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Academic year: 2022

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Autor(es): Toipa, Helena Costa

Publicado por: Universidade Católica Portuguesa, Departamento de Letras URL

persistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/23808 Accessed : 6-Sep-2021 12:52:40

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UMA DESCRIÇÃO QUINHENTISTA DO MOSTEIRO DE SANTA-CLARA-A-VELHA*

HELENA COSTA TOIPA

A edificação de mosteiros, igrejas, hospitais e outras casas de assistência social, fosse de raíz, fosse a partir dos pré-existentes, reformulando-os ou concluindo-os, foi, em grande parte, ao longo dos tempos, da responsabilidade de membros das casas reais e da nobreza:

reis, rainhas, príncipes, infantes e fidalgos empenharam-se devotadamente em edifícios que ficaram como monumentos do seu amor a Deus e ao próximo e como testemunho do seu anseio em conquistar o Reino dos Céus.

A rainha Isabel de Aragão foi, desse empenhamento, grande exemplo; emparceirando com o marido D. Dinis, que impulsionou a construção, entre outros, do claustro da Abadia de Santa Maria de Alcobaça e do Convento de S. Dinis de Odivelas, para freiras cistercienses, onde quis ser sepultado e que contemplou no seu testamento, D. Isabel empenhou-se vivamente no desenvolvimento, conclusão e manutenção de obras já ini€iadas, mas não concluídas, como as do Convento das Bemardas de Almoster, começado pela sua aia Berengária Aires, as do Hospital dos Inocentes de Santarém para meninos enjeitados (de parceria com o bispo da Guarda D. Martinho), e principalmente as do Mosteiro de Santa Clara de Coimbra (dito a Velha, para se distinguir do outro, dito a Nova, construído no séc. XVII, para substituir o primeiro, que se "afundava" nas águas do Mondego), junto do qual passou longos períodos da sua viuvez e onde quis ser sepultada.

O Mosteiro de Santa Clara teve um início atribulado. Fora fundado por D. Mór Dias, uma abastada dama da nobreza, que, decidindo afastar-se do mundo, recolhendo-se num mosteiro, em 1250, sem, no entanto, professar (apenas para segurança da sua honestidade), para poder continuar a possuir e a administrar os seus bens, começara por escolher, para sua reclusão, o mosteiro feminino

• Artigo redigido no âmbito da investigação conducente à elaboração da tese de doutoramento, sob orientação do Prof. Doutor Américo da Costa Ramalho.

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da ordem de Santa Cruz, em Coimbra, onde viveu algum tempo, aparentemente em situação de poder dispor dos seus bens. Poucos anos passados, porém, por volta de 1278, mandava ela construir, junto do Mondego, umas casas e, em 1283, obtinha autorização para fundar um mosteiro onde pudesse recolher-se, da ordem de Santa Clara, dedicando-o a esta e a Santa Isabel de Hungria.

Os Cónegos Regrantes de Santa Cruz, no entanto, não aceitaram pacificamente esta transferência de Mor Dias e da sua fortuna para outra instituição e iniciaram contra ela uma demanda, argumentando que tinha professado na sua ordem e que, como tal, quer a pessoa, quer os bens lhes pertenciam. O conflito prolongou-se por vários anos, solicitando até a intervenção de outras hierarquias da Igreja, nomeadamente da Santa Sé, não só em vida da fundadora, chegando mesmo à sua excomunhão decretada pelo Prior de Santa Cruz, mas também depois da sua morte, que ocorreu em 1302, a ponto de, por uma decisão do tribunal favorável aos frades de Santa Cruz, se expulsarem as clarissas do seu mosteiro, que ficou desabitado.

I

Intervém, então, em favor das freiras expulsas e do convento despovoado, a rainha D. Isabel de Aragão que, depois de contribuir para a composição das partes, para evitar contendas, solicita autorização para fundar um convento da invocação de Santa Clara, naquele mesmo lugar onde o quisera D. Mor Dias, mas agindo como se começasse de novo, comprando os terrenos em redor, e planeando uma grande construção, cujas obras decorriam já em 1316 - a rainha toma-se, então, a segunda fundadora (Vasconcelos, 1983) ou

I

I O Livro que fala da hoa vida que fez a Raynha de Portugal, Dona Isahel, e dos seus bliosfeitos e milagres em sa vida e depoys da morte, de autor desconhecido, um relato biográfico escrito muito pouco tempo depois da morte desta rainha, e, para os estudiosos, digno de crédito, diz o seguinte sobre este assunto:

Outrosi per iía boa dona, a que diziam Moor Diaz,forafundado iíu moesteiro de donas da Ordee de S. Clara; avendo já i casas e oratorio, veo a morrer esta Moor Diaz, e o prior de Santa Cruz de Coimhra, que em aquel tempo era, dizia que aquela Moor Diaz era dona professa daquel seu moesteiro e que aquel logo u começara de jàzer aquel logar era daquel moesteiro, u avia feito projissom. E contenderam tanto perdante os juizes, a que per lo papa fora aquel feito cometudo, que iías poucas de donas que em aquellogo estavomforom lançadas daquellogar e forom de~pavoradas as casas com seu terreiro (que) per lo priol do moesteiro de Santa Cruz e di adiante ficarom aquelas casas despohradas e tornou-se aquel logar, que fora começado pera jàzerem em ele serviço a Deus, acolhimento de muitos maos e maas pecadores pruvicas e sem vergonça. (p. 1336-1337)

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refundadora do mosteiro, que conhece, a partir daí o seu grande desénvolvimento.

2

Para acompanhar de perto a sua construção,3 quando estivesse em Coimbra ( o que acontecia assiduamente, principalmente depois da morte de D. Dinis), a rainha mandou construir, nas proximidades, uma casa para si e para os seus

4,

que posteriormente acompanhou de

2 Diz a biografia da Rainha, acima mencionada:

Veendo esta rainha aquel logar despobrado e doendo-se ende, propos a fundar acerca daquel logar eigreja e moesteiro da Ordee de Santa Clara, pera se fazer em ele serviço a Deus, e cobrou aquel lagar daqueles cujo era. Comprou possessões a redor, de lecença e mandado e:,pecial do papa fez fundar a eigreja a onra de Deus e da Virgem gloriosa, sa madre, em no qual fundamento e edificaçom foram juntos prelados e outras muito boas campanhas eclesiasticas e segraes, e ela com sas mãos lançando com aqueles bispos as pedras primeiras em no fundamento. E, pera aquel moesteiro seer fundado de donas daquela Ordee de boa vida e bem espertas em na regra da Ordee de Santa Clara, pera que as outras donas que aaquel moesteira depos elas veessem seguissem a sãa vida e recebessem ensinança, mandou a Çamora por onze donas daquela Ordee que i avia de boa vida, porque em aquel tempo diziam que em moesteiro de qual Ordee quer que em Espanha fosse, nom avia donas de tam boa vida, nem que assi guardassem a regia de sua Ordee e e foram tiradas por mandado e lecença de seus maiores.

(00') E, quando forom postas em aquel começo que fazia pera o moesteiro,

foi i esta rainha, e a rainha começou de mandar lavrar em na eigreja e lançar fundamentos pera casas, segundo viio que compria a tal lagar. E começaram de crecer cada dia em aquellogaJI dali adiante e filhar Ordee filhas de muitos cavaleiros e d' outros homees bõos em aquel lagar por capelães. E começou a comprar e aver possessões pera mantimento daquelas donas e filhou pera si e pera sa casa duas donas anciãas, que nom prometeram ençarramento, pera andar com ela per u ela fosse dali por diante. (pp. 1337 - 1338)

3 Como arquitecto, D. Isabel escolheu Domingos Domingues ( responsável também pela construção do claustro de Santa Maria de Alcobaça ), que dirigiu as obras até depois de 1325; em 1331, tinha sido substituído por Estevão Domingues, provavelmente por ter falecido.

4 Também esta informação se pode recolher da biografia acima referida:

E fez juntar pedreiros e carpinteiros e começou per eles a fazer lavrar em aquel moesteiro a eigreja que começara, e mandou fazer pera si sepultura e começou a fazer lavrar acerca do moesteiro, pera sa morada e dos seus, iías nobres casas, e foram acabadas em pouco tempo, e fez fazer em aquel lagar aquelas casas, pera poder ir mais a meude delas a veer lo moesteiro e donas e veer las obras que ela fazer mandava como se faziam, ca todas as casas que ela fazer mandava todo se fazia segundo ela divisava, e de guisa o mandava fazer que aqueles mesteiraes

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outros edifícios, destinados a um hospício que albergaria, separadamente, 15 homens e 15 mulheres pobres, com a respectiva capela e cemitério consagrados

5;

estes edifícios ficariam, à sua morte, propriedade do mosteiro.

Destes edifícios mandados construir pela rainha - paço régio, hospício e respectiva capela, mosteiro (com a sua igreja, dois claustros e anexos) - , pouco mais se via, até há pouco tempo, que a parte superior do templo do mosteiro. As escavações arqueológicas recentes têm posto a descoberto o vasto edifício que António de Vasconcelos tentara já «adivinhar» e descrever na sua vasta obra dedicada à Rainha Santa, nomeadamente em A evolução do culto de

Dona Isabel de Aragão, baseando-se, entre outros documentos, nos

escritos de autores antigos. É o relato de um desses autores, o padre jesuíta Pedro João Perpinhão, feito em 1559, num momento em que, ameaçando parcialmente ruína, os edifícios da rainha eram ainda habitados e perfeitamente visíveis, pois não estavam ainda submersos pelas águas do Mondego, que apresentamos, em tradução.

Pedro João Perpinhão, valenciano, veio para Portugal em 1551 e, nos colégios da Companhia de Jesus, foi, primeiro, estudante e, depois, professor de Gramática, exercendo a sua actividade em Évora (1554) e principalmente em Coimbra, no Colégio das Artes ou Colégio Real que, fundado por D. João III , iniciara a sua actividade em 1548, sob a direcção de André de Gouveia, e que em 1555 fora entregue pelo monarca à Companhia de Jesus, sediada em Portugal havia pouco mais de uma dúzia de anos.

Perpinhão era, além de professor, o orador escolhido pelos seus

)

a que o ela mandava fazer se maravilhavom de entender assi e mandar jàzer e em como os prasmava e corregia em aquelo que lavravam e jàziam. (pp. 1344-1345)

5 Um pouco adiante, diz o mesmo relato:

E ante as casas de sa morada, que pera si e os seus fez fazer, fez fazer iia capela com seu cemeterio e casas pera o e:,prital, em que pos quinze omees pobres e quinze molheres pobres, e os omees pos em sa casa apartada e as molheres em outra e a capela em na metade das casas, e a estes pobres dava certas rações de pam e de vinho e de carne e de pescado, segundo o dia era, e leitos pera dormirem e de vestir em cada iiu ano. E ordfou que cada dia veessem ouvir as oras canonicas em aquela capela de iiu capeiam que ela pos em ela com seu moozinho, que fossem em aquela capela residentes. E fez sagrar aquela capela com seu cemeterio. E a rainha por vezes viinha visitar os que em este esprital erom enfermos e per si apresentava a eles o que aviam de comeer. (pp. 1346)

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pares para qualquer solenidade; foi ele que pronunciou a oração de sapiência nesse ano de 1555, no Colégio das Artes, em nome dos jesuítas; foi ele que, nesse mesmo ano, disse a oração fúnebre quando da morte do Infante D. Luís, irmão do rei; foi ele, ainda, que pronunciou, em três anos consecutivos (1557, 1558 e 1559) as orações em louvor da Rainha Santa, instituídas como homenagem pelo rei D. João m, para o dia 4 de Julho. A par destas orações laudatórias, Perpinhão dedicou-se também, talvez para aproveitar a informação recolhida na pesquisa que efectuara para a composição das orações, à redacção de uma monografia sobre a Rainha, que dividiu em três livros. Nessa monografia, no livro m, que abrange o período que decorre entre o seu regresso da peregrinação a Santiago de Compostela até à sua morte e culto posterior, oferece uma descrição de Santa Clara, em grande parte fruto da observação in loco e dos relatos de acontecimentos recentes. O texto, além de difícil de encontrar, não foi ainda, que saibamos, traduzido ( na obra referida de António Vasconcelos, surgem apenas alguns extractos do texto latino), pelo que apresentamos a tradução da passagem que se refere ao mosteiro de Santa Clara, ao túmulo da Rainha, ao paço e hospital vizinhos, acompanhada do texto latino original.

Sobre o paço régio, escreveu o seguinte:

Nondum exaedijicata erat domus illa S. Clarae, quam ad Conimbricam institutamfuisse diximus in ripa Mondae. Partim igitur quo magis id opus urgeret, ac citius, ut cupiebat, perflceretur, partim quo frequentius ad illum uirginum sacrarum coe tum adire posset, si prope habitaret, et .I'aepius earum sanctissima consuetudine frui liceret, dom um sibi ac suis paululum aduerso flumine a Parthenone remotam paucis mensibus conflciendam J.ocauit. Fuit illud Elisabethae uiuentis adhuc ueluti sepulcrum quoddam, in quo sic delituit extrema senectute, ut Deo quidem tum maxime uiueret, cum minime uideretur, rebus autem humanis et huius uitae uanitati mortua penitus et sepulta putaretur. Ea domus usque ad hanc memoriam annos circiter tres et triginta supra ducentos integra stetit; id quodammodo curante et prouidentf' Deo, ne prius tam insigne monimentum religionis illius et sanctitatis ;nteriret, quam /iteris multorum illustraretur; quo quidem omni tempore receptaculum illud extitit miseris et egentibus hominibus, quo iniurias caeti uitandi causa succederent, et satis patens et peropportunum, ut quos illa uiuens omni studio protexi.l'set, eisdem etiam mortua perfugium praeberet. Anno uero ab ortu Christi seruatoris quingentesimo quinquagesimo nono supra millesimum, cum hoc totum factum aestate superiore fuisset in lucem prolatum a nobis altera oratione de rebus a regina gestis, priusquam tertia, quae fui! extrema, diceretur, ineunte uere, nocte S. Matthiae ferias antecedente, cum et uetustate nemine reficiente consumpta, et maximis

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atque assiduis imbribus hyemis proxime dissoluta esset, inquilinis innoxia corruit magna ex parte, tamquam et officio suo perfunctam se esse cognouisset, et charissimos quondam Elisabethae habitatores continere sensisset. Nam et pridie eius diei rimis actis, ac uelut ante denuntiata ruina omnes, ut alio migrarent, admonuit, antequam opprimerentur, et puerum, qui solu.\' cum iumento remanserat in imis aedibus, trabibus a solo ad alterum parietem stantem cratis in modum quasi de industria erectis, et pondus ruentis tecti sustinentibus ita molliter excepit, ut multorum diligentia breui purga to loco, puluere quidem obsitus, sed prorsus integer extraheretur, quem omnes suspicarentur esse penitus obtritum. Nimirum etsi muta inanimaque tecta carebant sensibus, erat tamen et uigebat diuina uis, cuius illa non modo uoluntatibus, uerum etiam nutibus obsecundaret. Sed olim dum ibi pie ac religiose uiueret Elisabetha, aediculas sibi quasdam ad ianuam Parthenonis aedijicarat, quo cum immigraret saepenumero ex illo suo uicino domicilio (obtinuerat enim a Pontifice maximo, ut quotiescumque uellet eo introire, sibi jàs esset cum necessario ancillarum comitatu) muitos dies inter uirgines dedica tas Christo morabatur, cum incredibili quadam animi uoluptate ex earum suauissimis integerrimisque moribus accepta (oo.) ( «De Vita et Moribus B. Elisabethae Lusitaniae Reginae lib.IIl», pp.308-3!O.)

«Ainda não estava inteiramente construída aquela casa de Santa Clara, que dissémos ter sido instalada junto de Coimbra, na margem do Mondego. Por isso, fosse para apressar mais essa obra e para a acabar com maior rapidez, como desejava, fosse para poder visitar com mais frequência aquela comunidade de santas mulheres, vivendo mais perto, e para lhe ser permitido deleitar-se amiúde com os seus santíssimos costumes, mandou construir uma casa, para si e para os seus, a montante do rio, um pouquinho afastada do convento, para ser concluída em poucos meses. Foi esse quase uma espécie de sepulcro para Isabel, vivendo ela ainda, ao qual de tal forma se acolheu no fim da velhice que, quanto mais vivia em Deus, tanto menos era vista e, em verdade, se julgaria estar completamente morta e sepultada para as coisas humanas e para as vaidades desta vida.

Esta casa permaneceu inteira até à nossa época, durante cerca de duzentos e trinta e três anos, e de algum modo sucedeu que, graças ao cuidado e providência de Deus, não ruiu tão insígne monumento da sua religiosidade e santidade, antes de ser imortalizado pela literatura de muitos.

Pelo que, em verdade, durante todo esse tempo, existiu aquele abrigo para os homens pobres e desgraçados, para onde eles corriam a abrigar-se das injúrias do céu, suficientemente aberto e muitíssimo oportuno, de modo que, aqueles que ela, vivendo, protegera com todo o zelo, a esses, de igual modo, depois de morta, oferecia um porto de abrigo.

No ano de Cristo Salvador de mil quinhentos e cinquenta e nove, tendo todo este facto sido, por nós, trazido à luz, no verão anterior, numa outra oração sobre os feitos da rainha, antes de se ter dito a terceira, que foi a última, no começo da Primavera, na noite que antecedeu o feriado de S.

Matias, por estar não só consumida pela decrepitude por ninguém restaurada, mas também abalada com as abundantes e frequentes chuvas do

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último inverno, sem inquilinos, ruiu, em grande parte, como se soubesse que, por um lado, desempenhara completamente a sua tarefa, e, por outro, sentisse que albergava habitantes outrora queridíssimos a Isabel.

Com efeito, na véspera desse dia, abrindo fendas, tal como antes de uma ruína anunciada, deu sinal a todos para que partissem para outro lugar, antes que fossem esmagados; mas, em contrapartida, a um rapaz que permanecera sozinho com um burro, nos aposentos anteriores, como as traves se erguessem como que deliberadamente do solo para a outra parede que estava de pé, à maneira de uma grade, e sustentassem o peso do tecto a ruir, ao rapaz, de tal forma suave o recebeu que, ao limpar-se logo o lugar, graças à diligência de muitos, foi tirado coberto de pó, é verdade, mas completamente intacto aquele que todos suspeitavam estar completamente esmagado. Sem dúvida que, embora os tectos mudos e sem alma carecessem de sentidos, existia, todavia, e vigorava ainda a divina força daquela a cujas, não só vontades, mas também sinais, eles se submetiam.

Mas Isabel, noutro tempo, enquanto aí vivera, de forma pia e religiosa, mandara construir alguns edifícios para si junto à porta do convento, para onde se deslocava muitas vezes, vinda daquele se domicílio vizinho (obtivera. com efeito, do Pontífice Máximo, que, todas as vezes que quisesse entrar nele, lhe fosse permitido fazê-lo, acompanhada da necessária comitiva de servas); morava, durante muitos dias, entre essas mulheres dedicadas a Cristo, com inacreditável prazer de espírito, aceitando os seus suavíssimos e sumamente íntegros costumes.6»

Além dos edifícios que para si mandara fazer, junto do mosteiro, nos quais residia quando estava em Coimbra para orientar os trabalhos e levar uma vida de recolhimento, mandara também edificar, em frente, como vimos acima, um hospício, com capela e cemitério consagrado. Eis o que diz Perpinhão:

Conimbricae uero ubi diuersabatur, illam Elisabethae magnae materterae suae sectam, et admirabilem uitae rationem, quoad ei licuit, persecuta est. Ante Regiam enim quam Parthenoni S. Clarae propinquam fuisse diximus, in eadem sinistra fluminis ripa, hinc et illinc frequentes aediculas extruxit, quas inter, sacellum quoddam ex aduerso Regiae direxit, area quadra ta satis magna puteum medium complectente inter haec omnia relicta. ln his ta·tis humanissima Regina, nulla magis uicinitate delectata, quindecim uiros egentes, totidemque feminas, ut sexu

6 Também é o Livro( ... ) que fornece esta informação:

E esta rainha entrava antre elas por la dita graça que o papa a ela outorgara e fezera iía camara pera si aa porta do moesteiro e per ali se viinha per vezes a rainha das casas outras de sa morada e estava i por dias e rezava com aquelas donas do moesteiro e siia antre elas e de seer com elas avia gram prazer e confortava-as e dizia a elas que perseverassem em no serviço de Deus, cujas esposas eram, e outras e mui nobres palavras, que ela bem sahia dizer. (pp 1349-1350)

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ipso di.lpares erant, sic locis disiunctos collocauit, ad quem numerum hominum, qui essent eo benejicio digni in perpetuum alendum certas assignauit pecunias, unde annona, lectus, uestisque quotannis unicuique praeberetur. Sacello uero proximo cum coemeterio consecrato, sacerdotem custodem praefecit, qui praesentibus iis qui annuum acciperent ex atributa pecunia subsidium quotidie jàceret rem diuinam, et solemnes omnium horarum concineret precationes. Neque satis habuit excellens humanitate Regina, tecto ab iniuria frigoris calorisque tueri miseros, egentibus suppeditare, pascere famelicos, quod neque ipsi dijjicile erat, illa copia, neque semel a regibus opulentis usurpa tum, sed ad hanc liberalitatem ea adiunxit officia, quae etiam tenues et obscurae mulierculae defugiunt, existimantes aliena dignitate sua. Etenim nullas humanitatis et benejicentiae partes christiana Regina indignas esse rata, uisebat frequenter quos aliquo morbo teneri audiuisset, confirmabat uario placidoque sermone, hortabatur ad perferendam aegritudinem animi, et corporis dolores, multa de aliorum patientia memoriter, iucundeque narrabat, et oblita regiae auctoritatis, ipsa complexa iacentes erigebat, praeparatosque iam ante cibos ajferens leuabat jàstidium uerbis, denique Christum in pauperibus agnoscens, omnia ea munera pie, ac demisse exequebatur quae diligenti, et ojjiciosae famulae in charissimos dominos non praetermittenda esse uideri possent.

(. .. )

Huius tantae liberalitatis etiam nunc tenuia quaedam et obscura uestigia comparent; constant enim adhuc illa tecta circum regiae ruinas frequentissime a pauperibus habitata, cum uetustissimo sacello, in quo dominicis diebus unus aliquis sacerdos ex jinitima S. Francisci aede sacris operatur, et duodecim mulieres egentes aluntur in illo Parthenone S. Clara e, certa pecunia, quam Elisabetha quondam dicitur attribuisse.

Mihi uerisimile uidetur hanc illam esse pecuniam, quam antiquissimae literae ad homines triginta pascendos et uestiendos, uti diximus, assignatamfuisse commemorant; sed annona magis in dies ingrauescente jàctum esse tandem, ut quae summa in illa temporum i/lorum uilitate satis esset ad triginta homines alendos, eadem in hac inopia tanta, et caritate rei frumentariae, uix duodecim iam ali possint; quippe ut aqua intercus bibendo, sic auaritia, q,fae semper infinita et insatiabilis est, ipsa argenti aurique copia supra modum creuit, et libido ganeae, nimisque mollis corporis cultus et elegans, tantam inopiam rerum omnium, tantam dijjicultatem inuexerunt, ut nisi Crassus aliquis aut Croesus, nemo sine summo labore uiuat. ( pp.322-326)

«Quando morava em Coimbra, imitava, quanto lhe agradava, aquele caminho da ilustre Isabel, sua tia paterna, e o seu admirável modo de vida.

Com efeito, diante da residência real, que dissémos ter sido colocada próxima do convento de Santa Clara, na mesma margem esquerda do rio, de um lado e de outro, fez construir muitos edifícios, entre os quais uma capelinha que alinhou em frente à residência real, deixando, entre todos eles uma área quadrada suficientemente grande para compreender um poço, no meio.

Nestas casas, a humaníssima rainha, por mais nenhuma vizinhança

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deleitada, colocou em lugares separados, de acordo com o sexo, quinze homens pobres e outras tantas mulheres; a este número de pessoas, para que fossem dignas deste benefício, destinou certas quantias em dinheiro para sustento perpétuo, donde se providenciava para cada um, todos os anos, pão, cama e roupa. Na capelinha próxima, consagrada com o cemitério, colocou de guarda um sacerdote que, na presença daqueles que recebiam, do dinheiro atribuído, um subsídio anual, celebrasse diariamente o ofício divino e cantasse as preces solenes de todas as horas.

E esta rainha excelente em humanidade não considerou suficiente proteger os infelizes, sob um tecto, da injúria, do frio e do calor, dar aos pobres, alimentar os que tinham fome, o que não lhe era difícil naquela abundância, nem usurpado, uma só vez, de reis opulentíssimos; mas, a essa liberalidade, juntou-lhe aquelas tarefas que até as mulherzitas humildes e obscuras evitam, considerando-as alheias à sua dignidade.

Pelo contrário, não considerando a rainha cristã serem indignos de si todos os aspectos da humanidade e da beneficência, vIsItava frequentemente aqueles que tivesse ouvido dizer estarem dominados por alguma doença, confortava-os com uma conversa variada e plácida, exortava-os a suportar a aflição do espírito e as dores do corpo; contava de memória e de forma agradabilíssima muitas histórias sobre o sofrimento de outros e, esquecida da sua autoridade régia, ela própria levantava, abraçando-os, os jazentes e levando-os já preparados diante das refeições, afastava o fastídio com palavras; e, finalmente, reconhecendo Cristo nos pobres, executava piedosa e humildemente todas estas tarefas que, a uma servidora diligente e ofíciosa, não podiam parecer dever ser negligenciadas em relação aos seus caríssimos senhores.

(

...

)

Desta tão grande liberalidade e humanidade, ainda hoje se encontram alguns ténues e obscuros vestígios. Com efeito, conservam-se ainda esses edifícios, em volta das ruínas do paço régio, muito frequentemente habitados por pobres, com a sua antiquíssima capela, na qual, aos domingos, um dos sacerdotes da vizinha casa de S. Francisco celebra os rituais; e 12 mulheres pobres são providas, neste convento de Santa Clara, de algum dinheiro, c6mo se diz ter outrora atribuído Isabel.

Com verosimilhança me parece ser este aquele dinheiro que a literatura mais antiga lembra ter sido atribuído, como dissémos, para alimentar e vestir trinta pessoas; mas, encarecendo o trigo cada vez mais, de dia para dia, o facto é que, por fim, o que era suficiente, naquela suprema pobreza desses tempos, para alimentar trinta pessoas, essa mesma, nesta tão grande pobreza e carência de abastecimento de trigo, a custo pode já alimentar doze. É que, tal como a hidropisia aumenta ao beber-se água, assim a avareza, que é sempre infinita e insaciável, aumenta acima da medida, com a própria abundância de prata e de ouro; e o prazer da devassidão, o culto e a elegância do corpo demasiado preguiçoso trouxeram tanta carência de todas as coisas, tanta dificuldade, que ninguém, a não ser um Crasso ou um Creso, viveria sem supremo trabalho.( ... »>

Depois de escrever sobre estes edifícios, Perpinhão debruça-se,

mais adiante, sobre a edificação do mosteiro e descreve-o tal como o

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via no período em que viveu em Coimbra. Este é, podemos dizer, o estado desta vasta obra, em meados do século XVI, em 1559 aproximadamente. Começa por referir-se ao monumento que a rainha fizera construir para seu sepulcro.

Ab hoc colloquio digressa repetiit pristinum suum otium, cum iam triginta supra mil/e trecentos numerarentur a natali Christi. Anno uero proximo perfecta aede sacra, monimentum ingens e lapide sigil/atum, corporis Reginae post obitum quieta sedes, in medio collocatum, cancellique circumdati ab omni parte. ld tantum spatii ocuparat, ut de amplitudine templi, et dignitate multum diminutum esse uideretur.

Quapropter iam sua :,ponte inclina tum animum Elisabethae facile inopinatus euentus impulit, ut a/ium quaereret sepulcro locum; nam il/o ipso anno, qui trecentesimus tricesimus primus supra millesimum adie natali Christi numerabatur, itaforte accidit, ut Monda uehementer auctus imbribus, quantum illa hominum memoria numquam ante creuerat, cum alueus, quamuis, utferunt, multo quam nunc est, altior, tantam aquae uim tamen capere nequiret, in aedificium recens irrumpens obrueret totum monimentum, et omnem dubitationem eius alio transferendi praecideret, si qua esset. Ergo partim ante, partim super odeum (sic enim appellant Graeci locum in quo cantat chorus) quod e regione cellae ima sedefuerat aedificatum in extremo templo, ad mediam fere altitudinem excitare iussit ingentem cameram lapideis fornicibus iunctam, quam cum mediam pariete satis lato diuisisset, partem alteram quae scalis adiri posset extrinsecus informam sacelli redactam, sedibus, altari, signis adornauit, alteram interiorem Parthenonis parietibus penitus inclusam, in modum odei ferreis clatris communiuit, omnibus et existimantes et palam praedicantibus, non sine nutu uoluntateque diuinafactum esse, ut ad eum locum flumen quo nunquam antea peruenisset, ui et impetu repentino penetraret, ut in eodem aedijicio duo quasi templa duoque odea constituerentur. Supra eam testudinem, in editiore sacello, statutum monimentum, ut neque templi partem ullam occupatam et impeditam magnitudine teneret sua, neque iterum quantumuis amnis augeretur imbribus, allui posset aliqua ex/parte. Constans fama est in demoliendo sepulcro, et ex infimo templo in sublimem sedem tramferendo, cum permultae operae, partim uectibus labefactare conarentur, partim undique deligatum funibus ad se rapere per scalarum gradus, nec tamen illa moles ascensu tam accliui posset commoueri, Reginam omnes uoce cohortantem, Deum uenerantem animo, tetigisse scipione quo niteretur, ac repente conuulsum, minimo negotio, magna hominum admiratione fuisse suhlatum. ln eodem loco monimentum Elisabethae neptis suae, quae educatione auiae ad summam uirtutem efflorescens, prius fuerat extincta, quam ad maturitetem perueniret, poni uoluit ut apud quam educa ta et mortua fuisset, apud eamdem sepulta, Christi liheratoris aduentum, et promissum honis omnibus corporis decus expectaret.

Raymundus Pontifex Conimbricensis aedem ipsam cum superiore sacello, arasque omnes et coemeterium rite dedicauit. (pp. 327-329)

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«Regressando deste encontro, procurou o seu antigo repouso, quando já se contavam, a partir do nascimento de Cristo, 1330 anos.

Terminada, no ano anterior, a construção sagrada, fora colocado, no meio, um grande monumento, talhado em pedra, tranquilo depósito do corpo da rainha depois da morte, com grades cincundando-o por todo o lado. Isso ocupara tanto espaço que parecia diminuir muito a amplitude e a dignidade do templo. Por isso, um acontecimento inesperado convenceu facilmente o espírito de Isabel, já de sua vontade inclinado a procurar outro lugar para o sepulcro; é que, nesse mesmo ano, que era, do nascimento de Cristo, o de mil trezentos e trinta e um, de tal modo sucedeu, que o Mondego, grandemente aumentado com as chuvas, cresceu como não havia memória, entre os homens, de alguma vez ter crescido antes; como o leito, ainda que, segundo dizem, muito mais fundo do que agora é, não pudesse comportar, todavia, tanta quantidade de água, esta, irrompendo no edifício recente, cobrira o monumento inteiro e suprimira completamente qualquer hesitação, se alguma houvesse, em transferi-lo para outro lugar.

Por isso, em parte, diante, em parte, sobre o odeão ( assim denominam os gregos o lugar onde canta o coro), que fora construído ao fundo do templo, no lugar mais afastado, defronte do santuário, mandou erguer, quase a meia altura, uma grande câmara unida por arcos de pedra;

como a dividisse, a meio, com uma parede suficientemente grande, um dos lados, traçado em forma de capela, ao qual se podia chegar , do exterior, através de degraus, adomou-o com assentos, altar e estátuas; o outro lado, interior, completamente incluído nas paredes do convento, fortificava-o admiravelmente com as grades de ferro do coro, pensando todos e dizendo-o publicamente que não fora feito sem o sinal e a vontade divinas que o rio, àquele lugar, aonde nunca tinha chegado antes, penetrasse com força e ímpeto repentino, para que, no mesmo edifício, fossem estabelecidos como que dois templos e dois coros.

Sobre este aposento, abobadado, na capelinha mais elevada, foi colocado o monumento, para não ter ocupada, nem obstruída, com a sua magnitude, qualquer parte do templo, e para não poder ser submerso, por algum lado, quando quer que, de novo, o rio crescesse com as chuvas.

A fama que corre é 9ue, ao desmanchar-se o sepulcro e ao transferi- lo da parte baixa do templo para o lugar mais elevado, apesar dos muitíssimos trabalhos de todos que, esforçando-se, ora, por movê-lo com vigas, ora, ligando-o por todos os lados com cordas, por puxá-lo para si, através dos degraus da escadaria, nem assim, todavia, pôde aquela mole imensa ser removida em subida tão acentuada; até que a rainha, exortando a todos com as suas palavras, venerando Deus no seu espírito, tocou-o com o bastão em que se apoiava e, agitando-se de repente, sem o mínimo esforço, foi ele levantado com grande admiração dos homens.

No mesmo lugar quis que fosse colocado o monumento de Isabel, sua neta que, florescendo para a suprema virtude, graças à educação da avó, morrera antes de chegar à maturidade, para que, criando-se e morrendo junto dela, sepultada junto dela esperasse a chegada de Cristo Redentor e a prometida glória do corpo para todos os bons. O Pontífice conimbricense Raimundo consagrou ritualmente a construção em si, com

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a capelinha superior, bem como todos os altares e o cemitério.?'>

Pode encontrar-se uma descrição um pouco mais detalhada deste monumento, nomeadamente do túmulo, num outro texto de Perpinhão, uma oração em louvor de Santa Isabel, composta para o dia 4 de Julho de 1559, para a sessão com.emorativa do passamento da Rainha:

Foi colocado na capelinha superior, onde agora se vê. Apoiava-se, como também agora vedes, sobre oito leões e era ornado, de todos os lados, por muitas figurinhas. Uma imagem muito grande da Rainha, vestida com o hábito das freiras de Santa Clara, com as mãos juntas, bem como os pés, semelhante à falecida, jazia por cima.

A verdade é que, graças à liberalidade destas santas mulheres e à sua piedade, ele está magnificamente ornado. Tudo brilha em belíssimas cores e está coberto de ouro e de uma abóbada de madeira excelsamente pintada, que é suportada, de todos os ângulos, por quatro colunelos preciosamente feitos de madeira. 8(. .. )

7 Diz o Livro ( ... ) :

E, acabada a eigreja do moesteiro e abobeda, fez poer o moimento que ela ja tiinha feito pera sa sepultura em o meo da eigreja. E per razom do moimento, que era mui grande e per razom das gradizelas, postas por derredor, que tiinham gram parte da eigreja, ficava embargada muito. E em aquel tempo que o moimento na eigreja seia sobreveo iiu deluvio d' augua em Coimbra, dezoito dias de fevereiro, era 1369 (sic) anos, que entrou a augua do rio Mondego, que vem por redor da ciidade de Coimbra, per aquela eigreja, e em tanto que nom era naquele tempo em memoria dos omees que aquela augua a tal logar veesse chegar, nem que aquel rio tam creçudo fosse, e foi tanta a augua do rio em na eigreja, que foi aquel moimento cuberto d' augua. E a rainha, veendo em como o rio aaquellogo chegara e veendo em como per aquel asseentamento a eigreja era embargada, ordiou logo como se fezesse em aquela eigreja, que era alta quanto compria, sobre arcos ua capela alçada em meo da eigreja como coro, pera as donas estarem, e fez fazer departime/1.to grande antre o coro e a capela, e fez em cima poer aquel seu moimento e sepultura, que tUnha em fundo, e fez ali poer o moimento da ifante Dona Isabel, sa neta, que ela criara a passara em sa casa, e fez fazer altar e imagees e seedas, para seerem os creligos e os outros que veessem i ouvir as oras ou dizerlas, e assi, per razom da augua que entrou em na eigreja. á ora em na eigreja duas eigrejas e dous coros; e teverom que a Deus aprouguera de se assi fazer, quando a el prouguera de entrar augoa em aquela eigreja e u nom soia entrar. E o bispo Reimondo de Coimbra sagrou aquela eigreja e capela e os altares que som postos em ela e o cemeterio de fora. ( pp. 1347-1348)

8 _ Petri Ioannis Perpiniani, «Laudationis in B. Elizabetham Lusitaniae Reginam Lib.III», in Orationes duodeviginti, 1589, Pompelonae, p. 66v.

Constitutum est in illo superiore sacello, ubi nunc cernitur.

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Tenninado o templo e colocado o sepulcro no seu lugar, a Rainha preocupa-se agora em concluir o que falta do mosteiro:

Hac susceptae curae parte, quae quoniam erat religione propior et coniunctior, prima omnium esse debuit, libera ta Regina, tum dom um se totam conuertit ad inchoatum domicilium uirginum sacrarum, et extruendum, et ornandum, cuius omnes partes ita descripserat, ut nihil commodius, nihil opportunius, nihil pulchrius illis temporibus fieri posse putaretur. Non enim spectabat solum, quid necessitas naturae, quid disciplinae grauitas, quid illorum temporum paucitas requireret ( etsi iam tum amplius quinquaginta uirgines in illo collegio numerabantur) sed multitudinem futuram tanto ante mente et cogitatione complectens, considerabat secum ipsa diligenter, quid officium suum , quid studium pietatis, quid diuina maiestas postularet. /llum sibi uoluit esse uiuenti tranquillum curarum portum, mortuae quietam corporis sedem, omni uero tempore animi sui singularis aduersus christianam Religionem insigne atque monimentum. Stat adhuc propter ripam, et manet illud opus amplum, excelsum, augustum, dignum illa copia, dignum religione et munificentia sanctissimae Reginae, cui pro detrimento et incrementa et dignitatem maiorem attulit, omnia conficiens et consumens uetustas.

Primum, quadrata est area latitudine mediocri, tribus ex laterihus humilioribus aedificiis iam tum ab initio cincta, ubi partim sacri collegii necessariae ministrae, partim inopes mulieres, quibus quotidiana cibaria praebentur, hahitant; quartum latus ad meridiem uergens templo ipso clauditur, porticu non magna a ualuis ad Parthenonis ianuam pertinente;

id saxo quadrato antiqua il/a opera, et artificio perfectum, tecto concamerato, duohus ingentium pilarum ordinibus triplicem testudinem sustinentibus, multis tabulis pictis et beatorum signis adornatur. E regione tholi, quo tegitur "ara maxima, duplex odeum est, ut supra significauimus, unum plano pede, alterum supra concamerationem in altitudinem elatam, ante sacel/um structum superiore loco, et sepulcrum Elisabethae; ipsum autem .mcel/um duplicem habet aditum, alterum ex templo gradihus lapideis bene factis, ostio maiore, alterum ex porticu externa, arcto humilique ostiolo, iisdem, quibus ad ianuam ascenditur, scalis. Sed odei praecipua, et prodigiosa fere magnitudo facile demonstrat quam frequentiam, quam speciem, quam amplitudinem concepisset in posterum excelsi animi Regina. Etenim nunc, cum solae illae quae publice solemniterque uota nuncuparunt, altero tanto sint plures, quantum erant uniuersae, tantum abest tamen ut multitudine tanta

Nitebatur ut etiam nunc videtis, octo leonibus, multis undique sigillis ornabatur, una imago Rai:inae pergrandis, virginum Sanctae Clarae habitu, manibus iunctis, et pedibus instar mortuae iacebat in summo.

Nunc vero liheralitate mulierum sacrarum et pietate magnificentius exornatum est. Nitent omnia pulcherrimis coloribus, et auro et testudine lignea egregie depicta teguntur, quae ex omnibus angulis quatuor columellis affabrefactis e ligno .I'ustinetur( ... ).

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compleatur, ut longe maiorem numerum capere possit. Intus duo peristylia magnitudine pari, dispa ri nobilitate. Alterum iunctum ipsi templo magnificentius exaedijicatum est; quatuor enim porticibus, opere testudineato tectis continetur, ea pilarum fornicatos parietes sustinentium mole, ea multitudine columnarum, octonis columnis fulcientibus singulas pilas, ut cum omnibus opulentissimorum reg um operibus, amplitudine, artijicio,firmitate certet. ln medio compluuio stagnum est ingens, cuius in quatuor angulis totidem impositi fontes aquam fundunt iucundissimo sono. luxta, puteus incremento suo, jluminis inundationes multo ante praenuntiat, magnum incommodum aI/aturas, nisi iI/o, uelut e 5pecula signo dato, cauerentur. Quod 5patii reliquum est, exquisitissimis herbis, fruticibus, arboribus uiret. Hic, dictu mirum, quinque sunt cubiculorum ordines, quorum quilibet non exiguo coetui satis esse posse uideatur. duo praeterea minores. Hic exedra longitudine sesquitertia latitudinis fenestrarum, et ostiorum tum frequentia, tum apta descriptione uehementer illustris, cuius interiores parietes emblemate uermiculato uestiuntur, ea dignitate, ut ad omnes motus animorum conjiciendos facta esse uideatur. Hic denique coenatio tam longe lateque patens, ut ducentae uirgines in ea quam commodissime possint discumbere. Itaque tum propter hanc tam uastam magnitudinem, tum quia crescente jluuio humore noxio redundat. ea non utuntur; ante eam coenationem, fons est.

ad abluendas manus, e saxo, quem impendens testudo superne operit columnis quadragenis innixa. Proxime stabat platanus, rarissima in his oris arbor, ad opacandum locum patulis diffusa ramis, quae superiore anno, quod pauxillum forte salis ad stirpes imas accidisset, nimia naturae teneritate, uel minimae iniuriae impatiens, penitus exaruisse dicitur.

Alterum peristylium frequentibus arboribus, porticibus, columnis ornatum, sed diuturnitate ipsa iam affectum, coenationem habet lapideis mensis. ubi nunc cibus capitur, et ojJicinas. atque ceI/as multitudini tantae necessarias; hortus uero bene magnus, et plurimis consitus arboribus, partim ramorum amoenitate gratis, partim pomorum ubertate fructuosis, circumual/atus altissimo pariete, non inhonestam. neque iniucundam animi remissionem praebet assiduo labore fessis. Omnia rursus, qua fiuuium spectant, mediocri uelut obiecto muro muniuntur extrinsecus, ad hiberno,l' impetus fiuminis arcendos. Tantum aedijicium munijica Reginae liberalitas cum donis q~uamplurimis et sacrorum ornamentis decorauit, magnum etiam nunc usum afferentibus, tum firmissimis opibus in perpetuum stabiliuit, atque fundauit. Inde ad ducenta mil/ia sestertium annua percipiuntur, nec dubitant homines periti rerum, quin copiosiores fructus quotannis caperentur. si diligentius curarentur pecuniae ab Elisabetha contributae. Non defuit tam pio labori, atque huic tantae largitati diuinum numen , habuitque res ea incrementa, quae praestans ille animus tanto ante prouiderat. Centum namque ueteranae uirgines obligatae et astrictae solemnibus uotis, rite uelatae nigro uelo, et quinquaginta nouitiae nondum tyrocinii tempore completo, fios Lusitaniae nobilitatis, inclusae in iI/o Parthenone seuera disciplina. magna existimatione uirtutis ac sanctimoniae caste ac religiose uiuunt. His triginta mulieres intra sacros parietes, totidem uel paulo plures foris ancil/antur. ( pp. 329-333).

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«Depois desta parte das tarefas que assumira, que, por ser mais próxima e mais unida à religião, teve de ser a primeira de todas, liberta, a rainha dedicou-se, então, a todo o edijrcio, para começar o domicílio das freiras, para o edificar e ornar; dele, de tal forma descrevera todas as partes, que nada mais cómodo, ou mais conveniente, ou mais belo se poderia imaginar ser feito naqueles tempos. Com efeito, não olhava apenas àquilo que a necessidade da natureza, o que a gravidade da disciplina, o que a carência daqueles tempos requeria ( ainda que já se contassem, então, naquele colégio, mais de cinquenta freiras), mas, antevendo a multidão futura, com tanta antecedência, com a inteligência e o eJpírito, considerava para consigo diligentemente o que exigiam a sua tarefa, o zelo da piedade e a divina magestade. Quis que aquele fosse para si, enquanto vivesse, um porto tranquilo de preocupações, a sede calma do seu corpo, depois de morta, e, para todos os tempos, o monumento insígne do seu e.lpírito singular em relação à religião cristã.

Está ainda e conserva-se perto da margem aquela obra ampla, excelsa, augusta, digna daquela abundância, digna de religião e da munijicência da santíssima rainha, à qual, em vez de prejuízos, a velhice que tudo consome e enfraquece trouxe quer novos incrementos, quer uma maior dignidade.

No princípio, existe uma área quadrangular, de latitude mediana, cingida já, então, desde o início, de três lados, pelos edijrcios mais humildes, onde, em parte, habitam as servidoras necessárias ao sagrado colégio, em parte as mulheres pobres, a quem se fornece alimentação diária. O quarto lado, voltado para sul, é fechado pelo próprio templo com um pórtico não muito grande, que se estende das portas de batente até à porta do mosteiro.9

O templo, feito com pedra quadrttda, naquela antiga arte e engenho, com o tecto em abóbada, com duas fileiras de enormes pilares sustentando a cobertura abobadada tríplice, está ornado com muitos quadros e estátuas de santos. Diante da cúpula que cobre o altar-mor, está o duplo coro, como acima referimos, um de pé plano, outro sobre uma abóbada elevada em altura, diante da capelinha erigida em lugar alto e do sepulcro de Isabel. E esta mesma capelinha tem uma dupla entrada, uma partindo do templo, com degraus de pedra bem feitos, pela porta maior, outra partindo do pórtico exterior, por uma humilde entradita a norte, pelas mesmas escadas através das quais se ascende à porta.

A especial e quase prodigiosa grandeza do coro demonstra claramente qual a frequência, qual a eJpécie, qual a amplitude que a rainha de espírito ilustre concebera para a posteridade. E, agora, com efeito, ainda que só aquelas que pública e solenemente pronunciaram os seus votos sejam outro tanto mais quanto eram no seu conjunto, ele está, todavia longe de encher-se com tão grande multidão, de modo que poderia comportar um número de longe maior.

9 Se voltannos as costas ao rio e ficannos de frente para a igreja do mosteiro, estas construções situavam- se à direita dela.

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Dentro estavam dois claustrosJO, de grandeza semelhante, mas de diferente nobreza. Um, unido ao próprio templo, estava edificado de forma mais magnificente. Com efeito, está limitado por quatro galerias, com tectos de formato abobadado, como uma tal multidão de pilares sustentando paredes arqueada/I, com uma tal quantidade de colunas, em grupos de oito sustentando cada um seu pilar, que rivaliza, em amplitude, em arte e emfirmeza, com todas as obras dos reis mais ricos.

No complúvio que está a meio, existe um tanque grande e, dele, nos quatro cantos, outras tantas fontes12 aí colocadas derramam água com agradabilíssimo som. Ao lado, um poço, quando enche, previne muito antes que as inundações do rio vão trazer grande incómodo, se não se fugir dele, como se de um sinal dado de um lugar de observação. O que resta de espaço verdeja com ervas requintadíssimas, arbustos e árvores.

Aqui, é admirável de ser dito, existem cinco fileiras de quartos, das quais qualquer uma parecerá poder ser suficiente para uma comunidade não pequena, para além ainda de duas menores. Aqui, uma sala de reuniões'3 com o comprimento de uma vez e um terço da largura, ilustríssima, seja pela abundância de janelas e portas, seja pelo traçado apropriado, cujas paredes interiores se ornam de mosaico lavrado, com tal dignidade que parece ter sido feita para acalmar todas as revoluções da alma. Aqui, finalmente, um refeitório tão amplo em comprimento e largura que podem sentar-se nele, da forma mais cómoda, duzentas freiras./4 E, assim, quer por causa desta tão vasta magnitude, quer

10 De frente para a igreja do mosteiro, com o rio correndo atrás de nós, os claustros ficavam â nossa esquerda.

II Com esta expressão, Perpinhão refere-se provavelmente aos arcos que ornamentavam as paredes das galerias, tal como Fr Manuel da Esperança os viu e descreveu, anos depois:

Todos os lados de fóra (do claustro) ião ~ecidos em arcos: huns grandes, outros pequenos: huns abertos, outros fechados com redes da mesma pedra, por galante artificio. (Historia Serafica dos Frades Menores na Provincia de Portugal, T. II, L. VI, Cap.xVII, p. 35).

12 De uma dessas fontes, faz Fr. Manuel da Esperança uma breve descrição, na obra e pág. acima citadas:

No meio do mesmo claustro descuberto a o ceo, ocupava grande campo hum tanque mui aprazivel, em o qual desagoavão muitas fontes por diferentes figuras, & a maior, que eu ainda achei, pela boca de híla serpe, enroscada no braço de híla Ninfa. Vinha de fóra a agoa, por hum cano, que se chamou "dos amores" por razão de híla fonte deste nome, onde tem o seu principio.

13 Provavelmente a Sala do Capítulo.

14 Diz o Livro que fala ( ... ):

Depois que a eigreja e dormitaria foi acabada, fez abobedas aa castra e fez mui nobres paaços e bem postados e pera refeitorio e dormitorio e enfermaria e castra e cozinha e todas as outras casas, pera

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porque, quando o rio crescia, se enchia com uma humidade doentia, ele não era utilizado. Diante deste refeitório, existia uma fonte para lavar as mãos, feita de pedra, coberta por um tecto abobadado, suspenso e apoiado em 40 colunas.

Nas proximidades estava um plátano, árvore raríssima/5 nestas paragens, para sombrear o lugar, estendendo-se com as suas ramagens abertas, que, no ano passado, por ter chegado talvez um pouquito de sal às suas raízes mais fundas, pela demasiada fragilidade da sua natureza ou por não poder sofrer a menor injúria, diz-se que secou completamente.

O outro claustro está ornado com árvores abundantes, com galerias e com colunas, mas afectado já da própria longevidade; tem um refeitório com mesas de pedra, onde agora se tomam as refeiçijes, e oficinas e quartos necessários para tão grande multidão. O jardim, verdadeiramente grande, plantado com muitas árvores, não só agradáveis pela amenidade dos ramos, mas também úteis pela abundância de frutos, rodeado de um altíssimo muro, oferece, aos que estão cansados do trabalho constante, um descanso de espírito nem desonesto, nem desagradável. Por outro lado, tudo que está voltado para o rio está fortificado, de fora, por um muro mediano, como uma barreira para fazer frente aos ímpetos do rio, no inverno.

Tamanho edifício, decorou-o a liberalidade munificente da rainha com muitíssimas dádivas e ornamentos de objectos sagrados/6 que têm

os oficios que compriam em no moeste iro, e fez cercar todo o moesteiro de alto muro. (p. 1348)

15 Sobre o plátano e sua raridade nessas paragens e nessa época, leia-se De Platano, de João Rodrigues de Sá, do qual se pode encontrar a tradução parcial em Américo da Costa Ramalho, (I 985) Latim Renascentista em Portugal, Coimbra, INIC, pp. 118-135.

16 Muitos destes ornamentos resultaram da transformação dos seus bens pessoais, de que quis desfazer-se após a morte do marido. Diz a biografia acima citada:

E, acabado aquelo, tornou-se pera Coimbra, Pfra dar cima e cabo ao moesteiro que começara, e ali mandou apartar quantos panos de ouro e de seda avia em tempo que era casada, que eram muitos e mui nobres, e mandou deles fazer vestimentas e ornamentos pera as eigrejas e, des que forom acabadas, feze-as beezer e, acabadas e beetas, partio-as per muitas eigrejas de Portugal, e dando a cada íla eigreja e logar, segundo o logar era e o merecia e segundo saber podia que compria. E da moor parte do ouro que avia fez fazer calezes e cruzes e encensairos e lampadas, e pos destes ornamentos em aquel seu moesteiro e partia per outras eigrejas, segundo viia que compria ao logar. (p. 1344)

Fr. Manuel da Esperança, cronista dos franciscanos, descrevé,' no século XVII, alguns dos objectos com que a rainha ornara o mosteiro:

Deixoulhe tambem toda a sua capela, & Reliquias sagradas, muitas das quais lhe mandàra o Papa João XXII, quando a quiz consolar da morte de seu marido. Pertencia a este mesmo thesouro hum Ornamento mui rico, que ella bordou de aljofar por suas proprias mãos. Deulhe mais

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ainda hoje muito uso; estabeleceu-o e fundamentou-o, então, para a eternidade, com jirmíssimas riquezas. Desde aí, são recebidos cerca de duzentos mil sestércios por ano, e os homens peritos nestes assuntos não duvidam que se receberiam todos os anos frutos mais abundantes, se mais diligentemente se preocupassem com os dinheiros atribuídos por Isabel.

Não faltou a tão piedoso trabalho e a esta tamanha largueza a divina vontade; e teve esta situação um tão grande desenvolvimento como o que tanto tempo antes lhe providenciara aquele ilustre e~pírito. Na verdade, cem mulheres veteranas, obrigadas e ligadas a votos solenes, ritualmente veladas de negro, e cinquenta noviças, com o tempo do noviciado ainda não completo, flor da nobreza lusitana, fechadas naquele convento na mais severa disciplina, vivem honesta e religiosamente em grande consideração de virtude e castidade. A estas servem-nas, entre as paredes sagradas, precisamente trinta mulheres, ou um pouco mais ,fora.

Nesta situação se encontravam, segundo Pedro Perpinhão, o mosteiro de Santa Clara e edifícios vizinhos, no meio do século XVI, mais exactamente em 1559, já afectados, de longa data, pelas enchentes do Mondego, que tinham já provocado a ruína do paço régio e tornado quase inabitáveis algumas dependências, como a do refeitório que, por demasiado húmido, deixara de ser utilizado pelas freiras.

As condições parecem ter-se agravado bastante para o final do século, com o rio subindo progressivamente e não recuando mais, a ponto de as freiras solicitarem o auxílio régio, no sent.ido de se fazerem alterações no Mosteiro, como de facto se fizeram, pois no segundo decénio do século XVII, foi lançado um segundo pavimento, não só na igreja, que ficou, toda ela, ao nível da capela que a rainha fizera erguer para colocar a sua sepultura, mas também no claustro, que recebeu um outro andar. Como, mesmo assim, a situação se tornou insustentável, acabaram por mudar-se para o mosteiro que ainda hoje se vê no monte fronteiro, designado de Santa-Clara-a- Nova, por volta de 1677, tendo os seus fundamentos sido lançados em

doze Apostolos de prata, os quaes de.\j'ez o mosteiro por acudir em hua necessidade a EIRei Dom Afonso IV, que depois lho soube agradecer. Duas Imagens, que ainda se conservão, da Virgem Maria Senhora nossa, feitas do mesmo metal: hiia grande, & a outra assentada en hum ramo a modo de Gilbarbeira. Hiia Cruz tambem de prata, outra de coral, e ambas enriquecidas com particulas notaveis do santo Lenho, em que Christo Senhor nosso padeceo. Outros tres Reliquarios de prata: hum semelhante a cofre, o qual guarda hum pedaço da carne assada do Martyr S. Lourenço:

os dous daj'eição de Portapaz, guarnecidos de Reliquias, com hum dente do Baptista S. João. (Historia Serafica dos Frades Menores na Provincia de Portugal, T. II, Livro VI, cap. XIX, p. 41)

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1649, com pompa e circunstância, por D. João IV.

Do estado lastimável em que se encontrava nos seus últimos tempos de existência deu conta Pr. Manuel da Esperança, cronista dos franciscanos, autor dos dois primeiros livros da Historia Serafica da Ordem dos Frades Menores de

S.

Francisco na Provincia de Portugal. Diz, sobre a igreja do Mosteiro:

3 Era esta gravissima Igreja fabricada com abobadas, repartida em tres naves, & todas de cantaria. A sua capela mar estava acompanhada de duas colateraes, que na muita perfeição lhe fazião semelhança. Sobre a grade do coro subião duas tribunas de pedra, as quaes se comunica vão por outra grade de ferro: híia por dentro do mesmo coro, a outra pela Igreja. Sobre esta assentou o seu sepulcro a gloriosa Rainha, e hum altar, em que se dizia Missa: na de dentro podião estar as Freiras, que visita vão as suas santas Reliquias; & ambas se estenderão agora nos nossos tempos, levantando sobre as mesmas abobadas outra Igreja, &

outro coro de novo, que se pudessem salvar das inundações do rio. O antigo tinha muita majestade, porque sendo terraplanado, & baixo, não somente ocupava grande sitio, ornado com muita arte, mas tambem ficava superior, a o lastro da Igreja, nove degraus de altura, pelos quais da parte da grade se subia para ele. E neste espaço baixo avia alguns altares, e sepulturas ilustres, que lhe davão muita graça.( ... )

(Tomo II, Livro VI, cap. XVII, pp.34-35)

Sobre o claustro e suas dependências e sobre a entrada do mosteiro:

5 Conforme a estas plantas erão os mais edificios, & oficinas da casa:

todos grandes, suntuosos, & perfeitos: quaes pedia a devação, & grandeza da Rainha, que os mandava fazer. Porem a nossa desgraça, que alterou a soberba do sobredito Mondego pera sepultar entre as suas arêas os mesmos campos, que se deixa vão rasgar pera elle ter passagem, o fez tambem atrevido na fea destruição deste insigne mosteiro santificado por muitas servas de Deus, e mais em particular por esta S. Rainhd. Corta por certo a alma ver tão grande perdição; porque de alguas oficinas não ha mais que o seu rastro, & quasi todo de:,feito pelas enchentes do rio. Outras jazem entulhadas com o lodo, sem se poder usar dellas. O claustro he hua cisterna viva, que nem no verão se seca. De maneira, que os baixos desta grandiosa machina, ou jâ perdérão o ser, ou estão desfigurados, ou convertidos em charcos. Pelo que foi necessario levantar em muitas partes sobre as casas antigas outro mosteiro mais alto, & passar as capelas & ermidas pera a cabeça do claustro, onde estão coroando, a pezar deste tristissimo pégo, o monte da Santidade.( ... )

6 Faz ainda a o mosteiro entrada o seu pateo antigo, mas muito desfigurado da primeira fermosura, aberto por duas portas, & ambas mysteriosas.(. .. )

(Tomo II, Livro VI, cap. XVII, p. 36)

(22)

96

HELENA COSTA TOIPA

Sobre o paço reglO, dá conta também da sua ruína, como Perpinhão, aludindo ao mesmo episódio relacionado com o rapaz e o burro que tinham ficado encerrados dentro do edifício e que se salvaram por milagre. Sobre o hospital diz que

( ... )teve a mesma desgraça de cair pera nunqua se erguer. Não ficou delle em pe, senão a sua Igreja, mas tão cativa das cheas, que pera se por em salvo, ao menos o Altar, subio por doze degraos. Nesse tempo. que foi na nossa idade, se levantou o alpendre numas colunas antigas, que jâ avião servido noutra obra do mosteiro (oo.)

(Tomo II, Livro VI, cap. XX, p. 44)

Estas linhas de Fr. Manuel da Esperança foram escritas aproximadamente um século depois das de Perpinhão e revelam a degradação avançando rapidamente sobre o Mosteiro, que muito pouco tempo depois seria abandonado pelas suas habitantes e tomado, definitivamente pela água do rio e pelo entulho, que o sepultaram quase até aos nossos dias. Só recentemente, com efeito, as ruínas desta construção, fruto da idealização de Rainha, viram de novo a luz do dia.e se livraram da água do Mondego, oferecendo aos nossos olhos um pouco da que foi a sua majestade.

BIBLIOGRAFIA

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ESPERANÇA, Fr. M., ( 1656-1666) , Historia Serafica dos Frades Menores de S. Francisco, na Provincia de Portugal, Lisboa.

«Livro que fala da boa vida que fez a Raynha de Portugal, Dona Isabel, e dos seus boons feitos e milagres em sa vida e depoys da morte». Introdução e notas de J.J.Nunes (1921), Boletim da Classe de"Letras da Academia das Ciências de Lisboa, Coimbra, XIII.

LOPES, F. F.(1953) «Fundação do mosteiro de Santa Clara de Coimbra», Colectânea de Estudos, Braga, ano IV, n" 2, pp. 165-192.

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RAMALHO,

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VASCONCELOS, A. G. A evolução do culto de Dona Isabel de Aragão.

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Referências

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