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* Assistente convidado da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa.

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funções públicas consequente da invalidade de actos administrativos no novo paradigma da constituição de relações jurídicas

de emprego público

ANdré SAlgAdode MAtoS*1

Uma das matérias mais complexas da invalidade dos actos adminis- trativos é a do efeito invalidante da anulação de actos administrativos sobre outros actos jurídicos praticados em virtude dos primeiros (actos consequentes). Esse alcance invalidante é, hoje, em geral reconhecido pela lei, quer quanto aos actos administrativos [dispondo o art. 133.º, 2, i) CPA 1991 que são nulos os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados, desde que não haja contra-interes- sados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente]2, quer

* Assistente convidado da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa.

1 Abreviaturas utilizadas – CCP: Código dos Contratos Públicos; CPA: Código do Procedimento Administrativo; CPTA: Código de Processo nos Tribunais Administrativos;

ETAF: Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais; LGTFP: Lei-Geral do Trabalho em Funções Públicas.

Em termos clássicos, freitASdo AMArAl, A execução das sentenças dos tribunais administrativos, Lisboa, 1967, 98: «essencial é, para nós, que o acto consequente tenha sido praticado em virtude do acto antecedente». Nesta senda, cAetANo, Manual de direito administrativo, II10, Coimbra, 1973, 1217.

2 Esta disposição não foi retomada no CPA 2015. O alcance desta omissão não será abordado no presente trabalho. No entanto, independentemente do concreto desvalor, não existem dúvidas quanto à invalidade dos actos administrativos consequentes de actos

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quanto aos contratos administrativos (dispondo o art. 283.º, 1, 2 CCP que os contratos administrativos são nulos ou anuláveis se a nulidade ou a anulabilidade de actos procedimentais em que tenha assentado a sua celebração tenha sido judicialmente efectivada ou possa ainda sê-lo)3.

O direito do emprego público é um dos domínios especiais do direito administrativo em que a problemática da invalidade consequente assume maior relevância prática. De tal modo assim é que lhe pertencem os exemplos de escola da invalidade consequente: na sua pioneira tese de doutoramento sobre a execução das sentenças dos tribunais administrativos, diogo freitASdo AMArAl, para delimitar o conceito de acto consequente, socorreu-se precisamente dos exemplos do acto de nomeação de um fun- cionário para a vaga aberta pelo acto de demissão de outro funcionário, dos actos praticados num concurso de provimento subsequentes ao acto de exclusão de outro candidato no mesmo procedimento e do acto que determina a promoção de um funcionário relativamente ao acto de demis- são de outro funcionário que, a estar em funções, teria uma expectativa legítima à mesma promoção4. Também reconhecendo aquela relevância, o próprio legislador, ao concretizar no art. 173.º CPTA as consequências invalidantes da anulação de actos administrativos sobre actos administrati- vos consequentes, manifestou uma particular preocupação com as relações jurídicas de emprego público: assim, o n.º 3 do citado artigo determina, em geral, que «os beneficiários de actos consequentes praticados há mais de um ano que desconheciam sem culpa a precariedade da sua situação têm direito a ser indemnizados pelos danos que sofram em consequência da anulação, mas a sua situação jurídica não pode ser posta em causa se esses danos forem de difícil ou impossível reparação e for manifesta a desproporção existente entre o seu interesse na manutenção da situação e o interesse na execução da sentença anulatória»; mas logo o seu n.º 4

administrativos inválidos (sobre isto, rebelode SouSA/SAlgAdode MAtoS, Direito administrativo geral, III, Lisboa, 22009, 175-178, 186).

3 Sobre o regime do art. 283.º CCP, rebelode SouSA/SAlgAdode MAtoS, DA geral, III2, Lisboa, 2009, 393.

4 Freitas do Amaral, A execução, 97, 98, 99. Também cAetANo, Manual, II, 1218- -1219. Referindo-se, neste contexto, ao «paradigma da demissão do funcionário na relação de emprego público» e à «relação de emprego público, designadamente após a anulação do acto de demissão de um funcionário, situação sempre justamente apontada como paradigmática, na qual a administração deve reconstituir a relação ilegalmente perturbada pelo acto inválido», AroSode AlMeidA, Anulação de actos administrativos e relações jurídicas emergentes, Coimbra, 2002, 520, 522.

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vem modificar esta solução, precisamente para o domínio do emprego público, ao determinar que «quando à reintegração ou recolocação de um funcionário que tenha obtido a anulação de um acto administrativo se oponha a existência de terceiros interessados na manutenção de situações incompatíveis, constituídas em seu favor por acto administrativo praticado há mais de um ano, o funcionário que obteve a anulação tem direito a ser provido em lugar de categoria igual ou equivalente àquela em que deveria ser colocado, ou, não sendo isso possível, à primeira vaga que venha a surgir na categoria correspondente, exercendo transitoriamente funções fora do quadro até à integração neste»5. O art. 172.º CPA 2015 reproduz este regime para a “anulação” administrativa.

O presente trabalho não visa proceder a um enquadramento sistemático completo dos regimes legais em matéria de invalidade consequente ou sequer oferecer uma interpretação completa das disposições que compõem esses regimes, mas chamar a atenção para o seu crescente desfasamento em relação às exigências da vida administrativa no domínio do emprego público e para o surpreendente desinteresse do legislador quanto a estas exigências, bem como apontar possíveis soluções6.

O referido desfasamento dos regimes legais em matéria de invalidade consequente resulta de uma inversão do paradigma da constituição das relações jurídicas de emprego público.

À data em que a jurisprudência e a doutrina identificaram o problema da invalidade consequente e começaram a formular soluções para ele, as relações jurídicas de emprego público eram paradigmaticamente constituídas através de actos administrativos7. Esta realidade tinha na sua base um dos dogmas fundadores do direito administrativo moderno, o da suposta impossibilidade de contratação sobre matérias de direito público, na base do qual se tinha conceptualizado a constituição de rela- ções jurídicas de emprego público como efeito de um acto administrativo unilateral de nomeação dependente de aceitação do destinatário8. Toda-

5 Sobre estas disposições, por todos, AroSode AlMeidA, Anulação, 361-380, 396- -412; acerca da invalidade consequente de actos administrativos no domínio do emprego público, esp. 408-412.

6 O tema não tem sido abordado pela doutrina especializada, que não parece aperceber- -se das suas implicações: por ex., heNriqueS NuNeS, O contrato de trabalho em funções públicas face à Lei Geral do Trabalho, Coimbra, 2014, 48-51.

7 Por ex., cAetANo, Manual de DA, II, 668.

8 Para otto MAyer, o fundador do direito administrativo alemão contemporâneo, o poder público seria, por natureza, insusceptível de ser exercido através de meios

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via, a superação deste dogma e a superveniência de uma poderosa vaga ideológica que advoga a organização, o funcionamento e a actividade da administração na maior medida possível de acordo com os modelos do sector privado abriram as portas à mudança, que, na verdade, já estava em curso aquando da entrada em vigor do CPTA9. Com efeito, a partir de 1989 foi admitida a constituição de relações jurídicas de emprego público de carácter subordinado de duração previsível mediante contrato de trabalho a termo certo (art. 9.º do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, art. 1.º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro) e a partir de 1998 passou a ser permitida, em certas circunstâncias, a contratação de pessoal de limpeza e auxiliar mediante contrato individual de traba- lho (art. 11.º-A do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, aditado pelo art. 2.º da Lei n.º 25/98, de 26 de Maio). Mais tarde, a Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, generalizou a constituição de relações jurídicas de emprego público mediante contrato individual de trabalho, embora excluindo de tal possibilidade diversas pessoas colectivas de direito público e as acti- vidades que implicassem o exercício directo de poderes de autoridade definidores de situações jurídicas subjectivas de terceiros ou o exercício de poderes de soberania (art. 1.º, 3, 4). Por fim, a partir de 2008, a forma normal de constituição da relação jurídica de emprego público passou a ser o contrato de trabalho em funções públicas, que tem a natureza de contrato administrativo10, ficando o âmbito do acto administrativo

consensuais, pelo que as actuações soberanas da administração só poderiam por defi- nição ser unilaterais, ou seja, regulamentos ou actos administrativos [Mayer, «Zur Lehre vom öffentlich-rechtlichen Vertrage», AöR 3 (1888), 3-86 (25, 42); Deutsches Verwaltungsrecht, I, Leipzig, 11895, 1406]. Assim, para o autor, os chamados contratos administrativos, em particular o contrato de serviço público (Staatsdienstvertrag), não poderiam ser realmente contratos; na base das relações jurídicas de direito público em causa estaria, pelo contrário, um acto administrativo de nomeação, que, por razões de ordem prática, carecia de participação do particular visado para produzir validamente os seus efeitos jurídicos (Idem, «Zur Lehre», 23-24, 39, 40, 41-45). Embora claramente minoritária no seu tempo, esta construção teve uma influência perene na parte geral do direito administrativo.

9 Por ex., na doutrina jurídica portuguesa, VeigAe MourA, A privatização da função pública, Coimbra, 2004, passim.

10 rebelode SouSA/SAlgAdode MAtoS, DA geral, III2, 328-329. A qualificação do contrato de trabalho em funções públicas estava implícita na definição que dele dava o art. 9.º, 3 da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, de acordo com o qual se tratava do «acto bilateral celebrado entre uma entidade empregadora pública, com ou sem personalidade jurídica, agindo em nome e em representação do Estado, e um parti- cular, nos termos do qual se constitui uma relação de trabalho subordinado de natureza

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de nomeação circunscrito ao exercício de funções ligadas ao exercício da soberania e a um núcleo restrito de funções de autoridade (arts. 10.º e 20.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro) e o da nomeação em comissão de serviço circunscrito aos casos de exercício de cargos não inseridos em carreiras, designadamente dos dirigentes, e da frequência de curso de formação específico ou da aquisição de certo grau académico ou de certo título profissional antes do período experimental com que se inicia a nomeação ou o contrato para o exercício de funções integrado em carreira, em ambos os casos por parte de quem seja sujeito de uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado consti- tuída previamente (art. 9.º, 4 da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro), opções mantidas na nova LGTFP aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho [arts. 6.º, 3, 7.º, 8.º e 9.º, 1 LGTFP].

As formas de constituição da relação jurídica de emprego público evoluíram, assim, de um paradigma em que apenas se admitia a vin- culação mediante acto administrativo de autoridade para um paradigma intermédio em que esta forma de vinculação coexistiu com o contrato individual de trabalho de direito privado e deste para um paradigma que privilegia a vinculação mediante contrato administrativo, ficando o acto administrativo de autoridade circunscrito a um âmbito excepcional e o contrato de direito privado relegado para sectores não nucleares da administração pública, nomeadamente as entidades públicas empresariais, as entidades administrativas independentes com funções de regulação da actividade económica dos sectores privado, público e cooperativo e o Banco de Portugal [art. 2.º, 1, b), c) LGTFP].

O impacto destas transformações na matéria da invalidade conse- quente dos actos jurídicos constitutivos da relação de emprego público é evidente. As relações de consequencialidade não se estabelecem apenas entre actos administrativos, podendo ocorrer entre quaisquer tipos de actos jurídicos da administração, nomeadamente entre actos e contratos administrativos. Ora, sendo assim, os problemas da invalidade consequente dos actos constitutivos de relações jurídicas de emprego público podem, portanto, suscitar-se não só quando tais actos constitutivos sejam actos administrativos, mas também quando sejam contratos.

Considerada em si mesma e em abstracto, esta conclusão não é neces- sariamente problemática. Como já se referiu, a legislação administrativa

administrativa». A LGTFP não reproduziu esta noção, mas não parece que ela deva considerar-se substancialmente alterada.

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portuguesa não desconhece a problemática da invalidade de contratos administrativos consequente da invalidade de actos administrativos. Na verdade, esta matéria é disciplinada pelo regime geral dos contratos administrativos pelo menos desde 1992, data da entrada em vigor do CPA de 1991. Assim, o art. 185.º, 1 CPA 1991 determinava que «os contratos administrativos são nulos ou anuláveis, nos termos do presente Código, quando forem nulos ou anuláveis os actos administrativos de que haja dependido a sua celebração»11. Esta disposição foi revogada pelo art. 14.º, 1, c) do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, que aprovou o CCP, tendo este último diploma passado a regular a matéria em questão de forma mais desenvolvida. Assim, nos termos do art. 283.º CCP, manteve-se a regra do paralelismo dos desvalores dos actos administrativos antecedentes e dos contratos consequentes constante do CPA, determinando-se que

«os contratos são nulos se a nulidade do acto procedimental em tenha assentado a sua celebração tenha sido judicialmente declarada ou possa ainda sê-lo» (n.º 1) e que «os contratos são anuláveis se tiverem sido anulados ou se forem anuláveis os actos procedimentais em que tenha assentado a sua celebração» (n.º 2), não sendo aplicável esta última solução «quando o acto procedimental anulável em que tenha assentado a celebração do contrato se consolide na ordem jurídica, se convalide ou seja renovado, sem reincidência nas mesmas causas de invalidade»

(n.º 3). Por fim, determina-se ainda, numa solução claramente inspirada pelas mesmas preocupações subjacentes ao art. 133.º, 2, i) CPA 1991 e ao art. 173.º, 3, 4 CPTA, que «o efeito anulatório previsto no n.º 2 pode ser afastado por decisão judicial ou arbitral, quando, ponderados os interesses públicos e privados em presença e a gravidade da ofensa geradora do vício do acto procedimental em causa, a anulação do contrato se revele desproporcionada ou contrária à boa fé ou quando se demonstre inequivocamente que o vício não implicaria uma modificação subjectiva no contrato celebrado nem uma alteração do seu conteúdo essencial».

Todavia, este regime não se pode aplicar à invalidade consequente de contratos de trabalho em funções públicas pela simples razão de que este tipo de contrato administrativo está excluído do âmbito objectivo de aplicação do CCP [art. 4.º, 2, a) CCP]. Ademais, ainda que tal regime fosse aplicável, ele não daria resposta materialmente adequada a todas as situações de invalidade consequente daqueles contratos. Com efeito,

11 Sobre esta disposição, rebelo de SouSA/SAlgAdo de MAtoS, DA geral, III1, Lisboa, 2006, 347.

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enquanto a previsão do art. 185.º, 1 CPA fazia apelo ao entendimento corrente das relações consequenciais entre acto administrativo e contrato, a mesma que estava e está na base do regime da invalidade consequente de actos administrativos, segundo a qual são actos administrativos antece- dentes todos os actos administrativos de que tenha dependido a celebra- ção do contrato, o entendimento das relações consequenciais entre acto administrativo e contrato pressuposto no art. 283.º, 1, 2 CCP é muito mais restrito, considerando-se como acto administrativo antecedente apenas o acto procedimental em tenha assentado a celebração do contrato, ou seja, aquele contextualmente inserido no procedimento administrativo prévio à celebração daquele contrato12. Ora, sendo evidente que tal acto administrativo é um acto antecedente desse contrato, também é claro que existem outros actos administrativos que, não sendo procedimentais e não tendo sequer sido praticados no mesmo procedimento, são também actos de que dependeu a celebração do contrato, na medida em que, nomeadamente, tenham criado os pressupostos objectivos para que aquele contrato pudesse ser celebrado. É esse precisamente o caso de alguns dos actos administrativos que deram origem às situações paradigmáticas de invalidade consequente de vínculos de emprego público citados a abrir o presente trabalho, designadamente o acto de demissão de um funcionário em relação à investidura de outro funcionário na vaga assim aberta. Estas situações nunca poderiam, portanto, considerar-se abrangidas, nem pelas previsões de invalidade do art. 283.º, 1, 2 CCP, nem pelo afastamento do efeito anulatório estatuído no art. 283.º, 4 CCP.

A LGTFP não foi insensível à problemática da invalidade consequente dos actos constitutivos dos vínculos de emprego público. Assim, o art. 52.º LGTFP, ao regular as causas específicas de invalidade daqueles actos (e não, ao contrário do que erradamente nele se afirma, dos próprios vín- culos, que são relações jurídicas, como tal insusceptíveis de constituírem objectos de juízos de validade ou invalidade), determina que, «além das causas comuns, são causas específicas de invalidade total ou parcial» a

«declaração de nulidade ou anulação da decisão final do procedimento concursal que deu origem à constituição do vínculo» e a «declaração de nulidade ou anulação da decisão final do procedimento concursal que deu origem à ocupação de novo posto de trabalho pelo trabalhador»

(n.os 1 e 2). Sendo o contrato de trabalho em funções públicas, como se viu, um dos tipos de factos constitutivos do vínculo de emprego público

12 Assim, rebelode SouSA/SAlgAdode MAtoS, DA geral, III2, 393.

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(art. 6.º, 1 LGTFP), são-lhe aplicáveis de pleno aquelas disposições. Ora, a invalidade nelas prevista é, precisamente, uma invalidade consequente, uma vez que resulta da invalidade de actos administrativos anteceden- tes – as decisões finais dos procedimentos concursais que deram origem à constituição do vínculo ou à ocupação de novo posto de trabalho pelo trabalhador13.

A formulação empregue na disposição citada é algo restrita, uma vez abrange de forma directa apenas a invalidade das decisões finais dos procedimentos concursais que deram origem à constituição do vínculo ou à ocupação de novo posto de trabalho pelo trabalhador, parecendo assim excluir a invalidade do contrato em consequência da invalidade de quais- quer outros actos administrativos, incluindo actos interlocutórios praticados no decurso dos mesmos procedimentos previamente às referidas decisões finais (por ex., decisões de admissão e exclusão ilegais de candidaturas ou que tenham indevidamente discriminado candidatos em benefício do trabalhador contratado), bem como actos administrativos não praticados nos mesmos procedimentos em virtude dos quais os actos administrativos finais de tais procedimentos tenham sido praticados (por ex., decisões das quais tenha resultado a abertura da vaga em que foi provido o trabalhador contratado, como sejam aquelas que tenham determinado a demissão ou o despedimento ilegal do trabalhador que antes a ocupava). No entanto, o alcance da disposição em causa é mais amplo do que aparenta. Com efeito, nos termos gerais acima explicitados, sendo as decisões finais dos procedimentos em questão verdadeiros actos administrativos no sentido do art. 148.º CPA, a sua invalidade pode, naturalmente, ser ela própria consequente da invalidade de outros actos administrativos, que podem, por sua vez, incluir-se em qualquer dos grupos acima identificados.

Embora de forma indirecta, o art. 52.º LGTFP aplica-se, portanto, a todas as concebíveis relações de consequencialidade entre actos administrati- vos e contratos de trabalho em funções públicas. Isto não significa, no entanto, que a disciplina nele contida seja satisfatória. Na verdade, tal disciplina suscita uma dificuldade interpretativa e envolve uma distorção valorativa significativa. Como se verá de seguida, ambas são superáveis no quadro normativo vigente, mas pelo menos a segunda recomendaria a introdução de uma alteração legislativa.

13 O carácter consequente desta invalidade não é geralmente assinalado pela doutrina:

por ex., heNriqueS NuNeS, O contrato de trabalho, 48.

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A dificuldade interpretativa resulta da circunstância de, ao contrário do que sucede no regime geral da invalidade consequente de actos e contratos administrativos, o contrato de trabalho em funções públicas se tornar consequentemente inválido não em virtude da mera invalidade do acto administrativo antecedente ou da possibilidade temporal da sua efectivação, mas apenas das efectivas declaração de nulidade ou anulação da decisão final do procedimento concursal que deu origem à constituição do vínculo ou à ocupação de novo posto de trabalho pelo trabalhador [art. 52.º, a), b), LGTFP].

Suscita-se, portanto, a questão de saber se o interessado na efecti- vação da invalidade consequente do contrato terá que começar por pro- mover, num processo separado, a anulação ou a declaração de nulidade do acto administrativo antecedente, só então podendo promover, num segundo processo, a anulação ou a declaração de nulidade consequente do próprio contrato; a questão torna-se mais relevante porque, como se viu, a invalidade da decisão final que, nos termos do art. 52.º LGTFP, dá origem à invalidade consequente do contrato pode, ela própria, ser consequente da invalidade de outros actos administrativos. A solução correcta é a oposta àquela atrás aventada. Nos termos do art. 4.º, 3, d) ETAF, a contrario sensu, e do art. 12.º LGTFP, os litígios emergentes do vínculo de emprego público são da competência dos tribunais adminis- trativos, pelo que seguem a tramitação do processo administrativo. Nos termos do art. 52.º, 1 CPTA, com os pedidos de impugnação de actos administrativos podem ser cumulados outros que com eles apresentem uma relação material de conexão nos termos do art. 4.º CPTA, sendo que, por força da al. a) do n.º 1 daquele artigo, tal acontece sempre que «os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou dependência». Ora, a relação entre actos antecedentes e consequentes constitui precisamente um exemplo de escola de tais prejudicialidade e dependência, na medida em que a invalidade do acto antecedente é pre- judicial em relação à invalidade do acto consequente e a apreciação da última depende, portanto, da apreciação da primeira. Ademais, o art. 4.º, 2, d) CPTA permite expressamente a cumulação do «pedido de anulação ou declaração de nulidade ou inexistência de um acto administrativo com o pedido de anulação ou declaração de nulidade de contrato cuja validade dependa desse acto», o que precisamente sucede no caso em apreço. Note-se que, ao contrário do art. 283.º, 1, 2 CCP a formulação empregue nesta disposição não limita os actos antecedentes aos actos procedimentais em tenha assentado a celebração do contrato, abrangendo

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virtualmente todos os actos antecedentes, portanto mesmo aqueles que não tenham sido praticados no procedimento que deu origem à celebração do contrato. A impugnação contenciosa do contrato de trabalho em funções públicas consequentemente inválido não apresenta, portanto, qualquer especialidade em relação aos moldes gerais da impugnação de actos administrativos ou contratos que padeçam de invalidades consequentes.

A distorção valorativa acima assinalada resulta da assimetria intro- duzida no tratamento dos vínculos de emprego público consequentes de actos administrativos e de contratos. Conforme se referiu acima, o art. 6.º, 3 LGTFP estabeleceu como modalidades daquele vínculo o contrato de trabalho em funções públicas, a nomeação e a comissão de serviço.

A nomeação e a comissão de serviço são, precisamente, constituídas mediante acto administrativo.

Ora, o regime legal substantivo e processual aplicável à invalidade consequente de actos administrativos busca um equilíbrio entre a situação jurídica do interessado na destruição do acto administrativo consequente- mente ilegal, que se funda nas exigências de reintegração da legalidade objectiva e dos seus direitos violados, e a situação jurídica do beneficiário daquele acto, que se funda (ou pode fundar) em exigências de protecção da confiança14. Assim, por um lado, a posição do beneficiário de acto administrativo de nomeação ou constitutivo de comissão de serviço inválido fica protegida pela salvaguarda dos «contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente», na formulação do art. 133.º, 2, i) CPA 1991, concretizada pelo art. 173.º, 3 CPTA, por força do qual os beneficiários de actos consequentes praticados há mais de um ano que desconheciam sem culpa a precariedade da sua situação têm direito não só à indemnização pelos danos sofridos em consequência da anulação, mas também à estabilização da sua situação jurídica quando tais danos sejam de difícil ou impossível reparação e haja manifesta desproporção entre o seu interesse na manutenção da situação e o inte- resse na execução da sentença anulatória. Por outro lado, a posição do interessado na anulação dos mesmos actos é protegida pelo art. 173.º, 4 CPTA, de acordo com o qual a eventual manutenção da situação do contra-interessado nunca pode pôr em causa a situação do primeiro, que fica, na pior das hipóteses, com o direito a ser provido em lugar de categoria igual ou equivalente àquela em que deveria ser colocado, ou, não sendo isso possível, à primeira vaga que venha a surgir na categoria

14 AroSode AlMeidA, Anulação, 408.

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correspondente, exercendo transitoriamente funções fora do quadro até à integração neste.

Ora, com efeito, conforme dele decorre explicitamente, o art. 173.º, 3, 4 CPTA não se aplicam a contratos administrativos, mas apenas a actos administrativos consequentemente inválidos. Os mecanismos de equilíbrio das posições dos interessados na destruição e na manutenção do acto consequente não podem, portanto, aplicar-se aos contratos de trabalho em funções públicas. Sucede que o regime legal que assim resulta aplicável à invalidade consequente de contratos de trabalho em funções públicas não se afigura semelhantemente equilibrado. Nos ter- mos gerais, a efectivação da invalidade de um acto administrativo ante- cedente gera a possibilidade de actuação, por quem tenha interesse em promovê-la, de uma pretensão substantiva à reconstituição de posições jurídicas subjectivas violadas, que, nos termos do art. 173.º, 1 CPTA, implica a necessidade de reconstituir a situação que existiria se o acto administrativo não tivesse sido praticado (situação actual hipotética).

À partida, esta reconstituição implica, naturalmente, a remoção do traba- lhador entretanto contratualmente provido na vaga aberta pela expulsão ilegal do seu antecessor, uma vez que este tem direito à repristinação da situação jurídica anterior e não é possível que o mesmo lugar seja ocupado por dois trabalhadores. A pretensão à reconstituição da situação jurídico-funcional actual hipotética do trabalhador ilegalmente despedido é expressamente reconhecida, sem qualquer mitigação, pelo art. 300.º, 1, b) LGTFP. A manutenção do contrato de trabalho em funções públicas entretanto celebrado só poderia, portanto, manter-se por determinação de alguma disposição legal que afastasse a relevância anulatória da invalidade consequente15. Simplesmente, tal disposição não existe.

O trabalhador que celebrou o contrato de trabalho em funções públicas consequentemente inválido tem a seu favor a salvaguarda dos efeitos pretéritos do contrato consequentemente inválido, nos termos do art. 53.º, 1 LGTFP, mas não tem qualquer pretensão à estabilidade futura da sua situação jurídico-funcional, que ficará, assim, condenada a terminar.

A sua situação é, portanto, muito mais desfavorável do que seria caso o seu vínculo tivesse sido constituído por acto administrativo, caso em que, como se viu acima, nos termos do art. 173.º, 3 CPTA, poderia manter- -se para o futuro caso os danos resultantes da sua destruição fossem

15 Como se sustentou em geral em rebelo de SouSA/SAlgAdode MAtoS, DA geral, III2, 538.

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de difícil ou impossível reparação e houvesse manifesta desproporção entre o interesse na manutenção da situação e o interesse na execução da sentença anulatória.

Esta disparidade de tratamento não tem qualquer justificação substan- cial. Do prisma do interessado na destruição do vínculo consequentemente inválido, não parece que a sua protecção deva variar consoante aquele vínculo tenha sido constituído por acto ou por contrato administrativo, nada justificando, portanto, no último caso um tratamento mais desfavo- rável do contra-interessado; sendo ademais certo que em caso algum o primeiro ficaria prejudicado pela generalização do regime estabelecido para a invalidade consequente de actos administrativos, pois sempre bene- ficiaria de protecção semelhante àquela conferida pelo art. 173.º, 4 CPTA.

Também não se discerne justificação para tal discriminação do prisma do interessado na manutenção do vínculo consequentemente inválido. Com efeito, como se referiu acima, não existe nenhum critério natural para a determinação das situações em que a relação jurídica de emprego público é constituída por acto administrativo ou contrato administrativo, pelo que a opção por uma ou outra hipótese permanece na inteira liberdade do legislador, que tem a exercido sob influência exclusiva de considerações de índole dogmática, ademais arbitrárias, e com oscilação entre soluções diferentes para relações de emprego público dos mesmos tipos funcionais.

Ora, tendo isto em conta, salvo naturalmente naquilo que seja imposto pelos específicos traços de determinada relação de emprego público, como, por exemplo, a sua sujeição ou não a termo certo, não existe fun- damento para uma protecção diferenciada dos trabalhadores em funções públicas vinculados por acto administrativo e contrato administrativo, designadamente em matéria de invalidade consequente daqueles actos.

A situação torna-se mais chocante caso se atente num exemplo concreto:

um trabalhador de uma direcção-geral do Estado, que, até à entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, desempenhava as suas funções a termo incerto ao abrigo de acto administrativo de nomeação, beneficiando, por isso, da protecção conferida pelo art. 173.º, 3 CPTA em caso de invalidade consequente daquele acto, passou, por mero efeito da entrada em vigor daquela Lei, a desempenhar as mesmíssimas funções ao abrigo de contrato de trabalho em funções públicas, passando, portanto, a ficar impossibilitado de invocar qualquer protecção específica contra a invalidade consequente daquele contrato. Parece evidente que não pode haver justificação para isto.

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A desprotecção dos trabalhadores vinculados por contrato de trabalho em funções públicas perante a invalidade consequente desse contrato afigura-se, portanto, como inconstitucional por violação do princípio da igualdade (art. 13.º CPA). Esta inconstitucionalidade não pode ser ultrapassada por uma aplicação analógica do art. 283.º, 4 CCP, uma vez que, como se viu, este diploma excluiu expressamente do seu âmbito objectivo de aplicação os contratos de trabalho em funções públicas e não é legítimo evitar um juízo de inconstitucionalidade com uma inter- pretação (ou integração) conforme com a constituição quando o sentido normativo apurado como resultado inequívoco de determinado processo interpretativo seja inconstitucional16. A única possibilidade de ultrapassar a referida inconstitucionalidade reside, assim, na aplicação analógica do art. 173.º, 3 CPTA (e, sob pena de se incorrer numa simetricamente inconstitucional desprotecção do lesado pelo acto administrativo antece- dente ilegal, também do art. 173.º, 4 CPTA) às situações de invalidade consequente de contratos de trabalho em funções públicas, fundada na absoluta identidade substancial, acima demonstrada, entre tais situações e aquelas previstas na referida disposição.

Esta conclusão não afasta, todavia, a conveniência de uma solução legal. Ora, infelizmente, tal solução não está no horizonte mais próximo, que poderia ser o das reformas do direito do procedimento administrativo e do contencioso administrativo, a última das quais, à data em que se escrevem as presentes linhas, se encontra em curso. Com efeito, o art.

172.º do novo CPA, em vigor a partir de 8 de Abril de 2015 transpôs o regime actualmente contido no art. 173.º CPTA, mantendo a restrição dos n.os 3 e 4 à invalidade consequente de actos administrativos e, por sua vez, o projecto de revisão do CPTA apresentado em 25 de Fevereiro de 2014 não contempla qualquer alteração substancial no actual art. 173.º, mantendo designadamente a restrição dos n.os 3 e 4 à invalidade conse- quente de actos administrativos17, sendo previsível, atenta a transposição do seu conteúdo para o CPA, que não venha a sofrer qualquer alteração.

16 Isto é reconhecido pela doutrina clássica sobre a interpretação conforme com a constituição: por ex., na doutrina alemã, Michel, «Die verfassungskonforme Gesetze- sauslegung», JuS (1961), 274-281 (279); SchAcK, «Die verfassungskonforme Gesetze- sauslegung», JuS (1961), 269-274 (274); na doutrina portuguesa, MedeiroS, A decisão de inconstitucionalidade: os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitu- cionalidade da lei, Lisboa, 1999, 310, 312-313.

17 Assinale-se que, em 2002, na sua tese de doutoramento, AroSode AlMeidA propôs a inclusão no CPTA de um artigo que regulasse especificamente as «consequências da

(14)

Como tivemos oportunidade de sugerir atempadamente, o CPA e o CPTA não são as sedes mais apropriadas para tratar esta matéria.

A ocasião adequada teria sido a revisão da legislação do emprego público que culminou com a aprovação da LGTFP, podendo a disciplina em questão ter sido harmoniosamente incluída no art. 53.º LGTFP. No entanto, o legislador, claramente orientado para a laboralização das relações de emprego público e relevando pouca sensibilidade para as suas dimensões específica e inescapavelmente juspublicísticas, como é o caso das relações entre os actos constitutivos dos vínculos de emprego público e os actos administrativos dos quais depende a sua celebração, não o fez. A matéria da invalidade consequente de contratos de traba- lho em funções públicas ficou, assim, perdida no meio das sucessivas mutações dos regimes jurídicos dos contratos administrativos e dos vín- culos de emprego público. Este perigo de obliteração de problemáticas nuclearmente jurídico-administrativas no verdadeiro turbilhão legislativo impelido pela corrente vaga de privatização da administração pública, nos seus vários sentidos e dimensões, é, por certo, um aspecto relevante a assinalar para memória futura.

anulação de actos praticados no âmbito da função pública», o qual conferiria protecção a qualquer «legítimo interesse de terceiros na manutenção de situações constituídas em seu favor há mais de um ano», independentemente de tal constituição ter operado ou não mediante acto administrativo (Anulação, 554).

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