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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS - UFAM INSTITUTO DE NATUREZA E CULTURA INC CURSO DE BACHARELADO EM ANTROPOLOGIA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS - UFAM INSTITUTO DE NATUREZA E CULTURA – INC CURSO DE BACHARELADO EM ANTROPOLOGIA

ROGER DA COSTA FELIPE (Depü’ücü rü Ngupü’ücü)

PRÁTICAS TRADICIONAIS DE PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE E CONCEPÇÕES DE SAÚDE ENTRE OS MAGÜTAGÜ DA COMUNIDADE

MECÜRANE – VILA BETÂNIA

BENJAMIM CONSTANT/AM 2021

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2 ROGER DA COSTA FELIPE

(Yupü’ücü rü Ngupü’ücü)

PRÁTICAS TRADICIONAIS DE PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE E CONCEPÇÕES DE SAÚDE ENTRE OS MAGÜTAGÜ DA COMUNIDADE

MECÜRANE – VILA BETÂNIA

Trabalho de Conclusão do Curso apresentado como requisito parcial para obtenção de título de Bacharel em Antropologia, pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM

ORIENTADOR: PROF. DR. JOSÉ MARIA TRAJANO VIEIRA

BENJAMIM CONSTANT/AM 2021

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3 Ficha Catalográfica

Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

F315p Práticas tradicionais de preservação do meio ambiente e Concepções de saúde entre os Magütagü da Comunidade Mecürane – Vila Betânia / Roger da Costa Felipe . 2021 89 f.: il. color; 31 cm.

Orientador: José Maria Trajano Vieira

TCC de Graduação (Antropologia) - Universidade Federal do Amazonas.

1. Tradição. 2. Meio ambiente. 3. Saúde Indígena. 4. Tikuna. I.

Vieira, José Maria Trajano. II. Universidade Federal do Amazonas III. Título

Felipe, Roger da Costa

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4 Dedicatória

Dedico este trabalho aos meus queridos amados pais:

Rosalve Flores Felipe e Anália Melos da Costa, por serem a força e os incentivadores, também por me ensinarem a entender, aceitar e respeitar as diferenças, assim, buscar relações igualitárias na sociedade.

A minha comunidade indígena Vila Betânia – Me’cürane por contribuir com este trabalho direta e indiretamente.

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5 AGRADECIMENTOS

Nesta lauda, primeiramente quero agradecer a Deus que nos deu a vida e depois às pessoas que colaboraram para realização deste trabalho, em especial meus amados queridos pais: Rosalve Flores Felipe e Anália Melos da Costa, por serem pessoas extraordinárias, incríveis e, por sempre estarem me apoiando e orando por mim; aos meus amados irmãos, Natacha Felipe, Iury Felipe, Fred Felipe, Hágata Felipe, Rosalve Felipe Filho, Santiago Felipe e Iago Felipe, por serem minha força e serem meus conselheiros durante a minha trajetória acadêmica e pessoal.

Aos meus professores de curso: Nilvânia Amorim de Barros, Widney Pereira Lima, Gilse Elisa Rodrigues, Benedito do Espírito Santo Pena Maciel, Ismael da Silva Negreiros e, em especial, ao meu orientador José Maria Trajano Vieira, pela paciência durante as orientações e pelas suas contribuições e parceria durante todo o processo de desenvolvimento da pesquisa. Aos professores que compuseram a banca, por compartilharem os seus conhecimentos e pelo empenho para minha formação profissional. A todos meus professores que aqui não foram mencionados, mas que fizeram parte dessa construção da minha formação acadêmica, meu muito obrigado.

Aos meus amigos, que também contribuíram para a realização deste trabalho: Eduardo Silva, Terri Junior, Elísio Ataíde, Samiely Arcanjo, Josiane Otaviano, Marna Felipe, entre outros. A UFAM/INC, por meio do curso de Bacharelado em Antropologia, pela oportunidade ímpar de vivenciar este momento da minha formação acadêmica.

Aos meus interlocutores, que foram fundamentais para a construção deste Trabalho de Conclusão de Curso. Cada interlocutor teve um papel importante no desenvolvimento dos objetivos propostos em meu projeto de TCC, busquei em campo os indivíduos-chave que poderiam fazer parte desse trabalho. De igual maneira, também agradeço às lideranças da comunidade Mecürane pelas entrevistas e apoio total durante a pesquisa: Durante o caminho e trajetória

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6 consegui adquirir mais conhecimentos não-indígenas e aprendi mais ainda com os interlocutores, os quais mesmo inseridos em instituições antagônicas, e tendo pensamentos distintos, a cultura é a mesma. Enfim, a todas as pessoas indígenas Tikuna, professores e mestres que de alguma forma contribuíram direta ou indiretamente e que acreditaram em mim, digo meu muito obrigado!

RESUMO

Esse trabalho é uma etnografia construída a partir das narrativas dos anciões Magütagü de Mecürane que também conta com a participação dos jovens, que são preocupados em manter sempre vivas as práticas tradicionais de preservação do meio ambiente e concepções de saúde entre os Magüta. Procura-se, em particular, perceber como as concepções dos anciões e jovens indígenas Magüta da comunidade Mecürane se expressam nos discursos e práticas cotidianas sobre o meio ambiente, os processos específicos de saúde relacionados com o cenário atual da pandemia do covid-19. De modo mais amplo, contribuo para um estudo de etnologia indígena e se propõe a servir de base para a discussão de projetos de saúde e desenvolvimento para a população indígena Magüta, dando ênfase a valorização e preservação de sua cultura, de suas formas tradicionais de solidariedade e liderança, priorizando a participação dos indígenas nas políticas públicas para eles apresentadas.

Palavras-Chaves: Tradição; Meio ambiente; Saúde Indígena; Tikuna

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7 ABSTRACT

This work is an ethnography built from the narratives of the Magütagü de Mecürane elders, which also includes the participation of young people, who are concerned with keeping alive the Traditional Practices of Environmental Preservation and Health Concepts among the Magüta. It seeks, in particular, to understand how the conceptions of the Magüta indigenous elders and young people of the Mecürane community are expressed in the speeches and daily practices about the environment, the specific health processes related to the current scenario of the covid19 pandemic. More broadly, it contributes to a study of indigenous ethnology and proposes to serve as a basis for the discussion of health and development projects for the Magüta indigenous population, emphasizing the appreciation and preservation of their culture, their traditional forms of solidarity and leadership, prioritizing the participation of indigenous peoples in the public policies presented to them.

Key words: tradition; environment; indigenous health; Tikuna

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8 LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Mapa Geográfico da Terra Indígena Betânia ... p. 23

Figura 2: Mapa de localização Geográfica da comunidade indígena Me’cürane ...p. 24

Figura 3: Comunidade Mecürane e sua formação, em agosto de 1963...p. 26

Figura 4: A primeira Igreja construída de caranã, casas e Me’cürane, em novembro de 1968 e 1970...p. 24

Figura 5: Cacique Augusto Paulo – Te’patücü na Maloca...p. 28

Figura 6: O ancião educador Francisco...p. 33 Figura 7: Henrique Salvador – pastor da Igreja Batista Regular...p.36

Figura 8: Sinésio Isaque – Trovão (com cocar no meio) e demais lideranças indígenas Tikuna, no encontro de avaliação das associações do alto rio Solimões...p. 41

Figura 9: Maloca – Tchirugune...p. 42

Figura 10: Escola Municipal Ngewane e Metacü...p. 54

Figura 11: Escola Estadual Indígena Dom Pedro I...p. 55

Figura 12: Unidade Básica de Saúde Indígena...p. 57

Figura 13: A Igreja Batista Regular de Betânia – IBRB...p. 51

Figura 14: Maloca Tchirugune, presente no lado esquerdo Cacique Augusto e no meio liderança Sinésio, presente também a mãe da liderança e presidenta do OGPTB Silbene...p. 57

Figura 15: Mapa da localização de origem dos Magütagü, entre o município de Tabatinga e São de Olivença...p.62

Figura 16: Terras Indígenas Tikuna...p. 66

Figura 17: O Ngewane – Cobra Grande, dono/pai/mãe dos peixes...p. 71

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9 SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...10

ESTRUTURA DO TRABALHO...14

TRAJETÓRIA PESSOAL, ACADÊMICA E IDENTIDADE ÉTNICA ...15

CAPÍTULO 1: SITUANDO O CAMPO DA PESQUISA ...22

UMA BREVE HISTÓRIA DA COMUNIDADE ME’CÜRANE-VILA BETÂNIA...22

OS MESTRES ANCIÕES – INTERLOCUTORES...26

ORGANIZAÇÃO SOCIAL TIKUNA E DA COMUNIDADE ME’CÜRANE...48

CAPÍTULO II: O TERRITÓRIO MAGÜTAGÜ: PRÁTICAS DE RESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE E DE CUIDADO ENTRE OS MAGÜTAGÜ...62

2.1 – A NATUREZA E A SUSTENTABILIDADE DA VIDA…...…….…...62

2.2 - PRÁTICAS DE CUIDADO ENTRE OS MAGÜTAGÜ…....……....……...72

2.2.1 – O autocuidado em Me’cürane………...…...…………...79

2.2.2 - Covid-19 entre os Tikuna de Me’cürane ...………...…...85

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...87

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...88

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10 INTRODUÇÃO

O presente trabalho aborda as Práticas Tradicionais de Preservação do Meio ambiente, ou seja, as práticas de cuidado com a natureza e com a saúde do povo Tikuna, a partir da experiência de campo e da minha vivência pessoal como indígena tikuna. Assim, traz as narrativas dos mestres anciões e dos membros jovens indígenas Magüta1, mais conhecido como povo Tikuna, da comunidade Me’cürane – Vila Betânia, localizada na Terra Indígena Betânia (TIB), na margem esquerda do alto rio Solimões – mais precisamente no rio Içá, no município de Santo Antônio do Içá, Estado do Amazonas, Brasil. O texto que ora apresentamos é uma descrição feita à partir do olhar de um indígena pesquisador Magüta em formação, e representa a cosmovisão dos indígenas Magütagü, sobretudo, se trata dos saberes tradicionais, dos conhecimentos milenares desse povo que perpassa vários séculos.

A comunidade Me’cürane2- Vila Betânia, foi fundada no ano de 1962, segundo Oliveira (2015), a Comunidade Vila Betânia, supostamente pertencia a um fazendeiro, o Sr. Manoel Franco Filho. Até então, habitavam poucas famílias Tikuna naquele local. Em 1961 o terreno foi adquirido pela Association of Baptists for World Evangelism, com sede em Benjamin Constant. Esta associação norte americana, comprou o terreno com o objetivo de construir uma igreja no local, porém se deparou com outra realidade vivida por aqueles indígenas Tikuna, ou seja, estavam em conflito com o fazendeiro, e estavam dissipando os Tikuna, eram jovens e crianças vivendo terror naquele lugar (Oliveira, 2015, p. 114).

Desde a chegada dos não indígenas nos territórios Magütagü, estes indígenas sofreram violências advindas de pessoas ambiciosas por explorar suas terras.

1 Os Tikuna se autodenominam como Magüta ou Pogüta, ou seja, o povo pescado no igarapé Éware.

2 Nome tradicional da comunidade, Me’cürane, quer dizer “pena linda”, batizada pelos membros com nação de Mutum, em homenagem ao primeiro cacique da comunidade.

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11 O objetivo e identificar a preocupação dos anciões como e quando, eles poderiam, ou seja, ensinar os jovens a se preocuparem com a preservação do meio ambiente e principalmente com a saúde.

O Povo Magüta acredita que foi pescado pelos irmãos vovô Yo’i e Ipi (vovô é como os Magüta ou Pogüta chamam os seus antepassados), seus heróis culturais, como também atribui a sua origem a No’ê Mowatcha e Aiküna. Esse povo se autodenomina como Povo Magüta ou Pogüta, ou seja, um Povo Pescado, como mencionado acima, conhecidos como povo Tikuna na região do Alto Solimões e no rio Içá. É um povo considerado com maior população indígena da Amazônia brasileira. Segundo Nimuendajú (1977) com língua mãe (língua conhecida com o mesmo nome do povo), considerada isolada, ou seja, sem tronco linguístico com nenhum outro povo indígena do Brasil.

De acordo com os dados dos agentes indígenas de saúde local do pólo base Betânia a população da referida comunidade era de aproximadamente 4.000 mil pessoas (SIASI/SESAI, 2014). Atualmente, aproximadamente 5.000 indígenas vivem na comunidade indígena Mecürane – Vila Betânia ou TI Betânia. Sendo que, no geral os Magütagü possuem cerca de 53.544 pessoas, em 23 áreas indígenas oficialmente reconhecidas, também segundo os dados do Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena e Secretária Especial de Saúde Indígena (SIASI/SESAI, 2014). Os Tikuna é um povo que vive na tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia.

A pesquisa de campo e coleta de dados, inicialmente se concentrou no mês de maio de 2019 e se estendeu até setembro de 2021. Os mestres anciões - interlocutores colaboraram espontaneamente com esta pesquisa. Os dados foram levantados por meio de entrevistas gravadas com aparelho celular, as quais foram transcritas e analisadas ao longo desse trabalho. Do material de pesquisa coletado em campo, após passar pelo processo de análise, foram selecionados trechos considerados relevantes para a temática do presente trabalho.

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12 Os entrevistados nesta pesquisa se mostraram preocupados e interessados em falar e manter sempre viva as práticas tradicionais de preservação do meio ambiente e os conhecimentos sobre saúde.

Para a realização da pesquisa de campo foi preciso estabelecermos conversas prévias com os membros e lideranças indígenas da comunidade para deixá-los mais confortáveis no diálogo, sobre o assunto a ser trabalhado. Por meio da observação participante, notamos que na escola da comunidade não havia muita preocupação na orientação dos seus alunos, para com o cuidado com o meio ambiente. Notamos também a falta de prática de cuidado entre os agentes de saúde indígena no geral, de colocar em prática de como deveriam se cuidar da saúde, bem como valorizar as práticas tradicionais e de como preservar e manter vivo todos os saberes e conhecimentos Magütagü, relacionando a cura de doenças com os recursos naturais existentes na floresta em que vivem.

Foi a partir desse momento de observação inicial que resolvi iniciar um diálogo com os anciões e jovens. Perguntei a eles “o que pensam sobre essas transformações da vida, o fato dos conhecimentos indígenas caminharem para o esquecimento?” Nesse sentido, os mestres anciões e os jovens colaboradores dessa pesquisa acharam interessante e importante a questão levantada para pensarem e refletirem sobre os problemas sociais, ambientais e de saúde vividos na comunidade.

Foi mencionado acima a “falta de orientação” na escola e dos agentes de saúde sobre a preservação do meio ambiente e os cuidados com a saúde. O que foi observado na comunidade é que entre os Magütagü, os cuidados com o meio ambiente, com a natureza, de modo geral, já começam no âmbito da convivência cotidiana no interior das comunidades de origem. As crianças Magüta são orientados desde pequenas pelos pais e anciões da aldeia, a cuidar da natureza da forma como cuidam de si mesmas. A preocupação com meio ambiente se vivência com os mestres anciões e com os pais na prática.

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13 Enquanto refletia sobre o trabalho, pensei em escolher cinco mestres anciões de aproximadamente 80 anos de idade e cinco jovens indígenas Magüta para serem meus interlocutores privilegiados, e foram escolhidos, todos são membros moradores da comunidade Me’cürane, como principais autores anciões ou interlocutores da tradição oral. O diálogo e a coleta de informações foram gravadas/realizadas em língua indígena Magüta e traduzida nesse trabalho por mim para o português, glosas e os sentidos empregados pelos anciões interlocutores. E foi autorizado pelos anciões e jovens de mencionar seus nomes de acordo com a documentação dos mestres e jovens.

Como indígena pesquisador Magüta, além dos outros aspectos considerados relevantes, creio que é importante descrever a realidade observada pelos próprios anciões, sobretudo, quanto a questão da preservação das práticas tradicionais e da preservação do cuidado com a saúde e a cura das doenças com as plantas medicinais. A pesquisa e o tema desse trabalho se tornam críticos, a meu ver, porque eles mesmos percebem o quanto estão esquecendo até a forma de sua organização social, o que para mim se torna um desafio extra.

A experiência do trabalho de campo antropológico, propriamente dito, se iniciou com o Projeto Pedagógico do Curso de Bacharelado em Antropologia da Universidade Federal do Amazonas - UFAM, na disciplina de “Estágio Supervisionado”. Assim, quando iniciei essa disciplina, fiz campo para saber mais sobre a minha própria cultura, na qual estou inserido, mas a partir de uma nova perspectiva, mediada pelo conhecimento antropológico. Esse novo olhar veio complementar minha visão de mundo como indígena.

Inicialmente, procuramos identificar no decorrer da pesquisa, se havia e como se manifestava, a preocupação dos anciões indígenas em transmitir aos jovens Tikuna, seus saberes sobre preservação do meio ambiente e principalmente os cuidados com a saúde. Em quais espaços sociais e culturais esses saberes eram produzidos e transmitidos? Tento aqui responder, da melhor forma possível, a partir de observações participantes, como se dá o processo de ensino/aprendizagem por meio das formas próprias de transmissão de

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14 conhecimentos, repassadas pelos ancestrais indígenas Tikuna de geração para geração.

Com intuito de construir um trabalho elaborado, na perspectiva do indígena pesquisador, a pesquisa seguiu aos seguintes métodos: levantamento de dados feito a partir da visita in loco à comunidade Me’cürane; observação participante na comunidade – vivência; sistematização das fontes histórico-antropológicas bibliográficas, sobretudo, no tocante aos Magüta e ao tema da pesquisa, elaboradas por autores já consagrados, além do diálogo. Para a coleta de dados, levei em consideração as idéias de Roberto Cardoso de Oliveira (2006), onde o mesmo diz que olhar, ouvir e escrever é fundamental para a construção do trabalho na pesquisa em campo, e de outros autores que irei citar ao longo da redação deste TCC.

Como equipamento de pesquisa, o celular, além de utilizado para gravar os relatos, foi usado para tirar algumas fotos durante a coleta de informações necessárias, com moradores da comunidade, pois elas nos darão subsídios relevantes e significativos para avaliar e compreender o problema pesquisado.

Estrutura do Trabalho

Este TCC está dividido em dois capítulos. No primeiro capítulo, busco situar o campo de pesquisa: escrever de forma resumida o histórico da comunidade, relatar a vida cotidiana dos anciões e jovens e mostrar um pouco como é a organização social do povo Magütagü daquela comunidade, para que a leitura se torne mais agradável.

No segundo capítulo iremos discorrer sobre as práticas de preservação do meio ambiente entre os Tikuna de Vila Betânia, fazer um mapeamento dos territórios indígenas Magüta, bem como descrever como é praticado o cuidado com a saúde do povo Tikuna, dialogando com os saberes tradicionais – na cura das doenças, com plantas medicinais, e mostrar o desafio da população indígena Magüta de Mecürane nessa pandemia, causada pelo Covid-19 e, por último, traremos as considerações finais desta pesquisa.

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15 Trajetória pessoal, acadêmica e Identidade Étnica

Trago aqui nesse trabalho, penso que também é importante apresentar de forma descritiva, minhas experiências acadêmicas dentro da Universidade, na qual venho desenvolvendo meus estudos antropológicos ao longo do período de formação. Compartilho assim, as experiências vivenciadas por mim no curso de Antropologia do Instituo de Natureza e Cultura – INC, da Universidade Federal do Amazonas – UFAM, campus de Benjamim Constant, AM.

Para mim, meu processo de formação reverteu-se numa tomada de consciência, acerca de meu papel de estudante e das mudanças que a vida acadêmica me provoca em meu dia a dia, com uma perspectiva de uma nova aprendizagem nessa instituição acadêmica. Estabelecendose também, relações entre as teorias estudadas no curso de Antropologia e a prática pedagógica em diversos momentos de experiências, isso tudo, não será em vão, pois contribuiu tanto na minha formação como profissional quanto na vida pessoal.

Durante o percurso na academia e no curso, consegui em cada momento, cada dia, cada disciplina marcar e registrar os acontecimentos, as dificuldades, as superações. As aulas ministradas por mestres e doutores, me fizeram crescer, mesmo que as vezes não conseguia entender de imediato as suas questões, consegui acompanhar o curso e chegar até aqui, superando as barreiras culturais, na medida do possível, isso porque venho de uma comunidade indígena, onde tive uma formação diferenciada e também por ser falante da minha língua materna tikuna, e o português ser minha segunda língua.

A cada semestre, a cada disciplina do curso houveram várias descobertas de muitas questões que também são tocantes a nós povos indígenas, e cada dia de aula dos mestres e doutores propiciou a mim um novo aprendizado, contribuindo em mais conhecimento e saberes. A essas experiências se somaram os projetos de extensão, estágios e as observações que consegui fazer na comunidade, ganhando cada vez mais experiências na prática como indígena pesquisador antropólogo.

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16 Sendo assim, tudo que fiz e passei, e ainda passo a cada dia, me faz superar novos desafios, que encontrei e encontrarei no caminho, soma-se, que estou no caminho e conseguindo alcançar meus objetivos e sonhos que tracei para mim, ou seja, de concluir o ensino superior, se tudo dar certo, serei o terceiro membro da minha família nuclear a conseguir tal feito. A Universidade Federal do Amazonas, por meio do Instituto de Natureza e Cultura, marcou e me ofereceu essa oportunidade ímpar de adquirir novos conhecimentos tanto na academia, quanto com os mestres anciões - que são as bases dos conhecimentos ancestrais. Segue-se brevemente alguns apontamentos sobre a minha identidade Étnica.

Sou indígena do Povo Tikuna, como é conhecido o povo Magüta ou Pogüta.

Minha família do lado paterno é da nação de Ecüã’ e, da parte materna, nação de Cowacüa’, respectivamente, nação de Jenipapo e Maguari. Sou filho do professor Rosalve Flores Felipe e dona Anália Melos da Costa, sou o quarto de uma família de 5 irmãos e duas irmãs. Nascido no dia 20 de janeiro de 1997, na comunidade indígena Me’cürane - Vila Betânia, no rio Içá, afluente da margem direita do rio Solimões, que fica na atual Terra Indígena Betânia, município de Santo Antônio do Içá, Amazonas. Na humilde comunidade indígena Me’cürane, passei a minha infância e parte da adolescência, onde puder aprender o modo de vida, costumes, tradições, língua e o pensamento do meu povo que estão em constante formação ou transformações. Desde cedo, quando cheguei no ensino médio, recebi o incentivo para ir para faculdade por parte dos meus pais, tias e irmãos bem dos professores. Me apeguei a exemplo do meu pai e professores, de seguir os estudos e ser um dia profissional da comunidade.

Como mencionado acima, uma parte da minha formação, os estudos foram na minha própria comunidade, e finalizei o ensino médio na cidade, por decisão própria para melhorar o português, ou seja, desde sempre, estudei em escola públicas, mesmo com as dificuldades levei a minha vida diariamente sem perder esperança de ingressar em uma Universidade pública. Dessa forma, para chegar até aqui, foram enfrentadas algumas dificuldades, mas, nunca pensei em desistir

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17 do meu sonho de concluir um curso superior. Assim, depois do término do ensino médio consegui passar no vestibular da UFAM, o que irei descrever mais para baixo. Agora vamos descrever brevemente sobre o ensino fundamental e ensino médio.

Comecei os meus primeiros estudos no ano de 2003, na escolinha da comunidade Me’cürane, uma época marcante para minha formação, ser aluno do pré-jardim, começou a minha vida escolar, indo à escola pela primeira vez.

Iniciando então a vida escolar na Escola Municipal Indígena Ngewane, foi o primeiro passo de alfabetização no ensino-aprendizagem. Esse primeiro passo foi importante na minha formação futura.

Do ano de 2004 a 2007, fiz o meu ensino fundamental (1º, 2º, 3º e 4º séries), na Escola Municipal Indígena Ngewane, no ano de 2008, passei para Escola Estadual Indígena Dom Pedro I, concluindo o ensino fundamental no ano de 2011. Nessa época já podia sentir uma sensação de mais uma etapa cumprida na minha vida escolar, pois me sentia preparado para enfrentar mais uma etapa do ensino - o ensino médio, “sem” mais muitas dificuldades, conseguindo dessa forma, com êxito passar em todas as disciplinas e atividades escolares, aprovado com boas notas, o que demonstrou meu interesse pelos estudos, marcado na minha vida, de adquirir vários conhecimentos que me serviu para continuar os estudos. Após concluir o Ensino Fundamental, então resolvi seguir em frente com meus estudos, me matriculei no Ensino Médio.

Em 2012 iniciei o ensino médio na Escola Estadual Indígena Dom Pedro I.

na minha própria comunidade Me’cürane – Vila Betânia, essa escola é a única escola estadual da comunidade que oferece o ensino médio, desde 2003, sendo que a primeira turma a se formar ali foi em 2006, sendo assim, podemos continuar os estudos na própria comunidade, como sonhavam os anciões durante anos de luta pela educação. No início eram bem poucos os professores indígenas Magüta, em sua maioria o quadro de professores era composto por professores não- indígenas do município de Santo Antônio do Iça, com direção escolar gerida por não-indígenas também.

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18 O meu primeiro e segundo ano do ensino médio foram na escola acima mencionada. No ano de 2014, por escolha pessoal, me transferi para outra escola (para a cidade), cursando assim, o terceiro ano do ensino médio, na Escola Estadual Santo Antônio, objetivando, buscar mais conhecimentos e ver como são as aulas ministradas pelos professores não-indígenas na cidade.

O meu primeiro contato com a escola e a turma foi de estranhamento da sala, dos professores e colegas alunos, porque naquele ano eu ainda era menor de idade e por ser indígena Magüta – Tikuna. Como era um olhar de estranhar a minha pessoa na turma, de início, era tímido para me enturmar, mais tarde, consegui fazer amizades e até mesmo com os professores. Terminei o ensino médio no final daquele ano, e fiz várias amizades com os não-indígenas. Naquele final do ano pensava em fazer vestibular ou Enem para cursar ensino superior.

Sobre a questão do ingresso falaremos em seguida.

Segundo informações, fiquei sabendo que a Universidade Federal do Amazonas, com sede no município de Benjamin Constant, abrira o processo Seletivo (macro verão), no primeiro semestre de 2015, fiz a seleção e consegui passar. Sonho naquele momento realizado, estudando assim, na Universidade pública, no Instituto de Natureza e Cultura INC/UFAM. Entrei no segundo semestre de 2015, mas devido à greve na Universidade, no segundo semestre, não comecei os estudos. Após a greve, comecei de fato o meu primeiro semestre do ensino superior, nesse ano, encontrei muitas dificuldades, tanto de adaptação na cidade, quanto na Universidade e em acompanhar as disciplinas, isso porque, tudo era novidade para mim, diferente e estranho na cidade em relação a comunidade onde eu vim. Até mesmo meus colegas de INC me parecia desconhecidos e “estranhos”, naquele primeiro momento.

Como dissemos, a adaptação tanto na Universidade, quanto no curso e em acompanhar as disciplinas foram dificultadas devido a minha formação indígena diferenciada, mas importante para mim. Foram anos de estudos cursando disciplinas que me encantaram bastante, o meu curso de Antropologia, me abriu as portas, para pensar sobre nossas questões, temas tocantes a nós povos

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19 indígenas, em especial, os indígenas Magüta – Tikuna. Após três anos de estudos, cursando antropologia, me interessei em ser monitor de algumas disciplinas e assim fui.

Me voluntariei em 2019, como monitor da disciplina Antropologia da Arte, nessa disciplina fiz juntamente com meu orientador professor, ganhar uma experiência de docência. O aprendizado como monitor, me abriu novos horizontes e visão, de crescimento pessoal e profissional, no âmbito da docência, ou seja, proporcionou a concepção de formação profissional. Assim, se compreende que o desempenho de um ofício é estabelecido por um saber-fazer teórico e prático que leva a pessoa a experimentar momentos de reflexão e escolha de ser um professor no futuro. O que sonho para me tornar professor e para contribuir na formação dos meus futuros alunos e na educação de modo geral.

Durante a vida acadêmica no INC, acredito ter conseguido fazer muitas coisas dentro da Universidade: realização de práticas de campo, com a participação do professor e dos colegas da disciplina Antropologia Pericial, a pesquisa foi realizada em comunidades indígenas, nas quais pude observar o comportamento do ser humano em sociedade. Munidos das técnicas de olhar, ouvir e escrever, ali estávamos aprendendo e dando os primeiros passos como antropólogos, aprendendo a fazer relatórios. Assim, dentro dessa disciplina, aprendi a fazer outras pesquisas, graças a disciplina e o professor ensinando com paciência, somando-se a Antropologia Pericial, também contribuiu a minha formação acadêmica a disciplina de Metodologia do Trabalho Científico, a qual nos mostrou como organizar os trabalhos acadêmicos, como fazer resenhas, fichamentos, projetos e artigos.

Vale destacar outra experiência, a da disciplina de Métodos e Técnicas em Antropologia Social, onde iniciei meu pré-projeto para pesquisa de campo, para construção da monografia, construindo a temática. A disciplina Seminário de Pesquisa em Antropologia, também trouxe bastante contribuição na minha formação, podemos dizer que nela, aprendi a fazer a delimitação do projeto, coletas de dados na linha de pesquisa por mim escolhida, e ir ao campo de

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20 pesquisa para ver os problemas levantados, para que possamos construir o nosso trabalho científico, dialogando com os autores e teorias.

No ano de 2020, fui aprovado como monitor bolsista, no primeiro semestre daquele ano, na disciplina chamada Relações Interétnicas, mais uma oportunidade para ser monitor, ou seja, mais uma experiência na minha formação que contribuiu mais nos conhecimentos, nas aulas virtuais. Devido a pandemia causada pelo Covid-19, as aulas foram ministradas nas plataformas virtuais. As aulas síncronas foram realizadas nas plataformas, de acordo com as orientações do Instituto e dos professores. Nós estudantes indígenas que estamos nas comunidades em sua maioria fomos prejudicados, devido essa nova forma de ensino virtual e precariedade e má qualidade de internet nas aldeias ou comunidades. Na própria cidade também não temos uma internet de qualidade para acompanhar as aulas.

Para finalizar esse tópico sobre a minha trajetória, quero também trazer a minha participação nos trabalhos, projetos e palestras que somam na minha formação pessoal e profissional, de suma importância tanto para mim quanto para meus colegas discentes do INC, pois contribuiu no processo de aprendizagem, em cada evento, trabalho e palestras, aprendemos também como podemos apresentar nossos trabalhos científicos.

Participei de um grande evento: o I Congresso Internacional Sobre Povos Indígenas Fronteiras Amazônicas: Diálogos Interdisciplinares. Este evento ocorreu no período de 14 A 16 de novembro de 2018, na Universidade do Estado do Amazonas – UEA, no município de Tabatinga, Amazonas.

Minha segunda participação foi num grande evento indígena, a XII Assembléia ordinária da COIAB, Amazônia: pela garantia e proteção dos nossos territórios, realizada de 27 a 29 setembro de 2019, na comunidade Me’cürane – Vila Betânia, no município de Santo Antônio do Iça – Amazonas. E assim por diante, houveram muitos outros eventos que continuei participando, desses realizados pela comunidade acadêmica como o 2º SECAF - Seminário de

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21 Educação do Campo na Tríplice Fronteira do Alto Solimões, II Diálogos Interdisciplinares do OBECAS: Educação Saberes Tradicionais e Interculturalidade, realizado no período de 15 a 17 de outubro de 2019.

Participei também do evento promovida pela Organização Geral dos Professores de Tikuna Bilíngue – OGPTB, Indígenas do Alto Solimões e ÜMATÜTAE – Grupo de Professores pesquisadores e Escritores Ticuna. Oficina essa para elaboração e Confecção de livro Didático da Língua Tikuna para Educação Básica das escolas Tikuna, com o tema: “A língua como recurso e identidade que estruturam a educação escolar indígena” nos períodos de 04 a 11 de Setembro de 2020 na Aldeia Me’cürane - Vila Betânia, em Santo Antônio do Iça, Amazonas. Portanto, todas essas atividades foram de extrema importância para minha formação, pois serviram-me para aprender novos conhecimentos.

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22 CAPÍTULO I: SITUANDO O CAMPO DA PESQUISA

A proposta desse capítulo é trazer a contextualização do campo da pesquisa, nesse sentido, vamos descrever a história da fundação da comunidade Me’cürane – Vila Betânia, por meio das narrativas dos anciões, para compreender e refletir como os colaboradores anciões dessa pesquisa ensinam o seu povo a praticar os costumes tradicionais, uma vez que se percebe que o conhecimento Magüta, cada dia mais vêm sofrendo influências das igrejas cristãs. Quanto ao fator demográfico, constatamos um progressivo aumento anual da população indígena.

Os anciões perceberam as perdas culturais dos Magüta desde o contato interétnica com a sociedade invasora não indígena. Entretanto, as influências das instituições de origem ocidental, tais como a escola e as igrejas neste processo, as quais atuaram na “integração” dos Tikuna não foram a princípio percebidas, sobretudo pelos mais jovens, foi principalmente à partir de uma reunião ordinária, ocorrida em 2019 por meio do ativismo Magüta, que passaram a refletir sobre o tais influências. A partir desse momento os jovens também se deram conta que é de extrema importância manter viva a cultura indígena Magüta na comunidade Me’cürane.

Nesse contexto a preocupação dessa pesquisa, por meio dos resultados obtidos, através da análise antropológica dos discursos e práticas dos anciões e jovens sobre a preservação do meio ambiente e da saúde, é a de contribuir, na escola e na área da saúde, para a sustentabilidade da vida e do planeta terra e transmitir esse conhecimento tradicional para nossos futuros filhos e netos.

Uma breve história da comunidade Me’cürane – Vila Betânia

A Comunidade indígena Me’cürane - Vila Betânia, foi “fundada” por um missionário da Escócia Sr. André Holmes representante da missão Associação

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23 Batista do Evangelismo Mundial. Holmes comprou o terreno, situado no Lago Caruaru, de Nelson Franco e, em seguida passou esse terreno aos Tikuna, com toda documentação registrada em cartório. Em 1962 o local foi “batizado” de Vila Betânia. Atualmente sua população está estimada em aproximadamente em 5.000 mil habitantes somente Magüta, segundo informação do cacique Augusto Paulo Rosindo. Apresento a seguir (figura 1), o mapa geográfico da comunidade Me’cürane e imagens dos anos de 1963, 1968 e 1970, representadas nas seguintes figuras: A figura 1, apresentada acima, é o mapa geográfico da terra indígena Betânia, área essa dividida em Betânia 1 e 2 como notamos nas linhas vermelhas do mapa.

Figura 1: Mapa Geográfico da Terra Indígena Betânia Fonte: Google Mapas, 2021

Sobre os territórios indígenas Tikuna, trago com mais detalhes nos próximos capítulos. Segue na figura 2, a imagem de satélite (mapa) da comunidade Me’cürane, nessa imagem podemos notar como a comunidade está organizada, como de costume sempre formada próxima dos igarapés, como estratégias de cuidado e re-existência. Nessa imagem não podemos notar direito como a comunidade é rodeada de frutas, que ali estão todos os tipos de frutas nativas da região, tais como: açaí, cupuaçu, buriti, sapota, abiu, entre outras.

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Vamos em seguida apresentar a imagem abaixo, das primeiras casas construídas pelos nossos avôs e avós, os primeiros moradores da comunidade Me’cürane. Nesse ano, já podemos notar a mudança no formato da casa, devido as influências externas. Muito anos antes dessa imagem, os tikuna construíam para si casas fechadas, conhecidas como malocas. Estas casas possuíam cobertura de folhas de Canarana. Mesmo antes da “fundação” da comunidade, segundo relatos, já existiam alguns moradores no local. Os Magüta de Me’cürane começaram a ampliar e limpar o terreno e começou-se a povoação e ocupar o território – de volta, terreno este “doado” por missionários americanos.

Figura 3: Comunidade Mecürane e sua formação, em agosto de 1963.

Fonte: Arquivo da comunidade Betânia

Figura 2:Mapa de localização Geográfica da comunidade indígena Me’cürane Fonte:Google Mapas, 2021

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25 A fundação da comunidade indígena Me’cürane, iniciou-se com 10 famílias Tikuna, com diferentes linhagens, entre elas a da nação de Manguari, Mutum, Arara, Buriti, Jenipapo, Saúva, Avaí e Onça. Desde então a comunidade foi crescendo chegando em 1987 a 2.085 pessoas, em 1998 a 3.486 e em 2014 a aproximadamente 5.341 pessoas residentes na comunidade (ISA, 2021)3. O missionário André Holmes, chegou com a ideia de ajudar os Tikuna em relação a educação (alfabetizando), os Magüta da comunidade, os quais aos poucos foram aprendendo a escrever e ler seus nomes. Esta foi uma importante iniciativa para a formação escolar dos membros da comunidade.

De acordo com relatos dos anciões, que iremos mencionar ao longo desse trabalho, foi pensada também, após a formação dos anciões, na alfabetização das crianças e jovens. Com o objetivo de cuidado e preservação, por meio da transmissão dos conhecimentos ancestrais e da valorização da cultura e da língua nativa, através da escola, escrevendo sua história e a língua mãe – Magüta.

O missionário André Escocês deixou um legado importante aos Magüta, de sempre manter viva a sua cultura, seu modo de vida, seu conhecimento tradicional, independentemente de seguir a religião não-indígena evangelização.

Segundo o relato do cacique Augusto Paulo – Te’patücü, o missionário se mostrava e sempre incentivava os indígenas Magüta, a manter e valorizar seus costumes e modo de vida.

3Ver Instituto Socioambiental (ISA), acessado em 14/09/2021: https://terrasindigenas.org.br/pt- br/terrasindigenas/3618

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26 Figura 4: A primeira Igreja construída Caranâ, casas Me’cürane em novembro de 1968 e 1970.

Fonte: Arquivo da comunidade Me’cürane.

Nos anos de 1970, na comunidade Me’cürane – Vila Betânia, vista de cima, podemos notar a formação e organização da comunidade (casas) com mais pessoas morando na comunidade. O crescimento da comunidade é notável, com casamentos muitas vezes com pessoas de outras comunidades indígenas Magüta, bem como com os casamentos dos filhos e netos dos primeiros moradores, os quais juntos fizeram crescer a comunidade. Notamos também na imagem acima, as transformações de casas, sendo construídas com madeiras e cobertas com telhado de alumínio, que antes eram construídas e cobertas com folha de caranã e paxiúba. A formação da comunidade, se deu através de matrimônios interclânicos, bem como casamentos entre primos-cruzados, esse preferencial antigamente. No próximo subcapítulo iremos trazer os primeiros momentos com os anciões e jovens – interlocutores.

Os Mestres Anciões – interlocutores

Os mestres anciões e jovens interlocutores que iremos trazer nesse trabalho, especialmente os anciões, são os primeiros moradores da comunidade ou filhos destes pioneiros, pois muitos dos fundadores da comunidade já passaram para outro mundo, tornando-se encantados e guias espirituais. Todos os membros interlocutores, que aqui trago vão trazer os seus relatos de vida e

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27 preocupações com a comunidade, meio ambiente, saúde e educação. Esses interlocutores conheço-os desde que me tornei adolescente.

Os primeiros contatos com os anciões, nessa pesquisa, é datado do dia 21 a 30 de maio de 2019. Para a realização do trabalho etnográfico, o primeiro passo, mesmo sendo membro da comunidade, foi o de comunicar as autoridades tikuna locais sobre a pesquisa e do que a mesma trataria. Essa postura demonstra o respeito a comunidade e as suas lideranças legítimas. O nosso primeiro narrador ancião é o cacique Augusto Paulo – Te’patücü, ou seja, pertence a nação de onça, tem 68 anos de vida, casado e tem 6 filhos, homens e mulheres, ancião importante nesse trabalho. Importante salientar que as imagens usadas nesse trabalho têm a autorização dos anciões.

Para iniciar o diálogo com os anciões, parti de algumas perguntas previamente elaboradas para depois a conversa fluir naturalmente, são as seguintes: Qual é o seu nome completo e nação? Qual a sua idade atual? Têm família? Qual é a sua profissão? Desde criança qual foi o seu relacionamento com a natureza, floresta e meio ambiente? Como os nossos antepassados educavam na sua época – infância? Como podemos pensar a cura de doenças? Como pretende preservar o território em que vive? Todas essas perguntas iniciais serviram para o diálogo com os mestres anciões colaboradores do trabalho.

No dia 22 de maio de 2019, as 14 horas, terça-feira, fui visitar a casa do cacique, para conversar e dialogar, no primeiro momento apresentei a minha idéia e o objetivo do trabalho, pedindo também a permissão para fazer a pesquisa na comunidade com os demais moradores da mesma.

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28 O cacique da comunidade Me’cürane – Vila Betânia, permitiu a minha pesquisa e se dispôs a contribuir com o trabalho, pois o mesmo sempre apóia os estudantes indígenas da comunidade para realizarem as pesquisas, mas que sejam em prol da comunidade e para melhorias nas questões problemáticas tocante a comunidade e território, sendo assim, o Te’patücü, diz:

Sou o cacique Augusto Paulo Rosindo, tenho 68 anos, casado, tenho 6 filhos, vou completar 20 anos como cacique na comunidade Vila Betânia em 2020. Estou muito feliz de poder contribuir com esta pesquisa. Quando era criança a minha convivência com a natureza, floresta e o lugar onde vivo era completamente diferente do que é hoje.

Porque naquela época não tinha tanta coisa que tem hoje, do tipo, escola, posto de saúde, igrejas. Era só nós e a floresta, os animais, os peixes, os pássaros tudo era maravilhoso. Não tinha esse negócio de comer coisas enlatados e frango congelado. Fomos criados desde sempre na roça. Nossa comida era peixe, banana, macaxeira, carne do mato, do tipo queixada, anta e outros.

Quase não sabíamos o que era doença, porque tudo que consumíamos era natural sem contaminação como hoje, que os garimpeiros estão poluindo terra e rio. Moravam

Figura 5:Cacique Augusto Paulo Te’patücüna Maloca Fonte:Arquivo pessoal, 2019

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29 nesta comunidade apenas 40 pessoas somando homens, mulheres e crianças. (Cacique Augusto, 2019 – diário de campo).

Segundo o cacique Te’patücü, as mudanças de vida começaram, com a chegava dos invasores, devido a sede de exploração das terras possuidoras de muita riqueza. Desde o contato, e pelas usurpações dos territórios, os indígenas da região, começaram a morrer, sendo assassinados ou pelas doenças levadas por exploradores colonizadores, por causa da cobiça pela terra e seus recursos.

Ou seja, os indígenas enquanto Magüta e outros povos que vivem na região foram massacrados, as terras foram invadidas, por seringueiros e madeireiros.

Na comunidade Me’cürane, não é diferente de outros lugares, houve conflito com os que diziam ser “donos da terra”, alguns Tikuna, começaram a matar os gados, devido que os animais, comiam a roça do povo, por essa razão os não-indígenas prendiam os Tikuna, esses seriam os primeiros membros fundadores da comunidade. Obrigavam os próprios Tikuna a retirar o gado de suas roças, caso contrário, não obedecendo teria sangue derramado, conta o cacique.

Segundo cacique Te’patücü, com a chegada dos missionários da Escócia os pastores André e Edwaed, ficaram com “pena” do povo e acabaram comprando a terra para os Tikuna, terra essa tradicionalmente dos próprios Magütagü de Me’cürane, onde é conhecido como lago do Caruaru, hoje também conhecida como comunidade indígena Vila Betânia. Augusto nos conta que seu pai, na época, foi o primeiro cacique da comunidade, que trabalhou 24 anos liderando o povo de Vila Betânia. Depois do pai do Augusto, em uma assembléia geral da comunidade, para escolher o próximo cacique, o Augusto Paulo ficou como vice cacique, durante três mandatos e na quarta vez, assumiu como primeiro cacique, por oito anos, completou em 2020, 20 anos de liderança na comunidade, mesmo tempo de seu pai. Os 40 fundadores desta comunidade se multiplicaram.

Atualmente existem aproximadamente 600 casas na comunidade, num total aproximando de 5.000 mil habitantes. O Cacique continua o seu relato:

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30 Naquela época não tinha escola, o meu pai me ensinava a plantar, fazer roça, fazer canoa, flecha e arco, e depois me levava para caçar, como se fosse um teste, ou uma prova.

E eu tinha que aprender tudo isso. E o principal, nunca maltratar a mata. Porque a mata para nós é sagrada. Ela tem vida, espírito, igual a gente, meu pai me ensinou também ser o guardião da floresta. Ele sempre dizia que tudo isso, meu filho um dia será transformado. E de fato tudo é verdade e eu pude ver hoje (Cacique Augusto, 2019).

A educação indígena acontecia na prática, como observamos no relato do cacique, onde aprendeu tudo, o modo de vida tradicional do povo Magüta. A prática de ouvir, observar e praticar é um método de aprendizagem de formação de um Tikuna. Ali também é ensinado aprender a respeitar as matas, as águas, a terra e os animais que vivem nela, tratar a natureza com respeito é uma dádiva, pois, nos oferece em troca, as medicinas nas plantas, os animais, os peixes e respirar um ar puro da natureza. Os Magüta são ensinados também a serem guardiões das florestas, como conta o cacique. As orientações do pai do cacique e visão do futuro, é o que aconteceu e está acontecendo, modo de vida transformado por ganância humana – dos não indígenas. Se é que podemos chamar de humanos.

Nas realizações das reuniões o cacique sempre incentiva os jovens a aproveitar as oportunidades, estudando, para lutar pelos direitos indígenas, e diz que, sempre devem se preocupar em manter viva a cultura, a história na escrita, a língua, os ensinamentos, práticas culinárias tradicionais, bem como plantar tudo ao fazer uma roça, e orienta não queimar, para que seja tudo como antigamente.

Diz que as coisas do homem branco, não são necessárias serem seguidas, sobretudo, a sede de exploração desnecessária da natureza. Os estudos que o cacique incentiva é uma estratégia para defesa quando for violado os direitos indígenas, sobretudo, violação das vidas, das terras e explorações de modo geral.

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31 Augusto continua relatando que: - nós da terra indígena Betânia, temos muito lagos, mas se não cuidarmos daqui a 20 anos mais, não teremos mais essa beleza e nem o ar que respiramos, conta. O cacique Te’patücü, conta que, é de suma importância que trabalhemos sempre em coletivo – juntos, povo unido, por um único bem maior, para viver bem. Para isso acontecer é preciso a união como os indígenas Magüta fazem, para defender os seus territórios para preservar a riqueza existente. O cacique mostra-se desde sempre, preocupado com o seu povo em orientá-los e colocar em prática o seu saber tradicional, a cura com plantas medicinais tradicionais, para febre, diarréia, dor de cabeça, entre outros estados de saúde. Ele diz que:

Temos que valorizar nosso remédio que é muito melhor do que o remédio do branco. Hoje, busco através das reuniões sensibilizar os jovens da importância de preservar a floresta e o meio ambiente. Recentemente junto com a população, estamos construindo uma Maloca bem grande onde vamos aplicar o resgate de como era antigamente.

Desde a fundação da comunidade, não se via mais ou construída uma maloca grande como antigamente, e no ano de 2018, foi construída uma maloca nominada como Tchirugune. Notamos que os saberes que achávamos que tinham sido perdidos estavam e estão presentes nas memórias do povo, de como se tecem as folhas de caranã para cobertura da maloca, uma técnica que somente os anciões mestres sabem fazer. Foi com esse propósito que resgataram e construíram a Maloca Tchirugune, objetivando a valorização do modo de vida tradicional. Vamos a seguir apresentar um professor aposentado, um dos primeiros professores indígenas da comunidade Me’cürane.

O ancião educador Francisco (Figura 6) quando começou a aprender a estudar, objetivava a preservação da cultura indígena Magüta. Entrevistei o ancião no dia 24 de maio de 2019, por volta das 14:20 horas. Antes tínhamos combinados o dia e também o motivo da minha pesquisa.

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Fonte: Arquivo pessoal, 2019

O ancião mestre professor, tem 75 anos atualmente, é aposentado, foi um dos primeiros professores a lecionar na comunidade, alfabetizando, educando tanto para a melhoria da comunidade, quanto para estabelecermos um melhor dialogar com os não-indígenas que muitas vezes enganavam o povo Tikuna durante a comercialização das mercadorias. O mestre ancião nos diz que:

Bom! Me chamo Francisco da Silva, tenho 73 anos, sou viúvo e professor aposentado, tenho quatro filhas mulheres e dois filhos homens, no total tenho seis filhos e também muitos netos. Na minha infância a gente não sabia lê e nem escrever e muito menos compreender o português. Meu pai só ensinava a gente a fazer roça, canoa, pescar e caçar. Na nossa época nós não tínhamos preocupação com preservação à saúde e muito menos se preocupar em cuidar da floresta. Porque nessa época não tinha doenças complicadas e não era necessário se preocupar em ter que ir fazer tratamento em outra cidade, do tipo ir para cidade dos brancos. Quando adoecíamos, nosso pai nos curava com remédio caseiro próprio nosso, fazia chá da folha da

Figura 6: Ancião professor Francisco.

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33 planta medicinal. A nossa relação com a natureza e floresta era como se fosse nosso posto de saúde, se éramos picados por cobra, por exemplo, minha mãe ia pro mato pegar ervas e nós ficávamos curados.

A educação que o mestre ancião era ensinado é o que chamam de “educação indígena”. A educação Magüta – Tikuna, nesse caso, é aprendida na prática, olhando e ouvindo os anciões. Como citado por ele, a construção de uma canoa, só se aprende na prática, e os pais ensinando, quanto para pescaria e caça, aprende-se também na prática, é a prática tradicional do Povo – a educação Magüta para formar Tikuna. O próprio modo de vida - viver tradicional do povo Magüta, é o que faz não termos a não preocupação com o meio ambiente e a saúde, como ele conta, seu povo não era afetado por doenças como atualmente.

Segue dizendo que:

Então a floresta, a natureza para mim, ela representa a mãe de toda sabedoria, que ainda é um segredo sagrado para poucos que a protege. Temo-nos pajés (homem e mulher).

A floresta para mim é uma escola, onde tudo se aprende com respeito, e tudo que aprendemos não pode ser revelado, tem que permanecer como um mistério. Temos as nossas próprias crenças, porém com a chegada dos evangélicos, ficamos proibidos de praticar nossa cultura para servimos o “Deus” do homem branco.

De modo geral, tanto os Tikuna quanto outros povos indígenas, consideram a natureza como a mãe de todos, ali se guarda nossa alimentação, as frutas que oferece e muita sabedoria e medicinas, por isso devemos, como indígenas ou não, protegê-la para o bem-estar maior. Proteger significa respirar o ar puro, ter água limpa e assim por diante. As tradições, as práticas ritualísticas que os indígenas Tikuna realizavam eram demonizadas, tudo por “salvar almas”, isso significa, exterminar as tradições, ou seja, o genocídio. O ancião segue dizendo:

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34 Tornei-me professor voluntário aos 18 anos de idade, mas já tinha esposa, fui escolhido para dá aula, só porque compreendia mais ou menos a língua portuguesa. Na época o Eduardo Norte Americano, que se instalou em nossas terras como missionário, nos ensinou a falar o português. Antes de me aposentar, eu ensinava meus alunos a cuidar da floresta como se fosse uma mãe. Ao mesmo tempo eu tinha medo desse americano, porque eles tinham fama de tirar cabeças das pessoas, ou seja, matavam para vender o órgão humano. Estar no meio deles para mim era o mesmo que estar se entregando.

Porém era coisa da minha imaginação.

Como inicialmente mencionamos, o ancião durante e antes mesmo de se aposentar da escola, ensinava os seus alunos, a preservar floresta. Esse cuidado com a natureza, beneficia a todos. A seguir, observamos ainda a preocupação do ancião já em relação a preservação da beleza e conhecimento dos antepassados.

A importância desse trabalho vem somar com o que os anciões querem para o bem-estar coletivo das comunidades indígenas Tikuna do Me’cürane e de outras aldeias.

Hoje poucos se preocupam em dá importância para a rica beleza do conhecimento milenar Tikuna. Segundo relato que meu pai me contava, embasado na cosmologia dos Tikunas, que a preservação do meio ambiente é importante, por que está se precavendo e protegendo na certeza de que estaremos garantindo uma vida de qualidade as nossas futuras gerações. Ensinando desde cedo a educá-los no intuito de manter vivo a cultura, a língua, a escrita, a prática do uso de remédio caseiro, e o principal, há não poluir a nossa floresta, rios igarapés. A cuidar do ambiente dentro do próprio território, da casa e

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35 da rua aonde nós vivamos para que nossos netos, bisnetos e tataranetos possam ainda ver os animais que estão em extinção. A prática do conhecimento tradicional, repassada pelos ancestrais irá transmitir que nossos jovens sejam mais um guardião da nossa floresta.

Antes da invasão e exploração dos não-indígenas, os Tikuna tinham um ritual, conhecido como “worecü” – em português, “ritual de moça nova”. A partir desse ritual eles faziam as transmissões de conhecimentos, além da prática. O pai do ancião, como ele menciona, já era preocupado com a proteção do meio ambiente. Assim, garantiremos uma vida de qualidade para as gerações futuras.

Segue dizendo:

Outra preocupação constante, e percebe que o povo não enxerga o grande problema que está se criando na comunidade, a partir do momento que construíram pousadas para recepcionar o povo que vem de fora, não sabemos qual a intenção deles. Tudo tem seu lado positivo e que vai gerar renda apenas para algumas famílias, e o negativo é que as “pessoas” que irão se hospedar, vai parecer ser bonzinho, mas por trás está tramando alguma coisa que não se sabe o que vai ser. A poluição do ambiente, tudo que é industrializado, já é para mim um problema gravíssimo, que será uma bomba construída pela própria ação do ser humano.

O ancião tem outra preocupação com as pessoas não-indígenas que vem de fora, ver que isso poderá se tornar um problema futuramente, porque não se sabe a real situação, de certa é que muitos levam bebidas alcoólicas ou até mesmo drogas para a comunidade, em especial aos jovens. Chegam também com produtos industrializados, o que o ancião vê como “gravíssimo”, está acontecendo, poluindo rios, igarapés e lagos, onde é retirado o sustento familiar.

Como o ancião diz, construindo uma bomba pela própria ação do ser humano,

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36 pela ganância (dinheiro). Vamos apresentar a seguir o nosso próximo ancião, que também já foi professor, hoje pastor da igreja.

O ancião foi também professor da comunidade, atualmente é pastor da igreja4, acredito que o relato dos anciões, um dos primeiros filhos moradores da comunidade é suficiente para descrever o que eles pensam em relação a minha pesquisa e aos objetivos da mesma. Tanto o cacique, quanto o nosso segundo entrevistado, contribuíram bastante para a elaboração deste TCC. E agora vem somar ao nosso trabalho, o ancião pastor. Para o registro também trago a fotografia do ancião, como eterna memória que ficará nesse trabalho (Figura 7).

Atualmente, o ancião é primeiro pastor da igreja, onde são realizados cultos às quarta-feira e domingos, sempre à noite, porque de dia os fiéis estão realizando seus trabalhos na roça, plantações de bananas, macaxeiras e outro tipos de frutas, ou mesmo na pescaria para alimentar a família, por isso, os cultos só são

4É umas das transformações que as instituições – como os missionários objetivavam, para “salvar almas”. Alguns pajés ou curandeiros deixaram as suas práticas tornando-se diácono da igreja. Somente por fazer parte da instituição, deixam os costumes tradicionais do povo.

Figura 7:Henrique Salvador Pastor da Igreja Batista Regular Fonte: Arquivo pessoal, 2019

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37 realizados à noite para que todos estejam no templo. O ancião a seguir se apresenta, quanto ao nome, idade e estado civil:

Meu nome é Henrique Salvador, tenho 71 anos, sou casado, tenho 4 filhas mulheres e 1 filho homem, sou professor desde os 15 anos de idade, hoje já estou aposentado. Além disso, sou pastor da igreja Batista Regular. Antes de ser professor fomos criados e educados trabalhando na roça, pescando, caçando, e fazendo os trabalhos domésticos do dia-a-dia em casa na comunidade.

Minha época é completamente diferente da dos jovens de hoje. A educação era bem rígida, não se podia faltar respeito com ninguém. Tornei-me professor a convite do missionário Eduardo norte americano. Por eu passar algum tempo na cidade, com muita dificuldade acabei compreendendo e aprendi a falar o português. Naquela época este missionário pagava para gente dá aula. Com o passar do tempo, o missionário foi ficando sem recurso financeiro para pagar os professores. Num determinado tempo ficou esperando um milagre acontecer, que foi concretizado, a partir do momento que a prefeitura nos contratou para sermos professores na nossa comunidade.

Penso que os missionários norte americanos tinham o objetivo, que é a catequização do povo, e ensinaram os anciões a serem educadores. O que talvez não era esperado, é que os indígenas Tikuna também podiam transformar, e usar a escola como uma instituição para valorização da língua materna, pelos menos, para ela não se perder, como ocorreu com muitas línguas indígenas no Brasil, tais como a dos vizinhos Kokama, que atualmente estão em processo de retomada da sua língua materna, apoiados pelos poucos falantes vivos. Com muita luta pela

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38 educação, os Tikuna fizeram com que a Prefeitura Municipal de Santo Antônio do Iça contratasse os primeiros professores indígenas da comunidade Vila Betânia, junto vieram outros professores não-indígenas também, atuando no ensino e aprendizagem em relação a língua portuguesa. Na mesma época contrataram duas mulheres indígenas para atuarem juntamente com os demais, como o ancião relata a seguir:

Nessa mesma época foram contratadas duas mulheres a Dona Maria Flores e a Nazaré Arcanjo, as primeiras mulheres Tikuna a lecionar [na comunidade]. Eu falava para meus alunos que é importante mantermos nossas práticas culturais da nossa forma, porém pelo fato de sermos evangelizado, basicamente abandonamos o nosso costume, porque o missionário nos orientava que tudo que fazíamos era pecado. Eu acabei aceitando e por isso hoje sou professor e pastor.

Como professor, Henrique contribuiu na preservação das culturas Magütagü. Esse ensinamento também acontece no dia-a-dia com o povo, bem como antigamente nos rituais. A catequese que os missionários faziam para converter os indígenas Magütagü foi uma prática que as instituições religiosas fazem (desde a sua invasão para impor sua visão) – todas as práticas tradicionais eram vistas como pecado ou de demônio, isso é a negação, invisibilizar, descaracterizar as tradições indígenas Magütagü milenar. O ancião continua dizendo:

Mesmo sendo evangelizado, eu praticava meu costume em casa, ensinando meus netos, de como se curar de uma dor de cabeça, febre e outras coisas. O mais importante que sempre falo nas reuniões que participo, sim devemos acreditar em Deus, mas não podemos deixar o que é nosso, os nossos costumes como era antigamente. Assar peixe, cozinhar cará, plantar bastantes frutas, a nossa

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