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Sanções Acessórias das Contra-Ordenações Laborais

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Academic year: 2022

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Laborais

joão SoAreS ribeiro*

1. As sanções acessórias nas contra-ordenações em geral

Se tivermos presente que as designadas sanções acessórias só eufemis- ticamente assim podem ser catalogadas porque, na realidade, são bem mais gravosas para os arguidos do que a sanção principal do Direito de Mera Ordenação Social (DMOS) – a coima –, então justificar-se-á a opinião crítica de que este tipo de medidas sancionatórias das contra-ordenações parece merecer da generalidade da doutrina, logo desde a sua introdução na ordem jurídica. Acresce, adiante-se já, que se assim é para as contra- -ordenações em geral, para as laborais, ademais de sofrerem de idêntica negativa opinião, parecem ainda possuídas de uma certa malapata.

Recorde-se que no diploma de 1979, que tentou introduzir na ordem jurídica nacional o Direito das Contra-Ordenações1, da autoria do Pro- fessor eduArdo correiA, se consagrava já a possibilidade de aplicação, simultaneamente com a coima, da apreensão de objectos aí tida como a única sanção acessória aplicável2, embora aquele Autor no texto que

* Ex-Dirigente da área das contraordenações laborais da Autoridade para as Con- dições de Trabalho (ACT).

1 Dizemos tentou introduzir uma vez que tal diploma – o DL 232/79, de 24/07 – foi logo paralisado pelo DL 411-A/79, de 01/10, que procedeu à revogação dos n.os 3 e 4 do seu art. 1.º que equiparavam às contra-ordenações as contravenções ou transgressões então existentes.

2 Cfr. arts. 19.º a 24.º do DL 232/79.

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apresentara em 1973, e que constitui a verdadeira carta de alforria deste ramo do Direito, tenha afirmado a necessidade de outras medidas para além da coima, tais como a restituição de vantagens materiais ou a apreensão de títulos ou autorizações concedidas pela Administração – por exemplo a carta de conduzir – …3/4

Contudo, quando três anos mais tarde, com o Dec.-Lei n.º 433/82, de 27/10, se retomou o propósito consagrativo das contra-ordenações, mantendo-se incólume aquela medida de apreensão5, foi logo prevista a possibilidade de aplicação de três outras sanções de acessória natureza, quais eram a interdição de profissão, a privação do direito a subsídio público e a privação do direito de participar em feiras ou mercados por prazo até dois anos6.

Esta opção legislativa foi, contudo, objecto de apreciação negativa por parte do Professor figueiredo diAS para quem: “A bondade de uma tal solução parece-me altamente contestável, por isso que a natureza destas sanções se aproxima sensivelmente da das sanções criminais, quando com ela se não confunda. Com a agravante de a aplicação de tais sanções acessórias se não encontrar – ao contrário do que, muito correctamente, sucede com a apreensão, por força do art. 22.º – subor- dinada ao princípio da subsidiariedade. Não me parece em todo o caso impossível defender a validade deste princípio também relativamente à aplicação daquelas sanções, tanto mais quanto, de um certo ponto de vista, se trata nele da mera tradução de um mandamento jurídico- -constitucional, contido na segunda parte do n.º 2 do art. 18.º da nossa Lei Fundamental.”7/8

3 Texto este apresentado em Madrid, na Real Academia de Jurisprudencia y Legis- lacion, sob o título Direito Penal e Direito de Mera Ordenação Social – BFDUC, Vol.

XLIX, pp. 257 a 281.

4 Diga-se aqui, em abono da verdade, que no domínio das contravenções e transgres- sões, já o § único do art. 486.º do velho Código Penal de 1886 dispunha que: a perda dos objectos e instrumentos apreendidos em contravenção, só pode ser pronunciada, quando a lei especialmente o decretar. Cf. o nosso Contra-Ordenações Laborais, regime jurídico anotado, Almedina, 2000, pp. 60 a 64.

5 Cfr. arts. 21.º a 26.º do DL 433/82, de agora em diante identificado pela sigla RGCO.

6 Cfr. art. 21.º/3 do DL 433/82.

7 – O Movimento da Descriminalização e o Ilícito de Mera Ordenação Social – Jorna- das de Direito Criminal – O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar, Fase I, CEJ, pp. 317 e ss – (p. 334).

8 Do mesmo Autor, e no mesmo sentido, vd. Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 152.

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Também TereSA PizArro belezA9 achava absurdamente severas as disposições do Direito de Mera Ordenação que prevêem sanções aces- sórias se comparadas as condutas aqui tipificadas com as que se contêm no Código Penal10.

Sucedeu, entretanto, que a redacção do principal preceito das sanções acessórias do RGCO (o art. 21.º) foi alterada pelo Dec.-Lei n.º 356/89, de 17/10, que aditou ao anterior elenco a privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos e o encerramento de estabelecimen- tos, assim como se admitiu a possibilidade de publicitação das sanções.

MAriA ferNANdA PAlMAe PAulo otero, a propósito da revisão do RGCO11, escrevem: “a aplicação de sanções acessórias deve estar espe- cialmente subordinada aos princípios da proporcionalidade e igualdade, sendo de salientar o dever de fundamentação da decisão sancionatória, tanto mais que a mesma comporta o exercício de uma certa margem de liberdade de decisão. Além disso, o dever de fundamentação, obrigando a Administração a indicar as razões de facto e de direito subjacentes à sanção acessória aplicada, constitui fonte instrumental para se aferir o respeito pelas próprias regras de proporcionalidade e igualdade de decisão.”

Com o Dec.-Lei n.º 244/95, de 14/0912, a apreensão passou a designar-se legalmente por perda de objectos pertencentes ao agente, mantendo-se no essencial as restantes sanções com as características que lhes tinham sido atribuídas pela legislação anterior.

No entanto, importa aqui realçá-lo, aquele princípio da subsidiariedade – de que falava o Professor figueiredo diAS, criticando o facto de então, isto é, na vigência da redação inicial do RGCO, ser restrito à apreensão13

9 In Direito Penal, 1.º vol. (2.ª ed.). AAFDL, 1984, p. 146.

10 Isto era dito, note-se, antes da consagração, pela Lei n.º 59/2007, de 04/09, das penas acessórias aplicáveis às pessoas colectivas de injunção judiciária, interdição do exercício de actividade, proibição de celebrar certos contractos ou contractos com certas entidades, privação do direito a subsídios, subvenções ou incentivos, encerramento de estabelecimento, publicidade da decisão condenatória (art. 90.º-A do CP).

11 A proposta de alteração que deu origem ao Dec.-Lei n.º 244/95, de 14/9, é da autoria destes dois eminentes juristas. Vd. Revisão do Regime Legal do Ilícito de Mera Ordenação Social, in Rev. da Fac. Dir. Univ. Lisboa, vol. XXXVII, 1996, n.º 2, p. 577.

12 Que, segundo o seu preâmbulo, teve, entre outros, o propósito de proceder à revisão do regime das sanções acessórias, estabelecendo com rigor os respectivos pressupostos e, em especial, fazendo depender a sua aplicação de uma ligação relevante com a prática da contra-ordenação.

13 E que constava do art. 22.º da redacção inicial do DL 433/82.

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e não abarcar, pelo menos expressamente, todas as restantes sanções, tal como deveria decorrer do mandamento constitucional de restrição dos direitos, liberdades e garantias se limitar ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos14 – aquele princípio da subsidiariedade, dizíamos, acabou por desaparecer do texto legal15 por força das alterações introduzidas no Dec.-Lei n.º 433/82 pelo diploma de 1995, se bem que destas tenha resultado terem-se aditado novas regras limitativas da aplicabilidade da perda de objectos perigosos16.

Uma característica essencial, que constava do texto inicial e se manteve depois das alterações produzidas no regime das sanções acessórias, é a sua inaplicação directa e imediata. Ou seja, fiel ao propósito e ao sentido de uma verdadeira lei-quadro, o que o legislador do RGCO consagra, é apenas a possibilidade de as futuras normas legais que tiverem aquela como habi- litante poderem determinar – ou não – a aplicação das sanções acessórias ali especificamente previstas conjuntamente com a aplicação de coima17.

Daqui se retira, por conseguinte, a característica de verdadeira aces- soriedade material no sentido em que não poderá aplicar-se uma sanção acessória sem que seja simultaneamente aplicada uma coima. E, por exclusão de partes, também não serão cabíveis sanções acessórias quando a decisão for a de mera advertência ou a de prolação de admoestação18ou ainda quando a lei admita a dispensa de coima19. Isto, sem prejuízo de o RGCO determinar (art. 25.º) que a perda de objectos perigosos ou seu

14 Cfr. art. 18.º/2 da CRP.

15 Embora se possa, e deva, continuar a defender a sua aplicabilidade por força do primado dos princípios constitucionais.

16 Nos termos da Lei n.º 13/95, de 05/05, que concedeu ao Governo autorização legis- lativa para rever o RGCO, são pressupostos de aplicação das sanções acessórias: 1) fazer depender a sua aplicação de uma conexão relevante com a prática da contra-ordenação;

2) restringir a possibilidade de encerramento do estabelecimento aos casos em que o seu funcionamento está sujeito a autorização ou licença da autoridade administrativa;

3) distinguir claramente, na sua regulamentação, a perda, enquanto medida de natureza definitiva, da apreensão, como medida de natureza provisória; 4) clarificar o regime da perda e da apreensão de objectos perigosos.

17 A lei pode, simultaneamente com a coima, determinar as seguintes sanções aces- sórias, diz o art. 21.º/1 do RGCO.

18 Cfr. art. 51.º do RGCO e art. 48.º da Lei n.º 107/2009, de 14/09.

19 Como é o caso do disposto no art. 560.º do CT. Não defendemos, por isso, pelo menos no âmbito do Direito das Contra-Ordenações Laborais, a aplicação supletiva do art. 74.º do CP, que regula a «dispensa de pena» no domínio criminal. Esta é a posição que vimos defendendo nas Contra-Ordenações Laborais, Regime jurídico, Almedina, 3.ª edição, 2011, nota 2 ao art. 560.º, p. 352

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valor, poderá ter lugar mesmo que não possa haver procedimento con- tra o agente ou lhe não possa ser aplicada coima. Mas, por outro lado, como melhor veremos adiante, nada obsta que num processo em que a coima seja paga voluntariamente – e que, por isso, deveria ser dado por findo –, este prossiga para decisão sobre a sanção acessória, se tal for o caso, isto é, se o respectivo tipo legal impõe, ou até apenas permite, aquele tipo de sancionamento e ele constava inicialmente dos autos20. 2. As sanções acessórias nas contra-ordenações laborais

2.1. Antes do Código de 2009

No que toca ao regime específico das contra-ordenações laborais, o primeiro diploma que as introduziu na ordem jurídica nacional21 não se lhes referia.

Já o segundo, a Lei n.º 116/99, de 04/08, consagrou-lhe um artigo (14.º) no qual, seguindo a técnica da norma habilitante, que já vimos constar do RGCO, admitia que poderia a lei habilitada determinar, em certas circunstâncias, a aplicação das sanções acessórias previstas no RGCO, incluindo a publicidade da condenação, que logo regulamentava através da publicação num jornal diário de âmbito nacional, numa publi- cação periódica regional ou local assim como a listagem trimestral das infractoras a publicar na 2.ª série do Diário da República.

Apesar desta permissão legal, a verdade é que não havia legislação laboral que contemplasse tal tipo de sanções, com duas excepções apenas.

Num primeiro caso, e nos termos do artigo 13.º do Dec.-Lei n.º 272/89, de 19/0822, a prática de infrações graves e repetidas poderia determinar a aplicação das sanções acessórias de interdição do exercício da actividade transportadora ou do exercício da profissão por parte do condutor por um período até dois anos. Curiosamente, a possibilidade de aplicação destas sanções permaneceu por cerca de vinte anos, até que desapareceu com a vigência da Lei n.º 27/2010, de 30/08. Num segundo caso, dispunha o

20 Cfr. o segmento final da norma contida no n.º 3 do art. 19.º da Lei n.º 107/2009, de 14/09.

21 O DL 491/85, de 26/11.

22 Que estabelecia as regras de aplicação e o regime sancionatório das normas comu- nitárias sobre regulamentação social e aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários e que, depois de derrogações parciais pela Lei n.º 114/99, de 03/08, e pelo DL 169/2009, de 31/07, só viria a ser revogado pela Lei n.º 27/2010, de 30/08.

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artigo 26.º da Lei n.º 116/99 que: “A falta de seguro de responsabilidade civil por acidente de trabalho constitui contra-ordenação muito grave sujeita também à sanção acessória de publicidade nos termos da lei do regime geral das contra-ordenações laborais.”

Com a entrada em vigor do CT de 200323, nos termos do disposto no seu artigo 627.º, e havendo reincidência em contra-ordenações muito graves ou graves praticadas com dolo ou negligência grosseira, é admi- tida a interdição do exercício de actividade ou a privação de participar em arrematações ou concursos públicos até seis meses, assim como a publicidade da decisão condenatória nos casos previstos na lei.

Trata-se aí, como se vê, não já duma norma habilitante ou meramente programática, mas, antes, de uma real possibilidade de aplicação por parte da ACT24 ou dos tribunais daquelas duas primeiras medidas. Quanto à última – a publicitação da decisão – a pressuposição de estar prevista na lei tornava-a de mais rara aplicabilidade uma vez que só estava prevista para a violação dos direitos de personalidade, igualdade no trabalho, trabalho de menores e retribuição25.

Em todas as sanções acessórias, repete-se, pressuposto de aplicabili- dade era a reincidência, ou seja, ter o agente praticado uma nova contra- -ordenação grave com dolo ou uma muito grave antes de ter terminado o prazo de prescrição da coima anteriormente aplicada por infracção de idêntica gravidade e culpa, o que as tornava de carácter esporádico.

Não pode aqui deixar de se referir, até pela conexão que se fará adiante com o actual sistema de sanções acessórias, uma outra sanção desta natureza, embora de maior gravidade do que as referidas, prevista no artigo 477.º da Lei n.º 35/2004, que regulamentou o CT/2003, e que se refere ao encerramento de estabelecimento cujo funcionamento esteja sujeito a autorização ou licença de autoridade administrativa.

2.2. No Código de 2009

O regime das sanções acessórias sofreu grandes modificações, for- mais e substanciais, no CT/2009 quando comparado com o antecedente do CT/2003.

23 Em 1 de Dezembro de 2003, operada através da Lei n.º 99/2003, de 27/08.

24 Autoridade para as Condições de Trabalho.

25 Cfr. arts. 641.º, 642.º, 643.º e 669.º, respectivamente, do CT/2003. Cfr. ainda arts. 476.º e 477.º da Lei n.º 35/2004, sendo que aquele continua a respeitar a violação do trabalho de menores e este da participação dos mesmos em actividades de espectáculos.

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Apesar de que não nos pareceu ter sido o legislador do actual CT muito feliz, não tanto com a reformulação do regime, mas sobretudo com o facto de não ter incluído no âmbito objectivo da norma genérica do artigo 562.º todas as modalidades de sanções acessórias que se encontram previstas nos tipos legais específicos26.

De facto, quem faça um périplo por estes tipos, agora dispersos por todo o Código – ao contrário do que sucedia no CT/2003 que lhes dedicava uma secção específica sob a epígrafe de contra-ordenações em especial27 – vai encontrar modalidades de sanções acessórias que não constam do elenco das previstas na disposição genérica do regime geral da responsabilidade contra-ordenacional onde supostamente deviam constar. O que, para além de comprovar uma má técnica legislativa, pode suscitar problemas de legalidade uma vez que se entenda que a norma do artigo 562.º, enquanto norma habilitante, é detentora de valor reforçado28.

Assim, no CT/2009, estabelece-se no n.º 3 do artigo 12.º e no n.º 6 do artigo 69.º a sanção acessória de privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público que se não con- funde com nenhuma das constantes das duas alíneas do n.º 2 do arti- go 562.º29. Mais grave ainda, contudo, é a inclusão da sanção de ordem de encerramento do estabelecimento30 onde a actividade da empresa de trabalho é exercida, até à regularização da situação. Grave não apenas pelas consequências práticas que uma sanção deste tipo pode acarretar para as empresas infractoras, como ainda pelo facto, acima já ventilado, de o legislador não ter desculpa para tal lapso, uma vez que, ao contrário da acabada de referir, esta sanção há muito que constava da legislação

26 E por isso dissemos acima que a consagração das sanções acessórias no regime laboral parece padecer de uma certa «malapata».

27 Cfr. Secção II do capítulo II do Livro II (arts. 641.º a 689.º) do CT/2003.

28 Nos termos do art. 112.º/3 da CRP: “Têm valor reforçado, além das leis orgâni- cas, as leis que carecem de aprovação por maioria de dois terços, bem como aquelas que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas.” Sobre leis de valor reforçado, na doutrina, pode ver-se jorge MirANdA, Manual de Direito Constitucional, Tomo V – Actividade Constitucional do Estado, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2000, págs. 348-349 e na jurisprudência o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 374/2004.

29 De resto esta sanção é autonomizada no RGCO (art. 21.º) e consta da alínea c), enquanto as outras duas constam das alíneas b), d) e e).

30 Sobre a sanção ser a de ordem (de encerramento), e não, propriamente, o encerra- mento, vd. a nota 2 ao art. 192.º do nosso Contra-Ordenações Laborais, Regime Jurídico, Almedina, 3.ª ed., 2011, p. 207.

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laboral anterior31. E grave ainda pela indeterminação temporal da medida, uma vez que, em teoria, o até à regularização da situação pode protrair- -se indefinidamente32.

Do confronto do regime das sanções acessórias estabelecido no CT/2003 e no actual de 2009, a primeira constatação é a de que, sem prejuízo dos pressupostos aplicativos comuns – contra-ordenação muito grave ou reincidência em contra-ordenação grave com dolo ou negligên- cia grosseira – se estabeleceu uma profunda distinção regulativa entre a publicidade, por um lado, e a interdição de actividade e a privação de participação em arrematações ou concursos, por outro.

2.2.1. A publicidade

Enquanto as três modalidades de sanções acessórias constavam no Código anterior das três alíneas do n.º 1 do artigo 627.º, no actual a publicidade foi autonomizada no n.º 1 do artigo 562.º e determinada a sua aplicação sempre que se decida por uma contra-ordenação muito grave ou então, solução que entendemos mais curial, em caso de reincidência em contra-ordenação grave cometida com dolo ou negligência grosseira.

A publicitação da decisão condenatória pode, todavia, ser dispensada, tendo em conta as circunstâncias da infracção e mediante dois outros pressupos- tos. Relativamente ao condicionamento das circunstâncias da infracção, defendemos que tão amplo circunstancialismo, sob pena de levar a práticas diversas conforme a região do país, ou até a arbítrios dos decisores com competência delegada (Diretores dos centros locais e Subdiretores das unidades locais da ACT), deverá ser delimitado através de instruções gerais do Inspector-Geral do Trabalho ou do conselho directivo do ISS, I.P.33, válidas para todo o território sob sua orientação e supervisão.

Um primeiro pressuposto positivo consiste em o agente ter pago imediatamente a coima, ou seja, quanto a nós, tê-la pago no prazo de pagamento voluntário de quinze dias34, pois que não vemos como possa

31 Cfr. art. 32.º do DL 358/89, de 17/10, na redacção da Lei 146/99, de 01/09.

Para o elenco das sanções acessórias anteriormente à vigência do CT/2003, cf. o nosso Contra-ordenações Laborais, Regime jurídico, Almedina, 2.ª edição, 2003, nota 3 ao art. 14.º, pp. 353/354.

32 Note-se que a própria pena de encerramento de estabelecimento, constante do art. 90.ºL do CP, aditado pela Lei n.º 59/2007, a aplicar pelos tribunais, está limitada a um prazo de 3 meses a 5 anos, embora também possa ser determinado o encerramento definitivo.

33 Cfr. art. 3.º/2 da lei 107/2009.

34 Cfr. art. 19.º/1/a) da Lei 107/2009, de 14/09.

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defender-se que pagar depois do decurso desse prazo – seja depois de proferida a decisão administrativa, seja antes – signifique pagar ime- diatamente. E, ao invés, também nos pareceria excessivo defender uma pura interpretação literal que se respaldasse na semântica do advérbio imediatamente, advogando que o pagamento teria de ser feito logo no momento em que o arguido tivesse tomado conhecimento da decisão, ou quiçá no dia seguinte.

Por outro lado, não defendemos que seja necessária uma decisão administrativa que, para além da condenação em coima, contenha expres- samente a referência à sanção acessória de publicidade, mesmo tendo em conta os dizeres da norma: tiver pago imediatamente a coima em que foi condenado. É que, por um lado, esta sanção de publicidade é automática35, não dependendo da vontade do aplicador do direito: É aplicada ao agente, diz o n.º 1 do artigo 562.º, e não «é aplicável». E, por outro, sempre se pode dizer que nas situações em que o arguido decide pagar a coima nos quinze dias subsequentes à notificação do auto, equivalendo nos termos legais este pagamento voluntário da coima a condenação36, esta é a solu- ção que parece resultar mais razoável. Assim se rejeita igualmente uma outra interpretação que defendesse que para este efeito relevava sempre o pagamento perante a Administração, qualquer que fosse o momento. Por outras palavras, só não existiria «pagamento imediato» da coima quando houvesse impugnação judicial da decisão administrativa condenatória, interpretação que eventualmente até poderia ser considerada ilícita por excessivamente desincentivadora do recurso aos tribunais.

Um segundo pressuposto, agora de natureza negativa, consiste em não ter o agente praticado nenhuma contra-ordenação muito grave ou grave nos cinco anos antecedentes, valendo aqui obviamente as regras de aplicação das leis no tempo e o princípio da maior favorabilidade, o que significa que esta circunstância só conta a partir do momento em que, por integrada na ordem jurídica, o arguido passou a ter de por ela pautar a sua conduta.

Diferente da figura da dispensa é a eliminação da publicidade, ou seja, o desaparecimento do registo público na página electrónica da entidade acoimante do extracto da decisão condenatória, que ocorrerá passado

35 Sobre o problema da validade da legal ou constitucional da automaticidade da publicidade, veja-se adiante a parte final deste ponto e a nota 37.

36 Cfr. art. 19.º/3 da Lei 107/2009, de 14/09.

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um ano, a menos que o infractor tenha reincidido em contra-ordenação muito grave ou grave.

Mas, saliente-se, o desaparecimento da publicidade por decurso daquele prazo nenhuma influência terá na verificação do segundo pres- suposto, pelo que este se não verificará mesmo que a publicidade tenha sido eliminada, mas tiver ocorrido a infracção há menos de cinco anos.

Um outro problema relacionado com a aplicação do n.º 1 do artigo 562.º do CT, ou seja, com a obrigatoriedade de publicitar a decisão sempre que haja condenação em contra-ordenação muito grave (ou reincidência em contra-ordenação grave com dolo ou negligência grosseira) respeitaria à violação do n.º 4 do artigo 30.º da CRP quando proíbe a automaticidade dos efeitos necessários das penas. Todavia, para lá da circunstância de se não estar aqui, no âmbito das contra-ordenações, de uma pena verdadeira e própria, o Tribunal Constitucional teve já oportunidade de apreciar uma questão com alguma semelhança com esta, tendo decidido não haver colisão com o princípio da proibição da automaticidade37.

2.2.2. Interdição do exercício de actividade até 2 anos

Esta sanção, que como já vimos (supra 2.1) foi historicamente consa- grada para a prática grave e repetida de infracções por agentes da actividade transportadora rodoviária, está agora prevista no CT em duas situações relacionadas com a actividade das empresas de trabalho temporário. Numa delas, quando estas exijam aos trabalhadores temporários uma qualquer quantia pecuniária – seja para orientação seja para formação profissional (art. 187.º/4 e 6). Na outra, quando haja reincidência na não constituição de seguro de acidentes dos trabalhadores temporários, reincidência no pagamento da retribuição a esses trabalhadores com atraso superior a 30 dias, ou reincidência na não adesão a fundo de compensação de traba- lho ou mecanismo equivalente ou ainda não cumprimento da respectiva obrigação contributiva (art. 192.º/2)38

37 Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 520/2000, relatado pelo Conselheiro Vitor Nunes de Almeida, disponível em dgsi.pt, embora se tratasse aí da pena acessória de um crime contra a saúde pública.

38 Esta última exigência introduzida pela Lei n.º 53/2011, de 14 de Outubro, e pela Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho.

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2.2.3. Privação do direito de participar em arrematações ou concursos até 2 anos

Tendo como norma habilitante a alínea b) do n.º 2 do art. 562.º do CT, dependendo, por isso, dos mesmos pressupostos – contra-ordenação muito grave ou reincidência em contra-ordenação grave com dolo ou negligência grosseira – pode o agente ser privado do direito de participar em arrematações ou concursos públicos por um período até dois anos.

É, por isso, uma sanção acessória que em certo tipo de actividades e empresas, designadamente aquelas cujo escopo social é precisamente o de prestar serviços adquiridos em concursos realizados pelos Serviços da Administração Central, Regional, pelos diversos Institutos Públicos ou pelas Autarquias Locais, apesar da limitação temporal, pode facilmente levar à sua insolvência e falência. Todavia, agora e para já, nenhum tipo legal previsto no CT contempla a aplicabilidade desta sanção.

2.2.4. Privação do direito a benefício ou subsídio outorgado por serviço público até 2 anos

Estranhamente, ou não39, o legislador, em vez da sanção referida no ponto anterior, consagrou a privação do direito a benefício ou subsídio outorgado por entidade ou serviço público até 2 anos como sanção para a reincidência da prestação de trabalho por forma aparentemente autó- noma mas em condições características de contrato de trabalho e que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado (art. 12.º/2 e 3 do CT).

Parecendo esta sanção acessória mais razoável que a do dito regime do artigo 562.º, ao contrário do que nessa se possa passar, tratar-se-á aqui da possibilidade da sua aplicação prática em numerosíssimas situações da vida laboral, tão frequentes serão os casos comummente designados de trabalhadores pagos mediante falsos recibos verdes, desse modo con- tribuindo para o elevado nível nacional da precariedade.

De notar, porém, que aqui, ao contrário do que sucede nos casos da norma habilitante do art. 562.º, se exige a reincidência, apesar de se tra- tar de uma contra-ordenação muito grave, no que resulta em mais uma deficiência legal, traduzida em manifesta quebra da harmonia legislativa dentro do CT.

Esta mesma sanção acessória da privação do direito a benefício ou subsídio está ainda prevista para o caso de admissão de menor com idade inferior a 16 anos e sem que tenha concluído a escolaridade obrigatória

39 Tendo em conta o que acabou de se referir no ponto antecedente.

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ou esteja matriculado e a frequentar o nível secundário de educação, que é uma contra-ordenação muito grave, mas cujo tipo legal agora já se preenche sem necessidade da verificação da figura da reincidência (art. 69.º/1/5 e 6).

2.2.5. Encerramento de estabelecimento

Exorbitando também o âmbito objectivo da norma sobre sanções acessórias constante do regime geral do CT, encontra-se a sanção de encerramento de estabelecimento, que é aplicável à empresa de trabalho temporário que tenha celebrado um contrato de utilização de trabalho temporário e não seja titular de licença.

E sucede que, além de não estar abrangida pela norma habilitante, não está igualmente confinada a um limite máximo temporal (concretamente de 2 anos), como é exigível, não apenas nas sanções acessórias das contra- -ordenações como até nas penas acessórias dos crimes aplicáveis a pessoas colectivas40. Na realidade, o n.º 3 do artigo 192.º do CT, ao estabelecer a punição da empresa de trabalho temporário com a ordem de encerramento do estabelecimento onde a actividade é exercida até à regularização da situação, se bem que se compreenda o escopo legislativo, poderá, pelo menos em teoria, permitir uma sanção de duração ilimitada ou indefinida em violação do mandamento contido no n.º 1 do artigo 30.º da CRP.

3. Reflexos da aplicação de sanções acessórias

Como sanção acessória que é, do ponto de vista material, não é conce- bível a aplicação de uma qualquer sanção acessória, se simultaneamente não for aplicada ao agente uma coima. Esta será pois conditio sine qua non daquela. A este propósito convém lembrar que o pagamento volun- tário da coima – que é admitido em todas as situações excepto em caso de contra-ordenação muito grave com dolo41, e em qualquer altura do processo até à notificação da decisão administrativa – equivale a conde- nação e determina o arquivamento do processo. Todavia, a lei impõe que, neste caso de pagamento voluntário, se for aplicável sanção acessória, o processo prossiga para determinar a sua aplicabilidade42.

40 Cfr. arts. 90.º-A a 90.º-M do CP. A sanção de encerramento de estabelecimento prevista no art. 90.º-L tem como limite máximo temporal 5 anos.

41 Situação esta que nunca percebemos inteiramente. Cfr. o nosso Contra-Ordenações Laborais, 3.ª edição, nota 2 ao art. 19.º da Lei 107/2009, pp. 48/49.

42 Cfr. art. 19.º/3 da Lei 107/2009.

(13)

A decisão dos processos, no caso das contra-ordenações laborais compete ao Inspector-Geral do Trabalho (IGT)43 que a pode delegar nos termos do disposto no artigos 35.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo44. Todavia, o IGT, tendo em conta a particular gravidade das sanções acessórias para lá da publicidade, costuma reservar para si a aplicação de tais sanções, delegando nos Directores dos Centros Locais e nos Subdirectores das Unidades Locais da ACT a aplicação de coimas e sanções acessórias com excepção das sanções acessórias da cessação de autorização do exercício de actividades e de interdição temporária do exercício de actividades45.

Parece, aparentemente, que o IGT quis reservar para si a competência das sanções previstas na alínea a) do n.º 2 do artigo 562.º O facto de se não referir, no despacho de delegação de competências, às sanções da alínea b) – privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos – poderá ter a ver com o facto referido já de a lei actual, apesar de as admitir, as não consagrar na prática. Todavia, uma vez elas admitidas, seja em legislação avulsa, seja em eventuais alte- rações do CT, o facto é que os dirigentes subordinados ao IGT, face à redacção do despacho, passarão a ser competentes para as aplicar. E não deixa de ser relevante, pela mesma razão, a competência dos mesmos dirigentes para as sanções acessórias previstas no n.º 3 do artigo 12.º:

privação do direito a subsídio em caso de falso contrato de prestação de serviços. Mais significativa ainda, ou se se quiser mais incompreensível contudo, é, nos amplos termos do mesmo despacho, a competência dos Directores dos Centros Locais e dos Subdirectores das Unidades Locais para determinar o «encerramento do estabelecimento» prevista no n.º 3 do artigo 192.º46 também não excluída pelo IGT.

Num outro aspecto releva a categoria «sanções acessórias». Tem a ver com as condições de admissibilidade do recurso. Assim, se na decisão do Tribunal de Primeira Instância a condenação, para além da coima, abranger sanções acessórias, é permitido o recurso para o Tribunal da Relação, independentemente do valor daquela47.

43 Ou, no caso das contra-ordenações da segurança social, ao Conselho Directivo do ISS, I.P.

44 Cfr. art. 3.º/3 da Lei 107/2009.

45 Cfr. Despacho n.º 2540/2013, D.R., 2.ª série, n.º 33 de 15/02/2013.

46 E que, quanto a nós se não confunde com as sanções de «cessação de autorização de actividade» ou de «interdição do exercício de actividade».

47 Cfr. art. 49.º/1/b) da Lei n.º 107/2009.

(14)

Mas há ainda uma outra questão criada pela Lei n.º 107/2009, sobre o regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e da segu- rança social, que suscita a maior das perplexidades. Esta lei consagrou o mero efeito devolutivo da impugnação da decisão administrativa para os tribunais. Só haverá efeito suspensivo se, nos termos do seu artigo 35.º, o recorrente depositar o valor da coima e custas ou apresentar garantia bancária. Ora, no caso comum de condenação em coima e sanção acessória de publicidade, por exemplo, não tendo o infractor constituído caução a decisão é, desde logo, exequível. Independentemente da exequibilidade da própria coima, cuja competência é dos tribunais48 e, por isso, a estes tem de ser solicitada e por eles tem de ser decidida, parece que a ACT, para cumprir a lei, independentemente do destino do processo onde se questione a contra-ordenação e a correspondente coima, deverá proceder de imediato à publicidade da decisão na sua página electrónica49. Mas bem pode suceder que a decisão judicial não acompanhe a condenação administrativa, revogando-a ou absolvendo o arguido. Como se poderá, então, ressarci-lo do efeito da publicitação indevida já verificado?

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48 Cfr. art. 89.º do RGCO.

49 Cfr. art. 562.º/2 do CT.

Referências

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