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Assim, convencido da origem toda humana de tudo o que é humano, cego que quer ver e que sabe que a noite não tem fim, ele está sempre caminhando. O rochedo continua a rolar42.

Laura Lima: Puxador, 1998-2011.

Um homem despido dentro de uma sala, em suas costas, uma mochila que contém uma série de longos pedaços de tecido que se estendem para o exterior da galeria através das janelas. Cada tira de tecido é amarrada a uma árvore diferente na paisagem do lado de fora do

39 espaço em que se encontra. Esse homem, conforme descrito acima, também está ligado ao espaço exterior da sala de exposição e utiliza de toda a sua força na intenção de trazer a paisagem para dentro do espaço do museu.

Puxador43 é uma obra que também faz parte do conjunto de trabalhos pertencentes ao conceito de Homem=carne/Mulher=carne, fundamentado anteriormente. A obra foi exposta duas vezes, a primeira em setembro de 1999 na Fundição Progresso, num projeto do Agora/Capacete no Rio de Janeiro. O performer Marcio Ramalho participou do evento como o homem=carne, o homem que puxava a paisagem para dentro da galeria. A segunda vez que a obra foi apresentada foi em maio de 2000, em São Paulo, na extinta Escola de Crítica, Literatura e Arte da PUC.

Laura Lima ressalta que a obra divide-se em três naturezas 44, Puxador arquitetura, nesse caso, um homem que puxa uma arquitetura, Puxador Paisagem: um homem que puxa a paisagem para dentro do lugar onde está, geralmente instituições de arte, e Puxador Colunas, evento em que um homem puxa as colunas do lugar, comumente instituições de arte também. Neste momento, notamos que as questões referentes à obra ainda persistem desde 1999 (ano em que Puxador foi exposta pela primeira vez), pois Puxador colunas foi apresentada na Bienal de Lyon, em 2011, nos três meses em que a Bienal esteve em cartaz. A artista trabalha com gêmeos e eles revezam constantemente, mas as pessoas pensam que é o mesmo homem o tempo inteiro, assim, sempre que o público visita a galeria a obra está acontecendo.

Anteriormente, no primeiro e segundo subcapitulo, refletimos a respeito da idéia de um corpo que é coisa, corpo carne, matéria moldante que está no mundo e o mundo como o prolongamento do próprio corpo. Notamos que nas obras mostradas anteriormente há uma profunda relação do corpo com a arquitetura, contados no mundo como uma só coisa. Do mundo como veste de um corpo, o mundo que é aderente ao corpo. Em Puxador, também é coerente pensar a respeito da construção de um paralelo por ações oriundas do esforço do homem em trazer o mundo para dentro da arquitetura do espaço expositivo. Sob a análise de que a obra não poderia ser comportada apenas a partir do espaço em que o homem está ocupando, pois a ação também é adjacente ao espaço externo da sala de exposição, que, não

43 A obra apresentada na Bienal de Lyon pode ser vista com maiores detalhes através do site de vídeo You Tube,

disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=fPX5YfI3DIQ&feature=related> acesso em: 05 de jul de 2012.

44 Informação obtida a partir de gentis trocas de E-mail de Laura Lima com a pesquisadora, datada de 15 de

40 obstante, também é um espaço em que a obra acontece.

Merleau-Ponty fala que a visão e o corpo encontran-se imbricados um no outro 45, abraçados e entrelaçados, porque o olho que observa o mundo é também corpo que se entrega ao mundo e nessa entrega, o olhar dá ao mundo a sua visão de mundo e então o mesmo olhar, que também é corpo, passa a ser produtor de novos olhares para o mundo, e já que são uma coisa só, também produzem novos mundos. Isso porque o corpo se envolve com as coisas, porque não é porção no espaço, é um corpo que toca e é tocado. Dessa maneira, Merleau- Ponty explica que o corpo precisa fazer parte do mundo físico, precisa estar no entorno, precisa se mover no espaço. Ele fala de um entrelaçamento entre visão e movimento, cuja mudança não seria de um lugar ou espaço físico, mas o amadurecimento de uma visão. Para o filósofo, o entrelaçamento do corpo que é visível ao que é tecido, que não é coisa, mas possibilidade de um universo invisível, é, por si só, a carne das coisas, ou um ser em duas dimensões, que é visível e ao mesmo tempo textura de uma profundidade que é a carne ou Quiasma, visível por si mesma sem ser matéria.

Com efeito, notamos que a obstinada busca do homem na obra Puxador, para trazer a paisagem para dentro da galeria, instaura a impossibilidade, a repetição e a frustração pela incessante ação do homem, ademais, sabemos que é um desejo que tem como fim o fracasso, muito embora o esforço do homem carne na hora do evento seja para quem observa uma utopia, por acreditar que consiga de fato trazer a paisagem para dentro da galeria, sobretudo cabe a reflexão de que a ação incessante do homem é tida como essas coisas ou atos que fazemos a todo instante ou desejos que nunca são saciados, mas este corpo está entrelaçado a isso e se torna carne dos seus desejos.

O gesto de puxar a paisagem é entendido como um esforço do homem que puxa a se enquadrar no gesto absurdo e sem esperança, fazer de sua vida um eterno esforço e repetição, a fim de alcançar algo que é contrário a sua natureza e ao mundo, perdendo a noção de que o mundo é feito de dúvidas e incertezas, tal como o personagem mitológico Sísifo, condenado pelos deuses a repetir o esforço de empurrar uma pedra até o auto de uma montanha, de onde ela rolaria montanha abaixo novamente, até que Sísifo descesse para empurrá-la para o auto, e assim incessantemente até a eternidade.

41 Nos anos 40, Alberto Camus escreveu um belíssimo ensaio46 a respeito do trágico Mito de Sísifo. No presente texto o autor faz referência aos conflitos presentes no cotidiano, escritos que serviram como uma abertura de consciência para o absurdo da condição humana da metade do século XX, mas que reverberam até os dias atuais. O texto é sobre a condição de um homem que tem o destino como um peso. Condenado a viver a tristeza da certeza de sua sina, porque ele é um herói consciente, que tem como mundo uma montanha muito alta, da qual ele sobe carregando ao seu corpo a sua vida pesada. Quando as imagens da terra se mantêm muito intensas na lembrança, quando o apelo da felicidade se faz demasiadamente pesado, acontece que a tristeza se impõe ao coração humano: é a vitória do rochedo, é o próprio rochedo47. Camus irá dizer que a vida do operário que trabalha na repetição de seus dias não é menos absurda que o destino de Sísifo. Sobretudo o operário sonha e tem esperança em ter outra vida, merecedora do esforço ou também vive não a sua vida, mas uma grande idéia que o sublima, que faz sentido a sua existência, mas que, não por intenção, o trai.

Qual seria a questão conceitual que se tem ao observarmos um homem nu, com apenas uma mochila nas costas, num gesto corporal repetitivo na intenção de desenraizar as árvores do lado de fora, forçando-as a participar do cenário interno da galeria? O fracasso. Puxador vem como uma noção de continuidade, com base na idéia de entendimento entre homem e mundo, de como o homem vê o mundo, na intenção de trazer a paisagem, nesse caso, para a vida real, tal como em sua obra RhR de 1999, já tratada anteriormente e tal como Camus, são obras que versam a respeito do absurdo no cotidiano. Sobre RhR, Laura Lima fala que a obra trata da experiência de um terreno que não se define bem e que está fadado a desaparecer, porque tudo que é não precisa simplesmente perseverar ou vencer48. Com base nas palavras da artista, o que se percebe é que, com relação ao terreno que está fadado a desaparecer, a paisagem, nesse caso, é nomeada, pois senão ela seria continua, sem fim, porque o homem precisa codificar delimitar para poder entendê-la. As próprias idéias incorporam o fracasso para a artista, pois elas não são claras, então elas já são fracasso, mas nem por isso o fracasso pode ser pejorativo, o fracasso não é ruim para Laura Lima. As coisas são inventadas, mas não precisam ser niveladas, o que se carece é dar novos sentidos e conectá-las:

46 CAMUS, 1989.