Ambas as mãos que se tocam são tangíveis entre si, então, por meio desse cruzamento reiterado do que toca e o tangível, seus próprios movimentos se incorporam ao universo que interrogam, os dois movimentos se aplicam sobre o outro como duas metades de uma laranja12.

O corpo que é coisa, é o mesmo que está entre as coisas, o corpo que não vê tudo porque para ver é preciso à profundidade do olhar. Essas coisas são vinculadas ao mesmo corpo que as olha. Na impactante cena de luta entre os dois homens, o que se percebe são

corpos/coisa que estão entre as coisas do mundo, mas que toda a relação desses corpos que lutam produzem no local em que são expostas e no publico que visita a obra, as instancias que formam a carne do mundo, proposta por Merleau-Ponty:

Dizemos, assim, que nosso corpo, como uma folha de papel, é um ser de duas faces, de um lado, coisa entre as coisas, e de outro, aquilo que as vê e toca; dizemos, porque é evidente que nele reúne essas duas propriedades, e sua dupla pertencença a ordem do “objeto” e a ordem do “sujeito” nos revela entre as duas ordens relações muito inesperadas13.

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Laura Lima: Marra, 1996-2011. Da Série Homem=Carne/Mulher=Carne. Capuz duplo de tecido, amarra interna

de couro e duas pessoas = carne.

É assim porque além desse corpo que toca, ele é o mesmo corpo visível que repousa em si mesmo, porque as coisas para o filósofo nunca serão vistas inteiramente nuas, sem a intencionalidade do olhar, pois o olhar as reveste com a sua carne ao mesmo tempo em que vela e revela o que vê. Os dois lados da folha de papel: as duas faces do ser, porque o olhar está incorporado em quem vê o visível e sempre será um olhar que busca dele mesmo (vidente) no visível, porque o corpo é corpo atual, que pensa e seu tocar já é pensar.

Os corpos pelejantes e ao mesmo tempo ofuscados, travam combate no aqui e agora da cena.Na obra Marra os corpos se confrontam, na marra os corpos lutam até a exaustão, uma vez que é na marra que a força do músculo é medida e a carne como matéria corporal molda a cena de luta entre dois homens cegos. Que cegamento seria esse? Para Merleau-Ponty não existe visão sem anteparo 14, tal como o pintor que toca o mundo através da distancia do olhar.

O não ver ou ouvir das idéias, mas a presença das mesmas que se escondem num entre, sempre onipresentes, como sombras de nós mesmos é o que encontramos no duelo entre os dois homens em Marra. Não apenas as relações entre movimento e toque coexistem na

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obra, mas a força presente na luta simula o paradoxo da distancia que os dois têm entre si. O pensamento de Merleau-Ponty toca o pensamento de Laura Lima no que diz respeito à

carnalidade, porém não a carnalidade matéria, da qual Laura Lima trata em sua obra, porque a carne das coisas para o filósofo é um tecido duplo, que ao mesmo tempo sustenta e alimenta aquilo que é suas pretensões visíveis, não é a coisa em si, mas a sua possibilidade oculta é o ser carnal, é um protótipo do ser15. Portanto, a artista trabalha a carne como um corpo que é dado no mundo, ao mesmo tempo em que é aparato, que ligado ao corpo, trás o sentido de construir uma imagem, que é também carnalidade no mundo, assim como esse corpo no sentido de matéria.

Marra foi apresentada pela primeira vez em 1996, em 2011 em Stocolmo e em julho de 2002 também foi exposta no Museu da Pampulha, como citado anteriormente, essa foi a primeira individual dedicada à artista em um museu brasileiro e ocupou o salão nobre do espaço16. A mostra trazia seis obras da série Homem=carne/Mulher=carne, nesta instancia, o corpo também aparece como matéria porque é o elemento moldante da obra, são peças, como a artista confirma no vídeo para a exposição em Stocolmo.

Homem=carne/Mulher=carne se aproxima da tradição do estar desnudo na história da arte também, mas antes de tudo, trata-se de uma discussão sobre a matéria corporal. Em entrevista com Laura Lima na sua casa/ateliê no bairro do Catete no Rio de Janeiro, a artista explica o uso de coisas vivas como elemento principal de seu trabalho:

Por exemplo, o escultor tradicional escolhe o mármore para esculpir, escolhe o barro, ou pensa em outra coisa, ele tem um processo no qual ele chega à fundição, mas efetivamente é uma coisa. Nestes termos de matéria para a escultura, comigo acontece à mesma coisa, a minha forma de fazer uma obra é com a presença do corpo como matéria, então esse corpo começa a fazer uma série de relações, como é perecível, é indomável, uma coisa viva, e por isso também eu acrescentaria os animais no meu trabalho e muitas vezes até as plantas17.

O que percebo ao visitar a casa/ateliê de Laura Lima é que pela forma como são alocados os cômodos e a mobília no espaço, não há separação entre sua vida e sua obra. Então nesse sentido, ao longo da presente dissertação, algumas notas sobre sua vida e o inicio

15 Ibid., p. 133.

16 Informação obtida no site de Inhotim, disponível em:

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de sua carreira como artista também serão abordados. A partir de agora, começamos então lá nos anos noventa, momento em que Laura Lima inicia suas pesquisas e trabalhos em Arte, quando ela já começa com algumas anotações a partir das observações do que seria um sistema em si que vem posteriormente. Trata-se de um glossário bem particular da artista, com anotações e idéias intrínsecas a obra, existentes para cada obra e que está sempre em processo de construção e estruturação, de modo que estão organizadas num conjunto de anotações que vão dando corpo aos seus conceitos. A partir disso, o glossário vem como uma construção encaixada com a obra e é o que evidencia e a fundamenta a partir dos elementos agregados no momento da criação de cada trabalho.

Ateliê/Casa de Laura Lima no bairro do Catete – RJ. Foto: Sabrina Maurília dos Santos.

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via que existia uma necessidade de nomes para todo aquele universo próprio dela, então, o glossário começa junto com as idéias para o conceito de H=c/M=c 18, que faz parte das diferentes concepções que a artista tem para a construção das obras. Quando muda completamente as concepções, Laura Lima começa a perceber que existem instancias diferentes para cada série. O filósofo Deleuze diz que a filosofia é criação de conceitos e isso acontece na obra da artista, o glossário, por exemplo, é uma criação de conceitos que vão se delineando concomitante a obra, então H=c/M=c19 é uma criação de uma filosofia especifica da artista:

Quando eu comecei a fazer os Costumes às pessoas ficaram um pouco confusas, acharam que ainda era Homem=carne/Mulher=carne, e eu disse não, porque a forma como o ferramental é dado é completamente diferente do Homem=carne/Mulher=carne. Então sim, são conceitos específicos, cada um, mas eu não sei, eu acho que a sensação que eu tenho é que em arte os conceitos confluem, se eu tivesse que usar a mesma frase do Deleuze eu botaria só fluidos20.

A artista afirma que a Filosofia é uma ferramenta, bem como a Arte também é uma ferramenta. Ela escolheu a filosofia como uma vontade e necessidade, só que elegeu de fato a arte e incorpora a filosofia em suas discussões. Laura Lima está, antes de tudo, interessada nas coisas, como elas se comportam e as conexões entre as coisas, com instâncias diferentes.

No ano de 1994, Laura Lima participou de uma exposição na praia do Arpoador, na presente mostra, a artista trouxe uma vaca da montanha para ficar na praia durante um dia inteiro, ela conta na entrevista para a revista Arte e Ensaio que um colega, Jorge Mautner, tocou violino para a vaca ao final do dia21. “A obra com a vaca, as anotações e a filosofia foram o inicio do que seria o H=c/M=c, reunião de diversas idéias a serem construídos com a presença de seres vivos, principalmente os humanos”22. Foram três anos para montar toda a estrutura de idéias de H=c/M=c.

A artista diz que quando uma obra de arte é colocada no museu, ela assume uma

18 LIMA, Laura, “Eu nunca ensaio”. In: CAVACANTI, Ana: TAVORA, Maria Luisa (Eds). Arte e Ensaios. N21. Rio de Janeiro, Programa de Pós Graduação em Artes Visuais, Escola de Belas Artes, UFRJ, dez 2010, p.09.

19H=c/M=c é a abreviação utilizada nos textos que tratam a respeito do conceito Homem=carne/Mulher=carne. 20 Trecho da entrevista feita por Sabrina Maurília dos Santos com Laura Lima, gentilmente cedida no dia 16 de fev de 2012 as 16hs45min p.11.

21 LIMA, Laura, “Eu nunca ensaio”. In: CAVACANTI, Ana: TAVORA, Maria Luisa (Eds). Arte e Ensaios. N21. Rio de Janeiro, Programa de Pós Graduação em Artes Visuais, Escola de Belas Artes, UFRJ, dez 2010, p.08.

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25 redoma, um contorno específico que a obra não possui, os relatos que vão surgir após a obra acontecer são apenas relatos, mas não a obra em si, porque as simples manifestações e registros não são efetivamente o corpo em si, não são mais importante do que o corpo, porque a obra acontece mesmo é no instante23. Dessa maneira é conveniente pensar que o outro lado da obra, a matéria, o corpo, pode faltar ou assumir uma postura diferente daquela que foi tratada entre a artista e a pessoa carne antes da obra acontecer, e isso são riscos que se corre ao escolher coisas vivas como material para obra de arte. Esse é outro ponto que difere a obra de Laura Lima da performance, pois tal modalidade de manifestação artística possui um tempo previamente definido, já algumas ações que Laura Lima propõe são repetidas no tempo em que acontece.

O conhecimento pautado no estudo apresentado sobre a vida e trajetória artística de Laura Lima é importante por dois motivos essenciais: primeiro, é pertinente para entender suas obras atuais, que também serão tratadas nos próximos capítulos, ao passo que os conceitos e concepções não nasceram prontos, foram construindo-se ao longo dos anos e ainda hoje continuam se desdobrando em seu percurso. Segundo, para se ter a ciência de que estamos tratando de uma artista com formação filosófica, uma vez que o conceito de

carnalidade da filosofia merleau-pontyana, aparece na instancia

Homem=Carne/Mulher=Carne não por um mero acaso.

1.2. Nuvem: corpo em pedaços. Procuro um homem!

Maravilha muito pouco notada é que todo movimento de meus olhos - ainda mais, toda deslocação de meu corpo – tem seu lugar no mesmo universo visível, que por meio deles pormenorizo e exploro, como inversamente, toda visão tem seu lugar em alguma parte do espaço táctil24.

23 Trecho da entrevista feita por Sabrina Maurilia dos Santos com Laura Lima, gentilmente cedida no dia 16 de fev de 2012 as 16hs45min, p.2.

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Conta-se que há mais ou menos dois mil e quatrocentos anos, na cidade turca de Sínope, situada as margens do Mar Negro, um filósofo andou em plena luz do dia, segurando um candelabro aceso gritando os seguintes dizeres: Procuro um Homem! Diógenes foi o primeiro dos Cínicos, diferente da conotação negativa que essa palavra tem presentemente, na idade antiga os Cínicos tinham uma forma zombeteira de dizer às verdades que pensavam. Então o Cinismo era uma filosofia socrática que tinha como precursor um amigo de Sócrates, seu nome era Antístenes25.

Na Casa de Cultura Laura Alvim, no Rio de Janeiro em 2009, logo na entrada da exposição intitulada Nuvem, o publico se deparou com uma parede falsa em que era possível visualizar um braço segurando um castiçal, o castiçal era a luz de Diógenes de Sínope a procura de um homem verdadeiro. Esse homem seria alguma pessoa que vivesse conforme a sua essência, que sugere a pura natureza do divino, alguém que fosse adverso as convenções impostas pela repressora sociedade. Alguém que não possuísse o medo causado pela falta de liberdade e escravidão de não ser o que se é. Um homem livre para ser e fazer o que desejasse. E para procurar o homem verdadeiro deveria ser com uma luz bem acesa, para que ela pudesse refletir o homem mesmo a luz do dia.

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Laura Lima: Candelabro Diógenes, 2009. Braço de pessoa, metal, madeira, lâmpada.

Moedas falsas trocadas por verdadeiras, o preço da verdade e da mentira. Esse foi o motivo que se delegava Diógenes ao se tornar um filósofo andarilho. Seu pai, um banqueiro de Sínope que fora incumbido de retirar a moeda falsa de circulação, e ao invés disso, troca a verdadeira como sendo falsa e desaparece da cidade, fez com que Diógenes se tornasse um filósofo andarilho, que percorria a cidade na intenção de mostrar aos homens a mentira escondida nas declarações tidas como verdadeiras. Um modelo claro do pensamento Cínico

da época era a alegação da garantia de felicidade através da posse de bens matérias ou da obtenção de poder.

As margens da praia de Ipanema, mundialmente conhecida nos versos de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, Nuvem de 200926, com a curadoria de Ligia Canongia, representa um desdobramento da pesquisa com o corpo iniciada com o conjunto de idéias de

Homem=Carne/Mulher=Carne, conceito que indica sempre conjunturas extraordinárias de construção para o corpo, só que em Nuvem se aproximando formalmente mais da idéia de

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escultura ou até mesmo, e por que não dizer, instalação.

A parede falsa, de onde o braço de Diógenes segura o castiçal, também divide a mesma idéia em outra sala, em que dois braços despontam da parede, também falsa, segurando a colagem de uma imagem escaneada de um livro de ambientes de Art Nouveau. Com o auxilio de um programa de computador, a imagem recebe interferências da artista27, algumas das fotomontagens aparecem como imagens que se desmancham em torno de uma fumaça, que num momento é concreta e logo se dissipa28 e, algumas vezes, misturando-se a fragmentos de corpos, objetos de uma tabacaria, arquitetura e figuras humanas estranhas pintadas em um plano bidimensional, conjeturando a mesma idéia aos trabalhos vivos e no espaço expositivo.

Laura Lima: Mãos, 2009. Madeiras, mãos de pessoa, obra de arte emoldurada.

27 Informações obtidas do jornal eletrônico Guia da Semana, disponível em: <http://www.guiadasemana.com.br/artes-e-teatro/nuvem-casa-de-cultura-laura-alvim-27-07-2009> acesso em 24 de mai de 2012.

28 Informações obtidas pelo site Canal Contemporâneo, disponível em:

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29 A invenção morfológica destas esculturas, como parece ser a maneira que a artista gostaria que elas fossem chamadas, reside no próprio espaço onde estão instaladas; o corpo é um continuo do espaço, e seus complementos uma resposta. Ao se fundir a arquitetura, as obras assumem a escultura como negatividade e potencializam, de forma exemplarmente coerente na trajetória da artista, o corpo e seus fragmentos como material para a arte29.

Ao adentrar em outro ambiente da exposição, o visitante passa a fazer parte de uma atmosfera em que dois braços imbricados a parede atendem ao seu pedido de enrolar um cigarro para que ele fume, contemplando a praia de Ipanema, sob um inebriante perfume de café e menta. Tal conduta transgride algumas leis já estabelecidas como a de não fumar em espaços públicos fechados e a existência de ar condicionado para conservação das obras, que nesse caso, permanece desligado em todas as salas, pois é permitido fumar em todos os ambientes do espaço expositivo30; o que significa a presença de um dispositivo próprio, estruturado pela artista. Tal assunto será desenvolvido com maiores detalhes no segundo capítulo.

Laura Lima: Charutos, 2009, Charutos manipulados.

Desta forma, a impressão que temos é que o sistema operado por Laura Lima, a partir da objetificação dos corpos, aparecem integrados numa mesma totalidade. Esses aparatos

29 MOURA, 2009, p.11.

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servem como configurações para estabelecer comunhão entre modelos já nomeados que, conseqüentemente, dão forma a um universo próprio da artista em que fica difícil qualificar dentro de um sistema decodificado, porque modelos pré estabelecidos, como a arquitetura, desenho, pintura, escultura, instalações, ou seja, todas essas visitas a história da arte, por exemplo, encontram-se imbricados formando a obra, num encontro de coisas que não são assimiladas, já que os objetos presentes aparecem como a personificação de uma carne

moldante da carnalidade do mundo como obra.

Assim, da mesma maneira que na obra Marra, o espaço aparece imbricado na obra, aqui o corpo e a arquitetura estão integrados e desafiam os limites de formato de exposição e da própria relação e percepção do expectador diante da obra. Laura Lima fala da proposta da exposição e vislumbra uma possibilidade ainda maior do que a discussão entre o corpo e o espaço da instituição, como elucida a seguir:

Eu estava interessada naquela fumaça, e apesar de parecer as pessoas secundarias, e o título era isso; tem essa construção constante que é a do saber, da vida, da arte, esse fluxo de coisas, uma paisagem que muda o tempo todo. Estava mais interessada nisso. Você entrava no lugar, e a primeira coisa era uma lâmpada; já era estranho, porque poderia ser fogo, aquilo era o candelabro de Diógenes que andava na antiguidade anunciando “procuro o verdadeiro homem”, e vai sempre com aquela lâmpada... e aquele que procura o verdadeiro homem só encontra partes da minha exposição, pois só existem braços e orelhas saindo pela parede.31

É interessante pensar o corpo que se objetifica, ou seja, o corpo se coisifica e se torna coisaentre as coisas, mas é uma coisa que se vê entre as coisas, que se toca e se vê tocado, tateante, e por trás da parede há uma pessoa, que quando vejo eu penso nesta pessoa.

Merleau-Ponty falou sobre o visível e o invisível do corpo que é visto e ao mesmo tempo tocado, chamou de carne a trama que é a profundidade intangível sobre o corpo tátil. Tratamos a carnalidade em Laura Lima, de acordo com a visão encarnada, do jogo de retorno do olhar, quando Didi- Huberman diz, com mais precisão no livro O que vemos, o que nos olha, sobre o retorno do olho que pensa que vê, quando na verdade está sendo observado. A profundidade do significado da obra, aqui, a luz de Diógenes, na sua procura pelo homem verdadeiro, conjetura a intensidade de significação que se faz visível mediante a superfície

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tangível, mas que toca algo que perpassa a imagem visível aos olhos. A leitura de Didi Huberman irá esclarecer que a encarnação da pintura é a condição em que o olhar mergulha na tela e chega numa profundidade que é a essência ou significado da obra, quem vê a obra, se torna a mesma carne que está dada como obra.

Quando o visitante entra na exposição Nuvem e vê aquela matéria viva como obra de arte, ele se entrelaça naquele mesmo corpo e se sente como um corpo vivo que está ali como obra. Didi-Huberman chamará de mirada-chorro del pintor32, a idéia dos ritmos da pinceladas e acabamento de um quadro, que obedece a pulsão do artista, que tem muito a ver com o temperamento, o sangue nos olhos de quem dá os golpes na tela, que revela a alteração de humor do pintor, da sua bílis, seu sangue, do liquido que se converte em pintura é Chorro

para Didi-Huberman, a medida em que a emoção se transforma em pintura, ou seja, a profundidade da emoção do artista é a pintura, sem separação entre uma coisa e outra.

Em seu outro livro, La Pintura Encarnada, Didi Huberman escreverá a respeito do drama e loucura do pintor Frenhofer. Personagem da obra ignorada de Balzac, Frenhofer trabalhou por anos a fio em uma pintura para dar vida à mulher amada através da sua obra. Um dia, dois também grandes pintores, Porbus e Poussim têm a oportunidade de ver a obra prima que tanto tempo tomou de Frenhofer e para frustração de ambas as partes, descobrem que na verdade o que há pintado na tela são apenas linhas e borrões. Frenhofer assim descrevera sua pintura: Minha obra é perfeita e agora posso mostrá-la com orgulho. Não há pintor, pincel, cor, tela e luz que poderá ricalizar-se com minha Catherine Lescaut33. É a partir disso que Didi Hubernan vai explicar à visão encarnada, o encarnado, a pele que não é superfície, mas que adentra o que é visto pelos olhos.

El pintor Frenhofer buscaba el encarnado: buscaba la piel por debajo o mas allá del plano, como se fuera o punto más extremo de concederle el sexo y el amor; “me ama” decía de su cuadro; pero al hacerlo no veía que lo que lo que le observaba no era, por eso mismo, más que un “muro de pintura”34.

Esse vínculo com a natureza da alma do artista, profundamente interpretado na carne da pintura de Frenhofer, bem como a essência que buscavam os Sínicos na época antiga, a

32 DIDI-HUBERMAN, 2007, p.14. 33 COELHO, 2003, p.51.

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profundidade natural que está além do que os olhos vêem, mas que somente alguns podem interpretar Ese “Nada, nada!”, ese estremecimiento de Frenhofer, esas lágrimas y esa especie de loucura o de verdad pictóricas35que dão sentido e que é a visão encarnada.

Didi-Huberman, através da leitura da novela de Balzac, não escreve sobre Frenhofer por acaso, uma vez que quando o filósofo escolhe escrever sobre um artista é porque este sempre vem com uma obra que é risco, ou seja, obras consideradas catástrofes em seu tempo, mas que depois serão reconhecidas. Por isso, estabelecendo uma ponte com o pensamento de Didi Huberman, que escreveu sobre a acepção da dor que pode ser sentida na obra, o jorro de emoção e angústia que encarna no autor da obra e se encarna como pintura, faz lembrar, por semelhante lógica, outro artista incompreendido em seu tempo, mas que Didi Huberman não escreveu, no entanto, a leitura de sua obra se torna fundamental para entender a pintura encarnada, esse artista se chama Mathis Grunewald.

O artista que fez o Retábulo para o hospital da igreja de Isenheim, foi um pintor alemão de pinturas Sacras. A obra apresentada a seguir, representa na pintura de Grunewald perceptivelmente a imagem de Cristo num proeminente realismo. O pintor estabelece um novo estilo para representação da imagem de Cristo, pois esta deixa de ser a representação arquetípica, como era nos ícones bizantinos, e se torna realisticamente humana. Na época, também incompreendido, Grunewald buscou irradiar, através da pintura, a mesma dor que as vítimas da peste mortal do hospital de Isenheim sentiam e que tomava conta do lugar em que estava exposta, não por um mero acaso.

A verdade que Diógenes procurava com seu candelabro, a mentira que cegava, ao mesmo tempo em que comprovava e que dissimulava, é também a que distorcia para revelar alguma coisa. No caso dos doentes de Issenheim, a obra de arte vem como uma mistura estranha, entre o que se vê e o invisível da imagem. Na época, a mesma obra que aliviou a dor, mostrou-a para que os pacientes suportassem a sua própria, amparados pela dor de seu semelhante (Cristo) e a agonia tal como era na sua mais cruel reprodução. O altar da igreja dos Antoninos apresentou uma imagem como aflição, que observava aos que a contemplaram, ou também simplesmente tentava amenizar o martírio dos enfermos pela duplicação do sofrimento, ou alcançou, por fim, até o ultimo suspiro, superar o medo da morte.

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Mathis Grünewald: O Retábulo de Isenheim, 1510-15. Óleo sobre painel, 500 x 800 cm.

A obra de Grünewald era a encarnação de um mistério, pelo qual Cristo se manifestava na forma da dor, na forma humana nesse caso. Então o encarnado aqui significa a corporização ou personificação da carne do corpo. No que diz respeito aos escritos de Didi-Huberman, o que Frenhofer faz ao pintar sua amada é a busca da encarnação em sua pintura, cujo objetivo era produzir a pintura de uma mulher viva. Sendo assim, tal reflexão cabe a imagem de Cristo crucificado que há muito foi familiar, mas que retorna como a própria realidade e condição mesma dos pestíferos ou um eu que agora retorna de maneira estranha, uma vez que o Cristo de Grünewald é representado não mais como um ícone e sim como um ser humano que é carne, secreção, horror, que é a extenuação de um corpo que sofre.

Diante do exposto, as obras de Laura Lima, mostradas na exposição Nuvem,

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filósofo Diógenes encontrou esse homem verdadeiro na idade antiga?

Com o estudo do Retábulo de Issenhein alcançamos a idéia de que Grünewald buscou transformar a dor de Cristo em pintura e o pintor Frenhofer queria reproduzir não a representação de sua amada, mas encarná-la na pintura, mostrá-la tão viva quanto os corpos carne que Laura utiliza como matéria, pois ao fixarmos o olhar sobre a obra de Laura Lima, nos sentimos na mesma pele que molda o que os olhos estão vendo. Frenhofer descreve a seguir a vida que deseja dar a sua pintura, a carne que buscou eternizar e prender em seu quadro:

Ah, ah! Exclamou ele, “vocês não esperavam tanta perfeição! Estão diante de uma mulher e ficam procurando um quadro. Há tanta densidade nesta tela, o ar é tão real nela que vocês não conseguem distingui-lo do ar que nos envolve. Onde está a arte? Perdeu-se desapareceu! O que está aí são as formas mesmas de uma mulher. Não captei bem a cor correta, a força da linha que parece completar o corpo? Não se dá aqui o mesmo fenômeno dos objetos que estão na atmosfera como peixes na água? Reparem como os contornos se destacam do fundo. Não da à impressão de que seria possível passar a mão por essas costas? Levei sete anos estudando os efeitos do casamento entre a luz e os objetos. E estes cabelos, não estão inundados de luz? Ela está respirando eu sei! E este seio estão vendo? Quem não cairia de joelhos diante dela, em adoração? Sua carne palpita. Esperem, ela vai levantar-se”36.

A grande obsessão e loucura de Frenhofer era a luta para conseguir pintar uma mulher de verdade, queria que sua obra prima respirasse, que sua amada tivesse o calor, rubor e o toque aveludado da pele, tão perfeitos que pudessem saltar da tela para que ele pudesse tocá-la. Ele buscava o real em forma de pintura. Os gregos da antiguidade clássica utilizaram técnicas como à perspectiva, o modelado tridimensional com o uso de sombras e o ilusionismo trompel'oeil37, dessa forma conseguiram retratar os nervos, músculos, veias, expressões e até os sentimentos dos homens. Mais tarde, Leonardo da Vinci buscou o real no homem vitruviano. Tal conceito é considerado um cânone das proporções do corpo humano, segundo um determinado raciocínio matemático e baseando-se, em parte, na divina proporção. Desta forma, o homem descrito por Vitrúvio apresenta-se como um modelo ideal

36 COELHO, 2003, p.52.

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para o ser humano, cujas proporções são perfeitas, segundo o ideal clássico de beleza. Porém o que difere os gregos de Frenhofer é que ele estava desde essa época, buscando outro tipo de realidade, a mesma que os pintores modernos mais tarde buscavam e o fizeram com grande intensidade, à realidade que pode ser sentida diante da tela, que não precisa ter necessariamente o rigor da representação clássica, Frenhofer buscava a sensação.

A verdadeira natureza da obra para Frenhofer não estava mais em retratá-la tal como os gregos idealizavam, a pura e verdadeira beleza e perfeição através da razão e da harmonia. A total impressão, A Dúvida de Cézanne38, lindamente elucidada por Merleau-Ponty, a essência que o artista tanto buscou e que mais tarde, na arte moderna se consolidou: a sensação em pintura. Incompreendido na época, o que realmente Frenhofer queria, era possuir o corpo presente da mulher amada, por isso o artista fracassou. Na contemporaneidade Laura Lima apresenta os corpos vivos em suas exposições, a artista mostra de fato a imagem do corpo real, mas ainda não mostra tudo, porque procura com sua obra mostrar o invisível da imagem, a carnalidade Merleau-Pontyana, o que não existe no mundo visível e palpável, o irrepresentável.

Quando chegamos ao ponto de abordar o tema da representação, voltamos no tempo para poder entender a obra de Laura Lima, se refletirmos acerca do pressuposto de que a artista representa o irrepresentável, chegamos lá no final dos anos noventa, numa obra na qual ela intitula Representativo hífen Representativo, a abreviação das duas palavras é um grunhido, RhR, uma palavra que é visceral, gutural. O hífen junta duas representações de mundo, quaisquer que sejam, mas é no hífen que estamos interessados no RhR. No meio,

buraco, abismo unindo representatividade39. É então, nesse buraco, que está à questão para a artista, é no entre que existe o vazio, aquilo que nada representa, o irrepresentável. Na presente obra, do ano de 1999, Laura Lima discute as relações e experiências com o corpo, seu deslocamento e a paisagem. A proposta teve seu primeiro movimento sede no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro. Após a exposição na praia do Arpoador em 1994, mencionada anteriormente, inicia-se uma trama para se pensar a inserção do corpo no espaço. Neste sentido a artista não determinará nada na obra, não é uma obra da artista, RhR está dada no mundo e a forma como é lida será sempre diferente, pois o que predomina são inúmeras

38 A Dúvida de Cézanne é um belíssimo ensaio escrito por Merleau-Ponty, que está presente em seu Livro O Olho e o Espírito.

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propostas e vivências dessemelhantes. Em RhR a obra não está acontecendo necessariamente dentro de uma instituição de Arte, porém, aqui também é pensada como a relação de um corpo que está no mundo e que convive e interage com outros corpos, e, além de tudo, dos sentidos momentâneos que se desenrolam a partir de tais experiências, como por exemplo, o absurdo no cotidiano.

Os participantes de RhR usavam um uniforme e pessoas de todas as áreas e funções diferentes participavam vestindo uma roupa que era um desenho no espaço. Tal veste tinha um recorte peculiar e se encontravam sempre e em inúmeros lugares da cidade, do mundo e às vezes iam até em exposições de arte. Quando isso ocorria, os visitantes perguntavam se aquilo era mesmo obra de arte e de quem era, naturalmente questionando o porquê daquilo, mas Laura Lima respondia que não tinha função nem objetivo. Nessa época, a artista era a administradora de RhR e possuía como ferramenta a filosofia e as artes plásticas, então o mais importante para a artista era como as coisas iam se nomeando e como os sentidos das coisas iam se formando através dos níveis das relações com o mundo.

A coisa da paisagem também vem desse sentido, que o RhR, está no mundo, e ele não vai conter, então são muitos níveis de relação entre uma coisa e outra. O RhR é uma coisa específica, (...) Eu acho que esse ponto da paisagem, ele tem a ver com a questão de nomear e ao mesmo tempo ele tem a ver com uma questão histórica de arte elementar, principalmente na pintura, a mesma forma como o homem domina a natureza, ou mesmo lá na forma da pintura como o homem tinha problemas com a cor verde na pintura, quer dizer, são símbolos que vão se relacionando o tempo todo, que vão focar esse nível do entendimento do homem como ele olha para o mundo40.

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Laura Lima: RhR, Jarbas Partindo para a Espanha, 2000. Foto: vivia 21.

Com relação à paisagem, RhR é entendida como um lugar que está destinado a desaparecer, questiona a paisagem e os lugares públicos, questiona o que não precisa ser nomeado. Do mesmo modo, o tema da paisagem e do absurdo no cotidiano - que será tratado também mais adiante na obra Puxador - de um lugar que é possível nomear, delimitar, representar e da relação homem e absurdo presente no mundo, também são propostas que encontramos em Nuvem. Alem da discussão sobre a pintura e os problemas da representação ao longo da história da arte, da paisagem que vai se modificando o tempo todo e a procura do homem verdadeiro de Diógenes, a exposição consolida todas essas relações do homem e sua comunhão com as coisas que fazem parte do mundo, uma vez que braços são a extensão da parede, nascem imbricados na parede, o mundo é feito do estofo do meu corpo41, parafraseando Merleau-Ponty. O corpo vaza da arquitetura, porque é aderente e um contínuo da paisagem do mundo.

O que fica desse irrepresentável que é a obra de Laura Lima, tal como os pintores

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Frenhofer e Grunnewald, é que a artista mostra uma profundidade intangível, que nos escapa e que nos cala.

1.3 Puxador: corpo paisagem

Assim, convencido da origem toda humana de tudo o que é humano, cego que quer ver e que

sabe que a noite não tem fim, ele está sempre caminhando. O rochedo continua a rolar42.

Laura Lima: Puxador, 1998-2011.

Um homem despido dentro de uma sala, em suas costas, uma mochila que contém uma série de longos pedaços de tecido que se estendem para o exterior da galeria através das janelas. Cada tira de tecido é amarrada a uma árvore diferente na paisagem do lado de fora do

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espaço em que se encontra. Esse homem, conforme descrito acima, também está ligado ao espaço exterior da sala de exposição e utiliza de toda a sua força na intenção de trazer a paisagem para dentro do espaço do museu.

Puxador43 é uma obra que também faz parte do conjunto de trabalhos pertencentes ao

conceito de Homem=carne/Mulher=carne, fundamentado anteriormente. A obra foi exposta duas vezes, a primeira em setembro de 1999 na Fundição Progresso, num projeto do Agora/Capacete no Rio de Janeiro. O performer Marcio Ramalho participou do evento como o homem=carne, o homem que puxava a paisagem para dentro da galeria. A segunda vez que a obra foi apresentada foi em maio de 2000, em São Paulo, na extinta Escola de Crítica, Literatura e Arte da PUC.

Laura Lima ressalta que a obra divide-se em três naturezas 44, Puxador arquitetura, nesse caso, um homem que puxa uma arquitetura, Puxador Paisagem: um homem que puxa a paisagem para dentro do lugar onde está, geralmente instituições de arte, e Puxador Colunas, evento em que um homem puxa as colunas do lugar, comumente instituições de arte também.

Neste momento, notamos que as questões referentes à obra ainda persistem desde 1999 (ano em que Puxador foi exposta pela primeira vez), pois Puxador colunas foi apresentada na Bienal de Lyon, em 2011, nos três meses em que a Bienal esteve em cartaz. A artista trabalha com gêmeos e eles revezam constantemente, mas as pessoas pensam que é o mesmo homem o

tempo inteiro, assim, sempre que o público visita a galeria a obra está acontecendo.

Anteriormente, no primeiro e segundo subcapitulo, refletimos a respeito da idéia de um corpo que é coisa, corpo carne, matéria moldante que está no mundo e o mundo como o prolongamento do próprio corpo. Notamos que nas obras mostradas anteriormente há uma profunda relação do corpo com a arquitetura, contados no mundo como uma só coisa. Do mundo como veste de um corpo, o mundo que é aderente ao corpo. Em Puxador, também é coerente pensar a respeito da construção de um paralelo por ações oriundas do esforço do homem em trazer o mundo para dentro da arquitetura do espaço expositivo. Sob a análise de que a obra não poderia ser comportada apenas a partir do espaço em que o homem está ocupando, pois a ação também é adjacente ao espaço externo da sala de exposição, que, não

43 A obra apresentada na Bienal de Lyon pode ser vista com maiores detalhes através do site de vídeo You Tube, disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=fPX5YfI3DIQ&feature=related> acesso em: 05 de jul de 2012.

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obstante, também é um espaço em que a obra acontece.

Merleau-Ponty fala que a visão e o corpo encontran-se imbricados um no outro 45,

abraçados e entrelaçados, porque o olho que observa o mundo é também corpo que se entrega ao mundo e nessa entrega, o olhar dá ao mundo a sua visão de mundo e então o mesmo olhar, que também é corpo, passa a ser produtor de novos olhares para o mundo, e já que são uma coisa só, também produzem novos mundos. Isso porque o corpo se envolve com as coisas, porque não é porção no espaço, é um corpo que toca e é tocado. Dessa maneira, Merleau-Ponty explica que o corpo precisa fazer parte do mundo físico, precisa estar no entorno, precisa se mover no espaço. Ele fala de um entrelaçamento entre visão e movimento, cuja mudança não seria de um lugar ou espaço físico, mas o amadurecimento de uma visão. Para o filósofo, o entrelaçamento do corpo que é visível ao que é tecido, que não é coisa, mas possibilidade de um universo invisível, é, por si só, a carne das coisas, ou um ser em duas dimensões, que é visível e ao mesmo tempo textura de uma profundidade que é a carne ou

Quiasma, visível por si mesma sem ser matéria.

Com efeito, notamos que a obstinada busca do homem na obra Puxador, para trazer a paisagem para dentro da galeria, instaura a impossibilidade, a repetição e a frustração pela incessante ação do homem, ademais, sabemos que é um desejo que tem como fim o fracasso, muito embora o esforço do homem carne na hora do evento seja para quem observa uma utopia, por acreditar que consiga de fato trazer a paisagem para dentro da galeria, sobretudo cabe a reflexão de que a ação incessante do homem é tida como essas coisas ou atos que fazemos a todo instante ou desejos que nunca são saciados, mas este corpo está entrelaçado a isso e se torna carne dos seus desejos.

O gesto de puxar a paisagem é entendido como um esforço do homem que puxa a se enquadrar no gesto absurdo e sem esperança, fazer de sua vida um eterno esforço e repetição, a fim de alcançar algo que é contrário a sua natureza e ao mundo, perdendo a noção de que o mundo é feito de dúvidas e incertezas, tal como o personagem mitológico Sísifo, condenado pelos deuses a repetir o esforço de empurrar uma pedra até o auto de uma montanha, de onde ela rolaria montanha abaixo novamente, até que Sísifo descesse para empurrá-la para o auto, e assim incessantemente até a eternidade.

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41

Nos anos 40, Alberto Camus escreveu um belíssimo ensaio46 a respeito do trágico Mito de Sísifo. No presente texto o autor faz referência aos conflitos presentes no cotidiano, escritos que serviram como uma abertura de consciência para o absurdo da condição humana da metade do século XX, mas que reverberam até os dias atuais. O texto é sobre a condição de um homem que tem o destino como um peso. Condenado a viver a tristeza da certeza de sua sina, porque ele é um herói consciente, que tem como mundo uma montanha muito alta, da qual ele sobe carregando ao seu corpo a sua vida pesada. Quando as imagens da terra se mantêm muito intensas na lembrança, quando o apelo da felicidade se faz demasiadamente pesado, acontece que a tristeza se impõe ao coração humano: é a vitória do rochedo, é o próprio rochedo47. Camus irá dizer que a vida do operário que trabalha na repetição de seus dias não é menos absurda que o destino de Sísifo. Sobretudo o operário sonha e tem esperança em ter outra vida, merecedora do esforço ou também vive não a sua vida, mas uma grande idéia que o sublima, que faz sentido a sua existência, mas que, não por intenção, o trai.

Qual seria a questão conceitual que se tem ao observarmos um homem nu, com apenas uma mochila nas costas, num gesto corporal repetitivo na intenção de desenraizar as árvores do lado de fora, forçando-as a participar do cenário interno da galeria? O fracasso. Puxador

vem como uma noção de continuidade, com base na idéia de entendimento entre homem e mundo, de como o homem vê o mundo, na intenção de trazer a paisagem, nesse caso, para a vida real, tal como em sua obra RhR de 1999, já tratada anteriormente e tal como Camus, são obras que versam a respeito do absurdo no cotidiano. Sobre RhR, Laura Lima fala que a obra trata da experiência de um terreno que não se define bem e que está fadado a desaparecer, porque tudo que é não precisa simplesmente perseverar ou vencer48. Com base nas palavras da artista, o que se percebe é que, com relação ao terreno que está fadado a desaparecer, a paisagem, nesse caso, é nomeada, pois senão ela seria continua, sem fim, porque o homem precisa codificar delimitar para poder entendê-la. As próprias idéias incorporam o fracasso para a artista, pois elas não são claras, então elas já são fracasso, mas nem por isso o fracasso pode ser pejorativo, o fracasso não é ruim para Laura Lima. As coisas são inventadas, mas não precisam ser niveladas, o que se carece é dar novos sentidos e conectá-las:

46 CAMUS, 1989.

47 Ibid.

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